Diga a senha

03/11/2021

03nov2021

Muitas vezes na vida não percebi que a senha é mais simples, bem mais simples

Diga a senha 01a

DIGA A SENHA

.
Paternidade. Acho bonito. Mas ela sempre soou como uma camisa de força para os meus anseios de voar no imprevisível dos ventos aí pelo meio do mundo. É, não tive filhos… Mas, como Manuel, o Bandeira, trago dentro do peito meu filho que não nasceu.

Felizmente, a vida me deu seis sobrinhos. Quando era pequeno, o mais velho, Levy, que já passou dos 30, começou a me chamar de Dedéi e o apelido familiar ficou. Para os amigos, sou Ricardo, Rica, Kelmer, Kelmito, Kelmérico, Mizifio… Para os sobrinhos, Tio Dedéi, o fulerage.

É assim que também me chama o Caio, que eu chamo de Caiote. Ele tem 9 anos, morou por 4 anos em Portugal com a mãe e recentemente retornou ao Brasil. Quando brincamos de luta, ele é o SuperCaiote. E quando veste sua camisa do Fortaleza, se transforma no SuperCaiote Tricolor, para imenso orgulho do tio. Em breve, iremos juntos ao estádio. Duro vai ser convencê-lo a não levar o tablet.

Um dia, quando ainda era bem filhote, ele passava pela sala e o irmão Levy barrou-lhe a passagem com a perna, e lhe falou, todo sério: “Diga a senha”. Sem entender que nova brincadeira era aquela, Caiote respondeu o que lhe pareceu óbvio, em sua sábia inocência: “A senha”. Levy caiu na gargalhada e liberou a passagem. Quando ele me contou, ri muito também, e achei aquilo de uma simplicidade e profundidade geniais, e desde então adoro barrar a passagem do Caiote e lhe pedir que diga a senha. Ele diz “A senha”, eu libero a passagem, ele passa e pode o mundo enfim seguir seu rumo, liberto do súbito atravanco que um tio e seu sobrinho amado, que não têm nada melhor para fazer, lhe causaram.

Corta para mim, eu aqui costurando esta croniqueta e matutando… Muitas vezes na vida não percebi que a senha é mais simples, bem mais simples. Que a resposta certa era tão óbvia que não me dei conta, e fiquei preso a questões e subquestões que são lindamente filosóficas, mas não têm o poder de subir a cancela e me deixar passar. Infelizmente, devo ter perdido muito tempo e energia, e estragado relacionamentos, e desperdiçado oportunidades, complicando a obviedade das coisas. Putz…

Caiote, você vai crescer, em breve será adulto, e eu estarei velho. Provavelmente, morrerei primeiro, de curva no caminho ou de punhal de amor traído, não sei. Mas até lá, você aguente, pois continuarei sendo o Tio Dedéi fulerage a lhe barrar a passagem e pedir a senha. Só para ver você respondendo outra vez de novo “A senha”. Só para eu nunca mais esquecer daquilo que um dia você, sem querer, me lembrou, e que o corre-corre da vida sempre quer me fazer esquecer. Que a simplicidade é a última das estações.

.
Ricardo Kelmer 2018 – blogdokelmer.com

.

.

LEIA NESTE BLOG

Momentos felizes 01

Momentos felizes – Se tem uma coisa que não é nada criteriosa em relação aos atributos dos candidatos, é a felicidade. Qualquer idiota pode ser feliz

Breg Brothers com fígado acebolado – Encher a cara, curtir dor de cotovelo e brindar a todas as vezes em que fomos cornos…

Maluquice beleza – Já que a formiga só trabalha porque não sabe cantar, Raulzito pegou a linha 743 e foi ser cigarra

Dez segundos para ser feliz – Seus olhos continuam sorrindo mesmo quando ela conta, sem pudor, das imensas bobagens que fez em nome de sua busca por felicidade

Carma de mãe para filha – Os filhos sempre pagam caro pelos pais que não se realizam em suas vidas

Insights e calcinhas – Uma calcinha rasgada pode mudar a vida de uma mulher? Ruth descobriu que sim

.

.

Seja Leitor Vip e ganhe:

– Acesso aos Arquivos Secretos
– Descontos, promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer
(saiba mais)

.

.

Comentarios01COMENTÁRIOS
.

01-
 


Viajando na Maionese Astral cap. 1, 2 e 3

22/12/2020
 

.
VIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL

Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo

Ricardo Kelmer – Miragem Editorial, 2020 .

.
RESUMO
Aos 30 anos, Ricardo Kelmer largou uma banda de rock para liderar um aloprado grupo esotérico que planejava salvar o mundo e lançou-se como escritor com um livro espiritualista de sucesso, hoje renegado. Enquanto relembra as pitorescas histórias desse tempo, ele nos conta curiosidades da carreira literária, reflete sobre sua relação com o feminino, o xamanismo, a filosofia taoísta e a psicologia junguiana, e, com bom humor e ironia, revela intimidades nos departamentos do amor e da amizade, do sexo e da boemia, da prostituição e das drogas ilegais, dos fracassos e das crises existenciais. Como pano de fundo das memórias, vê-se a trajetória de um líder de grupo de jovens católico que se transformou em falso guru da nova era e, por fim, em ateu combatente do fanatismo religioso e militante na luta antifascista.

> Na página do livro: texto de apresentação, comentários de leitores, curiosidades

.

cap 1
ESQUELETOS DO PASSADO

.
arqueologia da psique

Eu tinha 28 anos, morava nos braços dengosos da minha loirinha desmiolada de sol, também conhecida por Fortaleza, e cursava Letras na Universidade Federal do Ceará (UFC). Trabalhava como atendente numa clínica veterinária e, em paralelo, faturava um extra fazendo produção de eventos e festas temáticas. Era 1992, e o velho sonho de ser escritor profissional, que me possuíra a alma ainda na infância, resistia, sim, mas com tantos afazeres, e precisando atender também às obrigações boêmias, não me sobrava tempo nem disposição para escrever.

Essa situação me angustiava que nem uma gravata apertada, mas, por outro lado, eu sabia que a carreira de escritor é muito incerta e que assumi-la exigiria sacrifícios que eu não estava disposto a pagar. Sim, pode me chamar de covarde, eu era isso mesmo, e essa covardia começava a travar meu processo de autorrealização, que Jung chama de individuação, e que eu ainda não sabia o que era, mas saberia alguns anos depois, quando fosse apresentado à psicologia junguiana.

Resumindo: meu futuro literário cada vez mais se resignava a um triste e desmilinguido cantinho naquela tal prateleira da vida inteira que poderia ter sido e que não foi, como diria Manuel Bandeira, meu poeta preferido.

Então…

(musiquinha de suspense)

Então, tudo começou a mudar no dia em que eu soube de uma palestra sobre sonhos e experiências fora do corpo. Eu não podia imaginar que isso abriria as portas do meu destino.

Antes, porém, de prosseguir, permita-me voltar no tempo. Tentarei localizar, feito arqueólogo da psique, restos fossilizados de minhas experiências com as letras, a religiosidade e o feminino. Isso me ajudará a entender melhor minha própria trajetória, as minhas mortes e a aventura bizarra que estava prestes a acontecer.

magia dos livros

Nascido em 1964, em Fortaleza, capital desse chão mítico que chamamos Ceará, vivi nela toda a infância e a adolescência. Família classe média, e depois média alta. Sou o mais velho dos quatro irmãos, mas tive uma irmã mais velha, Gina, que morreu com dois anos, de hidrocefalia, o que fez com que meu nascimento fosse cercado de muita expectativa. Educação católica, em casa e nos colégios. Moramos no Centro e na Parquelândia, e em 1972 mudamos para o Cocó, o que me possibilitou um fim de infância em contato com a Natureza: dunas, mato, lagoa, praia, bichos soltos pelas ruas e muita cobra passeando faceira dentro de casa. Era um privilégio.

Aos 6 anos, me apaixonei pela professora do colégio Cristo Rei, que apenas sorria da minha paixão envergonhada. Infelizmente, ela não quis nada comigo. Desconfio que foi pela diferença de idade, as pessoas não iriam aceitar – tudo bem, Eliane, eu entendo. Era o arquétipo do feminino já a me seduzir em suas múltiplas e irresistíveis manifestações, eu tão novinho, coitado…

A primeira experiência marcante com livros se deu aos 7 anos, no colégio Santo Inácio. Uma vez por semana, íamos à biblioteca, que funcionava numa pequena sala. Putz, eu adorava! Um dia, no momento de voltar para a sala de aula, me escondi sob a mesa. Meus colegas saíram, a professora apagou a luz, saiu e trancou a porta. Fiquei lá sozinho, envolvido pela penumbra, naquele imenso e solene silêncio… De repente, eu tinha todos os livros do mundo só para mim, que maravilha. Foram apenas alguns minutos, até a professora vir me buscar, mas algo muito sério aconteceu naquela biblioteca. Acho que o universo mágico dos livros se abriu para mim e fui invadido por uma sensação de encantamento. Uma experiência numinosa, foi isso que vivi, hoje sei. Na verdade, acho que nunca mais saí daquela sala. Continuo lá, em estado de maravilhamento, fora do tempo…

Aos 8 anos, contraí uma pneumonia que quase me mandou para a tumba. Sem poder ir ao colégio, passava o tempo entre os livros do Tarzan e os quadrinhos do Príncipe Valente e do Homem Aranha*. Tinha também a turma da Mônica, com aquele personagem que me fascinava, o Louco. Sem falar dos personagens da Disney, claro, ah, o Manual do Escoteiro Mirim… Se existia um paraíso, naqueles dias eu morei nele de pijama. Foi assim, fugindo da morte, que me veio a ideia: quando eu crescesse, escreveria histórias como aquelas para os outros lerem. Promessa é dívida, viu, menino?

Agora, meu primeiro e vergonhoso delito. Ele ocorreu justamente por conta dessa incipiente paixão pelos livros. Quando tinha 9 anos, participei de uma gincana no colégio, na qual os alunos que conseguissem vender certa quantidade de selos ganhavam como recompensa uma coleção de livros com os contos folclóricos dos Irmãos Grimm. Sai oferecendo os selos aos colegas, à família, aos vizinhos, a desconhecidos na rua… Como não consegui vender todos, decidi roubar dinheiro da bolsa da minha mãe, e foi assim que, para minha felicidade, adquiri os livros. Porém, dona Vilminha deu pela falta do dinheiro e tive que confessar meu crime. Como não quis dizer que roubara para comprar livros, criei uma justificativa que julguei mais nobre e aleguei que roubara o dinheiro para dar para a moça que trabalhava em nossa casa. Ela, coitada, ficou muito surpresa e negou tudo, claro, e no fim meus pais felizmente entenderam que ela não tinha culpa, mas agora sabiam que tinham um filho literato e ladrãozinho.

Anos depois, esse episódio ressurgiu em minha lembrança e fui tomado de imensa vergonha, e me assustei com minha atitude. Isso acendeu uma luzinha vermelha em meu processo de autoconhecimento e me serviu de alerta para o quanto eu podia ser egoísta, falso, mesquinho e covarde em nome dos meus objetivos.

religião, morte, versinhos, sacrilégios

Aos 10 anos, como todo bom menino católico, fiz a primeira comunhão e lembro que me senti muito frustrado, inconformado mesmo, porque Jesus não apareceu para mim quando recebi a hóstia, contrariando a expectativa que alimentei por um ano inteiro. Isso me incomodou, mas não tanto quanto um fato ocorrido dias antes, que guardo como o primeiro questionamento filosófico de minha vida*.

Esperávamos a aula começar, quando um padre do colégio distribuiu para os alunos um folheto com a imagem de Jesus e um texto sobre a eucaristia. Enquanto eu lia, um colega ao lado ergueu seu folheto e o rasgou em pedacinhos, dizendo, com raiva, que aquilo tudo era mentira. Fiquei perplexo, sem acreditar. Tentei entender por que ele fazia aquilo, mas logo um pensamento mais profundo e inquietante me tomou: então aquilo era possível? Alguém podia fazer o que meu colega fizera e não ser instantaneamente fulminado por um raio vindo do céu?

Eu sabia que, embora o colégio fosse católico, os alunos não eram obrigados a fazer a primeira comunhão, mas até então eu jamais cogitara, sequer por um segundo, a ideia de que era possível não ter religião ou, pior, não crer na existência de Deus. Pela primeira vez, eu enxergava um pouquinho além da redoma religiosa dentro da qual fora criado.

Relevei a atitude do rebelde colega e perdoei a Jesus por não ter aparecido para mim, até porque eu tinha consciência de que era um menino abençoado, pois já escapara das garras da morte por quatro vezes. Sim, quatro. A pneumonia eu já contei, mas, anos antes, a rede onde eu dormia pegou fogo e assei dentro dela feito churrasquinho até conseguirem me tirar. De outra vez, atravessei a avenida correndo e, bufo!, fui atropelado por um fusca, e a porrada foi tamanha que minha cabeça afundou o capô. Não morri nesse dia por ser cabeça-dura. Depois, me afoguei na piscina do clube e, quando meus pais se deram conta, eu já estava lá no fundo, bem quietinho. Até hoje ponho água para fora.

Versinhos para as professoras no dia do aniversário delas – confesso que eu fazia isso. E elas adoravam. Dona Conceição, por exemplo, achava lindas as redações que eu escrevia, e eu fazia questão de caprichar só para ganhar seu abraço apertado e afundar a cabeça entre seus peitões. Eu começava a descobrir os prazeres da literatura…

Sabe o Peninha, o primo destrambelhado e metido a esperto do Donald, que era repórter do jornal A Patada, do Tio Patinhas, e que nas horas vagas se transformava no intrépido Morcego Vermelho? Era o meu personagem Disney favorito. O Manual do Peninha virou meu livro de cabeceira. Então, negativamente influenciados pelo Peninha, meu primo Jamiro e eu fundamos um jornal. A sede ficava na garagem da casa dele, e tudo que tínhamos era uma centenária máquina de escrever faltando várias teclas, umas folhas de papel já usadas de um lado e papel-carbono. Revelando toda nossa criatividade, batizamos o jornal de… A Patada. Meu primeiro trabalho, ah, foi inesquecível: entrevistar Emerson Fittipaldi, o bicampeão de Fórmula 1. Coisinha simples, para começar. Então, saí pelas ruas do Centro, munido de caneta e bloquinho de papel, a procurar pelo grande piloto, mas ninguém soube me informar onde ele morava, até porque ele nunca morou em Fortaleza. Nosso jornal teve a expressiva quantidade de zero edições. Foi meu primeiro fracasso profissional.

Mas não desisti. Em seguida, criei um jornalzinho caseiro com notícias do cotidiano familiar: a goiabeira deu a primeira goiaba, a cadela rasgou a cueca do papai, meu irmão pegou meus brinquedos sem me pedir permissão… Era uma folha de papel escrita e colorida a mão, fixada à parede da sala. Chamava-se… Fofocal. Para você ver como desde pequeno eu me supero no ridículo. Ninguém gostou do jornal, principalmente meu irmão delatado Marcio, e o Fofocal morreu no lançamento. Meu segundo fracasso profissional. Vai anotando.

colégio militar, orgasmo, o feminino, contos eróticos

Então, aos 10 anos, passei no concurso e virei aluno do Colégio Militar*. Fui para lá porque o ensino era considerado excelente e seria uma boa economia para meus pais, pois era quase gratuito. Além disso, meu pai queria que eu seguisse a carreira militar, cursar a Academia das Agulhas Negras, quem sabe até ser Presidente da República… Bem, concedamos um desconto à megalomania paterna: estávamos em 1975, na ditadura militar, e a carreira de milico representava um futuro financeiramente tranquilo.

No início, ser aluno do Colégio Militar me empolgou, tudo era novidade, e eu andava nas ruas com orgulho do meu uniforme, percebendo os olhares que nos lançavam as meninas do colégio Imaculada Conceição. Eu, que era ótimo aluno de Português e Redação e amava as crônicas da série Para Gostar de Ler, passei a relatar minhas experiências numa série de textos que intitulei Os Melhores Momentos da Minha Vida. Boa parte deles falava das festinhas e da grande emoção de dançar com as meninas. Ainda não eram contos eróticos, mas tenha calma que logo chegaremos lá.

Quer saber como foi meu primeiro beijo de língua? Deu-se por essa época. Foi bom, mas infelizmente ela não mexia a língua. Na verdade, ela não tinha língua, a coitada. Chamava-se Amiguinha*, era uma boneca quase do meu tamanho, da minha irmã mais velha. Eu treinava com Amiguinha para quando fosse beijar as meninas do Imaculada, o que jamais chegou a acontecer, ô iludido.

Minha mãe tinha um Bel Linha, um aparelho vertical de massagens para eliminar celulite. Em pé, a pessoa encaixava a cinta vibracional ao redor da cintura, nas pernas ou na bunda, ligava e ela vibrava, massageando. Um dia, testando o aparelho, me virei de costas para ele, encaixei a cinta abaixo da cintura e liguei. No início, a vibração fez cócegas, mas logo depois a sensação ficou boa, ficou gostosa, ficou muito prazerosa e, ops, o que é isso, tô sentindo uma coisa estranha… aaaaaahhhh… Foi assim, aos 10 anos, o meu primeiro orgasmo, que eu não sabia nem que tinha nome, e descobri que aquilo me deixava meio tonto e feliz, e descobri também que, mesmo querendo mais, tinha que esperar um tempo até poder repetir. Uau, aquilo era melhor que brincar de Forte Apache. Solidário, avisei aos meus irmãos sobre a incrível descoberta, e eles experimentaram, mas não se entusiasmaram. Fiquei viciado no Bel Linha, a tal ponto que dona Vilminha precisou trancar o quarto, caso contrário eu passaria a tarde inteira lá.

No segundo ano ginasial, fiquei conhecido no Colégio Militar: venci o 1° Campeonato de Futebol de Tampinha, promovido pelo grêmio. Fui o campeão, duelando contra os melhores jogadores, inclusive caras mais velhos. Foi o máximo! Das conquistas que tive na vida, foi esta, aos 12 anos, a mais valiosa de todas, pois ela me deu a certeza de que eu era capaz. Se eu não tivesse perdido minha medalha de ouro, ainda hoje andaria com a bichinha pendurada no pescoço.

Nesse mesmo ano, aconteceu meu primeiro namoro. Durou apenas três dias, mas vale como registro, inclusive porque ele trouxe o segundo questionamento filosófico da minha existência. Eu gostava das minhas duas vizinhas, que eram amigas, e ambas me queriam. Fiquei terrivelmente angustiado com a necessidade de escolher apenas uma delas. Por que não as duas, por que tinha de ser assim, por quê? – eu não me conformava. Infelizmente, precisei escolher. Então, com todo o pragmatismo que um adulto de 12 anos pode ter, escolhi a que tinha piscina em casa. Mas a outra não se conformou e, para aumentar minha angústia, insistiu para que eu mudasse minha decisão, o que quase ocorreu. Putz… Foi minha estreia nesse improdutivo embate, que eu travaria pelos trinta anos seguintes, contra a pior das monogamias, a compulsória. Voltarei a este tema depois, prometo.

Um ano mais nova que eu, minha irmã Ana estudava no Imaculada. Então, conheci suas colegas e passei a aguardar ansiosamente pelas tardes em que elas iam estudar lá em casa. Ah, eram dias especialíssimos… Eu ficava estudando em meu quarto, aguardando pelo momento em que elas paravam e iam tomar banho. Era um lindo filme que eu assistia escondido, trepado num banco no corredor lateral da casa, eu lá observando por entre as frestas da janelinha no alto, ladrão de intimidades, fascinado pela transcendental visão das meninas nuas a se ensaboar, meu coração acelerado, a alma em total alumbramento, eu tremendo de assombro e prazer…*

Foi assim, aos 13 anos, inspirado pela poesia do feminino, que o Jeitoso, atuando ao sul do umbigo, se impôs em minha vida e passou a ser cogerente das minhas decisões. O Jeitoso só ganharia esse nome muitos anos depois, e eu nem lembro mais quem o batizou assim, mas o fato é que lá estava eu, adolescente com espinhas na cara, a penetrar de vez a dimensão sexual da existência.

Você lembra dos contos eróticos da revista Ele Ela? Eles me motivaram a escrever meus primeiros contos, expressando as safadices que eu desejava fazer com as mulheres. Durante as aulas, meus textos circulavam discretamente entre os colegas, que liam com a sofreguidão típica dos adolescentes lotados de hormônios. Um dia, o professor de português descobriu, pegou a folha de papel e leu em silêncio, em pé ao meu lado. E eu lá, suando de nervosismo e vergonha. Em certo momento, ele comentou surpreso uma passagem que falava de uma… “abordagem anal”. Putz! Expulsou-me da sala? Não. Devolveu a folha e disse que estava bem escrito, mas que eu devia prestar mais atenção às aulas. Que alívio!

Susto grande, mas segui escrevendo contos eróticos. Um dia, minha mãe descobriu o caderno no qual eu os escrevia e, indignada, deu um sumiço naquela pouca-vergonha. Dona Vilminha deve ter ficado especialmente horrorizada com um conto cujas protagonistas eram as funcionárias da loja dela, ou com um outro no qual me aproveito da embriaguez da minha prima. Entendo perfeitamente sua preocupação, mamis, mas de nada adiantou, eu já era um Marquezinho de Sade.

poeta e místico

Por essa época, comecei a cometer meus poemas, que variavam entre dramas amorosos, erotismo e misticismo, e alguns com uma vaga temática social. E, como achei que podia ser músico, tive aulas de violão. Eu me imaginava tocando canções para as meninas, em noites ao luar, todo galanteador. Cheguei a compor uma música, absolutamente horrorosa, cujo refrão era uma pérola de criatividade (Amor, eu te amo, amor, eu te amo, amor, eu te amo…) e que, naturalmente, se chamava Amor, Eu te Amo. Imagine a cena: eu tomei coragem e finalmente me declarei à garota, e toquei a música para ela, que escutou com atenção e depois chorou, chorou muito… com pena de mim. Não, isso não rolou, mas com certeza é o que teria acontecido. Felizmente, desisti logo do violão. Mas a música não desistiria de mim, como você em breve verá.

Após quatro anos no Colégio Militar, o que antes era empolgante virou insuportável. O ar repressor, aquela ênfase na autoridade e na obediência, o cabelo raspado… Isso tudo entrou em conflito com minhalma de poeta rebelde e meus casos de indisciplina se tornaram frequentes. E, putz, eu queria estudar num colégio que também tivesse alunas! Preocupados, meus pais me puseram em outro colégio. Foi assim que perdemos a chance de ter um general na família.

No novo colégio, o Marista, também católico, havia alunos homens e mulheres. No início, eu ficava nervoso diante delas, a voz desafinava e me atrapalhava todo, era uma lástima. Estava intimidado pela grandeza do feminino. Elas eram tão lindas, tão sensuais, e eu me perdia de admiração de vê-las passar… As curvas de seus corpos, as protuberâncias, o jeitinho de mexer no cabelo, aquela força indefinível que elas exalavam – tudo no universo feminino era belo e me inspirava textos, que, mesmo envergonhado, passei a mostrar para elas. Virei o poeta da turma. E descobria que, se não era o mais bonito, o craque do futebol ou o bom de briga, podia impressionar as garotas com as palavras.

Aos 15 anos, meu primeiro Carnaval, para valer. Uau, foi uma das mais impactantes descobertas de toda a minha vida. Então, era aquilo o Carnaval? Toda aquela alegria, a embriaguez, a licenciosidade – era perfeito! Até hoje, quando ouço Moraes Moreira, me vem a lembrança do cheirinho da loló. Infelizmente, eu era tímido demais, desses que fica a noite inteira tomando coragem para chegar junto da musa e sempre volta para casa arrasado e odiando a si próprio. Bem, ao menos nos poemas eu podia ser um folião safado e feliz.

Em paralelo à literatura, me interessavam também assuntos ligados a psicologia e potencialidades da mente. Li alguns livros, como o Método Silva de Controle Mental, e comecei a perceber a importância de uma rígida disciplina mental para alcançar os objetivos.

E lia também sobre parapsicologia, ocultismo e bruxaria. Nessa época, vi o filme O Exorcista* (do diretor William Friedkin, baseado no romance de William Peter Blatty). Eu sabia que era um filme apavorante, e meus pais me aconselharam a não ver. Mas encarei tudo como um desafio pessoal – se o Diabo existia mesmo, eu queria medir forças com ele. Doces ilusões… É claro que o Diabo existia – mas apenas nas minhas crenças, e ao longo da vida eu teria boas oportunidades de confrontá-lo, sempre que fosse tentado a ser infiel às minhas verdades.

Então, fui ver O Exorcista. Putz… Quase me caguei nas calças de tanto medo. Nessa noite, precisei dormir no quarto dos meus pais, eu, marmanjo de 15 anos, que ridículo. E minha mãe: Eu te disse, eu te disse… Dias depois, queria ver o filme novamente, tão fascinado que fiquei.

E havia os sonhos. Eis um tema que desde cedo me encantou. Onde minha noção do eu ficava quando eu dormia? O que em mim prosseguia funcionando, gerando sonhos? Seria o estado de sono uma espécie de passagem para outras dimensões da realidade? Ah, os sonhos eram mistérios fascinantes, e todas as noites eu adormecia como alguém que caminha, reverente, para a grande verdade… mas no outro dia acorda frustrado por continuar sem conhecê-la.

grupo de jovens, posfácio de espirro

Em 1981, existia um retiro espiritual que era moda entre a turma. Aos 16 anos, participei de um desses, organizado pelos padres da paróquia de São Vicente. O retiro ocorria num sítio na Água Fria e objetivava sensibilizar ao máximo os adolescentes com depoimentos, palestras e vivências. No último dia, à tarde, acontecia o clímax do evento: a equipe “da pesada”, que trabalhava na cozinha e na limpeza, mas permanecia estrategicamente oculta, era apresentada, e eram entregues as cartinhas que os “mensageiros” recolheram com os familiares dos participantes. Enquanto eram entoados cânticos de louvor, a garotada lia as cartinhas e muitos choravam e se arrependiam de seus horrendos pecados. Eu? Bem, eu quase me acabei em lágrimas, sensibilizado pela súbita percepção de que Jesus, o filho de Deus, se sacrificara por mim naquela cruz. Por mim. Como não se sentir desgraçadamente culpado?

Após o retiro, integrei o ENJOP, o Encontro de Jovens da Paróquia da Paz*, um grupo criado para reflexão bíblica e ação na sociedade, dentro do espírito das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e da Teologia da Libertação. Foi aí, aos 16 anos, que eu, adolescente de classe média alta e filhinho de papai, adquiri um início de senso de justiça social. Coordenei esse grupo e também uma das edições do retiro, onde dava palestras sobre Francisco de Assis, e criei um jornalzinho mensal voltado aos jovens da paróquia, do qual eu era o faz-tudo. Chamava-se O Mensageiro e era impresso em mimeógrafo, algo que você, se tem menos de cinquenta, certamente não faz ideia do que seja, e nem vou dizer para você ficar na curiosidade. Foi meu terceiro jornal, e este durou cinco meses.

Eu levava a coisa tão a sério que passei duas viradas de ano em retiro, rezando pela paz no mundo, acredita? Como sabemos, não adiantou nada, a humanidade segue em sua desgraça. E mais: eu cogitava entrar para o seminário e ser padre – juro que é verdade. Quando soube, meu pai aprovou: É uma boa, pois padre não paga aluguel, almoça de graça e não precisa registrar os filhos. Seo Galvonis até tinha razão, mas aí namorei uma colega do grupo, depois outra, e desisti desse negócio de batina. Perdemos a chance de ter um bispo na família.

O fervor religioso duraria dois anos. O filhinho de papai agora cursava Comunicação Social na UFC e descobria os demoníacos prazeres da boemia. Comecei a me sentir oprimido por aquela filosofia controladora feita de culpa e pecado e questionei os dogmas do cristianismo. O ambiente desbundado da faculdade, os barzinhos e o amor pelas artes, em especial a literatura, eclipsaram qualquer sacrifício que Jesus pudesse ter feito por mim, e então larguei o grupo de jovens, deixei de ir às missas e o cristianismo perdeu um adepto.

Segui minha vida, sendo um místico sem religião, mas que gostava de estudá-las e de explorar os mistérios. Frequentei centros espíritas e terreiros de Umbanda. Não acreditava mais no Deus cristão, nem em Céu e Inferno, e no lugar dessas coisas pusera uma energia cósmica impessoal que não julgava a ninguém. Eu rumava para o ateísmo, mas ainda precisava crer em algo do reino do sobrenatural, e não tinha posição definida sobre o pós-morte, espíritos e reencarnação. Eram ideias interessantes, mas carentes de comprovação.

Foi nesse período que senti que precisava me livrar de uma mania adquirida na infância. Quando pequeno, minha avó materna me ensinara uma mandinga: sempre que espirrasse, devia falar “Ave Maria”, para a Virgem me proteger de doenças. Era um posfácio de espirro. Porém, como eu já não era cristão, não mais fazia sentido. O diacho é que, após quinze anos de repetições, eu estava tão condicionado que a mania continuou firme e, comecei a me achar o ex-cristão mais ridículo da galáxia.

Talvez se eu trocasse a fala da mandinga… Então, chamei o poeta Manuel Bandeira para me acudir com seu poema Vou-me embora pra Pasárgada, que era meu lema de vida. Posfácio por posfácio, que fosse um que eu acreditasse, né? E funcionou. Agora, eu espirrava e, em vez de “Ave Maria”, emendava imediatamente com “Vou-me embora pra Pasárgada”. Esse posfácio durou vinte anos, e depois vieram outros, criados de acordo com a fase que eu vivia. Atualmente, é “Vida que frutifica”. Cada doido com sua mania.

faculdade, viagens, excomunhão

Devorador de livros da biblioteca do Centro de Humanidades, um dia, aos 18 anos, descobri O Encontro Marcado*, romance de Fernando Sabino. A leitura foi impactante e me fez ver que eu não tinha opção: ou seria escritor ou morreria frustrado. Embriagado dessa certeza, uni-me ao colega Roberto, datilografamos uns poemas nossos, montamos um livretinho de bolso com oito páginas grampeadas e lhe demos o nome de Tanto Faz como Tanto Fez. Fizemos duzentas cópias e saímos vendendo para os colegas e na rua. Com o arrecadado, enchíamos a lata de cachaça e brindávamos à poesia e à amizade. Embora de um modo bastante simplório e descompromissado, aquilo me pareceu o primeiríssimo passo de uma carreira literária.

Não concluí Comunicação Social, mas fiz amigos na faculdade que seguem comigo até hoje, li toneladas de bons livros, participei da minha primeira campanha política engrossando a massa que gritava Diretas Já e fui apresentado, pelo amigo Alberto, a Ypê, a mais transcendental das canções de Belchior*. Embriaguei-me após as aulas nos botecos da redondeza, conheci a maconha e viajei de semileito para aqueles dionisíacos encontros de estudantes. Num deles, em Campinas, conheci um poeta gaúcho, Edgar*, e nos anos seguintes fomos companheiros de saborosas viagens pelo Brasil, regadas a violão, cachaça, Bandeira, Pessoa e Vinicius, morrendo toda noite de paixão pelas ninfas que cruzavam nossos caminhos. Com Edgar, aprendi: viver não é preciso, flanar é preciso.

Em 1985, aos 20 anos, dei uma de mochileiro e fiz uma viagem de dois meses, passando pelo Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, vendendo artesanato cearense para me sustentar na estrada. Foi meu primeiro movimento significativo de lançar-me nas incertezas do mundo, longe da segurança de casa. A viagem começou com dois dias de ônibus para o Rio para curtir a primeira edição do Rock in Rio*. Sabe o Ozzy Osbourne? Enquanto ele berrava no palco, eu, no meio daquela plateia de cem mil pessoas, fumei um baseado e tive minha primeira lombra torta, tão torta que fui parar na enfermaria tomando glicose na veia. Apaguei na cama e acordei ouvindo Rod Stewart cantando You´re my Heart. Já recuperado, saí correndo, driblei a segurança e voltei para a plateia. Coisas de jovem imortal, você sabe.

Agora, vamos a mais um delito. Eu tinha um caso com uma garçonete (ai, as garçonetes) de um bar na Santos Dumont. Eu ia lá nos fins de noite só para ganhar um agrado dela: sentava na última mesa do mezanino, que era bem escuro, pedia uma cerveja, a garota trazia e, muito dadivosa, aproveitava o ensejo e me servia um prestativo boquete. Pois bem. Um dia, ela me avisou que estava grávida. Grávida de mim. Putz. Eu, que nunca quis ser pai, respirei aliviado ao saber que ela também não queria ser mãe, e decidimos pelo aborto, que foi feito em condições simplórias na residência de uma enfermeira aposentada – era o que podíamos pagar. Foi uma experiência difícil para nós dois, e enquanto acompanhava a recuperação da garota, senti-me diminuído ante sua força e coragem, e percebi que a tal fragilidade das mulheres é uma grande mentira, estrategicamente construída pelo patriarcado. Eu tinha 20 anos e o episódio me fez avançar um pouco mais na percepção do machismo e na histórica questão da opressão da mulher, e, ao mesmo tempo, me causou a excomunhão da Igreja Católica. Sim, de acordo com o código de direito canônico, aborto é um dos casos de excomunhão automática (latae sententiae). Você aí que me lê, talvez você também seja um excomungado e não sabe.

E os meus textos? Começando a rarear. Eu estava inspiradíssimo para viver a poesia da vida, é verdade, mas nem tanto para escrevê-la.

Dos 17 aos 23, trabalhei como contínuo de loja de presentes, escriturário do Bradesco, redator de publicidade, vendedor de malha de Petrópolis, representante comercial de rádio e jornal e, tchan-tchan-tchan-tchan!, fornecedor de lança-perfume para os amigos. É bom registrar, anota aí, que também fornecia para respeitáveis senhoras e senhores da alta sociedade em festas no clube Náutico. Poizé, ganhei uma graninha boa explorando a velha e natural necessidade humana de estados especiais de consciência. Sim, natural, veja o caso das crianças: elas adoram rodar e rodar até cair tontas no chão. E admito que, sim, me aproveitei das donzelas desavisadas, esguichando o cloreto de etila na gola da minha camisa, quer experimentar, cheira aqui, vem logo antes que evapore…

Badauê, Breg Brothers e Belas da Tarde

Minha vida boêmia teve início aos 15 anos, em 1980. Até o início do milênio seguinte fui rato de balcão de duas centenas de bares, entre eles o inesquecível Cais Bar*, na Praia de Iracema, cujo sócio, Ernesto, se tornaria, anos depois, um querido parceiro musical*. Não posso deixar de citar Papito, o homem que mais teve bares no mundo. Num deles, o Outras Palavras, em 1991, eu pregaria no flanelógrafo meu exame negativo de HIV – naqueles dias em que a AIDS nos aterrorizava a todos, foi a melhor maneira que encontrei de fazer autopropaganda.

Porém, eu queria ter o meu próprio bar. Então, em 1988, com os amigos Paulo e Nelsinho, montamos o Badauê*, na Praia de Iracema. Foi um sucesso, graças, principalmente, às nossas namoradas-garçonetes, as estonteantes Silvinha, Roberta e Patrícia, que ganhavam tanta gorjeta que chegavam a nos emprestar dinheiro. No caixa do bar, abusando de seu charme, minha irmã caçula Luce, menor de idade, que aceitou receber o salário em cerveja. E os shows? Putz, cada um mais antológico que o outro. O melhor foi o da banda Os Necessários, do “felomenal” Zé Di Bedis, e o melhor dos piores foi o do grande Toinho Martan, que teve como título esta preciosidade: Eu Não Tô In, Tô Out.

Ai, Badauê… Foi muita birita, muitas noites de libertina alegria que prosseguiam de manhã na barraca Subindo ao Céu e, é claro, muita reclamação da vizinhança. O bar era simples, de estilo rústico e com várias árvores, e no mezanino pusemos colchonetes e redes – era para lá, no meio da madrugada, o bar lotado, que levávamos as amigas que exageravam na birita, para elas dormirem um pouquinho. Poizé, o Badauê tinha essa nobre preocupação social… Aliás, até hoje corre uma lenda que diz que fazíamos altas orgias na caixa dágua, tomando banhos coletivos na mesma água que era usada para lavar os copos. Não nego e nem confirmo, mas deixo aí uma pista para o segredo da receita da nossa supercaipirosca.

Infelizmente, por discordâncias internas, o bar durou apenas nove meses, sim, só isso, fechando em 1989, um fracasso que até hoje lamento. O Badauê brilhou tão intenso e cruzou os céus de nossa juventude tão rapidamente que não temos nenhuma foto desses dias, pode isso, produção?

Enquanto o bar fechava, para compensar a tristeza, surgiam Os The Breg Brothers*, a banda brega satírica que criei com os amigos Jabuti e Cadinho para celebrar a cornagem, e que tinha como vocalistas Dani e Luce, minha maninha, que depois do Badauê se desencaminhara de vez na vida, coitada. Ah, era um velho sonho meu, ter uma banda, compor músicas… Sonho que durou apenas dois shows, que fizemos no Pirata Bar, pois Jabuti foi morar em Teresina e depois esticou para Berlim. Mais um fracasso, para eu deixar de ter ilusões com a vida artística. Não espalha, por favor, mas até hoje me acabo na cachaça a cantar Menina do Lacinho Cor de Rosa.

Em 1990, com a certeza de que ganharia um bom dinheiro, vendi meu fusca, o saudoso Lombriga, e fui com o amigo Dudu morar em Manaus, vender água de coco congelada. Lá estava eu, novamente, a me lançar no mundão incerto, dessa vez me aventurando numa jogada bastante arriscada. Em Manaus, tomei muito guaraná Baré e matei a curiosidade de experimentar cocaína, e logo da pura, e percebi que ela não combinava comigo, pois me deixava muito ansioso. E o negócio da água de coco? Não deu certo. Perdi feio nessa jogada. E nem fui corajoso o suficiente para continuar por lá. Outro fracasso, que me faria, a partir daí, temer as grandes mudanças da vida. Porém, a experiência ao menos renderia, anos depois, um dos meus contos mais conhecidos, O Presente de Mariana*.

E os textos desse período? Quase nada, infelizmente.

Para recomeçar a vida após o fracasso de Manaus, passei a cursar Letras, na UFC, enquanto trabalhava na clínica veterinária de meus pais. Ao mesmo tempo, era produtor de festas temáticas, como A Noite do Rei Lagarto (Como Jim Morrison comemoraria em Fortaleza os 25 anos de sua morte), que fiz em 1991 para o meu ídolo*, e era um dos organizadores de um bloco de pré-carnaval chamado Bonecas da Volta, que depois se chamaria Belas da Tarde*, no qual eu e os amigos, bêbados e vestidos de mulher, desfilávamos pela cidade num trenzinho infantil berrando as músicas da Xuxa. O bando de vândalas invadíamos os hotéis para agarrar os gringos e beber o uísque deles, e ainda pegávamos a lagosta do prato e saíamos comendo. Putz, era muito desmantelo.

Então, estamos agora em 1992. Nove anos antes, eu tivera aquela forte revelação sobre meu destino de escritor, enquanto lia O Encontro Marcado, mas passado todo esse tempo, eu continuava acovardado no mesmo lugar, dividido entre mil afazeres e escrevendo pouquíssimo, o que me deixava cada dia mais frustrado. Eu tenho 28 anos e estou indo para a palestra que mudará para sempre minha vida.

.

.

cap 2
O DESTINO BATE À PORTA

.
batismo na conscienciologia

A palestra era do IIPC (Instituto Internacional de Projeciologia e Conscienciologia), que tinha sede no Rio de Janeiro e do qual eu jamais ouvira falar. Soube dela por Eduarda, uma garota que era cliente da clínica veterinária de meus pais, que trabalhava com turismo e com quem eu já trocara umas ideias sobre literatura, música e misticismo.

A projeciologia é um ramo da conscienciologia, que trata de temas como evolução da alma (que o IIPC chama de consciência), experiências fora do corpo (projeções da consciência), energias psíquicas, vida após a morte, reencarnação, espíritos e guias espirituais. As ideias se pareciam com o espiritismo, mas a abordagem se pretendia mais científica e usava terminologia própria, mais técnica e menos moralizante. O IIPC não trabalhava com a hipótese de Deus, mas admitia a existência de seres superevoluídos, já libertos da série de encarnações no plano físico. No geral, a ênfase era no aprimoramento da lucidez do indivíduo, na vida física e nos períodos entre vidas, com o objetivo de se tornar um ser superevoluído.

Eu nunca vira um espírito na vida. Curtia e lia bastante sobre o sobrenatural e praticava exercícios para desenvolver o poder da mente, mas experiências mesmo, nada. Porém, eu tinha uns sonhos… Neles, eu voava livremente pelo céu em passeios bastante agradáveis. Eram sonhos nítidos e detalhistas, e às vezes começavam no minucioso ato de erguer-se, devagar, descolando os pés do chão e subindo às alturas. Num deles, ajudei minha amiga Daniela a voar também, e voamos juntos sobre a cidade, nos deliciando com a paisagem. De manhã, após acordar, eu lembrava deles e era tomado por uma sensação tão boa que por três dias eu me sentia diferente, num raro estado de paz e harmonia com a vida, imperturbável. Esses sonhos se repetiram entre os 21 e 26 anos, mas infelizmente haviam cessado.

Foi justamente por causa deles que fui à palestra do IIPC: esses sonhos talvez fossem experiências extracorpóreas ou, como alguns preferem, viagens astrais. Eu estava muito curioso. E, principalmente, queria-os de volta.

Gostei bastante da palestra, e fiquei empolgadíssimo com a possibilidade de voltar a ter meus sonhos de voo e, uau, até de controlá-los. Com essa motivação, logo depois fiz o curso básico e passei a integrar o grupo do IIPC em Fortaleza, que se reunia semanalmente numa salinha alugada na Aldeota. Eduarda, que me falara da palestra e também fora assistir, também passou a integrar o grupo.

o grupo do IIPC

Agora, aos 28 anos, eu era, pelo menos para o IIPC, um ser que dera o passo inicial em seu processo de despertar. Nas reuniões, estudávamos os livros do instituto e praticávamos os exercícios, que visavam, principalmente, o domínio das bioenergias, a expansão da percepção consciente, a recordação de outras vidas, o contato com seres espirituais e extraterrestres e o controle das experiências fora do corpo. De tudo isso, as viagens astrais e as vidas passadas eram o que mais me interessavam, e, além do mais, elas certamente me dariam material para escrever muitas histórias.

Na organização do grupo estava ele, meu amigo Zé Di Bedis, o felomenal. Por ser de família ligada ao espiritismo kardecista, desde pequeno ele tinha familiaridade com aqueles temas e já tivera algumas experiências que o levaram a conhecer a sede do IIPC e fazer cursos lá, quando morou na capital fluminense em 1991. Ele planejava ser pesquisador do instituto e hospedava em sua casa os professores que vinham para ministrar os cursos. Di Bedis (vamos chamá-lo assim para simplificar, já que seu nome é citado mais de 150 vezes neste livro) era um músico de jazz conhecido, mas seu interesse se voltara aos assuntos do instituto, tanto que vendera sua mais cara guitarra para pagar os cursos e comprar os livros necessários. Na última vez que eu o vira, no bloco Belas da Tarde, meses antes, nós dois estávamos bêbados e vestidos de mulher, ele arrasando de Xuxa do Capeta e eu abalando de Colegial que Levou Pau. Meu amigo tinha um jeito meninão, sempre fora muito popular e era um cara superdivertido, humorista nato. Por tudo isso, fiquei surpreso de reencontrá-lo no IIPC, todo sério e formal.

Frequentando o grupo, fiquei particularmente amigo de duas garotas: Eduarda, que eu já conhecia, embora pouco, e Tata, uma paulista fonoaudióloga que se mudara recentemente para Fortaleza. Assim como Di Bedis, elas eram um pouco mais novas que eu. Não me interessei particularmente por nenhuma, mas elas me impressionavam por terem experiências lúcidas fora do corpo, o que eu e Di Bedis queríamos muito ter.

Explicando. Segundo o IIPC, existe a dimensão física e existem também dimensões espirituais, ou extrafísicas, nas quais a alma pode se manifestar por meio de corpos mais sutis que o corpo físico. Nessa lógica, todos têm experiências espirituais quando dormem, mas a grande maioria não lembra ou lembra delas como sonhos vagos, enquanto uma minoria vive as experiências com lucidez e autocontrole, sabendo que estão fora do corpo, e lembram depois que acordam. Essa lucidez extracorpórea lhes permite realizar serviços assistenciais, como auxiliar almas recém-desencarnadas a partir de vez ou convencer outras a parar de encher o saco dos vivos e ir se tratar nos hospitais espirituais.

Uau, isso era demais! Eu queria muito ter essas experiências lúcidas. Poderia até ajudar os outros, sim, que eu sou um hominídeo egoísta mas não tanto, porém não dispensaria um turismo pelas ilhas caribenhas. Ou, quem sabe, assistir a minha vizinha se masturbando…

– Isso não pode! – trataram logo de me explicar.

– Oxe! Por quê?

– Por causa da cosmoética.

Explicando. Cosmoética é a ética cósmica, um conjunto de princípios morais que devem guiar os estudiosos da conscienciologia. Pois justamente por causa da tal da cosmoética eu não poderia jamais ver a vizinha em seus momentos íntimos.

Ah, que injusto… Era como dar pirulito para criança e dizer que só pode olhar. No meu caso, era pior, nem olhar eu podia. Obviamente, senti-me frustrado. Mas, peraí… E se a vizinha tivesse a fantasia de ser observada?

– Se ela também quiser ser observada?

– Isso. Muita mulher gosta de se exibir.

– Bem…

Naquele momento, senti, esperançoso, que talvez houvesse provocado uma pequena fissura nas leis da cosmoética.

– Afinal, Ricardo, você está no IIPC pra evoluir ou pra fazer sacanagem no astral?

Foi meu primeiro dilema no estudo da conscienciologia. Porém, apesar da chata da cosmoética, fiquei feliz de saber que o tema sexo não era contaminado com noções moralistas, como no espiritismo, mas encarado como um processo natural de troca de energias, que devia ser feito com ética, sim, mas principalmente com lucidez, pois do outro lado podia estar… um vampiro energético, por exemplo*.

Vampiro energético? Uau. Aquilo começava a ficar realmente interessante… Era como ser personagem de um filme de aventura sobrenatural.

Explicando. Na conscienciologia, assim como no espiritismo, os espíritos são seres momentaneamente desencarnados, que vivem na dimensão espiritual, e as afinidades energéticas definem o tipo de companhias espirituais que você tem. Resumindo: há os espíritos amparadores, que são mais evoluídos e nos ajudam a fazer o bem, e os espíritos assediadores, que são menos evoluídos e nos prejudicam. Nas reuniões, um dos exercícios visava aprender a sentir as energias dos espíritos, para saber quem exatamente nos acompanhava. Para isso, sentávamos um de frente para o outro e nos dávamos as mãos. Eu, porém, mesmo me esforçando, não sentia nada. Tata, porém, sempre que sentia minhas energias, não conseguia disfarçar seu incômodo.

– O que você sentiu, Tata?

– Não sei bem… – ela tergiversava, cordial demais para dizer que eu estava espiritualmente mal-acompanhado. – Vamos pedir pra Eduarda sentir também.

Trocamos de lugar. Eduarda e eu nos demos as mãos.

– E aí? – perguntei.

– Acho que senti… Jim Morrison – respondeu Eduarda.

– Sério? Que demais! Come on, baby, light my fire…

Adorei saber disso. Assim como Eduarda, eu era fã do poeta-cantor dos Doors. Aliás, na festa A Noite do Rei Lagarto, que eu fizera um ano antes, o felomenal Di Bedis abalou fantasiado de Pamela, a namorada de Jim. Ao saber quem era Jim Morrison, Tata fez cara de reprovação: Eca…

Que garota chatinha…, pensei. Aquilo era preconceito com poeta doidão, bêbado e mulherengo. Ou, seja, comigo.

tentando sair

Em termos de capacidades sensitivas, Eduarda era tida como a mais dotada. Ela dizia ter uma amparadora muito evoluída, sempre a lhe ensinar. A cada semana, minha nova amiga relatava suas experiências lúcidas, nas quais encontrava todo tipo de gente desencarnada, voava até Paris, duelava contra assediadores… Eu escutava atento, sem saber se podia realmente considerar tudo que ela dizia. Bem, em breve eu também teria, assim esperava, as minhas próprias experiências.

Um dia, Eduarda contou que me encontrara algumas vezes na dimensão espiritual, e que eu, infelizmente, nunca estava lúcido. Putz, fiquei inconformado. Tudo que eu precisava, nessas ocasiões, era perceber que aquele sonho era real, e então, plim!, eu passaria imediatamente para o modo lúcido e teria controle total sobre a experiência. E no dia seguinte talvez lembrasse de tudo.

– E como sou no mundo espiritual, Eduarda? – eu, evidentemente, queria saber.

– Do mesmo jeito. Só não sabe que aquilo é real.

– Então, devo falar umas boas merdas, né?

– Um pouco mais que aqui.

Um pouco mais significava muita, muita merda. Isso era mais um motivo para eu conseguir dominar logo as técnicas. E, assim, mandei ver nos exercícios. Não comia nada antes de dormir e dormia de barriga para cima, para facilitar a saída do corpo astral. Fazia exercícios de visualização com uma vela acesa no quarto escuro e praticava a circulação de energias pelo corpo. Deitava a cada noite animado com a expectativa de ter minha primeiríssima experiência lúcida.

E acordava de manhã frustrado. Tudo bem, esta noite tentarei outra vez, pensamento positivo, vamos lá. Esperanças renovadas, seguia tentando. E acordando frustrado.

Durante o ano de 1992, li os livros recomendados, conversei muito com o pessoal do grupo e pratiquei várias modalidades de exercícios. Cheguei ao sacrilégio de diminuir a boemia, porque dormir bêbado prejudicava a qualidade das experiências e impedia a recordação. Perdi festas imperdíveis porque a energia do lugar não seria boa. Sem falar que eu era o único cara que tinha uma seção secreta na agenda de telefones intitulada VE, ou Vampiras Energéticas – com essas, era mais prudente evitar o primeiro beijo.

Apesar do esforço, infelizmente, não tive nenhuma experienciazinha lúcida. Nem tive de volta meus queridos sonhos de voo. Nem qualquer contato com algum ser não físico, ou sequer uma vaga lembrancinha de uma vidinha passada, embora o IIPC considerasse isso menos importante que o domínio das bioenergias. Tata, Eduarda e Di Bedis insistiam para eu continuar, vamos lá, mais cedo ou mais tarde você vai conseguir, não pode desistir…

Mas eu já tinha enchido o saco.

coisas loucas

Um dia, seis meses depois, estou em casa tentando finalizar um conto erótico quando Di Bedis me liga para contar que ele e as garotas estavam se encontrando para praticar exercícios com Cris, uma amiga da Tata, publicitária paulistana, que passava temporada na cidade e que, dias antes, eu conhecera em rápido encontro.

– Cara, você tem que participar também – ele me convidou, empolgado. – Estão acontecendo umas coisas loucas!

– Que coisas loucas?

– Ah, não vai dar pra explicar por telefone. Aparece lá no apê da Tata.

– Di Bedis, eu deixei o IIPC ano passado.

– Nada a ver com aquele grupo, é uma coisa só nossa.

Eu adorava meu amigo, mas quanto às garotas…

Nos meus últimos dias no grupo do IIPC, eu as considerava esquisotéricas demais para o meu gosto. Tata até que era divertida, mesmo quando tentava ser séria. Ela me parecia uma evangélica caretinha, e me achava um porraloca, com meu estilo artístico-boêmio, minha filosofia hedonista de vida e minha brilhante carreira literária que jamais começava. Bem, ela tinha razão. Quanto a Eduarda, ela estava longe de parecer uma crente careta. Vestia roupas escuras, curtia ocultismo e posava de sensitiva misteriosa, como se soubesse de coisas importantes que ninguém mais sabia, o que inevitavelmente lhe conferia um ar superior, acentuado pelo fato de ser gorda. E Cris, que eu vira apenas uma vez, me parecera ser meio desregulada. Vai ver que, como eu, também fora atropelada e batera a cabeça, ou tomava remédio controlado, pois num momento era muito risonha e delicada, e no momento seguinte parecia a diretora do internato, sisuda e professoral.

Eu gostava das garotas, mas, como diz a piada, para mim elas eram as três irmãs Gracinha: a Sem Graça, a Desgraça e a Nem de Graça. Não necessariamente nessa ordem.

– Então, aparece lá. Oito horas – insistiu Di Bedis.

Eu estava razoavelmente bem comigo mesmo. Voltara a escrever, ufa!, e, mesmo com todos os outros afazeres, planejava finalmente publicar um livro de contos, com a ajuda do amigo Balu, que me permitia usar seu computador. Fazia algumas festas de sucesso com minha amiga Andrea e me divertia bastante com as mulheres, sem maiores compromissos sentimentais. Talvez não fosse bom voltar a me envolver com aquelas garotas estranhas e suas esquisoterices delirantes.

Olhando pelo ângulo de hoje, talvez eu já pressentisse o que poderia vir, e por isso fiquei temeroso. Mesmo assim, aceitei ir reencontrá-los. E, além disso, meu interesse pelo sobrenatural continuava, e em mim ainda resistia a esperança de voltar a ter meus deliciosos sonhos de voo.

Semana seguinte, lá estava eu num bar, a poucos minutos de ir para o motel com uma moreninha mui mimosa, quando de repente… lembrei do convite do Di Bedis. Putz, eu esquecera totalmente. Fiquei na dúvida se devia ir ou não, afinal já era meia-noite… Porém, senti um impulso estranho, algo intuitivo, e, mesmo bastante atrasado e sob protestos do Jeitoso, decidi ir encontrá-los. A moreninha não entendeu nada.

Cheguei ao apê da Tata e quem abriu a porta foi Cris, que me recebeu com um sorriso enigmático:

– Você, heim? Sempre me fazendo esperar.

Como assim?, tive vontade de perguntar, mas Tata me puxou para dentro. A sala estava na penumbra, e vi Di Bedis e Eduarda deitados no chão a meditar ou coisa parecida. Velas acesas, um cheiro danado de incenso e Enya tocando baixinho. Uau… Parecia que eu caíra bem no meio de um ritual medieval de bruxaria. Desculpei-me pelo atraso e perguntei o que acontecia.

– Temos algo importante pra te contar – Tata respondeu com certa gravidade.

Eu não estava gostando nadinha do que via e comecei a me arrepender de ter ido ali. Se eu corresse, talvez ainda pegasse a moreninha mimosa no bar. A curiosidade, porém, foi maior, e me acomodei no sofá. Sentia-me um tanto desconfortável, mas algo indefinível naquela situação me excitava. Os outros levantaram do chão e sentaram também. Foi então que comecei a escutar uma história bem louca.

voltando para Aaran

Nervosa e escolhendo bem as palavras, Tata contou que nos últimos dias eles viveram ali intensas experiências: recebiam visitas de espíritos, lâmpadas estouravam sem explicação, gosmas escorriam das paredes… Umas das experiências foi uma recordação conjunta: Tata, Eduarda e Cris tiveram clarividências que lhes mostraram a vida que viveram, as três juntas, no século 14, na Dinamarca. Com mais dezenas de pessoas, inclusive Di Bedis, elas integravam uma comunidade esotérica na floresta chamada Aaran, que lidava com as mesmas questões do IIPC, mas de um modo diverso.

– Lembramos de mais uma pessoa que viveu com a gente em Aaran – Tata prosseguiu. – Você.

– Eu?!

Surpreso, olhei para Di Bedis. O que ele poderia me dizer sobre aquilo?

– Não lembrei de nada, cara – ele explicou, um pouco nervoso. – Mas escuta aí o que ela tem pra dizer.

Tata explicou que o que estava acontecendo era algo incrível, pois após seis séculos nós todos havíamos nos reencontrado em Fortaleza, e que isso não era algo à toa, que certamente havia um importante propósito por trás de tudo e precisávamos descobrir qual era.

– Se vocês que lembraram não sabem, imagine eu –brinquei, tentando diminuir meu incômodo.

– Mas podemos descobrir… e descobrir muito mais… – disse Eduarda, em seu estilão misterioso.

– O que queremos saber – interrompeu Cris, num tom meio autoritário – é se você quer descobrir, conosco, o motivo de termos nos reencontrado agora, seiscentos anos depois. Ou se prefere ficar fora dessa história.

– Pra ser sincero, eu adoraria lembrar dessa tal vida – respondi. – Se é que ela realmente existiu.

– Podemos começar agora – disse Cris.

– Sério? Como?

Cris olhou para Tata, que imediatamente balançou a cabeça em negação.

– Não vou fazer isso, Cris.

– Acho que você deveria, sim.

– Você não perde a mania de mandar, né?

– E você continua a mesma menina teimosa.

Percebi um certo clima de desentendimento entre elas.

– Tudo bem, vou fazer – disse Tata. – Mas é por ele, não por você.

Tata saiu em direção ao quarto, enquanto Eduarda acendia novamente as velas.

– O que ela vai fazer? – perguntei.

– Tata era uma das dançarinas de Aaran – explicou Cris, ajudando Di Bedis a afastar a mesa e abrir um espaço no meio da sala. – E você a viu dançar muitas vezes.

a dançarina de Aaran

Sentado no sofá, os outros sentados no chão ao redor, esperei que Tata voltasse do quarto, eu ainda dividido entre ficar e sair correndo dali. Ela voltou logo, usando um vestido simples, acima dos joelhos, e descalça. Achei que botariam alguma música para tocar, mas isso não aconteceu.

No centro da sala, iluminada pela fraca luz das velas, Tata postou-se em pé, fechou os olhos e respirou profundamente algumas vezes. Então, com movimentos suaves e ondulados, começou a dançar, enquanto murmurava sons que, apesar de meu esforço, eu quase não escutava.

Achei a dança muito estranha, talvez pela ausência de música, ou então porque era estranha mesmo. Permaneci atento para poder detectar qualquer detalhe que me fizesse lembrar de qualquer coisa que pudesse ser, mas não lembrei de nada. Absolutamente nada naquela performance me pareceu familiar. Está bem, serei bem franco: achei a dança horrível. Senti-me um jurado de programa de calouros, aguardando o fim da apresentação do candidato para lhe ofertar o troféu Vergonha Alheia do Astral.

A dança durou uns cinco minutos, e durante todo o tempo Tata parecia estar bem concentrada, como num transe. No fim, jogou-se ao chão e lá ficou, deitada meio de lado, silenciosa e arfante, o vestido um pouco erguido e a calcinha aparecendo, o que me deixou constrangido. Será que as dançarinas de Aaran usavam calcinha?

Quando entendi que havia terminado, senti-me frustrado. O que de tão especial havia naquela dança? O que podia haver ali para ser lembrado? Logo depois, Tata sentou-se no chão e ajeitou o cabelo despenteado. Olhou para todos e sorriu, meio sem jeito.

– E então? – ela me perguntou, ainda se recuperando do esforço. – O que achou?

– Eu? Ahn… Achei… esquisito.

Todos riram, e isso me fez relaxar um pouco.

– Não lhe veio nada? Alguma sensação, lembrança…

– Ahn… Não.

Pela expressão que os quatro fizeram, senti que eu os decepcionara. Um anticlímax.

– Essa dança era feita num importante ritual da escola – explicou Cris. – Sem a música fica estranho mesmo. Mas acredite, você gostava.

– Bem mais do que pode imaginar… – completou Eduarda, insinuando algo que não compreendi.

– Eu e você éramos muito unidos em Aaran, Ricardo – Tata falou. – Quando percebemos que você não viria, fiz um ritual com velas e usei a energia de nossa relação em Aaran pra te puxar pra cá. Antes das velas apagarem, você chegaria, e você chegou. Não foi muito ético, admito, mas era fundamental que você viesse. Você não fica chateado, né?

E ainda mais aquilo…

– Claro que não. Até porque não foi você quem me puxou. Eu vim porque quis.

Na verdade, eu não entendia por que tinha ido. Pela lógica, não teria jamais abandonado a moreninha no bar.

À porta do elevador, Tata, com sua cordialidade de sempre, agradeceu por eu ter ido e perguntou, quase rindo:

– Você acha que somos um bando de loucas, né?

– Bem…

– Ele acha, sim – falou Eduarda, pondo a cabeça no vão da porta. Falou e sumiu, deixando no corredor o eco de sua risada, que achei meio assustadora.

– Não ligue pras nossas briguinhas. Às vezes, é como se ainda estivéssemos em Aaran…

Quando o elevador fechava a porta, ainda pude escutar a voz da Cris:

– Ele não vai voltar. Conheço meu irmão.

tragédia no trânsito

E, de fato, não voltei. A tal história de vida passada na Dinamarca até que era instigante, mas havia em tudo aquilo uma quase histeria que me incomodava. Ou talvez eu estivesse sendo covarde, como ocorre quando intuímos a chegada do que realmente precisamos em nossas vidas, mas temos medo, inventamos desculpas e fugimos.

De todo modo, os encontros foram suspensos, pois Tata e Cris decidiram viajar. Deu a doida nas doidas e por quatro meses caminharam pelas praias do Ceará, apenas com suas mochilas, acampando, curtindo a Natureza e fazendo amizade com os pescadores e suas famílias, o que me fez mudar meu olhar sobre minhas amigas esquisotéricas. Garotas que faziam aquilo não podiam ser garotas comuns. Doidas, talvez, mas bobas, não. Logo depois, Tata e Cris voltaram a morar em São Paulo e não nos vimos mais.

Naqueles dias de 1993, eu namorava uma bela bailarina* de 20 anos que morava no Rio de Janeiro e passava férias e feriados em Fortaleza. Renata e eu sustentávamos nosso romance interestadual entre cartas, telefonemas e viagens, o que nos exigia certo malabarismo de agenda e finanças. Entre idas e vindas, brigas e recomeços, nossa história durou um ano, intensa e poética. Mas infelizmente trágica, pois Renata morreria no fim do ano em Fortaleza, vitimada por um tiro disparado na direção do carro no qual estava com amigos, após uma discussão de trânsito. Foi uma tragédia que me atingiu fortemente, ainda mais porque na noite fatídica ela me chamara para sair e eu recusei, por estar cansado, uma tragédia que ainda hoje me revolta, pois o assassino segue solto.

Então, fiz o que muitos fazem nessas ocasiões sem perceber: reprimi a tristeza para evitar sofrer e bloqueei as lembranças do que vivemos. E, se eu já tinha medo de me entregar em meus relacionamentos, o medo cresceu e passei a me resguardar ainda mais. Atitudes ingênuas e medrosas, sim. Típicas do belo covarde que eu estava me tornando, eu que me gabava de ser aventureiro da vida, mas que não ousava vivê-la por inteiro.

Intocáveis Putz Band

Se minha vida não estava economizando em intensidade, o ano de 1994 pegaria ainda mais pesado. Agora, eu tinha uma nova banda, a Intocáveis Putz Band*, criada por meu amigo Toinho Martan. Inspirados pelo pop-rock da Blitz e pelo funk-inferninho de Fausto Fawcett, tínhamos vocalistas hipnotizantes e nossos shows transbordavam de irreverência e performances imprevisíveis. Tocávamos músicas nossas e também sucessos consagrados, e a preferência era pelo rock funkeado, mas tocávamos também blues e umas pitadas de disco, forró raiz e bregão de cabaré, e o fio condutor dessa salada musical era o bom humor e a sacanagem. Eu e meus amigos Martan, Karine, Emílio, Flavio e Nonô queríamos apenas nos divertir, e quem quisesse também, era só chegar junto, e muitos chegaram, entre músicos, cantoras, produtores e admiradores.

A Intocáveis Putz Band me enchia os dias com ensaios e shows, tietes generosas e toda aquela grande festa libertina de sexo, drogas e roquenrou. Se eu já tinha dificuldades com a monogamia forçada, tanto a sexual como a afetiva, elas aumentaram. Você sabe, numa banda de sucesso o feio vira engraçadinho e o engraçadinho vira lindo – então eu tratava de aproveitar minha fase de falso lindo, mantendo-me solteiro e me apaixonando duas vezes por semana, o que exigia bastante do Jeitoso. Eu era um sátiro e Fortaleza era um bosque cheinho de ninfas a me atrair com suas minissaias e seus sorrisinhos de falso pudor. E para sair à noite, o sátiro pegava emprestado o carro da clínica veterinária. Na maioria das vezes, era assim: a ninfa descia do prédio toda bonita e perfumada e, quando percebia que iria sair numa ambulância de cachorro, desistia. Mas algumas achavam a coisa, digamos, meio exótica… Tem gosto para tudo.

E assim eu ia, prosseguindo aos trancos e barrancos com o curso de Letras, o trabalho na veterinária e a produção de eventos e festas temáticas, e escrevendo cada vez menos. O dia tinha 36 horas, e a noite tinha o dobro. Que coisa… Como eu podia ter tanta energia e fazer tanta coisa? E olhe que eu nem cheirava cocaína nem bebia energético, era só álcool mesmo, e vez em quando um baseadim. Na verdade, meu verdadeiro combustível era a poesia da vida, principalmente a que vinha da mulher. Eu nada entendia sobre psicologia dos arquétipos, o que só ocorreria após me iniciar nas ideias de Jung*, mas já sabia do grande poder e fascínio que o feminino exercia sobre mim.

A Intocáveis se tornava rapidamente conhecida em Fortaleza. Líderes da banda, Martan e eu realizávamos um velho sonho, compondo juntos e nos divertindo bastante. Como eu não era cantor e nem tocava nada, me dedicava à produção e minha participação nos shows se dava nos vocais de apoio e protagonizando números performáticos, como os dois manifestos. Um deles era o Manifesto das Bem-Aventuranças, em que eu encarnava o profeta da sagrada putaria: metido num manto escuro com capuz, feito monge medieval, homenageava os excluídos do Sermão da Montanha, com destaque para artistas, putas e travestis. O outro era o Manifesto Neomaxista Liberal, em que eu gritava em tom panfletário, com humor sacana, os direitos do homem pós-moderno, e esse se tornou o ponto alto do show, sempre com intensa participação da plateia, homens apoiando e mulheres a vaiar. Era uma grande gozação com o machismo e o feminismo, em que exigíamos, entre outras coisas, o direito de ter um diário, de espelho no banheiro masculino, de uma delegacia do homem, de ver os gols da rodada no motel, de dormir dentro e de brochar sem ter que dar explicação. Festa é o que nos resta – esta era a minha filosofia.

conflito interno

Nove meses de banda, cada vez mais shows na agenda, o cachê aumentando, convites para outras cidades, eu surfando nas ondas do sucesso – a vida era um caleidoscópio a girar cada vez mais rápido. O Brasil vivia o início do Plano Real, que finalmente nos traria redução da inflação e estabilização econômica, e levaria Fernando Henrique Cardoso ao seu primeiro mandato como presidente. Tempos de esperança. Mas, e a literatura?

Antes da Intocáveis, eu começara a publicar crônicas em jornais e preparava meu livro de estreia, de contos – que felizmente não cheguei a publicar, senão seria mais um filho renegado, de tão ruim que era. Porém, com a banda, parara de escrever, o que voltou a me angustiar, ainda mais que antes. Algo em mim sabia que eu não seguia o caminho essencial da minha vida e que jamais me realizaria de verdade se não me tornasse escritor profissional, e que aquilo que eu vivia, embora também fosse verdadeiro, não era prioridade. Se eu queria uma carreira literária, teria que me dedicar muito mais e abdicar da banda, pois seria impossível conciliar as duas coisas. Mas não tinha forças para fazer isso.

Sim, era o clássico conflito interno, no qual eu evitava pensar. E era exatamente por isso que o conflito crescia perigosamente na escuridão do inconsciente. Aos 29 anos, eu sentia cada vez mais fortes os cutucões do deus Saturno, senhor do tempo e da razão, chamando-me para a responsabilidade de assumir meu caminho verdadeiro.

Um dia, alguém da família me falou que acordara na madrugada anterior e me ouviu a trabalhar, tec-tec-tec, em minha máquina de escrever. Porém, eu não dormira em casa naquela noite. Depois, outros familiares contaram que também me ouviram trabalhar de madrugada, e, novamente, aconteceu em noites em que eu dormira fora. Que estranho… Depois, minha tia, que se hospedava lá por uns dias, também ouviu o tec-tec-tec da máquina numa madrugada em que eu não estava em casa, e meus pais lhe explicaram que aquilo era comum, não se assustasse. Como somente eu possuía a chave do quarto e ele ficava trancado quando eu saía, cogitou-se que seria o espírito de algum escritor, apesar dele nunca deixar algo escrito. E eu? Restava-me rir da coisa toda, e até torcia para o tal fantasma surgir para mim. Mas, por enquanto, chega. Prometo que volto ao assunto mais adiante.

Então, Eduarda me avisou que Tata, que agora morava no Rio de Janeiro, estava na cidade, e fui reencontrá-las, matar a saudade das minhas alopradas amigas esquisotéricas. Falei-lhes da banda e contei das participações especiais que Di Bedis fazia nos shows, fantasiado de Chapolim Colorado, e do quanto eu estava me divertindo.

– Você está bem, Ricardo? – Tata perguntou.

Pergunta estranha. Repentina e estranha.

– Eu tô ótimo – respondi, como alguém que diz uma grande obviedade.

– Tem certeza?

– Sim, certeza. Bem… na verdade…

Não precisei falar muito sobre meu momento – de alguma maneira, Tata e Eduarda pareciam saber. Contei que desde aquela noite no apê, um ano antes, eu esquecera dos assuntos do além e nem tinha mais tempo para aquilo. Para minha surpresa, elas revelaram que semanas antes estiveram numa das apresentações da banda.

– Que pena, não vi vocês. A casa estava lotada.

– Viu, sim – Tata refutou. – Você até me mandou um beijo lá do palco, não lembra? Um beijo pra minha amiga de outras vidas…

– Sério? Putz, não lembro. Eu estava bem alucinado. – E era verdade. Naquela noite, agarrei até minha irmã caçula, tascando-lhe um beijão na boca.

– Era aniversário do Jim Morrison, e acho que ele baixou em você. Dessa parte, eu gostei – comentou Eduarda, rindo, e ri com ela.

Entretanto, elas contaram que, apesar da alegria reinante no show, sentiram energias perigosas ao meu redor.

– Você precisa despertar de vez, Ricardo. Antes que seja tarde.

Não me senti à vontade com aquele assunto. Sempre que eu as encontrava, ficava dividido entre sensações confusas. Mas talvez estivessem certas. Às vezes, eu tinha mesmo a impressão de estar sonhando, de que tudo que vivia era de uma realidade onde eu não devia estar. Mas, ao mesmo tempo, a Intocáveis era a realização de um velho sonho, e eu não podia largá-lo, ainda que isso sufocasse meus planos de ser escritor.

Nesse dia, elas demonstraram entender o meu conflito. E me informaram que no fim de semana aconteceria em Fortaleza um estágio avançado do curso do IIPC.

– Tem show neste fim de semana, Ricardo?

– Não. Nem ensaio. Mas não me interessa, obrigado.

– Waldo vai estar presente. Se você fizer o curso, podemos tentar que ele converse pessoalmente com você. Quem sabe ele te ajuda a ter experiências lúcidas, ou te dê esse impulso que falta pra você despertar.

Impulso que falta… Sim, fazia algum sentido. Talvez fosse isso que eu precisava, um empurrão.

Waldo era o fundador e presidente do IIPC. Tinha sessenta e poucos anos, morava no Rio e às vezes viajava para participar daqueles cursos avançados. Senti voltar um pouco da esperança. Talvez Waldo pudesse me ajudar ao menos a ter de volta meus saudosos sonhos de voo. Senão ele, quem mais poderia? Além disso, seria uma boa oportunidade de conhecer pessoalmente aquele que para muitos era um grande guru.

– Ok, Tata – respondi, confirmando presença no curso. – Mas sei que muita gente sempre quer falar com Waldo, e ele não tem tempo de atender todo mundo.

– Deixe isso para os nossos amparadores – ela respondeu, risonha. Mas percebi que falava sério.

com Waldo

Fiz o curso, que aconteceu num hotel, e que não me empolgou, o que me deixou arrependido de ter gastado meu pouco dinheiro naquilo. Porém, Tata me avisou que o plano dera certo e que meu encontro com Waldo estava marcado para o dia seguinte, no hotel. Fiquei surpreso. Caramba, esses amparadores eram competentes…

Na hora marcada, lá estava eu, aguardando. E Waldo chegou. Ele não passava despercebido. Vestia sempre branco, cobria a careca com um chapéu branco e mantinha uma comprida e imponente barba branca. Mineiro de nascimento e médico de formação, ele fora na juventude amigo próximo e parceiro do espírita Chico Xavier, com quem escreveu livros psicografados e ajudou a popularizar a doutrina kardecista nas décadas de 1950 e 60. Após se afastar do espiritismo, Waldo continuou suas pesquisas na área da mediunidade, escreveu livros e em 1988 fundou o IIPC. Lá, ele era não apenas o presidente, mas uma espécie de mentor de reconhecidas capacidades paranormais, uma alma evoluída a quem seus discípulos não ousavam questionar. Ele morreria em 2015, aos 83 anos.

O presidente Waldo me recebeu no salão dos cursos e, apesar de cansado, foi atencioso. Constatei logo que estava diante de um indivíduo perspicaz e de mente muito ágil. Fiz-lhe um breve resumo do meu momento e contei dos meus esforços, dos exercícios feitos, dos livros que lera… Ele escutou e depois esfregou as mãos e segurou minha cabeça com as pontas dos dedos. Fechei os olhos e pude sentir o calor de suas mãos. Segundos depois, ele as retirou e falou:

– Continue tentando.

Putz… Eu esperava qualquer coisa, menos um “continue tentando”.

– Só isso? – perguntei, sem disfarçar a frustração.

Ele me olhou firme nos olhos. Senti dificuldade de sustentar o olhar, aguardando o que ele diria. E o que ele falou, num tom tranquilo, foi:

– Você se acha muito esperto, não é?

Fiquei surpreso com aquela pergunta, que na verdade era uma afirmação.

– Um pouco – respondi, sem saber o que dizer.

Ele, porém, estava certo. Waldo me desmascarava, olhando em meus olhos. Ali, subitamente confrontado com a verdade sobre mim mesmo, não tive condições de assimilá-la, o que só aconteceria anos depois. Ele deu um tapinha em meu ombro e levantou-se. E nosso encontro de cinco minutos terminou.

Voltei para casa numa tristeza resignada. Continuar tentando? Não, na verdade seria começar tudo de novo. E eu não estava nem um pouco disposto a começar de novo. Contei para Tata e Eduarda o que ocorrera e agradeci pelo que fizeram. E fui cuidar da vida. No plano físico.

as gatinhas do Di Bedis

E a vida no plano físico seguiu ainda mais caleidoscópica. A Intocáveis estava a cada dia mais conhecida na cidade, a postura tornava-se mais profissional e, com menos de um ano de existência, a banda alcançava um estágio que a grande maioria demora mais tempo para alcançar.

E havia também a Caboca (Confraria Cearense de Apoio às Boas Causas), uma espécie de maçonaria da putaria que eu criara com uns amigos desocupados, que duraria uma década e, além das festas, tinha como principal missão eleger as 10 Mais do ano, aquelas dez mulheres que mais se destacaram, segundo os nossos critérios, claro. Como as eleitas ganhavam ótimos prêmios, como ingressos de cinema e crédito em lojas, restaurantes e pousadas, toda mulher sonhava ser uma garota Caboca, o que exigia de nós, diretores, muita disposição para nos mantermos atualizados.

Certa noite, bebendo num bar, recebo um bilhete de uma linda candidata a 10 Mais. No papel, na tinta azul da caneta, ela generosamente elencava sete qualidades referentes a minha pessoa. Li e guardei no bolso da calça. Horas depois, em casa, despertei na madrugada, um tanto angustiado. Acendi a luz do abajur, peguei o bilhete e reli minhas sete qualidades: tolo, burro, imaturo, covarde, ridículo, medroso e altamente superficial. Só verdades.

Mas o caleidoscópio girava, e não havia tempo para reflexões profundas. E, assim, o conflito interno se intensificava. De um lado, o sonho distante de uma carreira literária, e do outro, o sonho de ter uma banda, que já era real. A única forma de não pensar no conflito era ocupar as 36 horas do dia trabalhando e estudando e as 72 horas da noite me anestesiando com mais shows, birita e casos descompromissados. Passei a descuidar da saúde, como se a vida já não valesse muito, e incidentes e acidentes tornaram-se frequentes. Eu vivia intensamente o teatro colorido da alegria para não lembrar que, na penumbra dos bastidores, não tinha forças para reagir.

Então, o portal se abriu…

Numa tarde, fim de dezembro de 1994, Di Bedis me ligou, convidando para sair com duas garotas que ele conhecera.

– Duas gatinhas, cara. Fortíssimas candidatas a 10 Mais. E estão a fim de sexo selvagem!

Grande Di Bedis, cumprindo honrosamente seu papel de descobridor de talentos da Caboca.

– Oba! É pra quando?

– Pra hoje. Passo aí às cinco pra te pegar.

– Vamos beber o quê?

– Compramos no caminho.

Um pente no cabelo, duas xiringadas de desodorante no sovaco e seis camisinhas no bolso depois, estou pronto. Saio para a rua e quando abro o portão… quem vejo no carro com meu amigo? Elas, as mirabolantes esquisotéricas, Tata e Eduarda.

– Entra aí, bora dar um passeio – Di Bedis falou, rindo da minha cara de idiota, que, na verdade, sempre foi a minha verdadeira cara.

Fiquei imóvel, sem conseguir processar aquela informação. Eu podia sentir meus neurônios explodindo pela absoluta divergência entre o que eu esperava e o que de fato acontecia.

– Ah, não… vocês de novo…

– Nós não vamos te largar, Ricardo! – respondeu Tata, passando para o banco de trás.

Senti-me o maior dos estúpidos por ter caído na pegadinha. Logo eu, que me achava tão esperto… E com aquelas duas eu sabia que tudo que jamais rolaria era sexo selvagem.

Ali, parado na calçada, tive uma forte sensação de algo importante e decisivo… Acho que foi aí, pela primeira vez, que tive o entendimento intuitivo da existência dos portais conscienciais. Eu estava diante de um deles. Sua mente sabe, seu corpo também sabe, o ser acusa por inteiro, como um alarme. Imediatamente, você sabe que toda a sua vida futura depende da decisão que tomará nesse momento. Você sente medo. Se decidir cruzar o portal, não poderá mais retornar. Se recusar, ele se fechará para sempre e você jamais saberá o que o aguardava do outro lado.

Tentei ganhar tempo para avaliar racionalmente as minhas opções. A situação, porém, não podia ser resolvida pelo intelecto – era algo que dizia respeito somente à intuição. Então, entrei no carro, resignado. Eu, um carneirinho rumo ao abatedouro.

revelações nas dunas

Di Bedis dirigiu para as dunas do lado leste, rumando para o município praiano de Aquiraz. Eu, que sempre tive no intestino o fiel termômetro de meu estado emocional, estava quase pedindo para parar o carro em algum lugar para poder ir ao banheiro. Nervoso, perguntei o que tinham para me dizer, mas Tata respondeu que só contariam quando chegássemos. Todos eles riam, se divertindo com meu ridículo suplício, mas havia uma tensão no ar. Meia hora depois, estávamos no alto de uma duna, sob o céu do entardecer.

– Nós já vimos óvnis aqui, sabia? – comentou Eduarda, admirando o céu enquanto sentávamos na areia.

– Sério?

– Quem sabe eles aparecem hoje. Em sua homenagem.

Eduarda sorriu e piscou um olho para a amiga. Tata sorriu também, mas logo ficou séria novamente.

– Não foi muito legal te enganar, Ricardo, eu sei, mas não havia outra maneira de te fazer vir aqui – Tata se desculpou, meio sorrindo, meio grave.

– Naquela noite, vocês me atraíram pro apartamento com rituais mágicos. Agora, apelaram pros meus instintos sexuais. É claro que não perdoo – brinquei. Ou não. Talvez tenha sido sincero. – Mas vamos em frente.

– Eu e Eduarda estamos morando no Rio. Decidimos vir a Fortaleza porque temos coisas urgentes pra revelar a vocês. Já falamos com Di Bedis ontem. Agora, é sua vez.

Silêncio.

– Ricardo, sua vida nesse momento corre perigo.

Engoli em seco. Aquelas palavras soaram duras para mim. Certamente porque era verdade.

– Vamos te explicar. Só pedimos que escute tudo, tá?

Olhei para eles. Di Bedis estava sério. Eduarda sorria naquele seu jeitão misterioso. E Tata me olhava de uma maneira calma e amistosa. Havia uma certa solenidade no ar. Sacudi a cabeça, entregue.

– Bem, eu já tô aqui, né? Pode começar.

Tata explicou que ela e Eduarda mantinham contato frequente com seus amparadores, e que eles as ajudavam a entender o que acontecia comigo.

– E você também tem um amparador.

– Sério? – perguntei, curioso a respeito do espírito que escolhera um cara como eu para guiar. – É o Jim Morrison?

– É uma mulher. Chama-se Paola. Bonita, de muita classe. Tem certeza que você nunca viu ou sonhou com ela?

– Com certeza eu lembraria.

Tata sorriu, sempre cordial, mas retomou a seriedade e prosseguiu. Disse que elas descobriram que nós todos, Cris incluída, éramos um grupo de almas que evoluía junto pelas sucessivas encarnações, um grupo cármico, e que nos reencontráramos porque tínhamos missão importantíssima a cumprir: ajudar a humanidade a passar para o novo nível de sua evolução espiritual. E para isso teríamos que nos integrar mais ao IIPC, que era a continuação moderna de Aaran.

Tata explicou que a humanidade vivia um momento evolutivo crucial, pois a Terra precisava passar para outro nível energético e somente os mais evoluídos seguiriam vivendo aqui, e o restante sofreria um processo de transmigração, com suas almas enviadas para um planeta mais atrasado. Isso era necessário, senão a parte menos evoluída destruiria o mundo com sua ganância capitalista, as ideologias fascistas, o fanatismo religioso e a negligência ecológica. Seres espirituais superevoluídos monitoravam os acontecimentos com discrição. Os terráqueos que ficassem formariam a nova humanidade, mais harmoniosa e mais justa, sem guerras nem religiões, e o nosso grupo tinha papel fundamental no processo, pois, com nossas capacidades paranormais, a experiência em Aaran e os amparadores, podíamos ajudar o instituto a atuar melhor.

– E nós temos um líder – Tata falou.

– Quem? – perguntei, achando aquele papo muitíssimo louco. Mas estava curioso.

Ela não respondeu. Olhei para os outros. Di Bedis estava de cabeça baixa, como se não se sentisse à vontade com aquele assunto. Eduarda estava séria. Tensão no ar.

– Você – respondeu Tata, num meio-sorriso nervoso.

– Eu?! Tá de sacanagem.

– Você é o nosso líder, Ricardo – ela confirmou, olhando firme em meus olhos.

saltando

Evidentemente, aquilo era um absurdo total. As meninas fumaram maconha estragada, só podia ser. Eu, o maior pinguço do pedaço, líder de um quinteto esotérico que iria salvar o mundo? Mas como, se eu não tinha qualquer capacidade paranormal, não via espírito, não lembrava de vida passada, nada? Elas eram as fodonas naqueles assuntos, não eu. E foi justamente isso que em seguida argumentei. Tata riu.

– Isso foi uma grande surpresa pra nós também. Mas os amparadores nos garantiram. E disseram também que você tá influenciado por assediadores, e por isso tá destruindo sua vida. E, caso não siga sua proéxis, em breve poderá acontecer… ahn… algo muito sério com você.

Explicando. Proéxis (pronuncia-se proécsis) é a programação existencial do indivíduo, elaborada por ele e seus amparadores no plano espiritual, antes de reencarnar. No popular: a missão de vida.

– Algo muito sério tipo o quê? – indaguei.

– Doenças, acidentes – respondeu Tata.

Bem, isso não é novidade, pensei.

– Ou algo pior… – falou Eduarda, muito séria.

Senti um calafrio. Aquilo tudo era muito louco, mas… pensando bem, fazia certo sentido. Em alguma parte profunda de mim, aquelas palavras se abraçavam com meu velho anseio de viver os mistérios e a sincera esperança de que tudo aquilo realmente existisse. E era um abraço numinoso, que tinha a força das coisas antigas e sagradas. Caramba, o que poderia ser mais emocionante que atuar numa missão pelo futuro da humanidade?

E quanto a ser líder? Bem, não me era uma função estranha, pois sempre tivera tendência a liderar grupos. E quanto a estar afastado da minha proéxis, não foi nenhuma surpresa escutar isso: eu sabia que não estava em meu melhor caminho. A diferença é que agora tudo parecia tão óbvio…

– Pense bem, Ricardo – prosseguiu Tata. – Talvez seja um modo de realizar seu sonho de ser escritor. Não é o que mais deseja? Você vai poder escrever sobre esses temas e publicar pelo instituto.

Ser um escritor profissional… Meus olhos devem ter brilhado nesse momento.

– Eu e Eduarda voltaremos pro Rio, queremos ser pesquisadoras do instituto.

– E Cris?

– Ficará em São Paulo, mas manteremos contato e nos encontraremos. Pense bem, por favor. Com você e Di Bedis, estaremos os cinco juntos outra vez, e seremos mais capazes.

– Como já havia dito antes, eu vou – Di Bedis falou.

– Não sei… – murmurei, procurando organizar as ideias. – Como vou largar tudo assim, de uma hora pra outra?

Ninguém respondeu à minha pergunta. Mas, no íntimo, eu sabia a resposta.

Eu tinha um destino, vislumbrado ainda criança, quando me recuperava da pneumonia, e o voto fora renovado aos 18 anos, após ler O Encontro Marcado. Nos últimos anos, porém, esse destino a cada dia fugia um pouco mais e eu não tinha forças para segui-lo. E isso estava me matando. Naquele dia, meu destino de repente ressurgiu. Acho que este trecho ficaria mais belo se eu dissesse que pensei em grupo cármico, causas humanitárias, salvar o mundo… Mas, não. O que reluzia à minha frente era a minha carreira literária. Eu pensei em mim.

Já é noite no alto das dunas. O portal ainda está aberto, eu posso senti-lo, até mesmo com o corpo, como se sente um abismo logo à frente. E sinto também que logo se fechará. Sabe aquela cena clássica de 2001, Uma Odisseia no Espaço, em que o hominídeo primitivo descobre a utilidade de um osso como ferramenta? Milhões de anos depois, ali nas dunas, eu sou um hominídeo moderno, menos peludo mas igualmente espantado diante da própria epifania, e a ferramenta que me levará ao meu futuro é a minha compreensão do fato. Serei, mais uma vez, covarde?

Não, não serei.

Então, respiro fundo e salto.

.

.

cap 3
DO OUTRO LADO DO PORTAL

.
o livro de Aaran

Dias após o encontro nas dunas, Tata me passou uma cópia do livro sobre nossa suposta vida no século 14, contada em forma de romance, que ela escrevera e planejava publicar com ajuda do IIPC. Tata achava que a leitura do livro poderia ajudar a me trazer as lembranças.

Li Aaran numa noite, e gostei. Tata não era das letras mas conseguira criar uma trama envolvente, e os conflitos entre os personagens me soavam autênticos. Baseado nas lembranças de Tata, Cris e Eduarda, o livro narra o cotidiano de Aaran, a escola esotérica onde mestres e discípulos viviam em comunidade numa floresta da Dinamarca, lidando com domínio de energias psíquicas e experiências fora do corpo. No clima de terror causado pela Inquisição Católica, que ganhava a Europa, Aaran era um espaço de resistência, onde conhecimentos esotéricos deveriam ser preservados. A maior dificuldade, porém, estava na própria comunidade: os conflitos internos terminariam por levá-la a fechar as portas, fazendo com que todos os seus integrantes partissem, seguindo seus caminhos individuais. Um fim melancólico.

A protagonista era a própria Tata, que na história era Orian, uma garota que se envolvia mais do que devia com a realidade espiritual, o que a prejudicava em seu dia a dia. Em Aaran, uma vez por mês, todos participavam do importante ritual da Lua Negra, no qual Orian era a dançarina principal. Uau… Quem diria que aquela garota desajeitada pudesse ter sido uma chacrete mística do século 14…

Meu personagem chamava-se Aidon. Era irmão de Taena (Cris), uma respeitada mestra, e na juventude foram amantes. Em Aaran, o sexo não era envolto em noções de pecado, como no cristianismo, mas constituía-se em prática importante para a saúde física e psíquica, e o sexo entre irmãos era permitido. Eles eram filhos do líder espiritual da escola, mas Aidon abdicara do futuro que o aguardava, ser um mestre e substituir seu pai, e vivia viajando pelo mundo, voltando com livros e novidades de outras culturas.

Livros?, pensei. Putz, não evoluí nada nesses séculos todos…

Taena ainda era apaixonada pelo irmão e não o perdoava por ele ter renunciado ao seu cargo como líder da comunidade. E tinha ciúmes de seus envolvimentos com suas discípulas, principalmente Orian.

Alira (Eduarda) era a cozinheira da escola, que conhecia os segredos das ervas, uma personagem ambígua, com quem alguns não simpatizavam. E havia também Andrija, uma outra dançarina. Ai, Andrija… Ela era bonita, meio maluquete e safadinha, ou seja, era o suprassumo da tentação escandinava. Pois bem, adivinha quem era Andrija, adivinha. Você não vai adivinhar. Era o Di Bedis. Uau! Sim, meu amigo fora uma mulher em Aaran, e isso viraria motivo de eternas piadas no grupo. Eu não deixava barato.

– Pô, Di Bedis, tu era dançarina de Aaran. Hoje, não consegue nem acompanhar um cabo de vassoura na dança…

– Elas que lembraram, cara – ele respondia, pouco à vontade com o assunto. – Eu não lembrei nada disso.

A piada maior, no entanto, era com o fato de que a maluquete Andrija e o viajante Aidon… os dois… hummm… Adivinha. Isso mesmo, eles tinham um rolo. Eu e Di Bedis fôramos amantes numa vida passada, eu, homem, e ele, mulher.

– Caramba, Di Bedis. Tu piorou muito, viu?

– Vai te lascar.

– Lembra daquela noite em que nós demos uma escapulida no meio da Lua Negra, fomos pro mato e…

– Não, lembro não. Nem quero lembrar.

Façamos as contas. Minha irmã Taena fora minha amante, eu tinha um rolo com sua discípula Orian e ainda chafurdava nos lençóis da taradinha da Andrija, ai, Andrija, que também tinha um rolo com Orian. Isso significa que, tirando Eduarda, em Aaran eu fui para a cama, e também para a sombra dos carvalhos, com todo aquele meu grupo de amigos. Bem, na verdade, para baixar minha bola, isso não significa muito, pois em Aaran o sexo era disciplina obrigatória no aprendizado espiritual.

Durante a leitura do livro, tive sensações curiosas e senti certa familiaridade com tudo aquilo. A história me fez, subitamente, ser mais simpático com a teoria reencarnacionista. De fato, identifiquei-me com Aidon, o viajante estudioso das culturas, e senti que, se existia reencarnação, eu poderia mesmo ter sido ele. No fim, fechei o livro e, enquanto aguardava chegar o sono, experimentei uma nova felicidade, feita da intuição de que encontrara um caminho, muito inusitado, sim, mas um bom caminho para seguir.

óvnis em Guajiru

Guajiru é uma cidadezinha no litoral oeste cearense, que Tata e Eduarda conheciam. No primeiro fim de semana do ano novo, nós quatro fomos para lá. Segundo elas, era um lugar especial, com alta concentração energética, uma espécie de chacra geográfico do planeta, e que naqueles locais os etês costumavam fazer contato. Elas diziam que entre os moradores corriam relatos de avistamentos de óvnis e que lá havia um garotinho especialíssimo, que era um dos etês do bem que estavam encarnando na Terra com a missão de auxiliar os humanos na mudança de nível evolutivo. Elas pressentiam que lá os etês fariam contato com nosso grupo.

Nos dias que antecederam a viagem, fiquei ansioso, e até tive um pesadelo, no qual uma nave pousava em Guajiru, próximo de nós, e um etê saía dela:

– Olá, terráqueos. Levem-me ao seu líder.

– O líder é ele! – Meus amigos apontaram para mim.

– Cês tão de sacanagem… – E os etês começavam a rir.

Poizé. Para mim, ser o líder daquele grupo continuava sendo algo difícil de aceitar, mas eu já admitia para mim mesmo que aquele era o meu grupo, e que, se preciso fosse, iria com eles até mesmo para outro planeta, ainda que tivesse de suportar zombaria de etê.

Em Guajiru, conheci o tal garotinho e… putz, não é que ele tinha mesmo jeito de etê! Chamava-se Isaac, tinha uns olhos estranhos, grandes e meio puxados, um jeito calado e desconfiado… Segundo Tata e Eduarda, ele não sabia que era um etê, mas lembraria quando crescesse. Pelo bem da humanidade, aquele garotinho deveria ser preservado, pois os mega-assediadores certamente já sabiam dele e tudo fariam para eliminá-lo. Babado forte. Mas eu tinha dúvidas.

– Como vocês sabem que esse curumim é um etê?

– Os amparadores nos disseram, Líder. Você não viu o jeito estranho dele?

– Vi. Mas acho que o coitado tá assustado com vocês, isso sim.

O assunto era muito sério para as meninas, mas eu não resistia a umas piadas. Queria que tudo aquilo fosse verdade, porém não conseguia crer do mesmo jeito que elas e Di Bedis. Mas vamos aos óvnis que é o que interessa.

Ao anoitecer, deixamos a pousada e verificamos o céu: poucas estrelas, ótimo. Subimos o morro mais alto e nos posicionamos virados para o mar, sentados na areia. Soprava um ventinho frio. Havia um clima de reverência no ar. A qualquer instante, algo incrível aconteceria.

Estávamos em silêncio, concentrados, quando, de repente, plic, plic, plic… O que é isso? Plic, plic, plic… Gotas. Gotas dágua. Cabruuum!, começou a trovejar. E ventar forte. E chover muito. Em um minuto, desabou uma chuva tão pesada que não tivemos outra opção senão levantar, descer o morro numa correria louca e voltar para a pousada, onde chegamos ensopados e cheios de areia, botando os bofes para fora. Disco voador que é bom, nada. Dia seguinte, pagamos a conta e voltamos para Fortaleza, absolutamente frustrados.

Dias depois, as meninas me mostraram uma notícia no jornal: outro caso de avistamento de óvnis ocorrera em Guajiru, três dias depois daquele fim de semana.

– As naves ficaram presas no trânsito – brinquei.

– Ou nossa energia não estava boa, e eles preferiram não aparecer – sugeriu Tata. – Precisamos nos harmonizar.

desarmonias

Sábias palavras. De fato, não éramos o melhor exemplo de harmonia. Discutíamos por mil motivos e havia conflitos de egos. E eu era um líder absolutamente incapacitado. Além de não me convencer da existência daquelas coisas, eu, ingênuo, não percebia as sutilezas das nossas relações pessoais, o que as garotas viam bem e, por isso, manipulavam as situações. E ainda havia o fato de Eduarda e Di Bedis acharem que eu e Tata formávamos uma dupla evolutiva (pessoas que evoluem juntos no amor romântico em suas proéxis combinadas) e por esse motivo deveríamos namorar, o que nos constrangia, pois não tínhamos interesse. E se éramos mesmo uma dupla evolutiva, então eu estava novamente me afastando de minha proéxis, que merda.

Quanto a Eduarda, ela frequentemente era acusada de usar seus poderes sensitivos para brincar com todos nós, e era óbvio que gostava de ser temida. Se estava tranquila, era doce e companheira, mas o comportamento ambíguo nos causava desconfianças. Di Bedis, por sua vez, não tinha problemas com as garotas, mas, embora não expressasse, e isso eu só saberia depois, não aceitava bem o fato do líder ser eu e não ele, que era ligado ao IIPC havia mais tempo e estudara os livros do instituto.

Quanto a Cris, como voltara a morar em São Paulo, sua participação se dava a distância, sem tanto envolvimento. Ainda assim, entre ela e Tata ressurgiam questões pendentes de Aaran, como se aquela vida ainda prosseguisse no presente: você não me obedeceu naquele piquenique na floresta, você não devia ter dançado nua para Aidon, você usou sem avisar o meu vestido comprado no Reino da Suécia, e ainda devolveu fedido…

despedida

Não foi difícil anunciar à família a decisão de ir embora, tomada naquele entardecer nas dunas, afinal eles sabiam de meus interesses e dos planos de ser escritor profissional. Expliquei aos meus pais que, juntando minhas economias com o seguro-desemprego e economizando bastante, eu me sustentaria por uns seis meses. E depois?, eles perguntaram. Depois a situação melhora, respondi, otimista.

Foi fácil largar a faculdade de Letras e o emprego na clínica. Deixar Fortaleza, minha loirinha desmiolada de sol, era uma ideia incômoda, mas suportável. Aos amigos em geral, Di Bedis e eu preferimos não dar detalhes sobre nossa decisão. À minha irmã Ana, preocupada com a violência no Rio, expliquei que nossos amparadores desviariam de nós as balas perdidas. Putz… Ainda hoje demoro a crer que dei esta resposta esdrúxula, mas você há de concordar que ela foi muito apropriada a um salvador do mundo.

Porém, largar a banda doeu muito. Assim como ocorreu com o Badauê, era um sonho que a vida arrancava de mim quando ele estava no auge. Martan sentiu-se abandonado, e eu tentei animá-lo, dizendo que ele saberia conduzir a banda, mas sabia que realmente estava abandonando meu grande amigo e parceiro. Sim, sei que a vida às vezes nos exige escolhas muito difíceis e que fiz o que precisava fazer, eu sei. Mas mesmo hoje, depois de tanto tempo, essa decisão ainda me dói.

o segurança alado da Tata

Janeiro de 1995. Três semanas após o encontro nas dunas de Aquiraz, Tata e eu pegamos o busão para o Rio de Janeiro. Em minha mala, algumas roupas, livros e, é claro, a camisa do meu Fortaleza Esporte Clube*.

Nas consultas oraculares que fizéramos ao I Ching, que era um constante companheiro de Tata e Eduarda, as mensagens eram positivas, mas alertavam para as dificuldades que enfrentaríamos. Se eu soubesse o tamanho delas, provavelmente teria desistido… Não conhecer o futuro tem suas vantagens.

Fortaleza-Rio de Janeiro, dois dias e duas noites de viagem por aquelas estradas esburacadas. E o ônibus cheio de crianças, com sua natural disposição a infernizar qualquer viagem… Percebendo minha tensão, Tata tentou me tranquilizar, revelando um segredo:

– Tenho um segurança espiritual, de outro planeta, que encontro em sonhos muito nítidos. Ele se chama Urke. Tem asas grandes, é forte, muito bonito…

– Hummm… Já entendi. Vocês têm um caso.

– Deixe de ser bobo.

Resumindo: na viagem, teríamos a proteção do Urke, que seria uma espécie de copiloto invisível, atento às curvas perigosas, aos buracos e aos bois na estrada, enfrentando vento, sol e chuva por dois dias seguidos, coitado. Eu, que seguia me esforçando honestamente para crer naquelas coisas, achei surreal, mas torci que Tata estivesse certa.

O fato é que, contrariando as possibilidades, a viagem foi uma das mais tranquilas que já fiz. E as crianças, uau, parecia que todas eram mudas, tamanho o silêncio. Urke deve ter tirado umas penas de suas asas e enchido a boca dos pimpolhos. Muito sábio o boy magia da Tata.

na estrada do meu destino

Naqueles dois dias de estrada, Tata e eu nos tornamos mais amigos. Éramos dois jovens sonhadores, que se moviam mais por intuições que pela razão, sem muito pé no chão, e ela possuía uma tal confiança na vida que eu ainda não tinha. Conversamos muito sobre seu livro, e tínhamos esperanças de que o IIPC aceitaria publicá-lo, o que poderia nos ajudar financeiramente. Lá, ela deixara uma cópia para as pessoas lerem, principalmente Waldo. Quanto a mim, eu queria escrever sobre aquelas coisas todas e sabia que precisaria primeiro frequentar mais o instituto e aprender mais. Porém, o dinheiro que tínhamos era pouco e, se quiséssemos nos manter no Rio, cidade com custo de vida mais alto que Fortaleza, algo teria que acontecer, e rápido.

– Não se preocupe, querido Líder – Tata dizia, sempre otimista. – Vai dar tudo certo.

– Se ao menos eu tivesse umas experiências lúcidas…

Tata sorria, entendendo minha posição. Eu começava a gostar mais dela e já não a achava tão esquisotérica delirante como antes, mesmo ela tendo um caso com seu segurança alado. E agora Tata tinha o status de velha amiga de outras vidas, ainda que eu não lembrasse, e isso contava muito.

Pela janela, as paisagens que passavam eram partes de mim que ficavam definitivamente para trás. Cinco anos antes, a fracassada experiência de Manaus me enchera de medo das grandes mudanças, e agora lá estava eu a enfrentar meus medos íntimos e a me lançar novamente nas estradas incertas do mundo, sem ter a mínima ideia do que me aguardava. Sim, eu sabia que se tudo desse errado, teria sempre a opção de voltar para a segurança de Fortaleza, mas a sensação que prevalecia era de que a vida começava naquele momento, e, apesar do medo, eu me sentia aliviado por ter aceitado o desafio.

Eu tinha 31 anos e trocava uma banda de rock que queria apenas diversão por um grupo esotérico que pretendia salvar o mundo. Bem, salvar o mundo era importante, mas, em meu sagrado egocentrismo, a prioridade era tornar-me escritor profissional.

Então, fechei os olhos e prometi a mim mesmo que a partir daí eu só trabalharia com o que gostava e que dedicaria todo o meu esforço para cumprir meu destino de escritor, custasse o que custasse. Eu não seria mais covarde. Promete, Ricardo? Prometo.

Ingenuidade? Romantismo? Na verdade, eu era o Louco, das cartas do tarô. Mas ainda não sabia.

trupe riponga da nova era

Tata, Cris, Di Bedis, Eduarda e eu éramos as atuais encarnações de Aidon, Orian, Taena, Andrija, ai, Andrija, e Alira – nesta crença baseava-se a união de nosso grupo. E entendíamos também que, se no século 14, Aaran era uma escola esotérica iniciática, agora, fim do século 20, o IIPC era sua versão modernizada, reencarnada no Brasil. Nosso plano, então, consistia em nos integrarmos a ele e ajudá-lo a guiar a humanidade em seu delicado momento evolutivo.

Nos meses anteriores, Tata e Eduarda, trabalhando como voluntárias na sede do Rio, no início da rua Santo Amaro, na Glória, observaram de perto o dia a dia do instituto e perceberam que em alguns aspectos ele poderia melhorar bastante. Um dia, porém, após saberem que vários computadores da sede foram roubados, deram-se conta de que algo muito sério acontecia… Como isso era possível, já que o IIPC tinha poderosos amparadores a protegê-lo? Elas passaram a desconfiar que o instituto estava sendo vítima de ataques de assediadores igualmente poderosos. Isso era muitíssimo sério. Assim como ocorreu com Aaran, o IIPC poderia enveredar por um rumo muito perigoso. Era preciso agir, e logo.

Nosso grupo era conhecido pelos professores e alunos que formavam o IIPC, pois, além do trabalho voluntário das garotas, havia alguns anos que fazíamos os cursos e Di Bedis ajudara a implantar a filial de Fortaleza. Eles nos viam com curiosidade, pois sabiam de nossa vida comum na Dinamarca, e lembranças de vidas passadas eram mais valorizadas quando coletivas. Porém, desconfiavam do nosso jeito de lidar com tudo aquilo, pois, diferente da abordagem fria e racional que o instituto ensinava, nós conferíamos um tom místico às nossas vivências, éramos emotivos, gostávamos de arte, valorizávamos a música nos exercícios, usávamos incenso e consultávamos oráculos, como o tarô e o I Ching. Para o IIPC, essas coisas eram muletas evolutivas, que podiam ser úteis por um tempo, mas deveriam ser logo descartadas.

Sejamos francos: com nosso jeitão largado e aloprado, estávamos mais para uma trupe de artistas ripongas da nova era que para pesquisadores sérios do IIPC. Se quiséssemos realmente fazer carreira lá, teríamos que rezar pela sua cartilha: mais intelecto e frieza técnica, e nada de arte, emoções e obscurantismos místicos. E, por favor, que nos vestíssemos melhor, uns modelitos mais sóbrios. É, não ia ser fácil.

Sim, éramos um grupo, com um pato desengonçado no papel de líder. Faltavam-me as capacidades sensitivas das garotas e os conhecimentos técnicos do Di Bedis, e eram muitas as dúvidas sobre o que vivíamos. Não passava um dia sem que me questionasse: eu realmente acredito ou, na verdade, quero que essas coisas sejam reais, mas não consigo crer? Apesar das dúvidas, eu me mantinha otimista e esperava que com o tempo eu desenvolveria as tais capacidades, e isso enfim traria a convicção que faltava.

com Beavis e Butt-Head

Chegando no Rio de Janeiro, Tata e eu ficaríamos, inicialmente, no apê do Alan, um amigo que mudara recentemente para o Rio, onde fazia mestrado em informática, e que também fizera cursos do IIPC em Fortaleza. Di Bedis já estava no Rio, hospedado com amigos, e Eduarda chegaria em alguns dias. Após ela chegar, procuraríamos um apartamento para morarmos todos juntos.

Porém, no dia seguinte à nossa chegada, Eduarda nos avisou que precisaria atrasar sua ida para o Rio em um mês, e isso nos obrigou a fazer a primeira mudança de planos em nossa missão de salvar o mundo. Decidimos que o melhor era Tata e eu ficarmos o primeiro mês em São Paulo, e lá eu a ajudaria a revisar seu Aaran, pois no apartamento havia um computador. Naqueles dias, ter um computador em casa era quase um luxo, e os celulares ainda engatinhavam, assim como a internet comercial. Di Bedis não gostou da ideia de nos afastarmos dele, mas teve que se conformar. Pobre Andrija.

O apê em São Paulo ficava no Paraíso, e nele Tata morara com os irmãos Alexandre e André antes de se mudar para Fortaleza, em 1992, e os pais moravam numa fazenda no Mato Grosso do Sul. Tata achou melhor eu dormir com ela em seu quarto, devidamente instalado num colchonete, e tratamos de harmonizar nossos horários de dormir e acordar para que o trabalho rendesse bem.

Alexandre e André eram dois caras tranquilos e divertidos, cultos, torcedores do Corinthians, clube do qual gosto muito, e me receberam bem. Mas… o que pensavam de mim e daquela situação?

Os manos não se ligavam muito em assuntos esotéricos, mas se divertiam com nossas histórias mirabolantes. No início, fiquei envergonhado, afinal não é todo dia que você tem que explicar para dois desconhecidos que você vai morar na casa deles porque você e a irmã deles integram um grupo que vai salvar a Terra e que você é o líder desse grupo… mas que você não está comendo a irmã de ninguém, de jeito nenhum.

Eu nunca passara por algo parecido. Mas os caras eram desencanados e logo relaxei, e pouco depois já dividia umas cervas com eles, rindo com os episódios de seus ídolos na MTV, Beavis e Butt-Head. Além disso, eles tinham amigos mais perturbados do juízo que nós. O fato é que, juntando as doidices de todos, formamos um pequeno e divertido hospício naquele apê do Paraíso.

muriçocas e periguetes

Durante quarenta dias, Tata e eu trabalharíamos juntos diariamente no Aaran, para a história ficar bem compreensível e com bom ritmo. Tata construíra seu romance sobre as lembranças que dizia ter, mas precisou preencher alguns trechos com fatos e diálogos inventados para poder montar a narrativa. Enquanto ela tendia para o tom didático e moralizante, eu puxava para o humor e, se possível, um temperinho de sacanagem…

– Pô, Tata, duas cenas pra explicar que Aidon transava com Orian e também com Andrija?

– Ué? E como seria?

– Elas chamam Aidon pra uma energização a três. Assim, você só precisa de uma cena…

– Ai, Líder, se eu deixar, você transforma meu romance numa suruba só.

– Boa ideia. Criaremos um novo gênero: pornô astral.

Dos amigos que leram o livro, todos comentavam que gostaram. Alguns gostavam até demais, a ponto de achar que também viveram em Aaran, o que nos deixava intrigados. Será que toda a comunidade de Aaran tivera o azar de reencarnar no Brasil? Ou aquilo era apenas efeito de uma boa história?

Eu gostava dos personagens, mas achava que Tata podia aperfeiçoá-los. Andrija, a favorita do meu harém, era uma maluquete declarada, com um pezinho gracioso no sapatinho da futilidade, e uma discípula sempre disposta a aprender um pouquinho mais em nossas aulas a três. Que adorável, não? Andrija não precisava mudar nada, estava perfeita, ai, Andrija. Porém, Orian carecia de uns ajustes, sim.

– Essa Orian é uma grande sonsa. A mim, não engana.

– Por quê, Líder?

– Pra começar, ela dança na Lua Negra vestida com uns paninhos transparentes. E falta às aulas pra ficar no nheco-nheco com um espírito gostosão, que, ainda por cima, numa vida anterior foi general romano.

– O que é que tem?

– Você quer que ela pegue fama de periguete do astral?

Tata analisou minha denúncia e achou melhor redefinir a personagem. Mas não muito. Orian continuou uma sonsa.

– E esse Muriçoca aí?

– Muriçoca, não, Muri. Respeite meu mestre.

Muri era um dos mestres fodões de Aaran. Mais velho, super-hipersábio e sempre tranquilo.

– Não posso chamar seu mestre de Muriçoca?

– Você tá com ciúme porque a Orian adora o Muri.

– Claro que não. Tô justamente defendendo o Muriçoca, pois você está sendo sádica com ele. O coitado precisa de oito capítulos e novecentos conselhos transcendentais pra molhar o biscoito com a Orian. Isso é tortura.

Tata analisou minha denúncia de sadismo feminino e concordou em diminuir a trabalheira do Muri. Ufa! O sindicato dos sábios de Aaran me deve essa.

anotando sonhos

Um caderno grosso de espiral, tendo na capa dura plastificada a imagem dos relógios derretidos de Salvador Dali. Na primeira página, a dedicatória que incluía uma fala do índio yaqui Don Juan, dos livros de Castaneda: Para mim, só existe percorrer os caminhos que tenham coração. No mundo do sonhar ou no mundo dos homens. Por qualquer caminho que tenha um coração. Por ali viajo e o único desafio que vale a pena é percorrê-lo em toda sua extensão. E por ali viajo, olhando, olhando… arquejante. D. Juan

E, finalizando: Bons sonhos, muchacho. 1 beijo, Tata

 Foi um presente que ela me deu, para eu anotar meus sonhos. Que mimoso! Tata já me falara sobre a técnica de anotação de sonhos, indicada por psicólogos junguianos, da qual ela fizera uso quando de seu tempo de terapia, anos antes, e fora muito útil.

Para Jung, os sonhos são a contraparte da vida em relação à parte em que estamos acordados, e expressam o estado psíquico por imagens e narrativas simbólicas, cujos significados nem sempre são fixos, mas podem variar de acordo com as vivências do sonhador. Os sonhos são, assim, mensagens reais do inconsciente para a consciência, e saber interpretá-los ajuda o sonhador em seu processo de autoconhecimento e autorrealização, que Jung chama de individuação (e pelo qual todos passam, mesmo sem consciência dele) e Joseph Campbell chama de jornada do herói. Ainda que pareçam sem sentido para o sonhador, o registro dos sonhos pode dar ao psicólogo um utilíssimo material para que ele possa fornecer a melhor ajuda.

Em nossa disciplinada rotina de trabalho, Tata e eu nos deitávamos à mesma hora, com o despertador programado para tocar no meio da madruga. Fazíamos isso para conversar sobre o que estávamos a sonhar, a lembrança fresquinha, e após eu registrar no caderno, voltávamos a dormir. Mais de uma vez constatamos que sonhávamos a mesma coisa, o que podia indicar que estávamos juntos na dimensão espiritual, embora sem lucidez. E outras vezes, nos empolgávamos tanto no papo que perdíamos totalmente o sono.

dupla evolutiva

Nesse período, fui apresentado por Tata a três coisas que a partir de então norteariam minha vida: Jung, a filosofia taoista e o xamanismo, e aproveitei para ler uns livros que ela guardava no apê.

Na psicologia analítica de Jung, assimilei bem a ideia do Si-Mesmo (Self) como centro ordenador da psique total (consciência + inconsciente), algo como o eu maior, e também do ego, o eu menor, como centro da parte consciente. É no Si-Mesmo que se guardam as potencialidades do ser, feito um código que necessita ser ativado pela consciência. O processo de individuação é, portanto, a efetivação do eu potencial em toda sua totalidade, capacitando o indivíduo a viver, finalmente, suas verdades mais íntimas e a se harmonizar consigo mesmo, com as outras pessoas e com toda a realidade.

Na milenar filosofia taoista*, me identifiquei muito com as ideias de unicidade cósmica, de yin e yang e de nos harmonizarmos com a realidade por meio da superação dos opostos, do crescimento cíclico e do equilíbrio dinâmico.

No xamanismo*, comecei pelos livros de Carlos Castaneda, que Tata amava desde a adolescência. Li os dois primeiros, mas como eles não me empolgaram tanto como Jung e o taoismo, preferi prosseguir a leitura em outro momento. Havia tantos livros para ler, tantas ideias a conhecer…

Uma noite, saímos para um bar próximo e tomamos uns chopes, e rimos muito da insistência de Eduarda e Di Bedis sobre sermos uma dupla evolutiva. Eu brinquei, lembrando que minha última namorada fora bailarina, e, assim, faria sentido que minha namorada seguinte fosse a dançarina principal de Aaran, né?

Na volta para casa, caminhando pela avenida Paulista, Tata de repente parou. Achei que ela esquecera algo no bar, mas não era isso. Ela falou:

– Ricardo, me dá um beijo.

– Como assim? – perguntei, surpreso.

– Anda, me dá um beijo.

– Aqui? Agora?

– Vamos descobrir logo se somos ou não uma dupla evolutiva. Não aguento mais essa cobrança.

Foi assim que, seiscentos anos depois, a dançarina Orian e o viajante Aidon voltaram a usar lábios e línguas para trocar energias. Num estranho país dos trópicos chamado Brasil. Em plena Paulista, iluminados pelas luzes dos automóveis.

No fim, eles se afastaram e se olharam desconfiados:

– É, Líder, não tem jeito.

– Não somos dupla evolutiva, Tata.

– Pelo menos, tentamos.

E saíram caminhando abraçados, rindo das vidas.

os cearenses dominarão o mundo

– Vocês me abandonaram! Isso é sacanagem! Cadê a cosmoética?

O protesto era do pobre do Di Bedis, que todo dia telefonava do Rio, enfrentando os orelhões quebrados da Telerj, para reclamar que eu e Tata estávamos demorando demais para voltar. O jeito foi chamá-lo para passar uns dias em São Paulo. No dia seguinte, ele chegou e, assim como fizera comigo, Tata o instalou em seu quarto, que virou de vez um acampamento. Seiscentos anos depois, Aidon, Orian e Andrija dormiam juntos novamente, agora no Paraíso… Era muita emoção para mim.

Alexandre e André gostaram também do Di Bedis, até porque é mesmo difícil não gostar de seu jeitão Di Bedis de ser. Porém, quando Cris nos visitava, nossos papos esquisotéricos rapidamente afugentavam os irmãos da Tata, o que provava que eles eram muito mais ajuizados que nós.

Nessa época, Salviano, amigo meu e do Di Bedis, ator comediante, estava em cartaz em São Paulo com um espetáculo de humor. Que boa coincidência! Fomos ver o espetáculo e adoramos, e Tata o convidou para ir nos visitar.

– Melhor você não fazer isso – Di Bedis a alertou.

– Por quê?

– É, Tata, não faça isso.

– Gente… Mas por quê?

Tarde demais. Salviano já aceitara o convite.

Para quem não sabe, melhor explicar. Um cearense sozinho longe do Ceará geralmente fica quieto e acabrunhado, que nem caramujo. Mas se dois cearenses se encontram aí pelo meio do mundo, tudo vira piada e a festa só termina na segunda-feira. Porém… se eles encontram um terceiro cearense, você pode ter certeza que toda a fulerage, alopração e baixaria do universo estarão concentradas nesse encontro. Pois bem, Tata acabava de evocar, para dentro do apê de sua família, o melhor do pior da espécie humana.

Sabe aquela velha profecia que diz que um dia os cearenses dominarão o mundo? Alguns afirmam que eles já dominam, mas fazem todos rirem deles para ninguém desconfiar de nada. Pois bem. Quando Salviano foi nos visitar, Tata e seus irmãos tiveram uma pequena mostra de como será o mundo quando os cearenses tomarem o poder. Por uma tarde inteira, os três riram das nossas piadas e de todas as marmotas e barbaridades que falamos, e riram até passar mal e nos pedir, por favor, para parar.

– É melhor vocês não tomarem o poder – comentou Tata, o estômago doendo. – Vão matar todo mundo de rir.

Melhor morrer de rir que morrer na guerra. Né não?

tropeçando em espíritos

As semanas em São Paulo foram de muito trabalho, mas foram divertidas e até inspiradoras. Um dia, enquanto via, com Tata e Cris, o filme Highlander, com o ator Christopher Lambert, eu tive uma ideia para um livro. Seria um romance, que falaria de busca pessoal e trataria daqueles assuntos com que lidávamos, numa linguagem descontraída e sem caretices. Então, fiz um esboço da história, sem certeza de que poderia mesmo virar livro. Sim, viraria, e se chamaria O Irresistível Charme da Insanidade, mas, naquele momento, a única certeza que eu tinha era de que precisava urgentemente de um computador para mim.

Outra coisa boa que aconteceu foi conhecermos Wagner. Ele era conhecido no meio esotérico por dominar bem suas experiências fora do corpo, e havia sido parceiro do Waldo antes de se desentenderem anos antes. Em São Paulo, montara seu próprio instituto num espaço na Vila Mariana, o Reviver, onde fazia palestras e cursos. Para Wagner, que se dizia espiritualista sem religião, essas coisas sobrenaturais eram tão rotineiras como escovar os dentes: ontem, me encontrei com uma entidade hindu e ela me passou este texto, aí Ramatis veio me contar uma piada, e quando saí do banheiro, tropecei num espírito… As experiências que ele relatava me pareciam exageradas, mas gostei de seu jeito bem-humorado, muito diferente da sisudez dos professores do IIPC.

Vimos duas palestras de Wagner, depois conversamos com ele e Tata entregou-lhe uma cópia de seu livro. Os amparadores haviam dito que ela deveria fazer isso. Ela ainda não sabia o motivo, mas logo descobriria.

.

Ricardo Kelmer 2020 – blogdokelmer.com

.

.

Viajando na Maionese Astral

 

Capítulos 1 – 2 – 3
4 – 5 – 6

7 – 8 – 9
10 – 11 -12.

.

.

.

Seja Leitor Vip e ganhe:

– Acesso aos Arquivos Secretos
– Descontos, promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)

.

.

Comentarios01

COMENTÁRIOS

.

 


El Irresistible Encanto de la Insania 4

13/05/2020

 

.

EL IRRESISTIBLE ENCANTO DE LA INSANIA

Ricardo Kelmer – Miragem Editorial, 2015
novela – traducción: Felipe Obrer

Luca es un músico, obsesionado por el control de la vida, que se involucra con Isadora, una viajante taoísta que asegura que él es la reencarnación de su maestro y amante del siglo 16. Él comienza una aventura rara en la cual desaparecen los límites entre sanidad y locura, real e imaginário y, por fin, descubre que para merecer a la mujer que ama tendrá antes que saber quién en realidad es él mismo.

En esta insólita historia de amor, que ocurre simultáneamente en la España de 1500 y en el Brasil del siglo 21, los déjà-vu (sensación de ya haber vivido determinada situación) son portales del tiempo a través de los cuales tenemos contacto con otras vidas.

Blues, sexo y whiskys dobles. Sueños, experiencias místicas y órdenes secretos. Esta novela ejercita, en una historia divertida y emocionante, posibilidades intrigadoras del tiempo, de la vida y de lo que puede ser el “yo”.

.

.Amazon (kindle) english/portuguese/espanol

In portuguese – blog 

.

.

CAPÍTULO 10

.

– ¿Quién eres vos?

Luca miraba a la figura rara adelante de él.

– ¿Una vieja amiga, no recuerdas?

Aquella voz era familiar.

– Esta cueva… yo ya he estado aquí…

Él miró alrededor, intentando reconocer al lugar.

– ¿Cómo andan las cosas?

– Pésimas – él respondió, suspirando. Estaba muy cansado.

– Veo que no estás queriendo volver allá afuera. Pero es necesario.

– ¿Ésto es real? ¿O es un sueño?

– ¿Qué no es real, Vehdvar?

Vehdvar… Él conocía aquél nombre.

– Estoy recordando… vos eres…

– Ihlishhhhhh…

Él fijó la mirada y vio a la enorme naja, la piel marrón y las escamas flamantes, con una geometría. La serpiente levantó parte del cuerpo y se llenó los pulmones, inflando el pescuezo. Entonces abrió la boca y mostró las presas afiladas. Él no sintió miedo.

Naja Hannah, Naja-Rey… – él murmuró, recordando antiguas palabras.

– ¡Mira, mira! Solamente la vieja serpiente podría animarlo… – Ella se desplazó hacia la piedra y se enroscó sobre el propio cuerpo para quedarse a su lado.

– Soy un fracaso, Ihlish.

– ¿E Isadora?

– Isadora es una loca.

– Amor y odio… Pasan los siglos y ellos no se sueltan.

– Déjame morir en paz, Ihlish.

– ¿La dama de blanco te ha encantado, eh? Pero antes de irte a sus brazos, mira ésto.

Él se volvió hacia el lago oscuro y notó que el agua ondulaba. De a poco una escena empezó a formarse en la superficie… Desde el alcázar de un navío un hombre observaba el mar. Luca supo inmediatamente su nombre: Enrique. Estaba envejecido, los cabellos enteramente blancos… Luca sintió una emoción rara. Era como volver a ver a alguien muy querido después de un largo tiempo. Asimismo, era bastante más que eso, era una afinidad, una complicidad intensa, ¿cómo explicarlo?

Supo inmediatamente que Enrique ya estaba al fin de la vida y que muchos años habían transcurrido desde su salida de un muelle en Barcelona, una mañana nubosa, hacia el cual nunca más había vuelto. Supo muchas otras cosas sobre su vida: la Compañía de Jesús, el Orden del Guardián, las misiones secretas, el peligro de la Inquisición…  El trabajo como misionero lo había conducido a tierras lejanas y lo había hecho convivir con otras culturas. Grande parte de la vida había pasado en barcos, surcando los mares. Los marineros catalanes lo llamaban llamador de vientos porque él sabía cantar y menear el sombrero para traer los vientos que necesitaban, y era a él que recurrían para bendecir sus barcos con ramitos de romero el día de Sant’Elmo. Él tenía una mirada triste y decían que la causa era un antiguo amor. Cuando le preguntaban sobre eso, él citaba los versos de March, el poeta catalán: Com se farâ que visca sens dolor tenint perdut lo bé que posseya?

Por la noche, el mar de China, la tormenta… Enrique estaba en el navío que se sacudía entre las olas enormes. Al anochecer un marinero había visto en el horizonte la fatídica carabela de los muertos, la nave translúcida que conducía a las almas de los desaparecidos, y eso los había llenado a todos de los peores presagios. Y ahora la tormenta repentina, las olas invadiendo el alcázar, todo siendo arrojado violentamente de un lado a otro. Era necesario abandonar el navío.

La tripulación lazaba los botes al agua, pero el terror y la confusión dificultaban todo. En cierto momento Enrique perdió el equilibrio y se golpeó la cara contra el mástil, abriendo una herida del lado derecho, y luego empezó a sangrar. Atarantado, él bambaleó y perdió el equilibrio. Y cayó en el mar helado. Trató desesperadamente de subir a flote para respirar, pero nada podía contra las grandes olas que lo hacían tragar cada vez más agua. Su cuerpo empezó a congelarse y sus fuerzas lo abandonaban… Cuando el bote estaba bien cerca de salvarlo, él se hundió. Y desapareció.

Luca lloraba, todavía mirando hacia las aguas oscuras del lago. Él sabía que Enrique se había dado por vencido cuando podría haber luchado un poco más por su vida. Y sabía también que en su último pensamiento estaba Catarina, la mujer que él nunca había olvidado y a la cual había abandonado en el muelle de Barcelona.

– ¿Entonces Isadora estaba correcta? – murmuró Luca, tocándose la cicatriz en la cara. – ¿Yo de hecho he sido Enrique?

– Tanto como cualquier otra persona lo fue – respondió la serpiente.

– ¿Cómo así?

– La vida de Enrique, igual que cualquier otra vida, incluso la suya, puede ser accedida por cualquier uno, pues en un nivel más profundo todas las vidas están interconectadas por las experiencias vividas, formando una sola vida, un único yo.

– Entonces no existe…

– Reencarnación. Es una ilusión del ego, que se identifica con la otra vida y entiende eso como recuerdo porque está atado al tiempo lineal, en el cual pasado, presente y futuro ocurren en secuencia.

– ¿Y no ocurren?

– Solamente para el ego. Vos y Enrique se identifican profundamente y sus experiencias se cruzan a través de los siglos porque para el yo superior el tiempo es una red en la cual pasado, presente y futuro se cruzan en todos los puntos.

– Entonces todos los tiempos ocurren…

– Al mismo tiempo. Y todos tus yos son todos los otros. Por eso cualquier vida puede ser influenciada por la vida de cualquier persona de cualquier tiempo.

– Así siendo, el pasado puede ser…

– Cambiado. De la misma forma el presente y el futuro, pues todo está siempre ocurriendo…

– Ahora.

– Pero solamente un recuerdo profundo del yo puede realmente cambiar el tiempo. Porque en verdad el tiempo está adentro…

– Del yo.

La serpiente se movió…

– Todo ocurre en la mente, Vehdvar.

… se desplazó hasta el lago…

– Cámbiate a tí mismo, y todo cambiará.

… y desapareció de nuevo en las aguas oscuras.

*      *     *

Una bella mujer de vestido blanco. Adelante de él, ella lo miraba de una manera que lo invitaba…

– Debe ser una mujer muy bonita para hechizarte así…

Aquella voz… Luca se dio vuelta. Y vio a Isadora.

– ¿Qué haces en mi sueño?

– Este sueño es nuestro.

‒ Entonces es una pesadilla.

‒ He venido a buscarte. Ven.

– Es demasiado tarde, Isadora.

– ¿Por qué?

– Porque me he cansado.

– Vos tienes que intentar, Luca. No puedes darte por vencido.

– Tanto puedo que me he dado por vencido.

– Intenta solamente un poco más, por favor…

Él dio un paso hacia adelante, en dirección a la mujer de blanco. Era su falda lo que necesitaba, su comprensión. Estaba cansado de luchar, contra la vida, contra sí mismo, contra todo. Solamente deseaba extinguirse, no tener que despertar jamás. Solamente eso.

– No la mires, Luca – Isadora pidió. – Mírame a mí.

Pero él estaba decidido.

– ¿Luca, me escuchas?

Él no respondió. Y siguió en frente.

– Entonces yo iré contigo.

Él se dio vuelta hacia ella, sorprendido.

– Vos no harías eso.

– Lo estoy haciendo.

Él sintió la mano de Isadora sosteniendo la suya, firme. Y en ese momento el abismo surgió bien a su lado, un abismo oscuro y profundo susurrándole su nombre. Si saltara hacia la oscuridad, él perdería absolutamente el control sobre su propia vida, sobre todo, y sería apenas un pobre idiota del amor, no lo aceptarían más en el Orden, sería expulsado de la banda, la Inquisición lo quemaría en la hoguera, sería el fin…

La mujer de blanco y el descanso, el nunca más tener que despertar. El abismo oscuro y la entrega del control. Ambos lo llamaban…

– Estamos juntos, Luca… – Isadora susurró.

Y antes que ella dijera cualquier cosa más, él saltó.

.

.

CAPÍTULO 11

.

La primera cosa que él vió fue una luz suave y colorida. No sabía adónde ni cuando estaba, pero aquellos colores le trajeron una diáfana alegría, venía de lejos, muy lejos…

En otro momento juzgó notar una presencia femenina, dulce y protectora. Trató de decir algo pero el esfuerzo fue tan grande que se desmayó.

Por fin, abrió los ojos. Luego de un momento de confusión mental, entendió que estaba acostado, la cara hacia arriba, y había una sábana blanca sobre su cuerpo… Estaba acostado en una cama… una habitación de hospital… un tubo de suero conectado a su brazo… Adelante de él la ventana entreabierta dejaba entrar la claridad del día. Y a su lado estaba su madre dormitando en la silla.

– ¿Mamá, qué día es hoy? – él preguntó y doña Gloria casi se cayó de la silla, despertando de un susto.

– ¡¡¡Luca!!!

Ella lo abrazó, emocionada. Luca trataba de recordar lo que podría haber ocurrido con él. Pero nada le venía a la memoria.

– ¿Qué ha pasado?

– Hijo mío, que bueno que vos…

– ¿Dime, madre, qué ha pasado?

– Un accidente, hijo mío – ella respondió, secándose una lágrima. – Pero no pienses en eso ahora.

– ¿Accidente?… – Él no recordaba ningún accidente. – ¿Cuándo?

– Vos has estado en coma a lo largo de un mes.

Él se concentró para recordar cualquier cosa que fuera, pero no consiguió. Insistió en saber sobre el accidente. La madre le explicó: un coche había avanzado la preferencial, choque muy violento, una suerte tremenda que él estuviera vivo.

– ¿Yo estaba solo?

– Hijo mío, vos estás débil, tienes que reposar…

Ella no necesitó responder. Súbitamente él recordó a Bebel, el fin de semana en la playa, su cara, su sonrisa tierna… Las lágrimas resbalaron y él no consiguió decir nada más. Y adormeció sollozando.

*      *     *

Al día siguiente el recuerdo le trajo otras imágenes. Una española de nombre Catarina… un jesuita portugués… viajes en navíos… Todo se confundía entre sueño y realidad, pero eran imágenes que lo emocionaban. Tuvo la corazonada de que, mientras había estado allí en coma, muchas cosas habían ocurrido con él… Y adormeció una vez más.

Cuando despertó de nuevo, se sentía más bien dispuesto. Doña Gloria confirmó la muerte inmediata de Bebel y del bebé en el accidente. Contó que él había sido rescatado con muchas lesiones y que en el hospital contrajo una neumonitis, que lo había dejado por varios días al borde de la muerte, desanimando a todos, incluso a los propios médicos. Pero, de un momento a otro, él se recuperó, sorprendiendo a todos.

– Los chicos de la banda te han traído ese paño ahí de regalo – contó Celina, feliz por tener al hermano de vuelta.

– Yo lo he colgado en la ventana para reducir la claridad – dijo doña Gloria. – Un día vos has abierto los ojos, y al ver el paño te has sonreído. Y te has dormido de nuevo. Fue ese el día en que tuve la certeza de que volverías.

Él miró el paño y lo reconoció. Era una pintura con el nombre Bluz Neón a varios colores y las imágenes de los cinco en silueta, tocando. Echó de menos a los amigos, ¿cómo estarían? Pero otra cosa lo molestaba.

– ¿Alguien tiene noticias de Isadora? – él preguntó, y de repente estremeció: ¿ella aún lo esperaba en aquél muelle?

No, ninguna noticia, doña Gloria no sabía de Isadora. Celina tampoco. Él sintió la tristeza invadiéndole el alma. Isadora… ¿Adónde andaba?

– ¿Vos estás bien, hermano? – Celina le preguntó.

– Estoy. Pero quiero quedarme un poco solo.

– ¿Estás seguro?

– Estoy.

– Está bien. Cualquier cosa, grita.

Celina lo abrazó y salió, junto con la madre, cerrando la puerta del cuarto.

Luca se dio vuelta de costado, acomodando el cuerpo en la cama. Y cerró los ojos. ¿Entonces era verdad? ¿Entonces Isadora tenía razón? ¿Él de hecho había sido Enrique, el brujo portugués, el maestro-amante de Catarina? Que cosa increíble… No solamente había recordado – ¡había revivido todo! De alguna forma, a lo largo de aquellas semanas en coma, su alma viajó hasta el siglo 16 y vivió como Enrique. Y vivió de nuevo todas las emociones, los sentimientos, los miedos, todo…

– Increíble… – él repetía para sí mismo, cada vez más impresionado. Ahora entendía qué significaba aquella historia de recordar otra vida. ¿Y cómo explicarlo, cómo? Era tan real como recordar un hecho ocurrido hacía algunos años. Las ropas, las casas, la manera de hablar el portugués, el castellano, el catalán… ¿Cómo podría sentir y saber todo aquello de forma tan nítida si no hubiese realmente vivido, cómo? ¿Y el contacto con la piel de Catarina, su olor?…

Sí, él había sido Enrique, un portugués que usaba el disfraz de misionero de la Compañía de Jesús para desarrollarse como iniciado de un orden secreto, el Orden del Guardián. Un aventurero de varias identidades y que tejía su vida en los cuidados de la sordina y de la disimulación. Un conspirador religioso y nacionalista ferreño. Un hombre letrado, dedicado a preservar a toda costa el conocimiento de su orden. lo que lo había convertido en enemigo silencioso de la Inquisición Católica. Un hombre dividido entre sus virtudes y defectos, que llevaba la vida arriesgándose y probando los misterios. Y también un hombre que huyó de la confrontación decisiva de su vida: el amor por Catarina. Porque no admitía abdicar de la seguridad que la Compañía representaba.

Y la culpa por haber huido lo acompañó como una llaga hasta el momento final. Y fue ella la que lo hizo optar por la muerte en aquél mar helado, cuando aún le quedaba una última chance de vivir.

¿O habría otra explicación? – Luca pensó mientras le venía el recuerdo diáfano de un sueño en el cual él parecía descubrir que… que había otra manera de comprender aquél fenómeno de recordar otra vida. Sí, parecía haber otra explicación… Tenía algo que ver con la noción del yo, la noción de individualidad, algo así… Él buscó recordar pero no consiguió. Bien, si había otra forma de comprender lo que le estaba ocurriendo a él, quizás descubriría a continuación. Por ahora lo que sabía era que él, de algún modo, había estado en otro tiempo. Y que Isadora también había estado allá.

– Catarina, mi amor… – Luca susurró, mirando hacia la distancia por la ventana del cuarto. – Yo he vuelto.

*      *     *

La última noche en el hospital, una semana después de volver del coma, Luca demoró en dormirse, aún envuelto por los recuerdos de la vida de Enrique. Los sonidos de los carruajes estridentes, el polvo en los ojos, el olor de las cervecerías de Munique, el gusto de la pimienta, del jengibre y de la canela que los navíos traían como novedad de las Indias… Bastaba cerrar los ojos para sentir todo de nuevo, intensamente.

Entonces notó que una idea parecía querer llegar… Una idea se acercaba… Una idea rara, venida de algún lugar de los confines de su mente… Hasta que llegó, como un cometa cruzando los cielos del pensamiento, y su luz pareció alumbrar toda la habitación: él seguía adonde Enrique había parado. ¡Sí, seguía! Y la bajada a la cueva ahora consistía en enfrentarse al miedo de perder el control de la vida. Era ese el próximo reto, que Enrique había rechazado: abandonar el control.

Impresionado con la clareza que terminaba de descubrir, Luca respiró hondo, buscando contener la euforia. Ahora entendía que quizás el taoísmo le había aparecido a través de Isadora justamente para que alcanzara el conocimiento que le había faltado a Enrique. Era como si fuera un plan dibujado para él. ¿Estaría todo ya escrito? ¿Por la propia vida?

Antes del accidente las cosas ya estaban fuera del control y solamente él no se daba cuenta. Los problemas, los pequeños accidentes y las enfermedades frecuentes, los conflictos con la banda, el ambiente feo en el trabajo, la pérdida del coche, la partida de Isadora y, por fin, el embarazo de Bebel. La vida no podría haber sido más explícita. Y, asimismo, él no había entendido el mensaje.

Luego de mucho pensar y subrayar enlaces entre los hechos de su vida y la de Enrique, Luca se durmió sonriendo, con la sensación de estar renaciendo. Y aquella misma noche soñó con Isadora, un sueño fuerte y nítido. Él la encontraba en un lugar al borde del mar, ella estaba aún más bella.

– ¿De dónde vienes, Isadora?

– De cuatro minutos en el futuro.

– No – él la corrigió. – Fueron cuatrocientos años.

– Tenemos que ajustar nuestros relojes, Luca.

*      *     *

El autobús empezó a salir y Luca miró por la ventana. En la plataforma, Junior, Ranieri, Balu y Ninon saludaban con vasos y una botella de whisky, brindando a él. Junior tocaba en la guitarra alguna música de la banda. Él saludó también, un trago de emoción trancado en la garganta.

Se acomodó en el asiento y respiró hondo. La ciudad pasando lentamente a través de la ventana parecía darle adiós en cada una de sus esquinas. Un súbito temor subió por su espalda, un miedo de dejar todo hacia atrás, de seguir un camino que no sabía adónde podía dar. Era como saltar en el abismo…

Abrió la mochila y agarró la concha que Isadora le había dado al margen de la laguna de Uruaú. La había encontrado días antes en un cajón del ropero, ni siquiera la recordaba más. Recostó la concha al oído y el sonido del mar poco a poco lo calmó…

Dos meses antes estaba saliendo del hospital, muchos kilos más delgado, cicatrices por el cuerpo, aún bastante debilitado. En pocos días acordó la salida de la banda y del empleo, entregó el departamento, vendió algunas cosas y pagó la cuenta en el restaurante. Y compró el pasaje. A doña Gloria no le gustó nada la idea. Celina quedó temerosa de que el porrazo en la cabeza hubiese afectado el juicio del hermano. Los compañeros de la banda no podían comprender cómo él abandonaba un sueño estando tan cerca de que se concretara. Pero para él todo estaba claro, bien claro.

En medio de la madrugada despertó recordando a Bebel. Sentía su presencia, su mirada, casi podía ver adelante de sí la cara de niña y la sonrisa franca. Recordó las noches de cariño, su cuerpo acogedor. Recordó su labor con afinco en el bar, sus sueños de retomar la facultad, el dinero que ella le había prestado… y que él no pagó. Recordó su manera sutil de reprochar su conducta autodestructiva. Y recordó que había llegado a desear ser Enrique solamente para librarse de aquél embarazo. ¿Sería él, de alguna forma, culpable de su muerte?

Retiró del bolsillo una foto, recuperada de la cámara de Bebel, que la hermana le había dado. En la foto estaban él y Bebel, abrazados en la terraza de la casa de playa, la puesta del sol al fondo. ¿Qué exacto sentido aquella mujer había tenido en su vida aquellos meses? Si ella no estuviera manejando, habría fallecido él? ¿Sería posible que ella, de alguna manera, se hubiera sacrificado por él? ¿Algún día descubriría respuestas para aquellas preguntas?

Pero Bebel se había marchado. Y él ni siquiera una vez le había dicho cuánto realmente la quería, cuán importante era ella, cuán hermosa era. Vivía tan sumergido en sus problemas, cerrado en su egoísmo y en su insana lucha contra la vida… No había sido digno de ella. Y el día que finalmente aceptó el hijo que tendrían, ella se marchó. Ellos se marcharon. Para siempre.

Emocionado, tomó la lapicera y escribió en un pedazo de papel, poniendo para afuera lo que estaba apresado en su pecho:

Ah, ese gusto raro
Del amor que podría haber sido
Pero no ocurrió
Y se fue para nunca más
El amor que no pudo crecer
Pero siempre juega a ser
Cuando yo miro hacia atrás

.

.

CAPÍTULO 12

.

‒ Mi nombre es Luca de Luz Neón y todos los viernes y sábados toco acá en el Papirar. Espero que les haya gustado. Gracias.

Luca agradeció los aplausos, se levantó de la banqueta y apagó el aparato. Guardó la guitarra en el estuche y bajó del pequeño modulado de madera que servía de tablado. Charles se acercó a él.

– ¡Hoy estuviste regio! – lo elogió Charles, abrazándolo. – ¡Fue realmente alucinante!

– Gracias.

– Estoy incluso pensando en elevar tu caché.

– No tengo nada en contra.

– Vos lo mereces, muchachito. Ahora siéntate ahí que está llegando un guiso de pescado como te gusta.

Luca se sentó a la mesa y se desperezó, estirando los brazos y las piernas. El bar estaba lleno, como ocurría todos los fines de semana. En las mesas él podía reconocer moradores de Pipa que siempre iban al bar y algunas caras nuevas, de turistas brasileños y extranjeros. Charles, un ex-hippie con sus sesenta años, era el dueño, y su mujer Solange era su socia en el negocio. A ellos les había gustado su estilo musical y lo habían contratado para ser el músico permanente de la casa.

Luca abrió una botella de agua y tomó, sanando la sed. Nueve meses…, él pensó. Al día siguiente se cumplirían nueve meses desde que había salido del coma. Y siete meses desde que había bajado de nuevo en Tibau del Sur, él, dos mochilas y la guitarra. Un impulso irresistible lo había conducido hasta allá. Sabía, en el fondo de su ser, que era allá que debería empezar otra vez su vida.

Fue raro ver de vuelta al lugar, aquellos árboles, el río, los pájaros cantando al amanecer… Asimismo, se sintió bien, era como estar en casa. Acampó de nuevo en el camping de doña Zezé, que se recordaba perfectamente de él. Pero a la segunda semana ella le propuso salir del camping y mudarse a la posada: cambiaría el alquiler de la habitación por clases de guitarra y computación para sus hijos, ¿qué tal? La habitación era pequeña pero tenía ropero, mesita, ventilador, ventana con cortina y cuarto de baño. Y el desayuno estaba incluido. Luca ni lo pensó dos veces: negocio cerrado.

La mañana del primer día en su nueva habitación, él despertó y fue al baño. Al pasar por el espejo, paró y se miró por un tiempo. Había algo raro en su cara, en su expresión… Se miró con más atención, buscando descubrir qué podría ser. Sí, había realmente algo distinto, algo que él no conseguía identificar. Los días a continuación tuvo la misma impresión. Había algo raro, sí, ¡que cosa! ¿Pero qué sería? Por más que buscara, no encontró. Terminó dándose por vencido.

Había sido doña Zezé, siempre atenta, que le había aconsejado buscar trabajo en Pipa. Él fue, conoció a Charles y Solange y el mismo día volvió empleado. Así de simple. Ahora tenía trabajo fijo, un trabajo placentero, en el cual podía tocar sus músicas predilectas, incluso sus propias músicas. Y, que alivio, ahora no tenía más que preocuparse con alquiler y reuniones de condominio. Ni con el precio del combustible. Y por encima podía bañarse en el mar todos los días.

Siete meses de soledad. Una soledad al principio rellenada por recuerdos insistentes que siempre venían acompañados de dolorosas revelaciones. Una armadura vieja y herrumbrada, era eso lo que él por mucho tiempo había usado, ahora veía muy bien, un armadura hecha de viejas ideas sobre la vida, que lo protegía de ciertos peligros, sí, pero que cada vez más lo impedía de caminar. Y las máscaras, había también las máscaras, ahora cayéndose una tras otra, revelando su auténtico ser, lleno de imperfecciones. Y había los demonios, muchos, saltando hacia afuera del ropero a todo instante, forzándolo a reconocerlos y mirarlos de frente.

¿Cómo podía haber errado tanto? ¿Y cómo había insistido tanto en un camino que lo conducía hacia lejos de sí mismo?

Hubo días en los cuales, desesperado, buscó a alguien para charlar porque les tenía miedo a sus propios pensamientos. Si no fuera la compañía de doña Zezé y las clases de los niños, posiblemente habría tendio una irrupción psicótica. Podría haber terminado en un hospital psiquiátrico. Pero la larga noche había pasado.

– ¡Mira el guiso calentito!

Era Charles, volviendo a la mesa. Traía en la bandeja un plato de barro humeante.

– ¿Sabes que mañana cumplo nueve meses de haber vuelto del coma? – Luca comentó mientras se servía.

– ¿Nueve meses? Entonces mañana vos nacerás, muchachito. ¡Una cerveza para festejar!

*      *     *

El trabajo en el Papirar era de hecho excelente, y a cada fin de semana él conocía a muchas personas y entablaba buenos contactos profesionales. Por cuenta de uno de esos contactos, viajaba una vez por mes hasta Natal, adonde tocaba en una casa de espectáculos. Como el dinero que ganaba era más que suficiente para sus gastos, rápidamente pudo comprarse una guitarra nueva y un parlante importado, cosa que nunca había tenido en los tiempos de la banda.

Llevaba una vida simple y saludable. Ahora tomaba menos, dormía más y se alimentaba mejor. Nadaba todos los días y tenía tiempo para leer muchos libros. Mantenía contacto con la familia y los amigos por Internet, usando la computadora de doña Zezé. En breve se compraría una para él, pero mientras tanto eso no le hacía falta. Y componía bastante, ahora aventurándose en otros ritmos más allá del blues.

No sabía cuanto tiempo seguiría allí en Tibau del Sur, ni sabía hacia adónde iría después. No sabía qué le pasaría, no sabía de nada. Antes del accidente tampoco sabía de nada más, es verdad, pero la diferencia es que ahora no tenía ninguna preocupación en cuanto a eso. Sabía solamente que hacía lo que debería hacer, y esa tranquila certidumbre lo llenaba de la mayor de las libertades.

Sobre las mujeres, el trabajo en el bar le permitió conocer a varias, e incluso se acostó con algunas. Pero al día siguiente ellas siempre volvían para sus ciudades y él seguía solitario.

Solitario, sí, pero en su pensamiento cierta mujer era presencia constante…

– ¿Isadora, adónde andas, desquiciada?… – él se preguntaba todas las mañanas mientras caminaba por la playa. Quizás ya fuera digno de merecerla, como no había sido Enrique en aquella lejana mañana en el muelle de Barcelona. Como no había sido él también, Luca. Quizás fuera finalmente digno de ella. ¿O ya había arrojado a la basura todas las oportunidades?

Un día, hojeando distraído una revista, vio la imagen de una serpiente naja… y de repente recordó. Recordó un sueño raro… Parecía haber ocurrido hacía tanto tiempo… Era un sueño con un clima misterioso, una atmósfera antigua, sagrada… La serpiente le decía cosas sobre la naturaleza del yo, del tiempo, vidas simultáneas…

– ¡Es eso! – exclamó, tomado por una súbita euforia. Era ese el sueño que él deseaba recordar desde su salida del coma. Y, así, durante los días a continuación, el recuerdo de aquél sueño raro ocupó su pensamiento, la serpiente, aquellas ideas confusas sobre la vida y el tiempo… Eran ideas nada ortodoxas, sí, pero eran instigadoras y él sentía que ellas ocultaban cosas profundas y reveladoras. Quizás un día harían más sentido.

*      *     *

Programa de fin de tarde: viajar en el atardecer. Siempre que podía, Luca bajaba la ladera del río para ver la puesta del sol, sintiendo la brisa en la cara y deleitándose con el olor del mar. Y tocaba para los delfines. Bastaba sentarse al margen del río y hacer sonar las primeras notas en la guitarra que luego surgían sus cuerpos grises en la superficie, los hocicos lisos, las faces risueñas. Quedaban bien cerca, atentos, escuchando… De vez en cuando uno u otro saltaba de repente y el cuerpo ágil brillaba bajo los reflejos de la puesta del sol. Luca se reía, feliz: aquellos eran sus modos juguetones de aplaudir su arte y decir que sí, estaban de acuerdo, la libertad es solamente un sinónimo de no tener nada que perder.

Tocar para los delfines le traía la maravillosa sensación de estar conectado con la Naturaleza, una sensación buena de seguridad, seguramente la misma seguridad que debían sentir los bebés en la falda de la madre, pensaba él. Y, asimismo, era la misma Naturaleza, inmensa y misteriosa, que tanto lo había aterrado aquella mañana en la laguna de Uruaú.

Solo, sentando al borde del río, él tocaba las músicas predilectas y recordaba… Recordaba a doña Gloria, que llamaba para preguntar qué estaba comiendo su hijo y cuándo volvería. Recordaba a la banda, los ensayos divertidos, los shows inolvidables. Después de su salida, Junior había asumido como cantante de la Bluz Neón y se había vuelto novio de Sonita. Pero los dos peleaban tanto que eso interfirió negativamente en los trabajos y dividió a la banda. El resultado fue que no grabaron el CD y la banda se terminó. Junior y Sonita se separaron y él ahora intentaba armar una banda de música disco. Y Sonita se había vuelto novia del contrabajista Ranieri.

Luca se reía, divirtiéndose con los recuerdos y los despatarres que sus amigos armaban. El destino había querido que se separara de los amigos, sí, pero él ahora recibía al destino con un abrazo de confianza, y estar vivo era algo asombroso y estimulante. Meses antes se sacudía en medio de los acontecimientos como quien lucha desesperadamente para no ahogarse. Intentaba controlar a la vida como si eso fuera posible, sin saber que bastaba fluir junto con ella, como hacía ahora y como hacían los chicos que hacían de sus cuerpos tablas en el mar de Tibau del Sur, domando a las olas sin competir con ellas.

Ahora miraba hacia atrás y se espantaba de cuán ciego y perdido había andado. Era como si hubiese huido del infierno, un infierno en el cual lo que verdaderamente ardía era su miedo de entregarse a la vida.

*      *     *

Una mañana Luca despertó y, como hacía siempre, fue al baño. A la salida, paró en la palangana para lavarse la cara y, al mirarse al espejo, vio la imagen de su cara. En ese exacto instante entendió finalmente el motivo de la cosa rara que sentía todos los días siempre que se miraba en aquél espejo. Y ser rio mucho. Allí la imagen de su cara era una imagen única, entera, bien distinta de la imagen dividida del espejo partido de su antiguo departamento.

Luca tocó la superficie del espejo como si acariciara su propia cara. Era raro verla así, entera, una, parecía otra persona. De repente sintió cariño por aquella persona que lo observaba en el espejo, un cariño formado de comprensión, compasión, amor y perdón. Sí, era él mismo, evidente, pero al mismo tiempo era otra persona, otro Luca…

Súbitamente, entendió que no estaba del lado de afuera del espejo – él era el del espejo. Él estaba adentro del espejo y miraba al Luca que estaba afuera. Y entonces pudo darse cuenta de que él, el del espejo, siempre había estado allí, que todos los días lo miraba al Luca del lado de afuera y lamentaba que él no lo viera de verdad, y viera solamente a un Luca fragmentado, dividido en varias partes, despedazado en sus propias contradicciones. Él, el del lado interno del espejo, siempre había sido el Luca que vivía aquél tiempo futuro, aquél tiempo de encuentro consigo mismo, y todos los días intentó hacer con que el Luca de afuera despertara del sueño que vivía y se diera cuenta de que podía interrumpir el ciclo de autodestrucción al cual se había entregado. Y, así, todos los días la superficie del espejo era una fina membrana separando a dos realidades: en una de ellas Luca moría, en la otra él, renacido, esperaba por sí propio.

Luca dio por sí y notó que seguía mirándose al espejo, y se reía sin saber exactamente porqué se reía. Se sintió un bobo, mirándose a sí mismo como si nunca se hubiera visto antes. Y cuanto más pensaba sobre el hecho, más bobo se sentía y más graciosa se volvía toda la cosa. Luego estaba riéndose hasta las lágrimas y lo que era risa se convirtió en un llanto de felicidad, una felicidad rara, formada de la súbita convicción de que, sí, era necesario morir para encontrarse.

*      *     *

Un día, charlando con Charles y Solange, Luca descubrió que ellos tenían un I Ching. Inmediatamente recordó que una vez, en la cocina de su departamento de Fortaleza, Isadora había consultado al oráculo para él. Y que había apuntado el resultado en su agenda.

Pidió el libro prestado y buscó el hexagrama Receptivo. Leyó y se asustó.

“En el otoño, cuando cae la primera helada, el poder de la oscuridad y del frío empieza a manifestarse. Luego de los primeros indicios, las señales de la muerte se irán multiplicando gradualmente hasta que llegue el rígido invierno con su hielo. Lo mismo ocurre en la vida. La decadencia surge, al principio sugerida por pequeñas señales, para en seguida crecer hasta la llegada de la disolución final.” 

Se quedó mirando las palabras, sorprendido con la relación que tenían con su vida. ¡Ahora era tan obvio! Oscuridad, frío, rigidez, decadencia… los primeros indicios… las señales de la muerte… No podrían haber palabras más exactas para resumir lo que le había pasado. Y él simplemente no había captado el mensaje. ¿Cómo podía ser tan ciego?

Durante semanas pensó sobre aquél mensaje del I Ching y su relación con las ideas que últimamente tenía sobre el tiempo. ¿Qué habría ocurrido, él se preguntaba, si el hubiera captado aquél mensaje la primera vez que lo leyó? Seguramente habría alterado su futuro y, así, aquél futuro doloroso que él posteriormente vivió no existiría. Pero existió, ocurrió. Entonces, si hubiera captado el mensaje, habría alterado un futuro que ya pasó, o sea, habría alterado lo que ahora era pasado.

– Caramba… Es posible alterar el futuro – concluyó Luca, espantado con el descubrimiento. – Y también el pasado.

*      *     *

Aquella mañana nubosa había pocas gaviotas jugando en el cielo de Tibau del Sur. Bajo el techo de paja de un bar al borde del despeñadero de la playa, Luca respiraba el olor del mar y miraba un barco anclado… Nueve meses. Aquél día cumplía exactamente nueve meses de haber salido del coma.  Luca se rio, recordando la noche anterior en el Papirar, Charles diciéndole que él estaba naciendo…

Fue en ese momento, como un anhelo, que la canción quiso salir. No solamente quería, ella necesitaba salir. Rápidamente, él agarró la guitarra y… la música salió, resbalando por los dedos y por la boca como si ya estuviera pronta en algún lugar adentro de él.

El viento en el cabello
El polvo en la carretera
Trasnochar en esa posada
Mañana temprano seguir
La vida es una carona incierta
Pero siempre me lleva
Adónde yo necesito ir

– Música bonita… ¿Es nueva?

Aquella voz…

– Acaba de salir – él respondió, parando de tocar.

Ella se sentó a su lado, mirando al inmenso mar adelante, el barco anclado… Él se dio vuelta despacio, mirándola de perfil: ella estaba tan hermosa… Más hermosa aún que en sus sueños.

– ¿Ésto es un sueño? – él preguntó.

El olor de su cabello lo hacía sentirse liviano…

– ¿Y qué no es sueño, Luca?

– ¿De adónde vienes?

– De la posada de doña Zezé. Ella dijo que yo te encontraría acá.

Luca se rio. Una gaviota pasó bien cerca.

– Vos estás preciosa.

– Y vos como estás bárbaro, con una cara saludable…

– ¿Cómo ha sido el viaje?

– Fue increíble, quedé un año viajando. Ahora quiero parar un tiempo.

‒ ¿En San Pablo?

‒ O acá…

Ella se sonrió, mirando al mar. Y él se sonrió también.

– Por hablar en eso, ¿ya has encontrado una definición para el Tao?

– Ah… – Ella se rio, recordando una conversación antigua.  – Sí, finalmente la encontré.

– ¿En serio? Entonces dime.

– El Tao es la tal cosa y Tao.

Ellos se rieron, y de repente era como si aún estuvieran charlando aquella tarde lluviosa en el restaurante de doña Zezé.

– ¿Tuve un accidente, te has enterado?

– No. ¿Cuándo?

Él le contó sobre el accidente, el coma y su recuperación. Isadora escuchaba impresionada. Él contó también sobre Bebel.

– Yo he fallado, Isadora… No he sabido cuidarla.

– Vos has hecho lo que pudiste. – Ella lo consoló mientras se secaba las propias lágrimas.

Luca la tomó en sus brazos, y de repente nunca en ningún tiempo se habían separado. De repente no había pasado más que un año desde el último encuentro. De repente la vida retomaba su curso, naturalmente, fluyendo como debería fluir, río que desciende hacia el mar…

– ¿Por qué has vuelto hasta acá, Luca?

Él se sacó del bolsillo una concha.

– Ella me susurró que yo necesitaba completar mi misión.

– ¿Misión?

– Volver a vos.

Ella se sonrió y él completó:

– Como debería haber hecho hace cuatrocientos años.

Ella lo miró sorprendida.

– ¡¿Entonces vos… has recordado?!

– Sí.

– ¡No puedo creerlo! Cuéntame, quiero saber como fue.

– Fue durante el coma. Pero no creo que recordar sea la expresión correcta.

– ¿Por qué?

– Sabes… ando pensando unas cosas sobre el tiempo, la noción del yo… Quizás yo no haya sido Enrique.

– ¿Cómo así?

– Quizás todos hayan sido Enrique. Y quizás aquél tiempo aún esté ocurriendo. Es una alternativa a la teoría de la reencarnación, algo más profundo y mucho más loco.

– Hummm… La multidimensionalidad de la existencia.

– ¡Exactamente!

– Que coincidencia, Luca… Hace unos días leí algo sobre eso y quedé bastante curiosa. Me parece que tenemos millones de cosas para charlar.

– Sí. Pero por ahora quiero solamente que me perdones. ¿Vos me perdonas?

– ¿Por qué?

– Por haber huido.

– Solamente si vos me perdonas por haberte abandonado en un momento tan difícil.

Ellos rieron juntos. Nada de aquello importaba más.

– Vos me has libertado, Isadora. Y yo ni sabía cuan preso estaba.

– Tuve tanto miedo de haberte perdido para siempre, Luca… Pero yo sabía que vos estabas en tu propio tiempo, yo tenía que confiar en la vida.

Los ojos de Isadora… Él notó que la insania seguía allá, bella y encantadora, un abismo color de miel susurrando su nombre. Pero ahora no tenía más miedo.

– Creo que podemos ahora ajustar nuestros relojes, Isadora.

Él la tironeó y la besó. Era como si el gusto de Isadora jamás hubiese abandonado su boca. Y por un instante el tiempo paró, lo suficiente para que el pasado, el presente y el futuro se alinearan al ritmo exacto de los latidos de sus corazones.

Él abrió los ojos. Ella lo miraba a él con una expresión de espanto.

– Isadora… yo ya he vivido eso antes…

Ellos se miraron, la mirada vaga, como si no estuvieran allí. Como si buscaran algo perdido en la memoria del tiempo.

– Yo también, Luca…

– Un déjà-vu

– Pero… ¿nosotros dos al mismo tiempo?

– ¿Eso es posible?

– Nosotros ya hemos vivido… eso antes…

Él la abrazó y así se dejó estar, muy junto a ella, íntegramente abarcado por la sensación de ya haber vivido aquello antes… Cerró los ojos y trató de recordar cuando había vivido aquella misma situación, pero todo lo que le vino fue la sensación de estar girando, girando… Era como si estuviera en un círculo, girando, siempre pasando por aquél mismo lugar… girando en un círculo, siempre pasando por el mismo punto, siempre…

El mismo punto, sí, pero en otro nivel – él súbitamente entendió. ¡Otro nivel! Porque de hecho no estaba en un círculo, pero en una espiral. Sí, una espiral, en la cual el tiempo está siempre girando y retornando al mismo lugar para ser de nuevo, sí, para ser eternamente de nuevo… pero en otro nivel, de otro modo. ¡De otro modo!

– ¿Qué ha pasado? – ella preguntó.

– No lo sé, un mareo…

– Hace días que estás raro.

Él la tironeó por la mano y empezó a correr.

– Vamos a salir de acá… ¡Rápido!

– Pero…

– Ven. Por aquí.

– ¿Has enloquecido?

– Debería haber enloquecido hace mucho tiempo.

– ¿Y el viaje?

– No iré más.

– ¡¿No?!

– Habla bajo. Es secreto.

Él siguió tironeándola por la mano, corriendo por entre la niebla del muelle.

– Pero… ¿Por qué has desistido de ir?

– Porque mi lugar es junto a tí.

– Pero… nosotros nos encontraríamos en seguida.

– No, no nos encontraríamos.

– ¿Cómo así?

– Yo te explicaré después. Vamos, de prisa.

– ¿Y la Compañía?

– ¡Al rayo que la parta la Compañía!

– ¡Ah, no! – Ella estancó el paso, soltándole la mano. – Explícame de una vez ese cambio de idea.

Él paró más adelante, sin aliento, y volvió. La tomó por los hombros y le dijo bajito:

– Existe una manera más segura de que lleguemos a Brasil. Pero te lo explico después, no quiero que me vean…

– ¡No, Enrique! ¡Solamente salgo de aquí después que me expliques!

Él respiró hondo. Miró hacia los costados, preocupado de que lo vieran allí. Allá atrás, entre la leve y densa niebla que había, el navío seguía anclado en el muelle, meneándose con las olas, los marineros subiendo las velas. Luego darían por su ausencia.

– No lo sé, Catarina… Ocurrió algo en aquél momento… De un momento a otro yo…

Mientras él buscaba las palabras, ella lo miró bien a los ojos y de repente le llegaron recuerdos de un tiempo extraño que nunca hubo, un tiempo de tristeza, de locura y soledad… Un tiempo en el cual la vida daba vueltas en torno de sí misma sin salir del lugar, repitiéndose mil veces como las canciones tristes que las mujeres de su aldea cantaban cuando era niña, canciones sobre una mujer que espera por su amor, un amor bonito que se perdió en el tiempo…

– De repente me vi… no, me acordé de mí… – él seguía tratando de encontrar las palabras. – Yo estaba perdido… nosotros dos separados… No sé explicártelo.

– ¿Estamos juntos ahora? – ella preguntó. – Es solamente eso lo que necesito saber.

– Sí, mi amor… Estamos juntos.

Él la agarró y se besaron. Y aquél beso tuvo un sabor distinto, un sabor irresistible de primera vez. Después se dieron las manos y corrieron hasta desaparecer al fin de la calle. Una nueva vida los esperaba, en una tierra nueva. En un nuevo tiempo.

.

.

El Irresistible Encanto de la Insania

CAPÍTULOS

prólogo – 1 -2 – 3
4 – 5 – 6
7 – 8 – 9
10 – 11 – 12

 


El Irresistible Encanto de la Insania 3

13/05/2020

 

.

EL IRRESISTIBLE ENCANTO DE LA INSANIA

Ricardo Kelmer – Miragem Editorial, 2015
novela – traducción: Felipe Obrer

Luca es un músico, obsesionado por el control de la vida, que se involucra con Isadora, una viajante taoísta que asegura que él es la reencarnación de su maestro y amante del siglo 16. Él comienza una aventura rara en la cual desaparecen los límites entre sanidad y locura, real e imaginário y, por fin, descubre que para merecer a la mujer que ama tendrá antes que saber quién en realidad es él mismo.

En esta insólita historia de amor, que ocurre simultáneamente en la España de 1500 y en el Brasil del siglo 21, los déjà-vu (sensación de ya haber vivido determinada situación) son portales del tiempo a través de los cuales tenemos contacto con otras vidas.

Blues, sexo y whiskys dobles. Sueños, experiencias místicas y órdenes secretos. Esta novela ejercita, en una historia divertida y emocionante, posibilidades intrigadoras del tiempo, de la vida y de lo que puede ser el “yo”.

.

.Amazon (kindle) english/portuguese/espanol

In portuguese – blog 

.

.

CAPÍTULO 7

.

El Papalegua estaba casi cerrando. Las sillas ya reposaban patas arriba sobre las mesas y los últimos resistentes de la noche pagaban sus cuentas en el cajero. Junior Rível recibió del barman los dos vasos con whisky y puso uno de ellos sobre la barra, bien adelante del amigo. Y le dio una palmada en la espalda.

– Esta es por mi cuenta. Toma ahí, ciudadano.

Luca afirmó el vaso y movió las piedras de hielo por un largo tiempo, la mirada vaga y sin brillo.

– Hace dos semanas que estás con esa cara de entierro. Nunca te he visto así por ninguna mujer.

Luca tomó un trago y puso el vaso de vuelta en la barra. Tenía el semblante cansado y bajoneado.

– ¿Te gusta de verdad la taoísta, no?

– Me gusta.

– ¿Pero vos no decías que ella era loca?

– Y lo es.

– ¿Realmente no tienes cómo hablar con ella?

– Ella está sin móvil. Y ni siquiera accede a Internet.

– ¿E adónde ella está ahora?

– Yo qué sé, en alguna playa por ahí.

– Tal vez haya sido mejor de esa manera, Luca. Piénsalo derecho, esa historia jamás resultaría bien, ustedes viviendo tan lejos uno del otro…

– Yo la llamé, pero ella no quiso venir a vivir conmigo.

– Evidente, ella tiene su vida allá en San Pablo.

– No, no fue por eso.

– ¿Y por qué fue?

Luca tomó un trago más, el líquido ardiente lastimando su garganta, el dolor helado reverberando en el fondo del alma…

– Fue debido a la mierda de un abismo.

– ¿Qué abismo?

– Tampoco lo sé.

– ¿Cómo así no lo sabes?

– No lo sé. Es más, ese es el problema, hermano, no sé de más nada. Me siento como si estuviera solo en una selva oscura, totalmente perdido.

Junior miró al amigo y se rió.

– ¿Ah, es eso? Entonces no te preocupes porque en seguida alguna otra mina te encontrará.

– No quiero a ninguna mina. Quiero a Isadora.

– ¡Pero vos has mandado a la chica que se fuera! No has ido ni siquiera a dejar a la pobre en la estación. Además, acá entre nosotros, eso no fue nada lindo.

– Es lo que te digo. Yo no sé más quien soy. No soy más quien yo pensaba que era. Esa historia con Isadora me volvió un tipo celoso, inseguro. De repente me vi siendo grosero y agresivo, sin conseguir controlarme, mira que mierda.

– Sí, de hecho andas medio enojado últimamente.

– ¿Lo ves? Yo no soy así, hermano, vos me conoces. Quiero decir, siempre me pareció que no fuera así. Pero quizás yo sea, y es solo ahora que me doy cuenta.

– Vos eres un tipo buena onda, siempre has sido.

– No, no soy. Un tipo buena onda no hace lo que yo hice. No tiene con una mujer la conducta que yo tuve, más aún si la quiere. Simplemente ya no sé si creo más en lo que siempre he creído sobre mí. Está todo fuera de lugar, hermano, todo.

Él miró adentro del vaso y por un momento se sintió rodar con los hielos, girando en aquél remolino, girando, siempre pasando por el mismo punto, siempre…

– Creo que me he perdido de mí.

– Es una etapa, va a pasar. Concéntrate en tu vida que en seguida todo estará bien.

– ¿Mi vida? Yo no sé más lo que es la vida, Junior. ¿Yo siempre lo supe, no? Siempre fui el poeta de la banda, el tipo que explicaba todo por la poesía. Yo tenía todas las respuestas, ¿no? Pues ahora no las tengo más. No sé más de nada.

Luca se volcó el resto de whisky y le pidió al barman que cogiera una botella llena para llevársela a casa. Y que apuntara para sustraer del caché del próximo show.

– No hagas eso, ciudadano. Vos ya estás con dos cachets colgados.

– Uno más no cambia nada.

Luca recibió la botella de whisky del barman y firmó el papel.

– Me voy, hermano – él dijo, apretándole la mano al amigo. – Gracias por la gauchada.

– Mañana hay ensayo. No vayas a faltar otra vez.

– Lo prometo.

– ¿Y no quedes cerca de ventanas, ok?

Luca se rió con la ironía.

– Quédate tranquilo.

‒ Ni de cuchillos, láminas, esas cosas.

‒ Soy demasiado cobarde para matarme. Eso por lo menos sé que soy, un cobarde.

En casa, se acostó en el sillón con la botella de whisky al lado. Llenó un vaso y quedó toqueteando la guitarra, paseando sin rumbo por melodías melancólicas. Y dormitó antes de terminar la primera dosis.

Abre la ventana de la habitación
Allá afuera en el medio de la calle brilla un letrero
El cartel de nuestro amor es rojo
Entonces siente, viaja, vuela en este tono
Ha sido para vos, dulce mío, que yo compuse
Este blues de luz neón

*     *     *

Una semana después Luca supo que Bebel había recibido una tarjeta postal de Isadora. Él imploró para verla y Bebel se la mostró. Luca leyó con voracidad, como si sintiera hambre de aquellas palabras. En la tarjeta Isadora contaba que estaba en Icaraí de Amontada, playa de la costa oeste, a medio camino de Jericoacoara. Decía que el viaje seguía tranquilo y que las playas de aquella parte era aún más lindas. Y que esperaba que ella estuviera bien. Besos, me encantó conocerte, te echo de menos. Y era eso. Nada más que eso.

Luca leyó otra vez y otra más. No había realmente nada sobre él, ninguna mención, absolutamente nada. Era como si él no existiera. Como si nunca hubiera existido.

– ¿Vos querrías que ella estuviera aquí, no? – le preguntó Bebel, notando su sufrimiento.

Él no le respondió. Solamente le devolvió la tarjeta y se fue.

De noche, en casa, se revolcaba en la cama sin conseguir dormirse. Todo lo que quería era reencontrar a Isadora. Necesitaba decirle cuan estúpido había sido y que estaba arrepentido. Y que ardía de nostalgia. Y que ella era la mujer de su vida. Y que no sabía cómo viviría sin ella. Solo necesitaba encontrarla de nuevo, y nada más.

Cuando la madrugada ya seguía alta, él decidió: saldría el sábado por la mañana. Trataría de encontrarla en Icaraí de Amontada, quizás aún estuviese por allá. Nada aseguraba que esa locura resultaría bien, pero si en Uruaú había conseguido encontrarla, ésta vez tendría que conseguir también.

– Un voto de confianza a la vida – se dijo a sí mismo. – Como vos misma dirías, Isadora.

El sábado se despertó antes del amanecer y poco después ya seguía en alta velocidad por la ruta rumbo a la costa oeste, necesitaba llegar lo más rápido posible. En dado momento se dio cuenta de que alto estaba mal, el coche tironeaba hacia un lado… Paró en al margen, bajó y vio la causa: rueda pinchada. Cuando abrió el valijero constató que el repuesto estaba también agujereado. ¡Mierda, que mierda, que mierda!, insultó, mirando sin conformarse hacia las dos ruedas desinfladas.

Trató de mantenerse calmo y optimista. Confiar en la vida. Entonces colocó Led Zeppelin a tocar en el aparato de música del coche y se colocó más adelante, la mirada en el horizonte de la ruta. Y de repente atinó al absurdo de la situación: intentando hacer dedo en una ruta desierta para llegar a la estación de servicio más cercana para arreglar la rueda y entonces seguir viaje hacia una playa… en la cual Isadora quizás ya no estuviera más. Debía ser a eso que llamaban blues.

La rueda pinchada retrasó bastante el viaje y lo hizo llegar a Icaraí de Amontada solamente por la noche. Al tercer intento localizó la posada en la cual onde Isadora había comido algunas veces, pero la gerente le informó que ella no estaba más allá, que había salido cinco días antes hacia Jericoacoara. Luca sintió el desánimo pesarle sobre los hombros. ¿Y ahora? Pensó un poco y le dijo a la gerente que se quedaría, saldría temprano por la mañana.

– Amar es un peligro, doña. Un peligro.

Después de la ducha, comió algo y se acomodó en una hamaca en la terraza de la posada, el cielo estrellado haciéndole recordar Tibau del Sur. El sonido del mar bien cercano lo distendía, pero él se sentía solo y desamparado. Cuando la nostalgia de Isadora se volvió insoportable, se levantó y fue a dar una vuelta por la playa desierta, de la cual volvió solamente cuando las primeras luces del domingo surgían en el cielo.

El domingo de mañana dejó el volkswagen en Jijoca y embarcó en la trasera de la camioneta que durante una hora conduciría a los turistas por el trecho de médanos y lagunas hasta Jericoacoara. Era un paisaje lindo, aún no contaminado por el progreso, pero Luca no lo veía: mientras el vehículo seguía, él se frotaba las manos, ansioso, además de hinchar para que Isadora aún estuviera por allá. Tenía que estar. Diez minutos ya valdrían la pena.

Finalmente en Jericoacoara, salió de posada en posada preguntando por Isadora. La buscó también en los campings. Y nada, ninguna información sobre ella. En las calles y cajellones tenía la sensación de que a cualquier momento ella surgiría adelante de él – pero nunca era ella. Buscó por la playa, en la laguna, en la piedra con un hueco, por los médanos… Nada.

La noche del domingo llegó y Luca no se conformaba. Ni siquiera se había dado una zambullida en el mar. Intentó comer algo, pero tragó sin gusto. Se sentía agotado y derrotado. En ese momento, de repente, se dio el estallido y él notó el papel ridículo que había hecho: Isadora no lo quería más, ella lo había abandonado. Sí, era eso. En realidad, él ya lo sabía, pero había hecho de cuenta que no. Todo su esfuerzo por encontrarla, por mayor que fuera, sería en vano. Probablemente en aquél momento ella ya estaba con otro tipo, contando historias disparatadas de vidas pasadas, dividiendo con él su tienda… Papel ridículo – era el que había hecho él.

Volvió para Fortaleza enteramente consumido por la frustración y por la rabia. Llegó a casa el lunes por la mañana casi sin fuerzas y cargando un resfrío que al día siguiente se volvió una gripe fuerte y lo hizo faltar al trabajo por dos días. Y aún lo hizo echar a perder un show.

Confiar en la vida. Pues sí.

*     *     *

Luca retomó el viejo ritmo, las noches sin fin, los bares llenos de mujeres. Si Isadora no lo quería más, ¿por qué guardarse para ella? ¿Por qué tener esperanzas? Inútil. Inútil como aquél viaje desatinado por las playas en búsqueda de una ilusión.

El mundo de los bares y de los shows tenía un ritmo alucinante, pero era seguro. El empleo de gerente de gráfica era sin gracia y tedioso, pero era seguro. Y llenarse de relaciones superficiales podría incluso amplificar la soledad… pero era mucho más seguro que arriesgarse involucrándose sentimentalmente para al fin tener solamente decepción y sufrimiento.

Era en el bar en el cual Bebel trabajaba como moza que él iba a confesarse. Charlaban y al fin él la dejaba en  casa. Una noche, en su coche, se dieron un beso y en ese momento él recordó… ¡El futuro de Isadora! Interrumpió el beso y mientras Bebel recostaba la cabeza en su pecho él recordó el futuro imaginado por Isadora, en el cual él quedaba con Bebel después que ella se iba. Por una parte, él realmente quería estar con Bebel, ella le hacía mucho bien, pero actuar así sería cumplir lo que la otra había antevisto y eso sonaba como una derrota. Darle la razón a Isadora – no podía hacer eso. Pero por otra parte, ir contra su deseo y evitar a Bebel solamente para no darle la razón a Isadora era… absurdo. Quizás Isadora quisiera exactamente eso, la muy viva. ¿Y ahora? ¿Cómo escaparse de ese dilema?

Pues sí, se quedaría con Bebel, él decidió. Y que Isadora se fuera a la mierda, ella y su futuro.

– ¿Luca, vos siempre has sido tenso así? – Bebel le preguntó una noche, antes de que se durmieran.

– Cada uno juega con las armas que tiene – él respondió secamente, buscando el sueño, buscando no pensar.

Los últimos días él tenía la sensación de que algo quería salir de adentro de él, un bicho peligroso y enjaulado. Recodaba una escena de Aliens, en la cual la criatura irrumpe de adentro del cuerpo del astronauta…

Felizmente había la banda, que ahora tenía empresario, y los shows estaban cada vez más llenos. Había siempre la noche, la próxima música, la dosis a continuación. Y mujeres que lo deseaban a él, y no a una encarnación del pasado.

Y ahora estaba Bebel, que siempre lo recibía con cariño y nostalgia, aún cuando se habían encontrado la noche anterior. Ella no exigía nada, no cobraba nada, solamente lo quería a él. Cada vez más era en brazos de Bebel que él buscaba con desesperación olvidarse quien era.

– ¿Isadora no te ha enviado más tarjetas? – él preguntó un día, tres meses después de aquél día en que había leído la tarjeta. Preguntó simulando desinterés.

– No. ¿A vos tampoco?

– Ella no me escribirá nunca más, Bebel. Y es mejor que así sea.

– ¿Si ella me escribe, debo contarle sobre nosotros dos?

– Conviene que ella sepa.

Bebel lo miró y en su mirada Luca pudo leer la pregunta silenciosa: ¿Vos aún la quieres mucho, no?

No era una pregunta agresiva, al revés. Ella parecía decir, sin una sola palabra y con sus modos dulces, que lo sabía todo y lo comprendía. ¿O no? ¿O él ya se estaba imaginando cosas y colocando palabras en la mirada de ?

Con miedo de que sus ojos respondieran por si solos a la pregunta silenciosa que no quería callar, él rápidamente desvió la mirada. Y por algunos segundos se quedó mirando el techo de la habitación. Cuando volvió, la pregunta no estaba más allá. En su lugar, estaba la mirada nítida de una mujer que lo aceptaba.

– Bésame, Luca.

Y él obedeció, pidiendo en su íntimo que sus labios le hiciesen olvidar por algunos momentos que él no la merecía.

*     *     *

Entonces vinieron los accidentes… Al principio fueron pequeños contratiempos caseros, cosas bobas como resbalar en el baño y quemarse en la cocina. Después los accidentes se fueron poniendo más serios. Un día no notó el agujero en la acera y cayó, lastimándose el hueso del pie. Otra noche fue bastante peor: para ahorrar la entrada de una fiesta, intentó saltar el muro de la casa pero erró el cálculo y metió las manos en los clavos. Resultado del ahorro: dos dedos con las puntas colgadas, hospital, puntos externos e internos. Y un mes sin poder tocar.

– ¿Luca, será que vos no estás tomando demasiado?

– Caramba, Bebel – él reclamó, enojado. – ¿Perorata a esta hora de la noche?

– Estoy preocupada con vos, todos esos accidentes… – ella dijo, acariciándole la cicatriz en su cara.

– Es maldición de bruja. Va a pasar.

Yo solo quería que vos supieras
Que mis noches son tan solitarias
Y mi corazón es tan viejo sin vos
Yo me sirvo una dosis más al fin
Yo miro a la ciudad
Desde la ventana solamente la ciudad sabe de mí..

.

,

CAPÍTULO 8

.

Aquél mes la Bluz Neón participó en un festival en Recife y fue alabada en los medios de comunicación. Periódicos y revistas publicaron material sobre los muchachos del blues de Fortaleza, subrayando la calidad técnica, la mezcla de ritmos y la capacidad de interacción con el público. Participaron en un importante programa de televisión y recibieron más invitaciones para presentaciones. La banda estaba cada día más conocida y se volvía más prestigiosa.

Días después el empresario anunció: había conseguido una buena auspicia y prontamente empezarían a grabar el CD, ahora un disco de buena calidad, en un estudio de primera. Aquella misma noche ellos salieron del ensayo, compraron un Jack Daniel’s y fueron todos a festejar en una vieja estación de tren desactivada en el centro de la ciudad. Sentados sobre los rieles, se emborracharon y tocaron los blues predilectos, aullando emocionados a la luna. Ebrios y solemnes, brindaron a todos los que consiguieron recordar y saludaron al futuro promisorio.

Luca, aún así, vivía el dilema de una terrible encrucijada. Las puertas se abrían para la banda pero, por otra parte, su empleo impedía que viajaran más e hicieran más shows. Tres años antes la banda había surgido como una diversión de fin de semana y ahora la cosa empezaba a ponerse demasiado seria. Era hora de tomar una decisión, él sabía. Un futuro vinculado a la música se desvelaba, tendría que estar disponible para viajes y compromisos, tendría que dedicarse aún más. Todos ellos habían soñado con aquello y ahora estaba ocurriendo. Pero dejar el empleo a un lado era un riesgo muy grande. No le gustaba, es verdad, pero era una seguridad, era un dinero asegurado con el cual podía contar todos los meses.

No consiguió decidirse. Postergó la respuesta una vez y después otra y siguió postergando la decisión por la cual el resto de la banda anhelaba. Junior lo estimulaba a apostar sus fichas en la banda, un gran futuro los esperaba, ellos estarían juntos, la banda los necesitaba a los dos. La madre, doña Gloria, le pedía prudencia, que analizara toda la situación con mucha calma. Días y días inmerso en el dilema, la presión de ambos lados, cada lado con otros dos lados para evaluar…

Primero Isadora pidiéndole que soltara sus seguridades para seguir con ella. Y ahora su banda, que exigía que el dejara a un lado la seguridad de su empleo. Dejar a un lado las seguridades para vivir de música… La vida parecía estar jugando a traerle las peores decisiones posibles. Y él no conseguía decidirse. No sabía más lo que realmente quería. No sabía más quien era él en medio de todas sus contradicciones, molestándolo cada vez más. No sabía de nada más.

Entonces una noche, saliendo del bar con Bebel, él no encontró su volkswagen: el coche había sido hurtado. Quedó completamente desesperado, no podía creerlo. Denunció el robo, puso aviso en el periódico, buscó en la chatarrería, pero nada, no obtuvo ninguna noticia. El coche infelizmente no tenía seguro.

Fue un golpe cruel. Tres meses antes casi había perdido los dedos en un accidente bobo. Ahora perdía el coche y no tenía condiciones de comprar otro. Y la necesidad de tomar una decisión en cuanto a su futuro en la banda era una presión constante. Para colmo ahora vivía engripado, lo que lo perjudicaba bastante para cumplir su papel en los shows.

Días después, sorpresa: Isadora llamó por teléfono. Luca atendió y, al escuchar su voz, no supo qué hacer. Pensó en colgar, pero se sentó en el sillón, nervioso.

– Hola, Isadora – él respondió, intentando no demostrar la emoción que sentía. Hacía seis meses que ella lo había abandonado. Seis meses que él luchaba a diario para olvidarla.

Ella dijo que estaba en San Pablo y quería saber cómo estaba él. Él tuvo ganas de contar sobre todas las dificultades que pasaba, pero de repente entendió que ella de alguna forma ya lo sabía.

– Aquí está todo, ah, bajo control– él respondió. – ¿Y vos?

– Luca, solo llamé para decir que estoy de salida. Viajaré otra vez.

– ¿Hacia adónde?

– Aún no he decidido. Pero salgo la semana que viene.

Él sentía que las entrelíneas de aquellas frases le decían algo más.

– Vos… ¿Me estás invitando? – él preguntó. Y de súbito se dio cuenta de que no sabía la respuesta que quería oír.

– Estoy solamente diciendo que viajaré, Luca. Y no sé cuando vuelvo.

Él recordó aquella noche en la fiesta: estamos juntosSintió en el aire la importancia del momento, el clima tenso de decisión. Dejar todo a un lado y seguir con Isadora… En medio al silencio incómodo, él intentó pasar en su mente todos los detalles que involucraban una decisión como aquella, el empleo en la gráfica, el buen momento de la banda, la grabación del CD, Bebel…

– ¿Cómo te revolverás? – preguntó. Pero en seguida adivinó la respuesta.

– ¿Siempre se encuentra la vuelta, no?

Pensó en preguntar si ella había ahorrado suficiente dinero, pero sería apenas otra pregunta idiota. Parecía querer disuadirla debido al heco de que él mismo no tenía el mismo coraje. ¿Por qué no le decía a ella que sí? Recordó la noche en que Sonita surgió en el camerino después del show, ella y sus botas negras. Sentía ahora la misma sensación, todo un futuro dependiendo de lo que eligiese en el próximo segundo, toda su vida dependiendo de su decisión…

– Buena suerte, Isadora.

– Para vos también, Luca.

¿Por qué no le decía que sí?

– ¿Cómo anda Bebel?

Él no esperaba por aquella pregunta. ¿Ella sabía que estaban juntos? ¿O le estaba tirando una carnada?

– ¿Quien?

– Bebel. ¿Ella está bien?

Con aquella pregunta ella quizás quisiera volver oficial, sin decirlo abiertamente, su aprobación a la unión de los dos, mostrar que aceptaba, que no pensaría mal de ellos. Con eso cerraba la puerta y tiraba la llave a la basura. De una buena vez.

– Ella está muy bien.

– Dile que le mandé un beso.

Sentía el corazón agobiado… Quizás estuviera perdiendo en aquél momento, para siempre, a la mujer de su vida. ¿Por qué entonces no reaccionaba? ¿Por qué no abandonaba del todo aquella inercia y decía finalmente que sí, que dejaría a un lado sus seguridades, que se marcharía con ella y vivirían plenamente la gran locura de aquél amor?

– Chau, Luca.

Él cerró los ojos como si en la oscuridad pudiera ver una salida. Pero fue tomado por la angustiosa sensación de estar cayendo, cayendo… Abrió los ojos y se afirmó en el sillón. No podía abandonar todo.

– No puedo…

Él escuchó el ruido del término de la llamada y tragó en seco. Quedó allí, sentado en el sillón, el teléfono al oído, su voz aún haciendo eco como un grito desapareciendo en el abismo.

No puedo… no puedo…

Ella se levantó temprano y se marchó
Fue a buscar un sueño más grande
Dejó un beso de nostalgia
Y esa ciudad a mi alrededor

*      *     *

Era noche de ensayo. Luca se cambió de ropa, se miró en el espejo partido del baño y la imagen reflejada le mostró una cara hinchada, la mirada cansada, ojeras profundas… Tuvo ganas de dar piñazos al espejo. Necesitaba calmarse, andaba cada vez más iracundo. Fue a la cocina, cogió la botella de whisky y vertió una dosis en el vaso. Tomó de un solo trago, agarró la mochila y salió para tomar el autobús hacia el estudio. En el camino pasó en la farmacia para comprar un remedio, hacía días que estaba con un dolor de cabeza insoportable.

Al fin del ensayo Bebel apareció de sorpresa. Estaba un tanto ansiosa y dijo que quería charlar. Él se despidió de los amigos y salió con ella hacia la pequeña plaza al lado. Se sentaron en un banco y fue allá que ella le dio la pésima noticia: estaba embarazada.

– Perdona, Luca… – Ella tartamudeaba, nerviosa. – No sé cómo fue a pasar, yo tuve cuidado, te lo juro…

Él no pudo creer en lo que oía.

– Eso no puede ser verdad, Bebel.

No podía ser. Bebel a la espera de un hijo suyo. No era posible. Ella explicaba: examen positivo, más de dos meses de embarazo…

Él se levantó, tironeó a Bebel por el brazo y la llevó hacia un rincón más alejado. La recostó en un árbol y, con el dedo em riste, dijo que no sabía si el bebé era de hecho suyo y que si fuera, la culpa entonces le cabía a ella que no había tomado precauciones. Que se revolviera, pues él no tenía nada que ver con aquella irresponsabilidad, ya tenía demasiados problemas para solucionar.

Bebel trató de explicar que en aquellos últimos meses él había sido su único hombre, pero en seguida se derrumbó en un llanto intenso y no consiguió decir nada más. Ella intentó abrazarlo pero Luca la rechazó, se dio vuelta y salió. Y fue a tomar el autobús en la otra calle.

En casa, él no consiguió dormirse. La vida ya estaba jugando demasiado duro. De toda parte aparecían agujeros en el barco y él no tenía manos suficientes para taparlos. Hacía un mes que el empresario y los compañeros lo presionaban por una decisión y él simplemente no conseguía decidirse. Su coche había sido hurtado y él, de un instante a otro, se había visto privado del único patrimonio que poseía. No conseguía concentrarse derecho en el trabajo e incluso había sido advertido gravemente por su jefe. La mujer que amaba se había ido y ahora Bebel esperaba a un hijo suyo. Un hijo suyo. Parecía irreal. La vida se había vuelto una pesadilla de la cual no se podía despertar.

Fue a encontrar a Bebel en el bar la noche siguiente. Esperó que ella terminara la función y la llevó a su departamento. Y se disculpó por lo que había hecho, estaba arrepentido. Bebel lo abrazó y lloró en sus brazos.

– ¿Y el embarazo? ¿Vamos a interrumpirlo, no es verdad? – él preguntó.

Ella solamente lloraba, aferrada a su pescuezo.

– ¡Bebel, nosotros no podemos criar a ese niño! – Él se descontrolaba y ella empezaba a llorar. Él respiraba hondo.  – Bebel, escucha, por favor. ¿Fue un accidente, has entendido? Ese niño no es bienvenido.

– ¡Para mí es bienvenido, sí!

Listo, todo perdido, ella quería al niño.

– Bebel, yo no tengo la mínima condición de criar a un bebé ahora. – Él se esforzaba para no atropellar las palabras. Las ganas eran de gritar, de golpear. De matar.

– Yo lo crío sola, no necesitas preocuparte.

Definitivamente era una pesadilla. Y de las peores. El mundo entero desmoronaba adentro y afuera de él y, por más que se convulsionara, no conseguía despertarse. Intentó mantenerse controlado. Presentó argumentos, todos los posibles, los más sensatos. Conseguiría dinero prestado y pagaría el aborto.

– Yo sé que vos no has olvidado a Isadora. Pero no me importa. Quiero tener este hijo.

Luca suspiró, rendido. ¿Qué pensaría Isadora? ¿Interpretaría a aquél niño como la jugada final de su parte, una respuesta a su decisión de irse, su contraofensiva? ¿Ella había visto también a aquél niño en el tal futuro?

Mientras Bebel dormía a su lado, él se rascaba la cicatriz en la cara y rumiaba sobre lo que aún le quedaba hacer. Si realmente existiera reencarnación y él de hecho hubiera sido Enrique… entonces aún debía saber lidiar con magia y solucionaría aquél problema muy pronto. Pero no, aquellas cosas solamente existían en la cabeza desquiciada de locos como Isadora. La realidad era distinta, era cruel e insensible.

Y se durmió deseando con todas sus fuerzas que ocurriera algo, cualquier cosa que lo librara de aquella pesadilla absurda. Cualquier cosa. Antes que enloqueciera del todo.

Cuando Bebel cumplió el tercer mes de embarazo, él consiguió el coche prestado de un amigo y la invitó a que pasaran el fin de semana en una playa. A ella le encantó la idea. En la terraza de la casa de playa, el abrió una botella de ron y sacaron fotos de la puesta del sol. Entonces él intentó una vez más convencerla a hacer el aborto. Y una vez más Bebel no aceptó sus argumentos. Ella lo miró y vio sus ojos rojos, la rabia pronta para explotar… Luca agarró el vaso y lo tiró contra la pared, los fragmentos desparramándose por la terraza.

– ¡Ese bebé es una maldición! – él gritó mientras agarraba la botella y salía.

Más tarde él volvió, la botella casi terminada. Paró bamboleante en frente a la puerta de la habitación. En la penumbra vio a Bebel durmiendo en la cama, bajo las sábanas. Entró pisando despacio. Se arrodilló en el piso, al su lado, y con cuidado tironeó la sábana, descubriendo la barriga. Empuñó el cuchillo, cerró los ojos y respiró hondo.

Minutos después, en la terraza, él miró hacia la luna, llorando, y pidió perdón por ser quien era. Pero la luna no lo disculpó. El cuchillo cayó de sus manos, el sonido metálico haciendo eco en el silencio de la noche, y él se arrodilló en el piso, sin fuerzas. Solamente quería desaparecer, solamente eso, desaparecer para siempre…

¿Luca? ¿Luca? La voz vino de algún lugar… Luca, ¿qué pasó? ¿Qué cuchillo es ese? ¿Vos estás bien? Su voz, una tortura, cuchillo rompiendo el corazón, cortando todo por adentro, dilacerando el alma…

Bebel se sentó a su lado, lo abrazó y lloró con él. Después lo llevó para adentro y lo acostó en la cama.

– Yo soy un fracaso, Bebel… – él murmuró antes de dormirse. – No te merezco.

– Duerme, precioso. Mañana será un nuevo día.

*      *     *

El domingo él se despertó pésimo, una resaca horrible. La última cosa que recordaba era una discusión en la terraza, un vaso roto contra la pared. ¿Qué había ocurrido después? Bebel lo tranquilizó, dijo que estaba todo bien. Él pidió disculpas.

– ¿Vos no eres un fracaso, has entendido? – ella dijo, afirmando su cara entre las manos. – Y seremos muy felices. Nosotros tres.

Él la abrazó y cerró los ojos, buscando no pensar. Los pensamientos, a pesar de eso, tenían vida propia. En la barriga de aquella mujer se movía su hijo, o su hija. La idea de ser padre era algo absurdo, pero ya no tenía fuerzas para luchar contra ella. Estaba exhausto como un guerrero que luchaba hacía días, semanas, meses… y que ahora simplemente ya no sabía más por qué luchaba. ¿Contra quién estaba peleando?

Entonces, súbitamente, descubrió que sabía. De repente, allí abrazado a la barriga de Bebel, se dio cuenta de que, sí, él sabía quien era su enemigo. En realidad siempre había sabido, solamente se había engañado durante todo aquél tiempo fingiendo para sí mismo que luchaba contra mil enemigos que a cada día emergían de las tinieblas para atacarlo. No, su enemigo era uno solo y le tendía su trampa todos los días en el espejo partido de su cuarto de baño.

¿Como ganarle al enemigo si el enemigo era él mismo?, se preguntó en pensamiento. ¿Y cómo derrotar a sí mismo si ya no sabía más quién era? Había llegado al fin, sentía eso.  Había llegado al fin de las posibilidades, no había más hacia adonde seguir. Nada más importaba. Era el fin.

En el momento de volver hacia Fortaleza, Luca estaba somnoliento y a Bebel le pareció peligroso que él manejara el coche. Ella exigió la dirección pero él rechazó. Ella entonces insistió y tomó la llave:

– Confía en mí.

Mientras Bebel prendía el coche, él la miró con cariño y pensó en como todo sería distinto si no existiera Isadora. ¿Qué pasaba con las cosas que no llegaban a pasar?

A la entrada de la ciudad Luca estaba distraído, casi durmiendo, y vio solamente una luz fuerte surgiendo súbitamente al lado. Pero fue todo muy rápido, él solamente vio la luz y sintió un inmenso choque. Después todo oscureció.

.

.

CAPÍTULO 9

.

La noche era clave. La tan anhelada iniciación. Enrique sabía que no lo aceptarían el el Orden si no fuera capaz de llegar a la galería y enfrentar al enemigo que lo esperaba traicionero en alguna de aquellas tantas sombras. Entonces agarró firme la espada y avanzó hacia el lago oscuro, con cuidado para no resbalar en las piedras húmedas de la cueva.

La prueba de la iniciación era terriblemente peligrosa. Al superarla, los iniciados mostraban que eran bravos lo suficiente para soportar lo que exigiera la defensa del Orden. Era más que peligrosa, era la prueba suprema que alguien podía soportar: la temida confrontación con el Guardián del Conocimiento. Y de esa confrontación solamente salían vivos y sanos – sí, sanos, pues muchos sobrevivían pero volvían de la cueva irremediablemente locos – los que poseían la fuerza necesaria para vencer al terror más íntimo que habita la oscuridad del espíritu de cada uno.

Enrique escuchó un ruido que venía del lago de aguas oscuras y se detuvo, espada en puño. Quedó inmóvil, a la espera, el sudor escurriendo por la cara, el corazón a punto de reventar de miedo y expectativa. Suspendió la respiración. El enemigo estaba bien cerca.

Entonces presintió lo que podría venir. Y en ese momento el pavor más profundo irrumpió del interior de su alma, como gusanos husmeando la tierra. Las piernas se pusieron débiles y súbitamente él se descubrió incapaz de enfrentar lo que se anunciaba en su pensamiento.

Ella surgió. Y él escuchó su sonido aterrador… La naja anduvo a rastras en un movimiento lento y ondulante, y paró justo adelante de él. Era gigantesca. Ihlish, la Guardiana – él supo su nombre apenas la vio. Su sonido era hipnótico, era su propio nombre, Ihlissssshhhh… Ella levantó el cuerpo, subiendo lentamente, subiendo… Enrique vio la inmensa cabeza flotar bien cerca de su cara y el pescuezo inflarse lateralmente. Y entonces la naja abrió la boca, mostrando las presas letales…

Él cayó arrodillado, sin fuerzas, totalmente paralizado por el terror. De repente se dio cuenta de cuán insignificante era frente a aquél animal. Él creía que era fuerte. Juzgaba conocer a las fuerzas de la vida. Pero veía entonces que no era nada, no era absolutamente nada, nada…

La espada resbaló de sus manos y cayó en el suelo, el sonido metálico reverberando por las paredes de la cueva. La serpiente era su guardián personal del Conocimiento y era a ella que debería vencer para proseguir en el Orden. ¿Pero cómo, si estaba paralizado?

La serpiente torció la cabeza hacia atrás y por un segundo él notó que aún era posible escapar, él podía darse por vencido. Sí, él tenía el derecho a recular, todos lo tenían. Se daría por vencido y volvería sin enfrentar aquella pesadilla.

No hubo más tiempo. La serpiente atacó. Y fue tan rápido que cuando él se dio cuenta, estaba siendo tragado mientras gritaba y sacudía las piernas y se contorcía. Primero la cabeza, después el tronco y entonces las piernas. El contacto con el interior de la serpiente lo llenaba de asco, y mientras buscaba desesperadamente respirar, podía escuchar el sonido de sus huesos siendo aplastados. No podía haber peor pesadilla y, asimismo… era real.

Su cuerpo se desplazó entero hacia adentro de la serpiente y él pudo sentir los movimientos que ella hacía para impulsarlo por adentro de sí. De a poco perdió el control sobre el propio cuerpo. Entonces no pudo más respirar, sus órganos ya no le obedecían. Por fin, suspiró.

Cuando despertó, yacía acostado desnudo sobre la superficie de piedra, al margen del lago. Un silencio profundo inundaba la cueva, pero ahora ella ya no parecía tan oscura misteriosa. Se levantó y notó que su cuerpo estaba entero, sin heridas. ¡Estaba vivo! Un poco cansado, sí, pero vivo.

Entendió que había ganado, que había pasado por la gran prueba. Eso era tan increíble que no parecía real. Pero era real sí, y ahora, allá afuera, un nuevo mundo lo esperaba, un mundo que ya no lo derrotaría pues el tenía… el Conocimiento.

Entonces una palabra le vino a la cabeza: Vehdvar. El nombre sonó de un modo mágico, absolutamente sagrado, como si existiera desde siempre. Era su nombre, siempre había sido Vehdvar y solo ahora se daba cuenta de eso. Y él sabía que solamente los más fuertes eran dignos de llevar junto al suyo el nombre sagrado del Guardián. Por esa razón él era a partir de ahora Ihlish Vehdvar, el nombre que él jamás recordaría cuando afuera de la cueva, pero que era solamente suyo y, además de él, solamente Ihlish sabía y podía pronunciarlo.

Sintiendo la solemnidad del momento, Enrique se colocó prostrado  hacia el lago oscuro al fondo del cual dormía la serpiente y tocó el suelo con la cabeza, lleno de reverencia:

Naja Hannah, Naja-Rey

En ese momento las aguas del lago ondularon. Él se preparó para el retorno de la serpiente, pero lo que vio en la superficie fue la imagen de una… mujer. La imagen era difusa, era apenas una cara femenina, que él no conocía… Pero comprendió inmediatamente. Debería encontrar a aquella mujer, dondequiera que ella estuviese, y volverla su discípula. Esta era su próxima misión.

*      *     *

Aquella mañana la feria de Valencia estaba llena como siempre, los mercaderes locales y de otras ciudades con sus productos y su mirada codiciosa volcada a la posibilidad de volver a casa con el bolso tintineando de monedas. Al lado norte de la feria muchachos se presentaban en el tablado con sus espadas de madera y narraban cómo El Cid cayó en una emboscada y luchó bravamente contra siete moros que querían su cabeza. Y contaban cómo El Cid dividía las conquistas de las batallas con sus vasallos para que enriquecieran junto con él, y de como El Cid engañó a los judíos al pagar el préstamo que había pedido, a fin de formar un ejército en el exilio, con un cofre que él aseguraba estar repleto de oro y plata, pero que, en realidad, no contenía más que arena…

Enrique se rió. El Cid era de hecho héroe de aquella gente y ellos no se cansaban de cantar sus hazañas. Pero preferiría, particularmente, que contaran las hazañas menos discretas de Margarita, hermana de Felipe, que de tan ardiente terminó matando al esposo, el príncipe Juan. O de como Juana se arrancaba los cabellos y enloquecía de tantos celos de Felipe y así se había vuelto Juana, la Loca. Las historietas sobre los bastidores de la Corte eran siempre más interesantes que las tramas guerreras del leyendario Cid…

Al día siguiente volvería a Barcelona, adonde tomaría el navío hacia Goa, en India, junto con otros jesuitas. Había ido a Valencia en misión secreta, para ofrecer su apoyo a los amigos judíos-castellanos que planeaban abandonar España e ir para Grecia, adonde ya estaban muchas familias judías expulsadas del país luego de la rendición de Granada – allá podrían seguir libremente su religión y también mantener las tradiciones de Castilla, tierra de sus ancestros. En España, con miedo de la Santa Inquisición, aún se veían obligados a hacerse pasar por cristianos convertidos, siempre desconfiados de los cristianos, que los veían como traidores emboscados y tarde o temprano terminaban inventando cosas.

Se había despedido de los amigos dejándolos bajo los cuidados de un misionero alemán, acostumbrado a capitanear fugas de judíos. Los mares de España estaban infestados de turcos y todo el cuidado era poco. Ellos saldrían hacia Grecia y allá podrían practicar su religión en paz, Dios os mantenga. Por sus favores, había recibido de regalo un antiguo y precioso texto cabalístico que hacía mucho tiempo buscaba, pero que tendría que ocultar muy bien pues ya existía demasiada desconfianza sobre la relación de jesuitas con judíos. Satisfecho con el éxito del plan, había resuelto entonces relajarse y aprovechar un poco de la feria.

¿Y los españoles? ¡Ah, como andaban bajoneados por la derrota de la Invencible Armada frente a Inglaterra! Ya no ostentaban la misma prepotencia de antes, cuando decían ser los salvadores del catolicismo contra la Reforma protestante. ¿Bien hecho!, él pensaba, sintiéndose vengado. Quizás eso sirviera para enfriar la arrogancia de aquél pueblo que reinaba sobre su querido Portugal y se juzgaba dueño del mundo…

Pero, al fin y al cabo, no debía desear mal a sus vecinos españoles. Tenía muchos amigos por allí y, además, Portugal sabría en el momento oportuno reencontrar el camino de su independencia y su gloria.

En el instante en que se divertía escuchando la historia de como los judíos habían raptado a un niñito y, para representar de forma más realista la Pasión del Señor, la clavaron en una cruz, Enrique presintió una presencia… Una sensación de hormigueo se aposó de su mente. Entonces él la vio, del otro lado de la feria. Era ella.

Él se acercó despacio, mientras la muchacha, alegre y displicente, compraba sedas de las Indias. Era cierto que era ella, la mujer cuya cara, años antes en la cueva, Ihlish le había revelado. La mujer que sería su discípula y lo ayudaría a llevar por el mundo el conocimiento secreto del Orden. Tenía que ser ella.

Él la observó atentamente. La belleza juvenil, los cabellos arreglados en un peinado moderno, los ojos curiosos, los modos altivos y llenos de un falso barniz aristocrático… Enrique se sonrió. Las imágenes que Ihlish le había permitido ver en la cueva no la mostraban tan… tan interesante como era en realidad.

Él se acercó un poco más, y ahora casi podía tocarla. El aroma de su cabello hacía con que se sintiera liviano… Y la piel no era tan clara, ¿tendría sangre mora? Las ropas y los modos eran aristocráticos, sí, pero las manos mostraban que su pasado quizás la hubiera obligado a servicios en el campo. Se dio cuenta de que era casada. Y más: que su mirada se demoraba sobre ciertos muchachos el tiempo exacto para no ser flagrada, es verdad, el mismo tiempo de las otras señoras… pero para él era obvio que ella no andaba muy satisfecha en el lecho de su casamiento.

Ella miraba distraída los juglares cuando tuvo una corazonada y se dio vuelta. Y su mirada fue cogida por la suya. Y por un instante el tiempo estancó, lo suficiente para que el pasado, el presente y el futuro se alinearan al ritmo exacto de los latidos de sus corazones.

*      *     *

Desde lejos y desde arriba él avistó las murallas y las torres: era Munique que surgía bien adelante de él, a Este el río Isar desplazándose en la oscuridad de la noche. Un poco más y ya podía ver el par de fosos que circundaba a la ciudad y las torres gemelas de la iglesia de Nuestra Señora, y después las calles tortuosas con sus bodegas y las cervecerías acogiendo las farras de los ebrios. Y, finalmente, el hogar que buscaba.

La casa tenía dos pisos, ventanas con para-pechos salientes y el techo inclinado. Era, como todas, esgrimida entre las demás. Ella estaba allá, él sabía. Y a medida que se acercaba, podía sentir cada vez más fuerte su presencia, cada vez más…

– Mi Enrique… – ella susurró, dormitando en la cama.

– A la hora marcada, mi Catarina… – él respondió, sacándose el sombrero en un gesto galanteador. Y canturreó: – Lo que valen son tus brazos cuando de noche me abrazan…

Él dijo que le gustaría mostrarle un lugar. ¿Qué lugar?, ella quiso saber. Un paraíso, él respondió. Y pidió que ella cerrara los ojos. Ella obedeció, y cuando los abrió, vio lo que sus ojos jamás habían visto. Adelante de sí se desparramaba un escenario increíble: un bosque hecho de ríos de aguas aterciopeladas que se desplazaban como una suave melodía por entre árboles azules. Alrededor brillaban lagos cristalinos y cascadas que soltaban espumas-mariposas transparentes. Catarina se sorprendió con las mariposas que revoloteaban junto a ella, todas medio humanas y juguetonas. Cuando tocó a una de ellas, ella reventó como si fuera una burbuja.

– Pensé que fueran vivas… – ella murmuró, sorprendida.

– Y son. – Él se rio. – Están jugando con usted.

Ella se acostó sobre el césped suave y azul y él se acostó sobre ella. Y ella se sintió la mujer más afortunada del mundo por estar con aquél hombre maravilloso que sabía conducirla a los sueños más hermosos y placenteros que podían existir.

*      *     *

Años antes, cuando desembarcó en Goa por primera vez, después de diez meses viajando por el mar, y puso el pie izquierdo en la tierra, como rezaba la tradición de los marineros catalanes, los monzones de Julio soplaban fuerte, amenizando el fuerte calor hindú. Enrique respiró profundamente el aire de aquel lugar raro y tuvo la intuición de que algo muy importante lo había conducido hasta allí, algo que él aún no sabía qué era, y que, al fin y al cabo, entrar en la Compañía había sido de hecho un buen negocio.

La Compañía de Jesús llevaba a sus divulgadores de evangelio por el mundo, ad majorem Dei gloriam, y Goa, en la costa occidental de India, se había vuelto un importante centro de estudios jesuiticos. Con misioneros oriundos de tantos países, no era difícil entrar en contacto y aprender sobre muchas otras cosas más allá de la materia oficial de la Compañía.

Así fue que conoció a aquellos que lo iniciaron en el Orden del Guardián, una hermandad ocultista, formada por hombres y mujeres de variados credos y nacionalidades y que mantenía una red secreta de informaciones desparramada por varios países, que era usada para influenciar decisiones políticas y religiosas. Sus integrantes se valían de estados especiales de consciencia para obtener visiones y controlar los sueños.

El origen del Orden remontaba a antiguas creencias de los campesinos del Norte de Italia, que decían salir en espíritu durante la noche para cazar brujas. Como eso siempre ocurría al principio de las estaciones, cuando los campesinos ayunaban por tres días, se notó que era la ayuna que propiciaba los tales sueños reales, y así la práctica fue adoptada por los integrantes del Orden en sus ritos de meditación. En un avanzado nivel, la meditación conducía a la cueva y allá ocurría la confrontación con el Guardián del Conocimiento, que se manifestaba en formas distintas según los miedos íntimos de cada uno. A los que salían ganadores de la confrontación, el Guardián otorgaba poderes para que pudieran seguir más profundamente en los misterios. El Orden del Guardián de a poco se distribuyó entre iniciados de varias religiones y fue allí en la India, en Goa, que llegó a la Compañía fundada por Ignacio de Loyola y sedujo a varios de sus jesuitas.

Fue en Goa que Enrique tuvo la visión de la funesta batalla de Alcácer-Quibir y vio al poderoso ejército de los aliados de los turcos de Argel. Fue allá que vio a don Sebastián, rey de Portugal, él y su idiota ilusión de ser un predestinado de Dios, marchando glorioso hacia la trágica derrota. Aún intentó intervenir, pues anteveía allí el fracaso que llevaría al fin del sueño del gran imperio portugués, pero fue inútil. Don Sebastián actuaba como un mentecapto y ni en sus sueños paraba a escuchar los consejos de sus compatriotas. Su triste destino estaba delineado.

De hecho, la muerte del rey había dejado vacío al trono portugués y Felipe II de España lo asumió. Desde entonces Portugal seguía subordinado a los españoles, culpa del rey megalomaníaco. Es verdad que don Sebastián tenía partidarios que defendían un imperio portugués en África, bastante más cercano y económico que en las Indias, pero él, Enrique, sabía por sus visiones que África era una lucha inútil. Pero no lo escucharon. Y ahora, que absurdo, surgían chusmeríosde que don Sebastián estaba vivo, milagrosamente vivo, y volvería a cualquier momento para re-ordenar a su ejército y comandar con valentía la vocación lusitana para la gloria… ¿Bobadas!

Estaban entonces al fin del siglo y aún era una ventaja para las élites comerciantes portuguesas la unión con España, de forma que muchos estuvieron de acuerdo con la subordinación al trono español.

– ¡Son unos interesados!… – Él no se conformaba. – ¡Piensan en sí antes de la patria!

El Guardián del Conocimiento era la entidad que esperaba en su cueva oscura a todos los integrantes del Orden. Los derrotados en la confrontación con el Guardián volvían trastornados y eran invariablemente enviados a hospicios. Actuando así, los iniciados juzgaban estar salvando su secreto, pero algunos, de las honduras de su locura y sufrimiento, emergían a veces gritando cosas que para los médicos no tenían sentido – pero que llevaron desconfianza a las autoridades religiosas. Fue por eso que los iniciados, para prevenirse, pasaron a exterminar a todos los que no volvieran de la confrontación con la sanidad intacta.

Asimismo, ejecutar personas significaba siempre un riesgo, principalmente cuando ocupaban posiciones importantes o eran integrantes de la Iglesia. Y, poco a poco, vinieron a flote algunos enlaces secretos de los iniciados europeos con judíos y también con árabes y paganos. La existencia del Orden estaba amenazada. El brazo implacable de la Santa Inquisición acosaba cada vez más.

*      *     *

Ella llegó y entró apresuradamente en el carruaje. Enrique la recibió con un beso demorado.

– Sigue – ordenó al cochero. Después se volvió hacia ella. – Sácate tu ropa, Catarina, y ponte ésto.

Ella obedeció y se cambió el vestido por el manto negro con capucha. El carruaje siguió por la carretera desierta y oscura durante un largo tiempo y después paró. Él avisó al cochero que seguirían el resto del camino a pie y pidió que esperara, antes del amanecer regresarían. La tomó por la mano y le dijo que ella, a partir de entonces, no podría más hablar hasta que todo terminara. Subieron la colina con cuidado y entonces, allá arriba, la playa surgió, envuelta por la vasta oscuridad de la noche sin luna.

– Ellos están de aquél lado. – Él señaló en dirección a una hoguera lejana. – También trajeron a sus discípulas para que sean iniciadas.

Bajaron la colina y caminaron por la arena de la playa. No había viento. Todo lo que se oía era el ruido suave de las olas. Los demás ya estaban alrededor de la hoguera, de pie, once en total. Ella afirmó su mano con más fuerza, temblando de miedo.

– Quédate tranquila – él susurró, intentando calmarla. – No hay nada que temer.

Ellos se acercaron y ella vio que los otros también llevaban puestos mantos oscuros con capuchas que les ocultaban la cara. Todos los saludaron con un leve movimiento de cabeza y luego bajaron los rostros, concentrados.

La copa le fue servida y ella, así como los demás discípulos, tomó tres veces de la poción amarga. Entonces empezaron a ser proferidas las palabras del principio del ritual y, con ellas, el viento sopló y se avivaron las llamas de la hoguera. Las palabras siguieron siendo proferidas en forma de mantra, alimentando al fuego y protegiéndolo del viento que soplaba cada vez más fuerte.

En seguida Enrique notó que el cuerpo de Catarina oscilaba lentamente hacia adelante y hacia atrás. Vio cuando ella cayó de rodillas y quedó en la arena, en silencio, debruzada y contorciéndose sobre sí misma. De repente ella se levantó y se libró del manto. Y, enteramente desnuda, empezó a bailar, moviendo su cuerpo en movimientos lentos y ondulantes mientras el fuego relucía en sus cabellos y las llamaradas parecían también bailar en la superficie de su cuerpo.

Sorprendidos por la súbita visión del cuerpo desnudo de Catarina, los hombres y las mujeres presentes no hicieron nada más que mirar y admirar. Enrique pensó en interrumpir la danza de su discípula para que el ritual pudiera proseguir normalmente, pero no consiguió moverse, fascinado por lo que veía.

En ese momento el viento aumentó y vino la lluvia. Mientras relámpagos cruzaban la oscuridad de la noche y los truenos reventaban, Catarina abrió los brazos para recibir las primeras gotas, y luego en seguida se dio vuelta y corrió, desapareciendo en la oscuridad.

Después de un tiempo, como ella no volvía, Enrique decidió salir en su búsqueda. Pero la playa ahora era un inmenso negror y él poco conseguía ver. La lluvia se había vuelto tormenta y él caminaba con esfuerzo para no ser arrojado al suelo por la ventolina. Él gritaba su nombre con toda la fuerza, pero con el ruido de las olas, del viento y de los truenos, incluso él poco se escuchaba. En esos instantes le venía la impresión tan nítida, tan exacta, de ya haber vivido aquél momento antes, aquella misma situación, el mismo repentino miedo de perderla… ¿Adónde habría vivido aquello, aquella lluvia, aquella corrida desesperada, en que lejano tiempo y lugar? ¿Cuándo? ¿Adónde?

Finalmente, la encontró. Ella giraba desnuda de brazos abiertos y su cuerpo relucía bajo los fogonazos de los relámpagos. Él la abrazó, aliviado, y besó su boca salada. Y cayeron en la arena.

– Ven. Terminaremos resfriados – él dijo, levantándose. Pero ella lo tironeó de vuelta hacia su cuerpo desnudo.

– Olvídate solo por un momento que puedes enfermarte…

*      *     *

– ¡Mi esposo ha descubierto! – ella exclamó, abrazándolo asustada.

– ¿Cómo?

– ¡No lo sé! ¡Estoy con miedo, Enrique!

– Quédate calma. Esta noche tendré una conversación con él.

De noche, usando los sueños, él confirmó todo y vio que corrían serio peligro. Un esposo traicionado era siempre peligroso. Pero un esposo con tantas influencias, que mantenía relaciones cercanas con el consejo ducal, era invencible. Su permanencia en el colegio jesuita de Munique se revelaba un riesgo enorme, era necesario abandonar la ciudad inmediatamente. Irían para Barcelona, allá ellos podrían esconderse hasta encontrar un sitio seguro.

Pero… había un problema. Para vivir con Catarina, él tendría que abandonar la Compañía. Y la Compañía de Jesús era su disfraz perfecto, su salvo-conducto, su mayor seguridad. Ella le proporcionaba viajes, facilidades, dinero, mujeres… Poder.

Él se sintió apresado a un terrible dilema. Era como estar al borde de un precipicio. Atrás los problemas lo presionaban, y adelante lo esperaba la decisión más difícil de su vida.

*      *     *

El navío se alejó y rumbeó hacia las rocosas de Gibraltar, portal del inmenso mar océano. El muelle de Barcelona fue quedándose atrás, atrás, y la figura de Catarina al fin desapareció en la niebla. Él desembarcaría secretamente en Portugal. accionaría a sus mejores contactos en la Corte y en un mes volvería para reencontrarla. Y entonces huirían finalmente hacia Brasil, la nueva tierra del Sur, adonde podrían vivir en paz. Era el plan perfecto.

Pero él no descendió en Lisboa. Siguió directamente hasta Goa, en India. No volvió para el reencuentro acordado. No podía dejar a un lado la Compañía por una mujer. No podía. Aún si fuera la mujer que amaba.

Sentimientos no cambiaban al mundo. Lo que cambiaba era la acción – él no tenía dudas sobre eso. Y los hechos del mundo necesitaban el Orden para realizarse dentro del camino delineado. La Invencible Armada española había sido derrotada por Inglaterra. Un polonio loco llamado Copérnico había publicado un libro en el cual aseveraba que la Tierra giraba alrededor del Sol y otros lunáticos creían en eso. La Reforma de Lutero triunfaba y la Iglesia intentaba, con Sisto V, colocar un poco de orden a los estados papales. Ingleses y holandeses tomaban el control de la ruta del Oriente, aquellas siete mil millas tan valerosas para Portugal. El mundo lo necesitaba cada vez más a él y a los Iniciados del Orden. Y él tenía que estar preparado para las confrontaciones que vendrían.

– No, Vehdvar, tú has comprobado que no estás – la Guardiana le dijo una noche, en la cueva, cuando el navío ya seguía más allá del Bojador. – Tú has fallado.

– Pero…

– La obsesión por el control es el peligro final para los Iniciados del Orden, la trampa final. Solamente se escapan de ella los que, irónicamente, abdican…

– Del Orden.

Sí, él sabía de algunos integrantes que abandonaron el Orden. Pero siempre había juzgado que la causa fuera el miedo de ser atrapado por la Inquisición. Aún así, él no conseguía entender…

– No puedo abdicar. ¡El mundo nos necesita!

– Estás solamente postergando el momento, Vehdvar. Estás caminando en círculo, girando y girando…

– Sin realmente salir del lugar.

Sí, sin salir del lugar. Eso sentía él.

– ¿Qué necesito hacer?

– Tú lo sabes.

Entregar el control… Él lo sabía. Saltar en el abismo del propio miedo. Lo sabía desde siempre. En ese momento su imagen surgió en la superficie del lago. Catarina…

– No puedo volver a ella ahora. ¿Y mis seguridades?

De repente sintió que ya había vivido aquél momento antes, aquellas palabras, la desesperación, el desamparo… ¿Cuándo?

– No puedo…

Mientras la serpiente desaparecía en las aguas oscuras del lago, él cayó de rodillas y quedó allí, en el suelo, su voz aún haciendo eco como un grito desapareciendo en el abismo.

– No puedo… no puedo…

.

.

El Irresistible Encanto de la Insania

CAPÍTULOS

prólogo – 1 -2 – 3
4 – 5 – 6
7 – 8 – 9
10 – 11 – 12

 


El Irresistible Encanto de la Insania 2

13/05/2020

 

.

EL IRRESISTIBLE ENCANTO DE LA INSANIA

Ricardo Kelmer – Miragem Editorial, 2015
novela – traducción: Felipe Obrer

Luca es un músico, obsesionado por el control de la vida, que se involucra con Isadora, una viajante taoísta que asegura que él es la reencarnación de su maestro y amante del siglo 16. Él comienza una aventura rara en la cual desaparecen los límites entre sanidad y locura, real e imaginário y, por fin, descubre que para merecer a la mujer que ama tendrá antes que saber quién en realidad es él mismo.

En esta insólita historia de amor, que ocurre simultáneamente en la España de 1500 y en el Brasil del siglo 21, los déjà-vu (sensación de ya haber vivido determinada situación) son portales del tiempo a través de los cuales tenemos contacto con otras vidas.

Blues, sexo y whiskys dobles. Sueños, experiencias místicas y órdenes secretos. Esta novela ejercita, en una historia divertida y emocionante, posibilidades intrigadoras del tiempo, de la vida y de lo que puede ser el “yo”.

.

.Amazon (kindle) english/portuguese/espanol

In portuguese – blog 

.

.

CAPÍTULO 4

.

La señalera se puso verde y Luca aceleró, avanzando el volkswagen por la avenida. Por el retrovisor veía las calles quedándose atrás, ellas y sus esquinas de amores en oferta. El aliento tibio de la noche, la amiga noche seduciéndolo en los neons coloridos… Luca se sonrió, estimulado. La ciudad desnuda, la ausencia de pundonor en el aire, un romance caliente… Era necesario ser feliz, urgente.

La noche te viste de sonrisas
Y tu aliento es la brisa que me conduce
Toda la prisa de las esquinas
Son vidrieras de retina
Promesas de amar
Alquile un placer con vista al mar

Una presentación más en el Papalegua. Ésta vez un viernes, pues el jueves Luca aún estaba bastante afónico. Y ésta vez los compañeros lo prohibieron absolutamente de improvisar con músicas no ensayadas.

Después del show Carlito se dirigió a Luca, en el camerino.

– Llegó a fin de tarde, tómalo – le dijo, entregándole un papel.

Luca abrió el telegrama, curioso.

Estoy en la laguna de Uruaú. Hinchando por un buen show. Isadora.

Él leyó y releyó, y por algunos instantes se sintió desplazar lentamente por un agujero en el tiempo… dos meses antes… Isadora…

– ¿Quién es Isadora? – preguntó Junior, leyendo el telegrama por sobre del hombro del amigo.

– La preciosa de Tibau del Sur.

– ¡Ah, la que te cogiste en una vida pasada! ¡Luca Nalla ahora ataca de esotéricas!

– Ella es loquita pero es maravillosa… – Dijo Luca, recordando la última noche con Isadora.

– Ah, yo conozco esa mirada.

– ¿Qué mirada?

– De enamorado.

– Qué nada, es solo una historia.

– Cuidado, ciudadano. Amar es un peligro.

Luca se volcó la dosis de whisky y anunció:

– Amigos, estoy yendo ahora hacia Uruaú. Nos vemos después.

– Loco, nuestra entrenadora personal está allá en la mesa – avisó Ranieri. – Y ya mandó traer dos litros de Red. ¿Vas a rechazar?

Por la rendija de la puerta del camerino, Luca miró hacia la mesa y vio a Sonita, ella y sus botas negras asesinas… Sonita ahora era como una asesora de la banda para temas de gimnasia y, gracias a sus buenos contactos, todos los de la banda podían hacer ejercicios sin pagar. A ella le parecía que el Ombligo Blues quedaría mucho mejor si todos estuvieran con el tórax delineado.

Por algunos segundos Luca quedó en duda, sintiéndose en una encrucijada. Estaba borracho y cansado, quizás no fuera adecuado tomar la ruta. Pero por otra parte, quería mucho ver otra vez a Isadora. No le gustaban nada aquellas súbitas decisiones.

– Uruaú me llama – él finalmente respondió. – Y guarden una dosis para mí.

Poco después ya seguía por la ruta en su volkswagen, cruzando la madrugada. Entonces la muy viva estaba en la laguna de Uruaú…, él pensó, mientras escuchaba los blues de Celso Blues Boy, otro amor en la larga ruta. Un estremecimiento raro se aposaba de su cuerpo y de su alma, haciéndolo acelerar lo más que podía, quería llegar en seguida, reencontrar a Isadora…

Noventa kilómetros después llegó a Uruaú, costa Este de Ceará. Manejó atento por las pequeñas rutas que rodeaban la laguna, en búsqueda de una tienda azul. Pero había poca luna en el cielo, estaba muy oscuro. No encontró la tienda. Rodó un poco más y nada. Bajoneado, paró el coche cerca del margen, bajó y caminó hasta la laguna. Se mojó los pies en el agua fría, se lavó la cara. Estaba muy cansado. Bueno, no había sido realmente una buena idea. ¿Adónde tenía la cabeza? Que mierda.

Entonces, mirando hacia un rincón en el otro margen, le pareció distinguir… una hoguera. Volvió corriendo al coche, dio la vuelta y salió a toda velocidad por el caminito de arena. Más adelante tomó otro camino y se vio de repente en el medio del monte. Pero siguió. Entonces el paisaje se abrió súbitamente y la laguna surgió de nuevo a su frente, ennegrecida por la noche sin luna. Y al lado, a pocos metros, la hoguera. Y la tienda azul. Y allí estaba Isadora.

Se abrazaron en silencio durante un tiempo largo. Él reconoció la sensación de los cabellos de Isadora rozándole la cara, el contacto de los senos en su pecho, el calor acogedor de su cuerpo… Y entonces se dio cuenta de que había olvidado, simplemente se había olvidado de como era realmente maravilloso estar con ella.

– Que bueno que has venido, Luca.

– ¿Cómo supiste del show?

– Vi en el periódico. Llamé, pedí la dirección y envié el telegrama.

Él se rió, bobamente fascinado. Isadora y su manera de hacer las con que las cosas fueran más simples de lo que parecían ser… De repente vivir era de una simplicidad tan obvia, tan obvia…

– El sueño me arrebata – él dijo, bostezando. – ¿Tenés algo para tomar?

– ¿Por qué no te das una zambullida? El agua está bien tibia!!

– Buena idea.

Luca entró en la tienda para cambiarse de ropa y momentos después, como él no salía de allá adentro, Isadora entró y… lo encontró roncando, desparramado en la colchoneta, un pie calzado y otro descalzo, la boca abierta, babeando. Ella encontró gracia en la escena y, mientras lo arreglaba para dormir mejor, susurró a su oído:

– Enrique…

Sí, confirmó para sí misma, allí estaba su amado, solo podía ser él. Nada que no fuera eso haría sentido. Él era Enrique, sí, y ella finalmente lo había reencontrado. Cuatrocientos años después.

Desde que los sueños vinieron, dos años antes, ella había luchado silenciosamente contra la presión de los dos lados de la realidad, un lado gritando que dejara de locuras, que vidas pasadas ni siquiera podían ser comprobadas de hecho, y el otro lado susurrándole al oído que permitiera que aquel antiguo amor le orientara el camino.

Después del sueño con Luca, había decidido seguir los susurros. Entonces dejó a un lado el empleo en el banco, juntó los ahorros y rumbeó hacia las playas del Noreste. Pero las dudas siempre la acompañaron. ¿Cómo iría a encontrar a alguien en una inmensidad de lugares posibles? ¿Y si todo no fuera más que una torpe y ridícula fantasía? Eran preguntas que dolían en su alma, y que ella expulsaba hacia lejos siempre que surgían. Pensar en eso le daba escalofríos, y en esos momentos una inmensa sombra la involucraba… la sombra de la locura. La locura de Catarina.

Cuando vio a Luca en Tibau del Sur, no tuvo más dudas. Pero, en un primer momento, al darse cuenta de que él no recordaba nada y ni siquiera creía en vidas pasadas, se sintió perdida y frustrada, sin saber qué hacer. Pero ya había ido muy lejos, simplemente no podía darse por vencida así de su gran amor, el amor que cuatrocientos años antes ella había perdido por motivos que nunca entendió. Por eso dio el paso siguiente, el sexo, y aquella noche estupenda en la tienda solo confirmó todo, la combinación perfecta de los cuerpos, la mezcla armoniosa de ternura y violencia, el placer enloquecedor… ¿Cómo el sexo podía ser tan perfecto con un desconocido? Solamente si el desconocido no fuera realmente un desconocido…

Entonces decidió seguir en el viaje por las playas, como si de alguna forma la cercanía del mar pudiera traer de vuelta a su amor perdido. Tal vez Luca solo necesitara algún tiempo más. Tal vez también ella lo necesitara.

Estaba correcta. Un mes entero lejos de Luca sirvió para entenderlo mejor. Y, comprendiendo a Luca, terminó también comprendiendo un poco más al propio Enrique. Ambos eran obsesionados por el mismo deseo: controlar a la vida. Cada uno a su modo, ambos tenían un elevado sentimiento de importancia personal y se consideraban capaces de dominar todos los acontecimientos alrededor. Pero actuando así, se olvidaban de realmente vivir la vida. Entretanto, había una diferencia, ella sabía: al paso que Enrique se había entregado al amor que sentía por Catarina, Luca tenía miedo de amar. En su sueño, él le había pedido que lo ayudara a saltar en el abismo – pero parecía escaparse de él.

Isadora miró al hombre estirado adelante de sí, ebrio y roncando. Fuera lo que fuera el abismo, definitivamente aquella no era la mejor manera de saltar.

*     *     *

Luca abrió un ojo y después el otro, la vieja estrategia para que no le doliera tanto. Hacía calor, ya debía ser bien tarde. Reconoció el interior de la tienda azul de Isadora. Pero ella no estaba a su lado. Sintió una súbita puntada de miedo… El mismo miedo que había sentido en Tibau del Sur cuando buscaba por ella el último día.

Entonces salió de la carpa y la vio sentada al lado, a la sombra de un guayabo, leyendo el I Ching.

– Bienvenido al día, Luca de Luz Neón.

– ¿Qué pasó ayer? – él preguntó, bostezando.

– Te dormiste.

– Me dormí antes o después de que nosotros…

– Muuuucho antes – ella respondió, riéndose.

– Que mierda.

– Mejor así, vos estabas en un estado lastimoso. ¡Y todavía has venido manejando! Si yo supiera, no te habría enviado aquel telegrama.

– ¿Venden lentes de sombra acá por cerca? – él preguntó, protegiéndose los ojos de la claridad insoportable.

– Sin desesperaciones. Yo te presto los míos.

– Isadora, vos sos la mujer ideal.

En el restaurante, él pidió una cerveza para contrarrestar la resaca. E Isadora contó de las playas por las cuales había pasado antes de llegar allí.

– En Canoa Quebrada casi me metieron presa, ¿sabes?

– ¿Por qué?

– Es que en el camping había un vivero de pájaros. Y yo no aguanto ver a un pajarito en cautiverio.

– ¿Qué hiciste?

– Los solté a todos, evidente.

– No lo creo.

– La dueña del camping desconfió de mí y llamó a la policía, pero no podía probar nada.

– Caramba, vos sos de hecho una amenaza al orden establecido.

Incluso para el mío, él casi completó, por poco.

– ¿Y la vida en Fortaleza, cómo anda?

– Todo bajo control.

– ¿Hay show hoy?

– No.

– Me alegro. Entonces puedes quedarte hasta mañana.

– Ahn… No puedo. Hoy de noche tengo una reunión importante.

– Que pena.

– Negocios – él completó. – Sabes cómo es, la banda se está volviendo más profesional.

Él se sonrió, tomando un trago de cerveza. En realidad, lo que había dicho era una media verdad. La banda estaba realmente profesionalizándose, pero la reunión no era con nadie de la banda. Era con una aficionada. Y a solas.

La tarde ya caía cuando ellos salieron del restaurante y fueron a pasear por los márgenes de la laguna, a pisar descalzos en la arena, a sentir la brisa fría del fin de tarde.

– ¿Y aquel billete que has dejado, Isadora? ¿Qué abismo es ese que yo tengo que saltar?

– No sé. Sos vos el que debería saber.

– Claro que no. El sueño fue tuyo.

– Pero el abismo es tuyo – ella respondió, riéndose.

Caminaban abrazados por la arena y las olas venían a lamerles los pies, dejando conchas de recuerdo.

– ¿Vos estás satisfecho con tu vida, Luca?

– Hay cosas que podían mejorar.

– ¿Vos confías en la vida?

Él demoró en responder. Pateó una piedra en la arena.

– No se puede confiar en la vida cien por ciento, Isadora, sabes bien.

– ¿Por qué?

– Porque ella es traicionera. Hay que estar siempre atento para no ser apuñalado por la espalda.

Isadora meneó la cabeza, sin conformarse. ¿Cómo alguien podía vivir con tantas trabas?

– Entrega el control, Luca. Eso es una ilusión.

– Ilusión es creer que la vida se soluciona por sí sola. Es mejor controlar.

– ¡Claro que no! Controlar a la vida termina trabándole.

Ella se soltó de él para coger una concha.

– Confiar en la vida parece locura, yo sé. Pero trata, dale. Yo te ayudo.

Ella sacó la arena de la concha y se la entregó. Él la recostó al oído.

– ¿Estás oyendo? Es el sonido del abismo. Él te va a susurrar el camino si nosotros nos perdemos de nuevo.

– ¿De nuevo? – él preguntó, guardando la concha en el bolsillo.

– Sí, como hace cuatro siglos.

– Isadora, vos sabes que yo no creo en reencarnación – él dijo, tratando de no ser rudo. – Creo en lo real, en lo que yo puedo ver.

– No importa. Vos sos Enrique, mi amor real.

– ¿Pero cómo puedes tener tanta seguridad?

– Yo sé. Apenas sé.

– Todo bien, vamos a suponer que sea yo mismo. ¿Por qué entonces yo no me acuerdo?

– Eso no lo sé.

– Si yo fui Enrique, entonces evolucioné al revés. El tipo era brujo, poderoso…

– Quizás vos estés desperdiciando tu poder tratando de controlar todo. Adonde hay control, la vida no fluye. Ni sobra espacio para el amor, ¿sabías?

– ¿Vos y Enrique se amaban de verdad?

– Mucho.

– ¿Por qué él no volvió a encontrarte? ¿Quiero decir, a Catarina?

– No lo sé, eso no conseguí recordar. Enrique tenía enemigos, creo que terminó siendo atrapado.

– Bien, si yo fui Enrique, entonces yo podría saber qué pasó con él.

– Si realmente llegas a necesitar saber, lo sabrás.

– ¡Eso es confiar demasiado en el destino, Isadora! – Él no se conformaba. – Como si todo ya estuviera escrito.

– Nada está escrito. Tenemos que hacer todo.

– ¿Hacer todo? Eso no contradice tu principio taoísta de no forzar las situaciones?

– De hecho, contradice.

– ¿Y entonces?

– Entonces tenemos que hacer todo, pero sin forzar a las situaciones.

Él suspiró, dándose por vencido del tema. ¿Cómo alguien podía vivir con lógicas tan absurdas?

*     *     *

Luca despertó y se vio adentro de la tienda azul. Pero ésta vez Isadora dormía a su lado. Él había cancelado la reunión nocturna con la aficionada, simplemente no había resistido a Isadora. Se anidó un poco más en ella mientras recordaba la noche anterior, el cuerpo tierno y generoso de Isadora, su forma deliciosa de abrazar, de llamarlo hacia adentro de sí como un orden a la cual no podía desobedecer… Con ella el sexo era siempre intenso. Y tenía algo de misterioso, un qué de sagrado. Y ella era tan hermosa durmiendo… Luca acarició sus cabellos mientras se imaginaba su caballero protector. ¿Y si fueran casados?

Él interrumpió el cariño, asustándose con el propio pensamiento. ¿Casados? No debía estar muy bien de la cabeza. ¿De dónde miércoles había sacado una idea tan desquiciada?

En ese instante, sintiendo el corazón acelerado, él vio prenderse la lucecita roja de alerta. Sí, existía. Y se llamaba amor. Y el amor era algo que no formaba parte de sus planes. Amar era perder el control de sí mismo, él sabía, y eso era todo lo que no necesitaba. Más prudente era mantenerse a una distancia segura.

Pero ella era tan linda, tan especial… Ella era absolutamente diferente de cualquier mujer que hubiese conocido en toda la vida. Y todavía hacía el mejor sexo del mundo. A su lado vivir se volvía más instigador más misterioso… Una pena que vivía tan lejos.

¿Y si por casualidad vivieran en la misma ciudad?, se preguntó, tratando de imaginarse cómo sería. ¿Abdicaría de todas las otras por ella?

Se sentó, molesto con el rumbo de sus pensamientos. Estaba soltero, ¿por casualidad se había olvidado de eso? Estaba soltero y le gustaba su vida así, sin las complicaciones que el amor siempre traía. Y, además de todo, Isadora era demasiado loca. Mejor mantener la cosa como estaba, ella en sus viajes y él en Fortaleza, en la seguridad de su mundo.

Se levantó con cuidado para no despertarla y salió de la tienda. El sol ya subía en el horizonte pero el día estaba nublado. Caminó hasta la casa que alquilaba kayacs y tomó uno. Unas buenas remadas por la laguna le harían bien.

Luca se acomodó adentro del kayac y empujó el suelo con el remo, desplazándose suavemente sobre el agua. No pudo dejar de notar lo insólito de la situación: las seis de la mañana de un domingo y él en un kayac, remando en aquella inmensa laguna, en aquel inmenso silencio, era raro. El amanecer realmente era un mundo desconocido.

El kayac avanzaba laguna adentro mientras la luminosidad del nuevo día se derramaba despacio sobre la laguna. De repente Luca sintió que todo aquel silencio era una manifestación de la laguna y ella era tan grande… tan digna… que permitía que una criatura ruidosa como él afectara la paz de su superficie.

Entonces paró de remar. El kayac prosiguió desplazándose un poco más. Y el silencio se manifestó enteramente, en toda su majestuosidad. Se sintió indigno en aquel ambiente, contaminándolo, y empezó a arrepentirse de estar allí. Él no era tan puro como aquel silencio. No era digno como la laguna.

Fue en ese momento que, súbitamente, comprendió cuan pequeño era frente a todo aquello. Fue un relámpago repentino y lo hizo entender instantáneamente que él no significaba nada, absolutamente nada. Se dio cuenta de que la laguna tenía perfecta consciencia de él, evidente, que era imposible que no supiera de él en su superficie. La laguna estaba allí hacía siglos y nada la ponía ansiosa. Digna y grandiosa, ella permitía que la vida se manifestara en sus honduras y que seres insignificantes como él se desplazaran en sus aguas.

Sintió miedo de morirse. Sí, él moriría allí mismo si la laguna así lo quisiera, no había dudas en cuanto a eso. No podría hacer nada y nadie escucharía sus gritos. Se hundiría y moriría…

Entonces bajó la cabeza y, aislado como nunca estuvo en su vida entera, lloró. Lloró de pavor, enteramente rendido, mientras esperaba el momento en que la laguna finalmente lanzaría de las honduras sus tentáculos y lo arrastraría hacia el fondo. Y todo estaría terminado.

Una eternidad después sintió que el inmenso silencio relajaba su fuerza sobre él. Entonces abrió un ojo, la cara aún escondida entre las manos, después el otro ojo. Todo seguía como antes, la laguna tranquila, el kayac flotando sobre las aguas. Entonces, bien despacio, aún temeroso, tomó el remo y lo metió en el agua. Y la laguna se movió, pareciendo que se iba a despertar.

Empezó a remar, cuidadosamente. Remó y remó hasta alcanzar el margen. Cuando finalmente el fondo del kayac se arrastró por la arena, emitiendo un sonido afónico, él se sintió saliendo de un sueño… Pisó la tierra todavía un poco mareado, el corazón casi en la boca, mientras las olas menudas le daban latigazos en los pies. Era la laguna enviándole un último mensaje: no eres nada, no eres nada…

– Yo lo sé – dijo bajito.

Ya sabía, sí. No necesitaba repetirlo.

*     *     *

‒ Después que nosotros nos conocimos, Isadora, esas cosas raras empezaron a ocurrir. En Tibau del Sur yo casi me muero ahogado. Ahora fue la laguna que me quiso tragar. ¿Qué miércoles está pasando?

Isadora miró a Luca a los ojos y reconoció en ellos el miedo de quien acaba de abrir la puerta del desconocido de sí mismo. La misma puerta que un día sus raros sueños también le abrieron.

– Vaya a saber si es el abismo acercándose.

– Para de hablar en eso, Isadora. No me está gustando, en serio.

– Has sido vos el que preguntó.

– No creo en ese abismo, ya te dije.

– Pero vives hablando de él en tus shows.

– ¿Yo? ¿Vos estás loca?

– Fue la primera música que vos me cantaste, allá en Tibau del Sur, no te recuerdas?

En ese abismo sentí vértigo…  Y la angustia no se deshizo…

– Recuerdo. Pero vamos a cambiar de tema.

Estaba nervioso. Aquellas cosas lo hacían sentir un juguete en manos de lo que no conocía, sin cualquier control sobre la situación. Isadora, de cierta forma, también lo hacía sentirse así. Al mismo tiempo que no resistía a estar con ella, sabía que bastaba su presencia para que de repente le faltara el poder sobre sus propias certidumbres. Y eso era realmente aterrador.

Después del café, fueron hasta la costa y se divirtieron bastante en un paseo en buggy por las playas. Después, en una  tiendita en la rambla, se deleitaron con caipiriñas y calamar frito. Volvieron a la tienda levemente embriagados y dispuestos a darse una siesta, pero en seguida constataron que la noche anterior no había sido suficiente para sanar la nostalgia, y así el atardecer fue escenario para otra vuelta de sexo intenso.

De noche, al lado del volkswagen, mientras se despedían, Luca sintió el corazón apretado. Él volvería para Fortaleza al paso que Isadora seguiría su viaje por las playas de Ceará. En ese momento la posibilidad de nunca más verla penetró como un puñal en su pecho y el dolor se agitó por todo su ser. Tomó rápidamente un papel, escribió su teléfono y dirección y se lo entregó a ella.

– ¿Qué tal pasar el fin de semana en Fortaleza conmigo? Mi cama tiene bastante espacio.

– ¿Luca de Luz Neón me está invitando a probar su mundo?

– Estoy. El viernes vamos a hacer un show bien bueno. Y el sábado va a haber una fiesta imperdible.

– A tus aficionadas no les va a gustar verme con vos.

– Pero a mí sí.

Luca paró por un instante. La lucecita roja de alerta… ¿Qué estaba haciendo? ¡Aquello era casi un pedido de noviazgo! Por algunos momentos sus actos y sus palabras simplemente habían adquirido voluntad propia.

– No sé, Luca… Creo que éste viaje no combina mucho con la ciudad grande.

Sí, quizás sería mejor que ella no fuese, Luca pensó, sin saber lo que realmente deseaba.

Adentro del coche, un poco antes de desaparecer en la curva, él hizo un ademán mirando por el retrovisor y la vio a Isadora saludando también. Y de repente fue como si ella repitiera un gesto muy antiguo, hecho hacía mucho tiempo, un ademán triste que le cortaba el alma. ¿Cuándo se habían despedido así?

.

.

CAPÍTULO 5

.

– ¡Camerino con aire acondicionado! – exclamó Ranieri. – ¡Whisky doce años! ¡La banda evolucionó, loco!

– Es que el dueño de ésta casa es mi alumno en la academia – explicó Sonita. – Y tú, Luca, eres el único que no está yendo a hacer gimnasia, ¿sabes?

– El lunes empiezo. Lo prometo.

Estaban todos muy entusiasmados aquel viernes. La casa nocturna Karvalledo estaba repleta y ellos harían la apertura del show principal, de la Basado en Blues. Era el caché más alto de la historia de la banda.

A las once la Bluz Neón subió al tablado y la luz verde bajó sobre Luca, haciéndolo sobresalir al frente de los demás. Él tomó un trago de whisky, dio las buenas noches, dijo cualquier cosa sobre abismos y el show empezó. El repertorio estaba bien ensayado y la banda colocó la platea a bailar bastante. Después del Ombligo Blues, cuando en el tablado casi no cupo todo el grupo de muchachas que había subido de ombligo de afuera, ellos salieron bastante aplaudidos y del camerino escucharon los insistentes pedidos de bis. Entonces volvieron, tomaron sus lugares y empezaron a tocar otra vez.

Luca fue el último en volver. Reapareció vestido con una túnica oscura con capucha, al estilo de los monjes medievales. Caminó lentamente, se situó en el centro del tablado, abrió los brazos en cruz y miró al público, sin distinguir las caras en la muchedumbre. En ese momento las luces de los reflectores relampaguearon sobre sus ojos y él sintió un vértigo liviano, otra vez aquella sensación de resbalar hacia un sueño, la realidad perdiendo fuerza… Un escalofrío le recorrió la espalda y la vista quedó turbia. Mientras el humo de hielo seco involucraba su cuerpo, él se afirmó en el pedestal del micrófono para no caerse y respiró hondo algunas veces hasta que el malestar pasara, mientras la banda seguía la música sin él. Y terminó el show recitando la parte final de la letra:

Son tantas estaciones
Yo oigo campanas en las esquinas
Y les sonrío a las chicas
En sus escotes-perdición
Yo le erro la mano y me pierdo a media luz
Yo soy el tren que me conduce
A mi propia salvación

En el camerino, después del show, la botella de whisky rodaba de mano en mano, todos festejando el buen show. Luca se disculpó por el malestar al fin de la presentación, pero Junior lo calmó, diciendo que nadie se había dado cuenta de nada, que la ventaja de ser un cantante performático como él era que aún morirse en el tablado terminaba pareciendo formar parte del guión.

Entonces la puerta del camerino se abrió y Sonita entró.  Llevaba puesta una minifalda negra de cuero y calzaba sus botas negras. Ella se sonrió hacia Luca y él inmediatamente entendió lo que ella quería, aquella mirada de cazadora del submundo que él conocía tan bien…

– ¿Ésta vez no me vas a cambiar por una laguna, no? – Sonita preguntó, acercándose a él de una forma insinuadora.

Luca recordó a Isadora y se sintió de nuevo en una encrucijada. Aquellas malditas decisiones… Isadora podría muy bien haber aceptado su invitación para pasar el fin de semana con él.

– No – respondió Luca, abrazando a Sonita y besándola.  – Hoy no hay laguna, bebé.

Vieron el show de la atracción principal todos juntos en una mesa, festejando la nueva etapa de la banda y el enorme  éxito que los esperaba. Sonita mandó traer otra botella de whisky y después otra más. Antes del fin del show ella se levantó y tironeó a Luca por el brazo. Él todavía no quería irse, pero ella insistió.

– Sí, vas, Gran Tigre. Vos ya te pasaste de la raya.

– Calma, jefa, vamos a terminar esta botella. ¿Adónde está tu vaso?

– ¿Estás viendo cómo es tu amigo, no, Junior? Toma demasiado y después no aguanta la onda…

– ¿Pero, Sonita, adónde ya se vio irse a casa a las tres de la mañana? Si quieres, puedes irte. Yo me quedaré con mis nobles compañeros de lucha.

– Yo soy tu entrenadora personal, Luca. Tengo que cuidarte.

– Entrenadora personal, y no cuidadora de niños. ¿Has entendido?

Sonita resolvió intentar otra estrategia. Se sentó al lado de Luca y metió la mano abajo de la mesa, acariciándolo entre las piernas. Pero él retiró su mano. En ese instante surgió una muchacha pidiendo para sacarse una foto con él. Luca se levantó, la abrazó y se sacó la foto. Después la chica agradeció dándole un beso en la boca y salió muy contenta. Sonita no se aguantó:

– ¿Ya has pensado qué pasará en el momento que esas aficionadas descubran la verdad, Luca?

– ¿Qué verdad?

– Que al cantor de la Bluz Neón le gusta más el whisky que las mujeres.

Luca la miró serio.

– Ah, Sonia… Es una pena que tu dinero no pueda comprar nivel – él dijo, con mucha calma. Y se sentó de nuevo, volviendo la mirada al show, mientras Junior y Ranieri contenían la risa.

– Ah, entonces querés nivel. ¿Ese sirve?

En un gesto rápido, Sonita estiró el brazo y vació un vaso entero de whisky sobre el pecho de Luca, el líquido ensopando la camisa, piedras de hielo para todos lados.

– ¡Y vos estás despedido! ¡Busca otra banda! – ella completó, levantándose y abriendo camino entre las mesas.

– Mucha calma en ese momento, ciudadano… – dijo, Junior, que todavía no podía creer en lo que había pasado. – Dejen que yo voy atrás de ella, quédense ahí viendo el show.

Luca se sacó una piedra de hielo de adentro de la camisa ensopada de whisky y la llevó a la boca.

– Pensándolo bien… estoy cansado de esa vida de estrella del rock. Creo que me voy a pasar un rato en París.

– Calma, Luca, mañana ella lo va a reconsiderar.

– ¿Adónde está la mina de la foto, alguien la vio?

*     *     *

Cuando Isadora llegó eran las once y la casa nocturna Karvalledo ya estaba repleta, pero ella consiguió un lugar razonable para ver el show que empezaba.

Había aceptado la invitación de Luca para pasar el fin de semana en Fortaleza porque concluyó que, si quisiera conocerlo y entenderlo mejor, necesitaba de alguna forma probar su mundo. Sí, ella sabía que el mundo de Luca era una fiesta sin fin, un mundo caleidoscopico que podía confundirla, sí, pero podía ser una buena oportunidad para ejercitar su intuición de taoísta, su capacidad de armonizarse con los sutiles movimientos de la vida. Y podía también ser una oportunidad excelente de conocerse mejor a ella misma, explorando aquello que aún no sabía de sí, aventurándose por las posibilidades de su ser. Explorar… aventurarse… Esas cosas involucraban riesgos, ella sabía, siempre los involucraban. Pero estaba dispuesta a arriesgarse. Por ella, por Luca, por el amor. ¿Por qué no?

A las once la Bluz Neón subió al tablado de la casa  Karvalledo. Al verlo a Luca, Isadora sintió una emoción rara, se sintió enorgullecida de él. Allá estaba el hombre que amaba, en el centro del tablado, vaso en la mano, probando el micrófono. Bajo el halo de luz verde él tomó un trago, dio las buenas noches a todos y dijo:

– La insania es un abismo irresistible. Y tiene ojos color de miel.

– ¿Qué quiso decir? – preguntó una muchacha al lado, intrigada. Isadora se sonrió y respondió:

– Que él me ama.

El show empezó y ella rápidamente entró en el ritmo del rock y del blues. Las músicas estaban bien ensayadas y la platea parecía bastante entusiasmada. A ella le gustó todo, y le gustó especialmente Luca: él era un poco descoyuntado, pero cantaba bien, tenía buena presencia en escena y sabía enganchar al público.

Fue al fin, cuando la banda volvía para el bis, que ocurrió. Isadora vio cuando Luca, vestido como un monje medieval, se protegió los ojos de las luces y miró hacia la platea como si buscara a alguien en la turba. ¿Sería ella? Después volvió al micrófono, y mientras la banda tocaba él acompañaba la música con suaves movimientos de cabeza… Fue en ese momento. Las cosas empezaron a perder la forma, lentamente, y ella dejó de escuchar la música. Entonces se vio sola, ya no habían personas a su alrededor. En el instante a continuación, el humo del hielo seco se había transformado en niebla y el tablado a su frente era ahora… la cubierta de un navío. Y el navío subía y bajaba, levemente… ondulando bien adelante de sí… ondulando… ondulando…

Era una mañana de niebla en Barcelona y los vientos soplaban favorables. A su frente las velas del navío estaban abiertas y, en seguida abajo, inmóvil en la cubierta, él la miraba. Ella usaba un vestido con una manta por encima y el viento sacudía sus cabellos. Sentía un aprieto en el pecho, la boca seca… La boca que él había besado hacía poco. ¿Por qué necesitaban separarse una vez más? ¿Por qué esperar aún más tiempo? ¿Por qué?

Del navío él saludó, la otra mano afirmando el borde, y su ademán la hizo recordar, súbitamente, que en alguna época, en algún tiempo muy lejano, él había hecho exactamente aquello, la misma mano saludando en despedida, el mismo ademán triste. ¿Cuándo se habían despedido así?

El navío empezó a alejarse y ella tuvo ganas de correr y gritar que él la llevara también, que no la dejara sola. Pero se contuvo, aguantando el ansia en el pecho. Sí, el le había asegurado que todo correría bien y que en seguida volvería para buscarla, sí, y entonces se escaparían a Brasil, para vivir libremente aquel amor que aún tenían que esconder bajo mentiras. Pero ella no se conformaba. ¿Por qué no ahora? ¿Por qué él no dejaba a un lado de una buena vez la Compañía y se quedaba ahora mismo con ella?

Por un segundo avistó la posibilidad de estar perdiéndolo para siempre y una angustia terrible laceró su alma, como un relámpago que rompe el cielo. Una lágrima resbaló hasta su boca. La boca que él había besado hacía algunos minutos…

Él la había hecho probar la magia y la había iniciado en los misterios. Con él viajó por mundos maravillosos a través de los sueños, y él le enseñó a ser fuerte y a enfrentar las dificultades con valentía… Pero ahora todo lo que ella tenía adentro de sí era un enorme y dolorido vacío. Porque la vida simplemente no tenía sentido sin él. Estaría equivocada en amarlo así tan… tan locamente?

El navío se alejó. Su imagen en la cubierta, bella y melancólica entre la niebla, se sostuvo en su mente. ¿Hacia adónde realmente lo llevarían aquellos vientos? ¿Y ella, cuántos mares de incertidumbres aún tendría que cruzar por aquel amor? ¿Cuántos peligros, cuántas despedidas? ¿Cuántas vidas, mi corazón, cuántas vidas?…

Entonces el navío desapareció. Desaparecieron el muelle de piedras en línea y los empleados atareados. Los vientos cesaron, la niebla volvió a ser humo de hielo seco e Isadora dio por sí a tiempo de ver a Luca terminar su performance, en un tablado que aún ondulaba…

Ella estaba pasmada. El último encuentro, la despedida… ¡Finalmente había recordado!

Aún sintiendo el olor del mar, salió rápidamente y siguió hacia el jardín de la casa nocturna. Era una noche fresca y un resto de luna cruzaba el cielo. Mirando a las estrellas, un escalofrío le recorrió el cuerpo y por primera vez el pensamiento tomó la forma exacta en su mente: él se había escapado. No quedaban más dudas. Enrique se había escapado. Ahora estaba todo explicado.

Había ido a Fortaleza para conocer mejor el mundo de Luca y había terminado descubriendo allí, en una casa nocturna, la verdad sobre Enrique. Una verdad obvia, pero que ni ella ni Catarina nunca habían admitido.

*     *     *

Por todos los lados se extendía un desierto como una inmensa sábana ondulada de arena. ¿Hacía cuánto tiempo que él caminaba? ¿Días? ¿Años? Las piernas aflojaban y la vista se ponía turbia, impotente frente a la claridad tiránica. Un sol abrasador le tostaba la piel en carne viva… Y un dolor de cabeza que de un segundo a otro explotaría su cerebro en mil pedazos… Pero lo peor de todo era la sed. Una sed absurda le dilaceraba la garganta sin piedad. Un trago de agua, apenas un trago, un pequeño trago y él se moriría satisfecho y feliz. Y en algún lugar de aquel desierto un teléfono sonando, sonando… En algún lugar, entre aquellos médanos sin fin, un maldito teléfono insistiendo en sonar y sonar…

– Hola…

El cuerpo estirado sobre la sábana de arena, el brazo para afuera de la cama.

– ¡Hola! ¡Hola!

Pero no era el teléfono que sonaba, era el interfónico, allá en la cocina… Tendría que arrastrarse hasta allá, al otro lado del desierto sin fin.

Era el portero, buenos días, don Luca, avisando que había una muchacha que se llamaba Isadora queriendo hablar con él, ¿podía dejarla subir?

Luca pidió un momentito y agarró una botella de agua en la heladera. Una resaca horrorosa le secaba el alma. Miró el reloj: dos de la tarde. Llamó por Sonita. La llamó de nuevo. Pero ella no respondió, ¿se habría ido? Yo abro los ojos, ¿adónde estás vos?… Amaneció y no me di cuenta…

Caminó despacio, con cuidado para que el cerebro no se despedazara. Buscó en el cuarto, en el baño. Ninguna señal de Sonita. Entonces recordó que ella había dormido allí, sí, pero dos noches antes. Que relajo. Estaba perdiendo la noción del tiempo.

Volvió al interfónico y le dijo al portero que todo bien, podía dejar que la muchacha subiera. Luego de hacerlo, recogió un calzoncillo de arriba del televisor y puso una música para tocar, Isadora merecía un ambiente mejorcito. Dejó la puerta del living abierta y fue para el baño bajo el sonido de sus sesos sacudiéndose. En el espejo partido del baño el horrendo monstruo del desierto lo observaba, con los cabellos en revoltijo y los ojos saltados. Prendió la ducha y el agua helada sacudió su cuerpo mientras en el living Blues Etílicos tocaba El Sol También me Levanta.

– ¿Luca de Luz Neón?

– ¡Puedes entrar! – él gritó bajo la ducha.

Isadora entró y cerró la puerta. Puso la mochila sobre el sillón, miró la guitarra en un rincón, un cartel de B. B. King, otro de Janis Joplin, fotos de shows de la Bluz Neón. Fue a la ventana y miró el paisaje del octavo piso, la soledad apretada entre el cemento, los edificios asfixiando los sueños de crecer…

– Hola, Isadora.

– ¡Hola! – Ella recordó que era la segunda vez que lo despertaba. Él estaba con una cara no muy buena, pero le gustaba verlo así, empezando el día. – Espero no estar obstruyendo alguna cosa importante…

– No, no. Yo estoy solo.

– Me parece que quedas bastante bien así, solamente de toalla…

– Que bueno que has aceptado mi invitación. ¿Te quedas hasta cuándo?

‒ Mañana de tarde sigo hacia la playa de Lagunita, ya compré el pasaje.

‒ Pucha, tan poco tiempo… Deberías haber venido ayer.

– En realidad llegué ayer. Dormí en un hotel.

– ¿Hotel? Pero… ¿Y por qué has ido a nuestro show?

– He ido.

– ¿Vos estabas allá? ¿En la Karvalledo?

– Sí.

– Pero…

– Me encantó la banda. Y vos sos bárbaro, me sorprendiste.

– ¿Por qué has ido a hablar conmigo después del show? – él preguntó. Y en seguida se arrepintió, recordándose de Sonita. Ella seguramente la había visto con él.

– Me pareció mejor no.

¿Y ahora? ¿Debería o no preguntar la causa?

– ¿No quieres saber el porqué?

– Creo que ya sé, Isadora.

– ¿De verdad lo sabes?

– Mira, déjame aclarar una cosa. Mi historia con Sonita no es nada serio.

– ¿Quien es Sonita?

– Nuestra entrenadora personal, que estaba conmigo en la mesa. Ella y yo…

– No vi nada. Me fui ni bien terminó el show.

– ¿Ah, sí?…

Él tuvo ganas de meterse la cara en el piso. Que mierda. Había acabado de confesar, espontáneamente, que tenía una historia con la entrenadora personal de la banda.

– ¿Hay agua? – ella preguntó. – Hace calor.

– Hay, claro.

Él fue a la cocina y le trajo un vaso de agua. Se sentaron en el sillón en silencio. Pero que mierda, él pensó, sin conformarse con lo que había hecho. Se sentía culpable. Pero no tenía que sentirse así, pues no había cualquier compromiso entre Isadora y él. Sí, eso era verdad, no tenían compromiso, pero aún así se sentía muy mal. Era como si la hubiera traicionado. Pero no había habido traición, evidente, al fin ella no era su novia. Pero por otra parte…

De repente se dio cuenta de que sus pensamientos estaban al mismo tiempo culpándose y absolviéndose, dividiéndolo al medio. Que mierda. Era ella, Isadora, que lo dejaba neurótico. No, no era ella, evidente, era él, él mismo era el que estaba creando fantasmas en aquella relación. Era él el que se precipitaba y construía trampas para sí mismo.

– Luca, ¿qué sentiste durante aquel último número?

– Yo no recuerdo muy bien esa parte.

– ¿Cómo no? Vos parecías tan concentrado.

– Ya estaba bien loco.

– No fui a hablar contigo después del show porque… pasó una cosa mientras te veía cantando.

Entonces ella le contó. Le contó del muelle, del navío y de Enrique saludando desde el borde, que él se estaba yendo y que ella sentía que lo perdía para siempre. Y mientras hablaba, casi podía sentir las mismas sensaciones de la noche anterior.

– Me acordé de nuevo de aquella vida, Luca.

Él suspiró. De nuevo aquél tema engorroso.

– Y ésta vez no fue sueño. Yo estaba despierta, en el medio de un montón de gente. Y fue a través de vos, de tu energía.

– Es que yo había tomado dos bebidas energéticas…

– Estoy hablando en serio, Luca. Fue una escena muy fuerte, más fuerte que todas las que recordé.

– Ahora vamos a cobrar un caché más caro: ¡vea el show de la Blues Neón. y recuerde sus vidas pasadas!

Él vio sus ojos mojados y se arrepintió de las bromas.

– Yo aún no me había acordado de esa parte de la vida de Catarina. Vos estabas al borde del navío, dándome adiós. El plan era que vos volverías para buscarme. Pero vos no volviste nunca más…

– Eso ya me lo habías contado, Isadora. ¿Cuál es la novedad?

– Después yo salí al jardín y me quedé pensando en Catarina, en cuan fuerte ella tuvo que ser para enfrentarse a toda aquella soledad, la corazonada horrible de que no encontraría más al gran amor de su vida… Yo sentí de nuevo el mismo dolor, Luca, todo de nuevo. Fue solo por unos instantes, pero mientras ocurría era… era para siempre. Y pensar que todo podría haber sido distinto, tanto sufrimiento evitado… Bastaba que nosotros hubiésemos quedado juntos.

– Pero no era posible. Un imprevisto cambió los planes, ¿no fue así? – él preguntó, tratando de ser lo más comprensivo que podía. Y se dio cuenta de lo ridículo de la cosa: hablaba como si todo aquello hubiera realmente ocurrido.

– No hubo ningún imprevisto. Ayer supe eso.

– ¿Qué pasó entonces?

– Vos huiste.

– ¿Yo huí?

– Sí.

– ¿Es más, él huyó?

– Sí.

– Pero… ¿por qué? ¿Él no te amaba? ¿Quiero decir, no amaba a Catarina?

Ella no respondió. Apenas lo miró a él, devolviéndole la pregunta.

– Todo bien, Isadora, Enrique huyó. Aquel farsante. Pero ahora olvida esa historia, eso es pasado.

– ¿Vos me quieres, Luca?

– ¿Yo?

– Sí, vos.

– Claro que te quiero. ¿Pero por qué esa pregunta ahora?

– ¿Mucho o poco?

– Tal vez más de lo que debería.

– ¿Cómo así?

– Es que a veces vos me destrozas las certidumbres.

– Entonces deja a un lado las certidumbres y ven conmigo.

– ¿Para adónde?

– A viajar por ahí.

– ¿Por ahí?

– Sí. Después vuelves.

– Sería bárbaro. Pero no tengo guita para eso.

– Lo que yo tengo da para nosotros dos.

– Está bien, puede ser. Pero solo puedo pedir libre a fin de año.

– No, tiene que ser ahora. Ven.

– ¡Yo no puedo abandonar mis cosas así, Isadora! – él casi gritó. – Perdón. Es que me sacas de quicio.

– ¿Qué cosas vos no puedes abandonar?

– El trabajo, la banda, todo.

– ¿Por qué no?

Luca la miró atentamente. Ella parecía hablar en serio. Pero no, era imposible que estuviera hablando en serio.

– Porque esas cosas son mis seguridades. ¿Entendiste o quieres que haga un dibujo?

– Yo lo abandoné todo hace cuatro siglos. Y lo abandoné otra vez ahora. Por nosotros dos.

– Ahí viene esa charla otra vez… Si no fuera por esos tus sueños desquiciados, nosotros podríamos entendernos muy bien.

– Si no fuese por mis sueños locos, nosotros no nos habríamos reencontrado.

Luca meneó la cabeza, furioso. Era inútil charlar cuando ella hablaba de vidas pasadas. Se levantó del sillón y fue hasta la ventana a respirar un poco, a calmarse. Si hubiese mirado hacia atrás, vería que Isadora lloraba en silencio. Pero él no vio. Ni vio tampoco que después ella se secó la cara y, respirando hondo, confirmó para sí misma, resignada, lo que hasta entonces había evitado aceptar, por creer que no sería necesario tomar la más difícil de las decisiones. Pero él no vio nada de eso.

– ¿Estás con hambre? – Luca preguntó, volviendo de la ventana.

– Sí.

– Entonces vamos a almorzar, son casi las tres. Te voy a llevar a un lugar que me encanta. Y de noche vamos a una fiesta erótica. ¿Qué tal?

– Hummm… Eso parece bueno.

– Bienvenida al fabuloso mundo de Luca ‒ él dijo, haciendo un galanteo con su sombrero imaginario.

El restaurante era el Cuchara de Madera, adonde dejaba cuentas por pagar. Allá trabajaba Pereira, su mozo predilecto, Pereira y su simplicidad y franqueza del interior, su experiencia de vida, y principalmente sus opiniones geniales con relación a todos los temas, en especial sobre las mujeres que Luca llevaba hasta allá. Él sabría decir si aquel romance tenía o no futuro. Pereira, el oráculo.

Poco tiempo después entraban en el restaurante. Eligieron una mesa y Luca presentó al amigo mozo:

– Éste es Pereira, mi viejo consejero. Ésta es Isadora.

– Mucho gusto – dijo el mozo, sirviendo la cerveza.

– Don Pereira, usted cree en vidas pasadas? – preguntó Isadora, para total sorpresa de Luca.

– Mire, muchacha, yo no entiendo de esas cosas. ¿Por qué?

– Porque yo y éste muchacho habíamos vivido juntos hace cuatrocientos años y ahora él me dice con descuido que no se acuerda de mí.

Luca se reía, sin creer que aquello estaba ocurriendo.

– Si usted era tan bonita como es hoy, es un descuido realmente.

– ¿A usted le parece que es un caso perdido?

– Creo que no, señora. Porque hace tiempo que no lo veo mirar así a una mujer, ¿sabe?

– ¿Entonces a usted le parece que puedo tener esperanza?

– ¿De que él se acuerde de usted? Ahí ya me parece difícil. Ese muchacho se olvida de lo que tomó hace media hora.

– ¿Eso es verdad, Luca?

– Solamente me olvido cuando no tengo plata para pagar la cuenta – respondió Luca, riéndose.

Luego de pedir el almuerzo, Isadora salió para ir al baño y Luca aprovechó para preguntar:

– ¿Y entonces?

– Creo que sus días de soltero se acabaron, muchacho.

– Hable en serio, Pereira.

– Por así decir, esa ahí ya lo enganchó.

Luca llenó el vaso de cerveza, tomó y pidió otra. En el aparato de música Lily Alcalay cantaba Mar y Sol. Esa ahí ya lo enganchó… No estaba seguro si aquello era lo que le gustaría haber escuchado. O si era justamente lo que de hecho no deseaba escuchar.

.

.

CAPÍTULO 6

.

Después del almuerzo, Luca e Isadora volvieron al departamento. Tenían poco tiempo, pues en seguida tendrían que salir de nuevo, ¿pero cómo resistir a una ducha en pareja? Así, apoyándose en la pared de la casa de baño, ellos se entregaron otra vez a la fuerza del deseo impostergable, mezclado al sonido del agua de la ducha la melodía frenética de los dos cuerpos ardiendo en pasión, agua y fuego en armonía.

No fue suficiente para sanar todas las ganas, es verdad, pero no podían realmente demorarse. Entonces en seguida estaban dejando el departamento. Pasaron por la casa de Junior Rível para buscarlo y rumbearon hacia el Cabaret Society, la fiesta que todos los años ocurría en una gran casa coqueta del centro de la ciudad. El tema de la fiesta era sensualidad y erotismo, y el ambiente recordaba los antiguos cabarets, con luces rojas, cortinas transparentes y músicas al estilo. Las personas se vestían de forma sensual, explorando los fetiches y las fantasías, y subían al tablado para hacer performances teatrales y chistosas.

En el recorrido hacia el lugar, Luca y Junior, que ya conocían la fiesta, comentaban hechos divertidos de las ediciones anteriores. Isadora escuchaba, curiosa y excitada por vivenciar el mundo de Luca. Y luego a la entrada de la fiesta ella quedó bastante impresionada:

– ¡Uau! ¡Las mujeres realmente entran en la onda! – ella comentó con Junior mientras observaba a un grupo de chicas vestidas como prostitutas fatales.

– Esas están bastante comedidas. Hay algunas que vienen solo de camisón.

Luca notó discretamente a una de las mozas que trabajaban en la fiesta, una rubiecita bonita que estaba vestida como colegiala. Y lamentó no estar solitario aquella noche.

– Pucha, estoy sintiéndome una santa con esta ropa – Isadora lamentó, insatisfecha con el conjunto de pollera y camisa que usaba. Y preguntó a la moza, que les entregaba las comandas de pedidos: – ¿Por casualidad no te sobró una ropa de colegiala como esa que estás usando?

– Desafortunadamente no. Pero vos estás hermosa. Necesitas solamente un ajuste en la ropa.

– ¿Adónde?

– Ven, vamos a mejorar ese aspecto.

La moza dio vuelta a Isadora de frente hacia ella y le abrió dos botones de la camisa, dejándole los senos más a la muestra.

– ¡Ahora sí! – La moza se rió, observando el resultado de su intervención, y susurró al oído de Isadora: – Unos pechos así no deben quedar escondidos. Principalmente en el Cabaret Society.

Isadora se rio de la espontaneidad de la muchacha. Sintió simpatía por ella.

– Tienes razón, gracias. ¿Pero y mi comanda, adónde está?

– Ah, sí, faltó la tuya. Ven conmigo a agarrar una – dijo la moza, tironeando a Isadora por la mano y saliendo con ella rumbo a la barra.

Junior aprovechó y lo picaneó a Luca:

– Eh, ciudadano, noticia de última hora: Sonita pidió el despido de la banda.

– Bárbaro.

– Bárbaro nada. Éramos la única banda de blues del planeta con una entrenadora personal.

– Ojalá que ella no aparezca por acá. Sin querer le conté a Isadora sobre nosotros.

– Creo que te está gustando esa muchacha.

– Tienes razón. Estoy jodido, Junior. Apasionadamente jodido.

– Eso resulta un blues.

– Tantas mujeres y yo invento de querer una que vive a tres mil kilómetros de distancia.

– Mejor así que no te satura.

– Sí. Pero yo no iba a aguantar de nostalgia.

– Llámala para vivir acá.

– No resultaría bien, ella es demasiado loca.

– ¿Entonces qué quieres?

Luca pensó un poco.

– No sé.

– Con permiso, Junior Rível – dijo Isadora, llegando de vuelta. – Voy a raptar a tu amigo para bailar ese bolero.

– Y yo me voy a confesar con aquella monja allí. Hoy estoy lleno de pecado.

– Ven – ella dijo, tironeando a Luca por la mano.

En la pista de danza, ellos juntaron los cuerpos y empezaron a bailar, mano con mano, cara con cara.

– Vamos a aprovechar bien esta noche, Luca. Es nuestra despedida.

– Claro que no. Vos puedes venir a Fortaleza cuando quieras.

– Vos sabes que es.

– O yo puedo ir a encontrarte por las playas…

– Ya hablamos sobre eso. No vamos a poner a perder la noche.

– Yo sé, pero… ‒ ¿Pero qué?, él pensó. No había pero, ni tal vez, ni quien sabe. Isadora tenía razón, y él sabía bien que así era. Todo lo que había allí era la certeza de un gran amor sin futuro, y él debía conformarse de una buena vez.

‒ Todo bien, no vamos a echar a perder la noche.

– Hoy yo quiero tu mundo, ¿has escuchado? Con todas sus locuras.

– Vos eres loca realmente.

– Y, no importa lo que pase, nosotros estaremos juntos. ¿De acuerdo?

– De acuerdo ‒ él respondió, riéndose de sus modos autoritarios.

Isadora se sonrió y lo besó, apretándolo fuerte en sus brazos. Después pegó los labios en su oreja para cantar junto con la música: Lo que valen son tus brazos cuando de noche me abrazan…

Terminado el bolero, Luca fue al baño y a la vuelta simuló un encontronazo con la moza vestida de colegiala.

– Perdón.

– No fue nada – ella dijo, equilibrando los vasos en la bandeja.

– ¿Cómo te llamas?

– Bebel, la colegiala zarpada a su disposición…

– Uau… No me digas eso hoy que yo soy un hombre casado.

– Que pena…

Durante un tiempo ellos se miraron en silencio, sonriéndose, sus cuerpos casi pegados uno al otro, y el movimiento de las personas alrededor parecía un remolino… Luca aún podía escuchar el eco de aquel “que pena” en su mente. Ella seguía sonriéndose… Fue necesario un enorme esfuerzo, pero él consiguió controlarse.

– Bien… Yo soy Luca, un gusto.

– Yo sé. Ya he visto un show de la Bluz Neón. en el Papalegua.

– ¿En serio?

– ¡Me pareció excelente! Vos sos muy bueno, Luca.

– Así me quedo avergonzado.

– Es más, ustedes dos son muy buenos.

– ¿Quién?

– Vos y tu novia. Ella está divina.

– Ah. En realidad… no sé si somos novios.

– Si no son, deberían ser.

Luca se rio. Primero Pereira, ahora Bebel. ¿Estaban todos queriendo casarlo?

– Ahora has quedado realmente avergonzado – ella bromeó, apretando su mejilla. – Perdón.

– Solo te perdono cuando me traigas dos whiskys – él dijo, entregándole la comanda.

– Dos whiskys especiales, para que me perdones un poco más, ¿está bien?

Ella apuntó el pedido y salió, dejándolo a Luca con una cara de bobo, riéndose de la situación. Él se dio vuelta, buscando por Isadora, y la encontró poco más adelante, apreciando los textos eróticos en la pantalla grande.

– Luca, ¿vos ya has visto los poemas que están pasando en la pantalla? ¡Son preciosos!

– Hay uno ahí que es el más precioso de todos.

– ¿Cuál?

– Espera que debe ser el próximo.

Luego de unos instantes el poema siguiente empezó a formarse en la pantalla. El título vino antes: Poemas de saliva. Después la autoría: Luca.

– ¡Uau, es tuyo! ¡Qué bueno!

Isadora miró de vuelta hacia la pantalla. Y leyó: Para Isadora. Y en seguida el poema surgió en la pantalla, verso tras verso:

Resbalo poemas de saliva
En el bosquejo de tu piel
Sílabas mojadas
Rimas sensoriales
El sentido más profundo de mi verso
Habla la lengua de tus gestos
En convulsiones gramaticales

Poemas depravados en tu piel de pecado
Poemas de navaja en tu cuerpo sin perdón
La figura de lenguaje del deseo
Habla la lengua de mi beso
Sin traducción

– No sé qué decir… – ella murmuró emocionada, aún mirando hacia la pantalla.

Él la tomó por las caderas y la besó. Y durante un tiempo sus cuerpos unidos tuvieron como plan de fondo la imagen del poema en la gran pantalla.

– Dos whiskys para la pareja más interesante de la fiesta – Bebel dijo después que los dos terminaron el beso.

– ¡Caramba! – exclamó Luca, mientras cogía los vasos en la bandeja. – ¿Hace tiempo que estás ahí?

– Y quedaría el tiempo que fuera necesario. Fue tan romántico…

– Entonces este brindis es por vos, Bebel, la colegiala más hermosa de la fiesta – dijo Isadora, levantando el vaso y dándose cuenta en seguida de la absoluta sinceridad de su frase. Sí, ella admitía, le había gustado aquella chica desde el principio, incluso más de lo que se imaginaría capaz.

– Gracias – Bebel respondió. – Ahora con permiso que yo tengo que ir al baño.

Mientras la moza se alejaba, Isadora recordó que en su vida nunca antes había deseado sexualmente a una mujer. ¿Sería eso lo que estaba ocurriendo? ¿Y si fuera realmente, qué debería hacer? Bien, Bebel era una mina hermosa, delicada, y parecía también tener gusto por ella. Por ella y por Luca. Y estaban en una fiesta erótica, ¿no era así? Y, además de todo eso, ¿ella no deseaba probar el mundo de Luca, con todas sus… insanias? Entonces… ¿por qué no?

– Voy también – dijo Isadora de repente. Y, para sorpresa de Luca, volcó de un trago el whisky y le entregó el vaso vacío.

Luca se recostó en la barra y observó a las dos siguiendo rumbo al baño. En la pantalla pasaban escenas de otras ediciones de la fiesta y él se entretuvo un poco con las imágenes. Pero en seguida miró el reloj, impaciente, ¿por qué Isadora tardaba tanto? Quince minutos después ella apareció, trayendo dos whiskys más.

– Me están gustando los personajes de tu mundo, ¿sabes? Bebel es un dulce de persona.

– ¿Qué diabluras hacías todo ese tiempo en el baño? – preguntó Luca, agarrando uno de los vasos.

– No fue tanto tiempo.

– Claro que fue.

– ¿Qué hacen dos mujeres maravillosas como Bebel y yo en un baño, Luca?

– Exactamente lo que yo pregunté.

– Picholarío.

– ¿Cómo?

– Pichi, lápiz de labio y chusmerío – ella respondió, riéndose, recordando el beso que se habían dado con Bebel en el baño. Y que habían repetido con más intensidad antes de salir, lo que la forzó a arreglarse de nuevo el lápiz de labios.

Luca se sonrió avergonzado. Isadora empezó a bailar adelante de él, entusiasmada. Él notó sus senos expuestos por la camisa medio abierta.

– Vos te has aplicado al escote…

– ¿Es una fiesta erótica, no?

– ¿Pero hacía falta tanto?

– ¿Vos no estás con celos, o sí?

– Claro que no.

– Menos mal. Porque yo y mis pechos estamos amando la fiesta.

Ella se rio de la broma y tomó un trago de whisky. Él se rio una risa falsa.

– ¿Cuántas ya te tomaste, Isadora?

– Yo estoy bien, Luca. Relájate.

– Solo pregunté porque quiero que aproveches bien la fiesta.

– Menos mal que no es para querer controlarme.

– Yo no quiero controlar a nadie.

– Entonces relájate.

– Estoy relajado.

Ella tomó su mano y la puso sobre su seno.

– Nosotros estamos juntos, mi amor.

Él pudo sentir los latidos acelerados del corazón de Isadora. ¿Mi amor? ¿Fue así que ella lo llamó?

– Dame un abrazo, Luca.

Él la abrazó y así se dejó estar, muy junto a ella, enteramente envuelto por la sensación de ya haber vivido aquello antes… Cerró los ojos y trató de recordar cuando había vivido aquella misma situación, pero todo lo que le vino fue la sensación de estar girando, girando… Era como si estuviera en un círculo, girando, siempre pasando por aquél mismo lugar… girando en un círculo, siempre pasando por el mismo punto, siempre…

Abrió los ojos asustado, volviendo a sí. Se sentía levemente mareado. Miró alrededor, certificándose de que seguía allí, en el Cabaret Society. Ella aún estaba abrazada a él, en medio de la personas tomando y bailando. ¿Cuánto tiempo había pasado? ¿Algunos segundos? ¿Siglos?

– Ven, vamos a bailar.

– Creo que no.

– Ah, Luca, ven.

– Estoy cansado.

– Entonces voy a bailar con Bebel.

– Ella está trabajando, Isadora.

– Un ratito nada más no va a jorobarla.

Mientras ella salía, Luca se preguntó a sí mismo lo que estaba pasando. Se sentía enojado. ¿Por qué? Quizás porque al día siguiente Isadora se iría de nuevo y eso lo dejaba molesto. No, no era exactamente eso, él sabía. Estaba enamorado, esa era la causa real, y no sabía lidiar bien con el hecho. Incluso estaba sintiendo celos. Aquella pasión por Isadora alteraba el orden de su mundo, le traía sensaciones raras y lo dejaba incómodo e inseguro.

Él se rascó la cicatriz de la cara, pensando. Isadora estaba probando su mundo, un mundo hecho de bares, fiestas y neóns coloridos. Ella parecía querer vivir lo que él vivía, la gran fiesta de la embriaguez, la seducción de la lujuria, los sortilegios de la noche. Y hacía eso de una manera tan simple y natural, no parecía esforzarse… ¿Aquello era ser taoísta? Ella era realmente increíble. ¿Cómo no enamorarse?

Dio vuelta el resto de la dosis y puso el vaso sobre la barra. La fiesta estaba bárbara y al otro día Isadora no estaría más con él. Necesitaba de hecho relajarse.

La música hizo una pausa y el productor de la fiesta subió al tablado.

– Buenas noches. Mi nombre es Ricardo Kelmer y soy el dueño de este cabaret. Espero que estén divirtiéndose. Vamos ahora a empezar el concurso de la Musa del Cabaret. Las candidatas pueden subir aquí y bailar. ¡Música para ellas!

Mientras varias mujeres subían al tablado y eran presentadas al público, Luca buscó alrededor por Isadora. Pero no la vio. Entonces, observando a las candidatas, se asustó: allá estaba Isadora entre ellas. Él simplemente no pudo creer. No, tal vez fuera otra chica, muy parecida, la misma ropa…

No, de hecho era ella. Y bailaba sensualmente, contorciéndose en movimientos insinuadores, la expresión lánguida, los senos casi saltando del escote…

Luca tragó en seco. Isadora en el concurso Musa del Cabaret – ¿cuándo se podría imaginar una cosa así? ¿Y cuándo podría imaginarse que ella… bailaría tan bien? A su lado, un grupo de hombres vibraba, silbando y gritando su nombre, y él sintió otra vez los celos llegando, como un bicho al acecho… Que mierda. Necesitaba urgentemente otro whisky.

Al fin de la música, el público votó en las candidatas y  eligió a la ganadora. Isadora, tchan-tchan-tchan-tchaaannn…, quedó en segundo lugar y, como premio, recibió un crédito en una sex shop y un vino importado. Contenta, ella agradeció los aplausos y antes de bajar del tablado, dedicó el premio:

– Al amor de mis vidas.

Un minuto después Luca la encontró en la barra con Bebel.

– Felicitaciones, Musa del Cabaret.

– ¡Luca! – Ella lo abrazó, radiante de alegría. – ¿Has escuchado la dedicatoria?

– Claro, me encantó. Estuviste bárbara.

– Lo que pueden hacer unos whiskys…

– Pero podrías haberme avisado para que me preparara. Aquellos tipos gritando “Isadora! Isadora!”… Fue horrible.

– ¿Ay, que bueno! ¡Mi Luca con celos de mí!

– Voy a superarlo, voy a superarlo…

– Yo no iba a participar en el concurso. Pero Bebel me convenció.

– Fue una injusticia – dijo Bebel. – Ella merecía ganar.

– El crédito de la sex shop te lo regalo, Bebel.

– ¡Caramba, gracias!

– Pero el vino vendrás a tomarlo con nosotros, por favor.

– Con mucho gusto. Pero solo puedo después de la fiesta.

– Podemos ir para el departamento de Luca, es acá cerca. ¿Verdad, Luca?

Él casi se atragantó, con la sorpresa.

– Él aceptó, Bebel. ¡Vamos a festejar!

Después que Bebel se alejó, Isadora tironeó a Luca por las caderas, abrazándolo de una forma provocadora.

– ¿Qué te pareció ella, eh?

– ¿Ella quién?

– Bebel.

– Bien.

– ¿Así de simple?

– Sí. Parece buena gente.

– ¡Ay, Luca, vos sos bárbaro! – ella dijo, riéndose. – ¿Por qué no admites que te gustó la mina?

– ¿Quien? ¿Yo?

– ¿Me dirás que no?

Él miró serio a Isadora. ¿Adónde quería llegar ella?

– Está bien, me gustó. ¿Y qué?

– A mí también.

– ¿Te gustó cómo?

Él sintió su mano palpándole el sexo sobre los pantalones.

– Me gustó como te gustó a vos.

Él escuchó sorprendido y de repente, la situación era todo un tropel suelto, totalmente sin control…

– ¿A vos no te parece que estás exagerando en esa cosa de probar mi mundo?

– ¿Por qué? ¿Te parece que no lo merezco?

– Isadora, ¿por qué no me dices lo que estás planeando, eh?

– No estoy planeando nada.

– ¿Por casualidad estás usando a Bebel para probarme?

– Claro que no.

– ¿Todo eso tiene algo que ver con la historia de Sonita?

– ¿Cómo así?

– ¿Vos no me perdonaste por ayer, no? Ya te dije que Sonita y yo…

– Relájate, Luca – ella lo interrumpió. – Vos estás viendo fantasmas. Solo invité a Bebel para tomar el vino con nosotros. Porque a mí me gustó ella y sé que a vos también te gustó.

Luca no sabía qué conclusión sacar de todo aquello. Quizás no hubiera sido buena idea invitar a Isadora para que conociera su mundo.

– Nosotros estamos juntos, Luca – ella volvió a decir. – ¿Vos aún no has entendido eso?

Él no respondió. Se quedó pensando, mirándola a Isadora bailar a su frente. Sí, claro que había entendido. ¿O no?

*     *     *

– ¿Te gustó el Cabaret, Isadora? – preguntó Bebel mientras Luca metía la llave en el cerrojo y abría la puerta del departamento.

– Me encantó. Si llego a estar acá en el próximo, voy con liguero y todo, verás.

– ¡Y ganarás el primer premio!

Luca fue a la cocina y volvió con los vasos y el vino abierto. Sirvió y brindaron:

– ¡A la Musa del Cabaret!

Mientras Bebel miraba con Isadora los posters y los carteles de los shows, Luca puso Ellis Mário a tocar y el sonido del saxo rellenó suavemente el ambiente.

– ¿Quieres más vino, Bebel?

– Gracias, Isadora, yo no tomo mucho. En realidad me gustaría darme un baño, me estoy sintiendo inmunda. ¿Puedo?

– Claro.

Isadora la llevó a Bebel hasta el baño, dejándole una toalla y previniéndola de que el espejo partido podría dejarla con un aspecto raro. Cerró la puerta y se sentó en la cama al lado de Luca.

– ¿Vos estás bien? – él preguntó.

– Estoy estupenda. Sos vos el que podría relajarse un poco más. Por vos, por mí… – Ella se sonrió y señaló con los ojos el baño. – Y por ella.

– ¿Vos no tienes celos?

– No necesito tenerte celos, Luca.

– ¿Por qué?

Ella caminó hasta la llave y apagó la luz del cuarto, dejándolo suavemente alumbrado por la luz que venía del living. Después se sacó los calzados y se posicionó arrodillada sobre la cama, de frente hacia él.

– Porque la mujer de tu vida soy yo. Hace cuatrocientos años.

– Yo creo en lo que puedo ver y tocar, Isadora, y no en esas fantasías místicas que…

Ella puso el dedo en su boca, impidiéndole de seguir. Después abrió totalmente los botones de la camisa, mostrándole los senos desnudos.

– Pues entonces cree.

Poco después Bebel salió del baño y, desde el desván de la puerta, envuelta en una toalla, se sonrió y paró por un instante para observar. El cuarto estaba en penumbra pero ella pudo ver bien a los dos cuerpos acostados en la cama, las manos y bocas desplazándose por sus superficies. Entonces dejó caer la toalla y, enteramente desnuda, se acercó de la cama. En ese momento Isadora abrió los ojos y, manteniendo la cara de Luca metida entre sus piernas, extendió el brazo hacia afuera de la cama, tocó la mano de Bebel y la tironeó, como Bebel había hecho con ella hacía algunas horas, a la entrada de la fiesta:

– Ven…

*     *     *

– Buenos días, mi amor – dijo Isadora a la puerta de la cocina, recibiendo a Luca cariñosamente con un abrazo y un beso. – ¿Quieres un café calentito? Acabo de hacerlo.

– ¿Y Bebel? – él preguntó, en medio de un bostezo.

– Ya se ha ido. Te dejó un beso.

Él se sentó a la mesa de la cocina y se sirvió. En seguida la llevaría a Isadora a la estación y ella proseguiría su viaje por la costa. Ya sentía la nostalgia arder en su pecho. Ella podría muy bien interrumpir un poco aquel viaje y quedarse con él algunos días más… O algunas semanas…

‒ ¿Ya te he dicho que me encanta verte así, despertando?

‒ Si quieres ver más, ahora sabes adonde vivo.

Él levantó la mirada para certificarse de la reacción de Isadora a lo que dijera, pero ella apenas se sonrió, mientras mojaba el pan en el café. A él le hubiera encantado escuchar algo como “entonces me quedaré”, pero sabía que aquel tema ya estaba terminado.

– ¿No estás de resaca?

‒ Un poquito. Pero en el autobús voy a darme una buena siesta.

Mirándola a Isadora allí adelante de él, tomando café vestida con una camiseta suya, él tuvo la sensación de que la conocía hacía mucho tiempo. Pero en realidad hacía poco más que dos meses. Se habían visto durante tres días en Tibau del Sur, un fin de semana en la laguna de Uruaú y ahora en Fortaleza. Habían hecho el amor solamente cinco veces, de las cuales una con Bebel. Y era eso nada más. Pero parecía ser más, muchísimo más que eso… Y ahora ella se iría de su vida. No había sentido… ¿Será que lo que estaba sintiendo era… amor?

‒ He sacado un I Ching para vos. ¿Quieres saber cómo fue?

Es muy temprano para misterios, él pensó, tomando el café. Pero dijo que sí.

– Salió el Receptivo ‒ ella dijo, yendo hasta el living y volviendo rápidamente con el libro. ‒ Primer línea con tensión.

– ¿Y eso es bueno o malo?

– Sos vos el que debe interpretarlo. ¿Quieres leer?

No. No quería. Pero leyó. Una vez, dos veces… Después devolvió el libro.

– No entendí nada.

– A veces, en un primer momento, el mensaje parece confundido. ¿Voy a apuntarlo en tu agenda, está bien?

Él se sirvió otra taza de café.

– ¿Y entonces, qué te pareció mi mundo?

– Me encantó.

– Qué bien. ¿Y la última parte?

– Fue maravilloso, Luca. Pero te prefiero a vos solo, para que te concentres más en mí…

– Esa cosa de sexo a tres… ahn… Vos ya habías…

– No. Pero no voy a negar que siempre tuve curiosidad.

– Vos parecías tan a gusto…

– ¡Claro, estaba tan bueno!

Estaba realmente, él pensó. Podría haberse relajado un poco más y olvidar lo que lo afligía, sus celos súbitos, sus sentimientos en torbellino, Isadora yéndose al día siguiente… Pero aún así había sido delicioso hacer el sexo con ella y Bebel.

– Apuesto que para vos no fue ninguna novedad…

– Más o menos – él dijo, recordando la noche con la aficionada pelirroja que había conocido en el Papalegua, aquella cosa horrenda de la hermana melliza muerta…

Ella terminó su taza de café, se secó los labios y se preparó para decir lo que diría. No sería fácil, ella sabía. Pero sabía también que era hora de tomar una decisión.

– Te quiero decir algo importante, Luca.

– ¿Qué pasa?

– Ayer, apenas llegamos, Bebel me llevó para buscar una comanda, te acuerdas?

– Me acuerdo.

– En aquel momento yo sentí que ustedes quedarían juntos.

– ¿Cómo?

– Es eso.

– ¿Entonces ahora, además del pasado, vos también ves el futuro?

– En aquel momento no lo entendí bien, fue una sensación rara. Pero después quedó claro.

– No fui solo yo el que estuvo con ella. Nosotros estuvimos. Y fuiste vos la que invitó a Bebel a que venir hasta acá.

– Sí, la invité porque ella me gustó. Y yo estaba realmente dispuesta a probar tu mundo, tus cosas. Pero no estoy hablando de ayer.

– ¿No?

– Estoy hablando de cuando yo me vaya. Ustedes se quedarán juntos.

– No te estoy entendiendo, Isadora.

– Fue lo que sentí. Y aún lo siento.

– ¿Vos estás loca?

– ¿Y quieres saber? Bebel es una chica muy especial, Luca. Ella puede ayudarte.

Luca hacía un tamborileo con los dedos en la mesa. No le estaban gustando nada los rumbos de aquella conversación.

– ¿Por qué quieres que yo me quede con ella?

– Yo no quiero. Pero vos te quedarás, ¿qué se va a hacer?

– ¡Isadora, eso ya es demasiado desquicio! – él gritó, golpeando la mesa.

– No necesitas ponerte nervioso.

– Yo no estoy nervioso.

– Menos mal.

Él respiró, intentando calmarse.

– Yo no me quedaré con Bebel. Me quedaré con vos.

– Pero yo me estoy yendo.

– Entonces no te vayas.

– ¿Cómo así?

– Quédate conmigo. Ven a vivir aquí.

Él escuchó sus propias palabras y se sorprendió. ¿De hecho era eso? ¿Había acabado de pedirle a ella que viviera con él?

– Realmente me gustaría. Pero no puedo.

– ¿Por qué? ¿Qué te apresa a San Pablo?

– Nada.

– ¿Entonces cuál es la causa?

– La causa es que vos necesitas saltar un abismo, ¿recuerdas?

– Ah, no, de nuevo esa historia…

– Resistí mucho en llegar a esa conclusión, Luca, pero ahora está claro para mí. Si me quedo acá en Fortaleza, vos no saltarás. Seguirás en tu mundo seguro, siempre rodeándote de tus seguridades y cada vez más obsesionado por el control de todo. Como Enrique.

– No, ese no es el problema, Isadora. El problema es que tienes la manía de construir mundos que no existen, sueños, abismos… Has construido un pasado loco y me has puesto en él. Y ahora acabas de construir un futuro para mí y para Bebel. ¿No ves cuánto todo eso es una locura absurda?

– Nunca tuve dudas en cuanto a eso.

– ¿Vos no podrías, por lo menos una vez en la vida, portarte como una persona normal?

– No hago ningún hincapié en ser una persona normal – ella respondió mientras se levantaba de la mesa.

Luca cerró los ojos, intentando, en algún lugar de su ser, organizar las ideas en confusión, los sentimientos contradictorios… Pero no existía ese lugar. Se levantó y siguió a Isadora hasta la habitación, exaltado.

– Si yo no quiero quedarme con Bebel, no me quedaré, y así ese futuro que has visto no se dará. ¿Has entendido? No hay nada programado. Solamente el pasado es cierto.

Solamente el pasado es cierto… Ella recordó una vez más la despedida en el muelle.

– En eso tienes toda la razón, Luca. Lo que hicimos un día, o dejamos de hacer, no puede cambiarse.

Él juzgó notar un punta de amargor en aquellas palabras.

– ¿Que has querido decir con eso?

– He querido decir lo que dije.

– Pues entonces vamos a ver. Es tu futuro contra el mío.

– Yo no lo creo… Vos acabas de crear una guerra de futuros.

– ¿Vos no tienes más ganas, no es, Isadora? Ya entendí.

Ella no respondió. Agachada en el piso, se ataba los cordones de los calzados.

– Pero en vez de admitir, vos me vienes a decir que quedaré con Bebel después que te vayas.

De nuevo ella no respondió.

– ¡Muy conveniente, pues ahí seré yo el criminal de la historia! Muy conveniente. Vos eres la loca más viva.

– Llegó la hora, Luca – ella dijo, tranquilamente. – Mi autobús sale a las cuatro.

Él la miró con firmeza y una rabia retenida.

– Puedes irte. La puerta está abierta.

Y se sentó en la cama, tomando una revista cualquiera para leer.

– Luca…

– Yo intenté, Isadora – él dijo, hojeando nervioso la revista.

– Mírame…

– Yo juro que lo intenté.

– Luca, mírame. No necesitamos alejarnos así, por favor.

– Yo intenté. Pero vos… esa tu locura… me está afectando demasiado…

Él soltó la revista y ocultó la cara entre las manos temblorosas, el llanto atragantado en la garganta. El corazón le explotaría en el próximo segundo. El mundo se derrumbaría al instante siguiente.

Ella quiso acercarse, pero él, evitando mirarla, la impidió con un ademán.

– Vete de aquí, Isadora, por favor. Antes que yo enloquezca también.

Ella se sonrió, comprensiva, y agarró la mochila. Sabía perfectamente que habían llegado al fin del camino, que en aquel momento no existían más posibilidades. Allí estaba el hombre de su vida, sí, pero él no tenía la valentía de asumir el amor que sentía por ella y dar el paso siguiente. Ella tenía miedo de estar perdiéndolo para siempre, un miedo horrible, pero no debía insistir más, lo sabía. Abandonarlo ahora era la decisión más difícil de todas, pero sabía, con la más calma de las certidumbres, que necesitaba hacerlo. Cuatrocientos años antes, había confiado en Enrique, y él había fallado. Ahora, sabía que tampoco podría confiar en Luca. Todo lo que le quedaba era entonces confiar en la vida, en la rara e irónica sabiduría de la vida.

– Yo intenté, Isadora, yo intenté… – él seguía diciendo, la cara entre las manos.

Ella caminó en silencio hasta el living, abrió la puerta y salió, envuelta en una tristeza resignada. También había intentado.

.

.

El Irresistible Encanto de la Insania

CAPÍTULOS

prólogo – 1 -2 – 3
4 – 5 – 6
7 – 8 – 9
10 – 11 – 12

 


El Irresistible Encanto de la Insania 1

13/05/2020

 

.

EL IRRESISTIBLE ENCANTO DE LA INSANIA

Ricardo Kelmer – Miragem Editorial, 2015
novela – traducción: Felipe Obrer

Luca es un músico, obsesionado por el control de la vida, que se involucra con Isadora, una viajante taoísta que asegura que él es la reencarnación de su maestro y amante del siglo 16. Él comienza una aventura rara en la cual desaparecen los límites entre sanidad y locura, real e imaginário y, por fin, descubre que para merecer a la mujer que ama tendrá antes que saber quién en realidad es él mismo.

En esta insólita historia de amor, que ocurre simultáneamente en la España de 1500 y en el Brasil del siglo 21, los déjà-vu (sensación de ya haber vivido determinada situación) son portales del tiempo a través de los cuales tenemos contacto con otras vidas.

Blues, sexo y whiskys dobles. Sueños, experiencias místicas y órdenes secretos. Esta novela ejercita, en una historia divertida y emocionante, posibilidades intrigadoras del tiempo, de la vida y de lo que puede ser el “yo”.

.

.Amazon (kindle) english/portuguese/espanol

In portuguese – blog 

.

.

PRÓLOGO

.

Él la abrazó y así se dejó quedar, muy junto a ella, enteramente abarcado por la sensación de haber vivido aquello antes… Cerró los ojos e intentó recordar cuando había vivido aquella misma situación, pero todo lo que le vino fue la sensación de estar girando, girando… Era como si estuviera en un círculo, girando, siempre pasando por aquél mismo lugar… girando en un círculo, siempre pasando por el mismo punto, siempre…

Abrió los ojos asustado, volviendo a sí. Se sentía un poco mareado. Miró alrededor, asegurándose de que seguía allí, en el muelle de Barcelona, en aquella mañana nublada. Ella aún estaba abrazada a él, en medio a la prisa de los empleados del muelle. ¿Cuánto tiempo había pasado? ¿Algunos segundos? ¿Siglos?

– ¿Qué ha pasado? – ella preguntó.

– No lo sé, un mareo…

– Hace días que estás raro.

– Necesito irme ahora.

– ¿Estás seguro de que no puedo ir, de hecho?

– Ya hemos hablamos sobre eso, Catarina.

– Y si…

– Ya te he dicho que volveré. En un mes arreglaré las cosas en Lisboa y volveré. Y entonces iremos juntos para Brasil. ¿No ha sido eso lo que acordamos?

– Estoy con miedo, Enrique… – Ella lo abrazó otra vez, más fuerte.

– Ya están subiendo las velas – él respondió, sintiendo el viento que soplaba. Deshizo el abrazo y salió caminando rumbo al navío, el paso rápido, sin mirar hacia atrás.

Minutos después el navío empezó a alejarse y, desde el borde, él la vio saludando, sola en el muelle, en medio de la niebla. Y de repente fue como si ella repitiera un gesto muy antiguo, realizado hacía mucho tiempo, un ademán triste que le cortaba el alma. ¿Cuándo se habían despedido así?

Necesito un trago, él pensó, sintiendo el alma pesada. Y se dirigió hacia la cabina.

Él no quería pensar en eso, pero sabía: era solamente el principio de un largo y difícil viaje.

.

.

CAPÍTULO 1

.

Luca se despertó asustado. Había soñado con un abismo, inmenso y oscuro, bien adelante de sí, un abismo terrificante… Se frotó los ojos y soltó un bostezo largo mientras estiraba las piernas abajo del asiento en frente. Miró por la ventanilla del ómnibus y vio el paisaje pasando, la vegetación cercana, las casitas simples al margen de la ruta, una sierra más adelante… Felizmente no había abismos por allí, pensó él, aliviado.

Un poco más y estaría en Pipa, la famosa playa en la costa sur de Río Grande del Norte. Hacía seis meses, desde cuando había acordado el descanso con la gráfica, que soñaba con aquél viaje. Ahora todo lo que haría por los cuatro días a continuación, hasta el domingo, sería descansar la cabeza y olvidarse de los problemas en Fortaleza. Solo. Sin reloj, sin móvil y sin Internet.

En realidad había llevado el teléfono, sí. Con acceso a Internet. Pero, como él mismo se había prometido, era solamente para verificar si alguna muchacha le había dejado un mensaje urgente, nada más. Y también para ver si un amigo había depositado en su cuenta el dinero que le debía. Ah, y también para acompañar la venta de entradas para el próximo show de la Bluz Neón, su banda, eso era muy importante. Pequeños cuidados, solamente eso, para que la vida no saliera del control.

Por el reflejo de la ventana pudo ver su cara, el cabello revuelto, la expresión somnolienta… Vio la cicatriz en la mejilla derecha, se acordó del accidente, el paseo en balsa, la cara golpeándose fuerte en el mástil, aún era adolescente. Todo porque quería impresionar a una chica. Amar era de hecho un peligro.

Al fin de la tarde, pocos kilómetros antes de Pipa, el ómnibus pasó por una ciudadela y, desde el tope de la ladera, a Luca le gustó lo que vio. A su izquierda, allá abajo, se desparramaba una gran laguna, que más adelante se transformaba en río y corría suave hacia el mar. Además de la laguna, por sobre la copa de los árboles, el sol bajaba despacito, salpicando el agua con reflejos que se mezclaban a las toninas que saltaban.

Encantado con el paisaje, Luca sintió su mirada cautivada por aquella belleza poética, casi musical…

– ¿Qué ciudad es ésta? – le preguntó a la señora del asiento contiguo.

– Tibau del Sur. Es una antigua villa de pescadores.

Luca recordó lo que sus amigos decían sobre Pipa, las  playas hermosas, las posadas, la movida de los bares, gente de todo el mundo. Y así y todo, aquel paisaje…

Se levantó de la poltrona, fue hasta la cabina del conductor y le pidió que parara. Había cambiado de idea. Se quedaría en Tibau del Sur.

Con la mochila a espaldas y la guitarra bajo el brazo, él caminó de vuelta por la ruta y, a la entrada de la ciudad, siguió rumbo al mar, hasta el borde de la ladera, donde había un pequeño bar de estilo rústico. Eligió una mesa bajo el quinchado, pidió una medida de aguardiente y se sentó, deleitándose con la brisa marina y el olor del mar. Había un barco anclado y una bandada de gaviotas jugueteaba en el cielo. La luz del fin de tarde bañaba al paisaje de una atmósfera medio onírica y de sopetón se sintió afuera del tiempo, todo a su alrededor flotando como un pedazo de tierra que se suelta del continente de la realidad…

Fue en ese momento, como un anhelo, que la canción quiso salir. No solo quería, ella necesitaba salir. Rápidamente, el agarró la guitarra y… la música no salió. Intentó varios acordes pero ninguno de ellos consiguió exprimir debidamente al alma de aquel instante. En otro momento tal vez, él pensó, un poco frustrado, dejando a un lado la guitarra. Y se volcó de un trago la bebida.  

*     *     *

Ya era de noche cuando Luca llegó al camping, un pequeño espacio arbolado cercano al río que la dueña del terreno, doña Zezé, una señora desquitada, alquilaba a campistas. Al lado estaban su casa, una pequeña posada y el restaurante, todo muy simple. Como no estaban en alta estación y tampoco era feriado, la posada estaba vacía y en el camping había solamente una carpa azul y ninguna más.

– Abajo de aquel mango es un lugar bueno para que te quedes, hace mucha sombra – le sugirió doña Zezé. – ¿Pero  antes no quieres comer algo? Te ves muy flaco.

– Yo vendré después, gracias.

En pocos minutos Luca armó la carpa y se cambió de ropa. Pocos pasos hacia el norte y estaría al borde de la ladera, el río a algunos metros allá abajo esperándolo para una zambullida. Mejor imposible. Pero la zambullida quedaría para el día siguiente, estaba muy cansado.

En el restaurante comió un sándwich con una gaseosa, charló un poco más con doña Zezé y conoció a sus dos hijos adolescentes, que vivían con ella y la ayudaban a administrar el negocio. Después volvió a la carpa y se acostó. Pero el  sueño no llegó rápidamente como él quería. La simplicidad y la belleza de aquel lugar, en vez de calmarlo, de repente le trajeron muchos pensamientos…

¿Por qué la vida no era más fácil de ser vivida?, él se indagó. En vez de eso, era necesario estar siempre atento para que la vida no escapara al control, siempre al acecho para que la mano traicionera del destino no se metiera en sus oportunidades de ser feliz. ¿Por qué?

Un continuado y angustioso esfuerzo de establecerse y ahorrar dinero – era a eso que se había resumido su vida. Cuando tenía dieciocho años y cursaba la facultad de Administración, se imaginaba que en seguida estaría en una situación tranquila, sen apremios económicos. Pero el futuro resultó distinto. Después de emplearse en una gráfica, abandonó la facultad y pasó a dedicarse más a la guitarra, un antiguo placer de la adolescencia. Tenía ahora veintiocho años y todo seguía difícil y trabado.

Dos años antes aún vivía con la madre, doña Gloria, y la hermana Celina, que era novia del baterista de su banda. El padre había fallecido cuando ellos eran bien chicos y la madre no se había casado otra vez. Ahora el empleo de gerente en la gráfica le aseguraba el alquiler de la kitchenette, en la cual vivía solo. Media docena de conciertos por mes lo ayudaban a mantener a duras penas el viejo volkswagen, a comprar comida, pagar las cuentas, tomar unos whiskys y listo, solamente eso. Los gastos eran medidos y contados y recontados en los más menudos detalles, un aprieto permanente. Doña Gloria ya se había dado por vencida en cuanto a aconsejar al hijo que intentara carrera pública y que se casara. Ser gerente de gráfica, decía él, era la máxima concesión que podía hacer. Y en cuanto al casamiento…

– No me cabe, mamá. El amor descontrola mucho a la vida de uno.

Se sentía muy cansado. La sensación era de que, a pesar de todos los esfuerzos de los últimos años, seguía andando en círculos, girando sobre el mismo punto, siempre girando, siempre…

Miró a la guitarra recostada al lado. Por lo menos había la música. Y la banda. Dos años antes había conocido a Junior Rível, que lo invitó a cantar en la banda que estaba armando. Inseguro, dudó en aceptar.

– No tienes en qué pensar, ciudadano – insistió Junior. – Mucho show, mucho whisky. ¡Y mucha mujer!

Argumento irresistible.

– Aceptado – respondió Luca, apretándole la mano al nuevo amigo. – Fiesta es lo que nos queda en esta vida.

– Opa. Eso puede resultar un blues.

Nacía así la amistad entre Luca y Junior Rível. Y nacía también la Bluz Neón. Fiesta es lo que nos queda – era el lema de la banda. Blues, rock e irreverencia en la noche de Fortaleza. Los caches eran parcos y muchas veces se presentaban gratis, pero el placer de tocar lo compensaba todo. Y para Luca, la Bluz Neón era el refugio perfecto, dónde podía esconderse de la claridad traicionera de los días. De noche él estaba salvado, todo bajo perfecto control. La noche sí, era segura, con sus bares, whiskys y amores bajo control.  Era como un sueño lindo. El único defecto era que al otro día él siempre tenía que despertarse.

Tus ojos se prenden en los neons
Es el frisson de bar en bar
Es necesario ser feliz, es urgente
Un romance caliente
Antes que el día nos recuerde
Que el sueño no resiste a la luz solar

*     *     *

Al día siguiente Luca se levantó tarde, sintiéndose todavía muy cansado. Había demorado bastante en adormecerse, envuelto en sus mil pensamientos. ¿Será que ni siquiera allí, en aquel paraíso, conseguiría relajarse de verdad?

Hacía una mañana de sol claro en Tibau del Sur. Luca se puso los lentes de sombra, salió de la carpa y fue hasta el restaurante de la posada a desayunar. Más tarde, después de un demorado baño en el río, él volvió al camping. Se sentía más bien dispuesto. ¿Cuál había sido la última vez en que se había sumergido en un río? Ni se acordaba. Pero necesitaba hacer aquello más veces.

Después de cambiarse de ropa, rumbeó hacia el restaurante para almorzar. Fue en ese momento que ella surgió.

– Hola…

Él se dio vuelta y vio a una muchacha. Era linda y parecía tener la misma edad que él. Usaba short jeans, camiseta y sandalias.

– Hola – él respondió, simpático.

– Soy tu vecina de carpa. Isadora.

– Un gusto. Luca.

– Luca… – ella repitió, probando el nombre en su boca. – Luca…

Ella se rió, manteniendo la mirada en él. Estás tan diferente…, pensó, notando su cuerpo flaco, el cabello despeinado, la cicatriz en la mejilla…

– ¿Estás solo?

– Ahora no estoy más.

– ¡Qué bueno! ¿Ya has almorzado?

– No. ¿Mi vecina me daría el gusto? – Él jugó a hacer un galanteo, como si se sacara un sombrero de la cabeza.

– Hummm… ¿Cómo rechazar?

En el restaurante, él sugirió un guisado de pescado y ella aceptó. Luca se dio cuenta de que ella tenía hermosos ojos color de miel. Notó también que ella lo miraba de manera rara y se sintió molesto. La cerveza llegó y él sugirió un brindis:

– A los encuentros.

– Encuentros, no – ella corrigió. – Reencuentros.

¿Reencuentros? Él no entendió, pero lo dejó así. Y tomó. Ella quiso saber de dónde él era y él respondió que vivía en Fortaleza.

– Fortaleza… Un día la conoceré. ¿Y vos, qué haces?

– Trabajo en una gráfica, pero mi tema es la música. Tengo una banda, la Bluz Neón.

– ¿Qué tocan ustedes?

– Blues, rock y lo que venga fútbol club.

– Debe estar bien bueno. Yo soy de San Pablo. ¿Conoces?

– No. Pero vos no tienes mucho acento.

– Es que he vivido en varios lugares cuando era chica. Tomé gusto por el viaje. ¿Me siento ciudadana del mundo, sabes?

– ¿No tienes miedo de viajar sola?

– Claro que no.

– Si necesitas, hay un cyber a la entrada de la ciudad.

– Ah, no, nada de computadora en este viaje. No traje ni siquiera el móvil.

– ¿En serio? ¿Por qué?

– Digamos que yo… necesito conectarme más conmigo misma.

– Entiendo – él respondió, sin estar seguro si realmente entendía. ¿Cómo alguien podía viajar sin llevar el teléfono móvil? – ¿Y que haces vos en San Pablo?

– Trabajaba en un banco. Pero pedí el despido para poder hacer este viaje. Hace un mes que viajo por la costa nordestina.

Bonita e interesante, Luca pensó, mientras tomaba un trago largo de cerveza. ¿Pero por qué lo miraba de aquella manera rara?

– ¿Te puedo preguntar algo, Isadora?

– Claro.

– ¿Por qué me miras así?

– Ahn… es que vos… vos me recuerdas a alguien.

– ¿Quién?

Ella giró el vaso entre los dedos, nerviosa.

– ¿Y vos, no tienes la impresión de que también me conoces?

– ¿Por qué? ¿Nosotros nos conocemos?

Ella se sonrió y otra vez no respondió. A Luca le pareció mejor no insistir, tal vez él la hiciera recordar a alguien que ella no quería recordar, sí, tal vez fuera eso.

– Nuestro guisado de pescado ha llegado – él avisó, indicando al chico que se acercaba con la bandeja.

Se sirvieron y comieron. Luca pidió otra cerveza, entusiasmado. Segundo día y un almuerzo con una hermosura de aquél nivel… Nada mal. Cervecita, carpas vecinas… Nada mal realmente.

– ¿Vos por casualidad ya has vivido en España, Luca?

– No. ¿Por qué?

– ¿Estás seguro?

– Claro. ¿Pero por qué? ¿Vos has vivido allá?

Y de nuevo ella no respondió. En vez de eso, se sonrió desconcertada y miró hacia afuera del restaurante. Él seguía intrigado. Ella lo confundía con el otro, debía ser eso. Pero que ella estaba era un encanto, eso sabía.

– ¿Y de aquí hacia adónde vas vos, Isadora?

– Por ahí. Sin planes.

– ¿Sin planes? Caramba, vos debes ser una persona bastante optimista.

– Pero claro. Al fin todo siempre resulta bien.

– Admiro esa tu confianza en la vida.

– ¿Y por qué yo tendría que desconfiar de ella?

– Por el simple hecho de que si no planificas y tomas precauciones, las cosas salen del control. ¿No te parece?

Ella se rió como si él hubiera contado un buen chiste y respondió:

– ¿Vos sabes cuándo empezamos a tener control sobre las cosas?

– No. Pero es el tipo de cosa que me gustaría muchísimo saber.

– Es cuando abdicamos de tener control sobre ellas.

Luca pensó un poco, tratando de comprender. Pero se dio por vencido.

– No entendí.

– Bueno… ¿Si no hay un intento de controlar, cómo las cosas van a salir del control?

– Ah… – Luca se rió, creyendo que era una broma. Pero en seguida se dio cuenta de que no era.

– ¿Hablas en serio?

– Claro que sí.

Lógica perfecta…, él pensó. Pero demasiado absurda para tomársela en serio. ¿Tus cosas, por ejemplo, de qué manera se arreglarían por sí mismas? El trabajo, la banda, el alquiler del departamento, el mantenimiento del coche… ¿Y los rollos amorosos? ¿Cómo todo eso se resolvería por sí mismo? No, definitivamente no era posible. La vida era un gran tropel y se necesitaba domarla todo el tiempo. Lo que Isadora proponía no era más que un simple romanticismo. Asimismo tenía que admitir que, viniendo de ella, aquellos absurdos en cierta medida tenían algún encanto…

Después del almuerzo tomaron un ómnibus y siguieron hacia Pipa, donde pasearon, conocieron las posadas y las pequeñas heladerías en la placilla. Isadora contó de las playas que conoció en aquellos días, cuanto se sentía en casa en todos los lugares y como se acercaba más de sí misma así, suelta por el mundo.

– ¿Y vos, Luca? ¿Te gusta viajar también?

– Me gusta. Pero no así como a vos.

– ¿Tienes miedo de perderte?

– Creo que me gusta más la seguridad de mi ciudad. Allá yo sé moverme bien.

– Entendí. ¿Y esa cicatriz ahí?

– Recuerdito de un paseo en balsa. Hicimos un blues para ella. ¿Quieres escucharlo?

Ella respondió que sí y él cantó:

Amar es un peligro
Solo yo sé lo que pasé
En ese abismo me dio vértigo
Y la angustia no se deshizo
No quiero el dolor de un bis más
Después solo queda la cicatriz
Solo no me pidas, baby
No me pidas que te ame

– ¿Has tenido un desencanto amoroso muy fuerte? – ella quiso saber.

– Tuve. Pero ya hace tiempo.

– Aún esos sufrimientos tienen su aspecto positivo.

– Evidente que lo tienen. Después de eso quedé vacunado.

– ¿Cómo así? ¿No quieres más amar otra vez?

– Prefiero no arriesgarme. Amar es un peligro.

– ¡Verdad! – Ella se rió. – El mejor peligro del mundo.

Luca se rió también. Pero no estaba de acuerdo, está claro.

*     *     *

Llegando al camping, de vuelta a Tibau del Sur, Luca le preguntó a Isadora si le gustaría tomar algo, él tenía un vino en la carpa, la noche estaba agradable…

– Necesito decirte algo, Luca.

– ¿Qué?

– Yo he soñado con vos.

– ¿Conmigo? ¿Cuándo?

– Hace seis meses.

– Pero nosotros ni siquiera nos conocíamos…

– Eras tú.

– ¿En serio? ¿Era yo mismo, así como me ves ahora?

– No, tu imagen no era muy nítida. Pero eras vos.

– No entiendo. ¿Cómo puede ser una cosa así?

– Misterios de la vida. ¿Y vos?

– ¿Yo, qué?

– ¿Nunca has soñado conmigo?

Me encantaría decirte que sí, hermosa… – él casi respondió.

– No.

Isadora se sonrió avergonzada, desengañada.

– En el sueño que yo tuve, vos me pedías que nos encontráramos en esta playa.

– ¿Estás realmente hablando en serio?

– Sí. Yo me acordé de todo cuando me desperté, solamente no sabía cual era la playa. Pero sabía que quedaba en esta zona. Y que había un río. Entonces, la semana pasada, cuando llegué a Tibau del Sur, sentí que sería acá que te encontraría.

¿Qué significaba aquello?, pensó Luca, rascándose la cicatriz en la mejilla, cada vez más intrigado. ¿Sería un piropo? Si fuera, entonces era bastante original.

– Me has dicho una cosa más en el sueño.

– ¿Qué?

– Que necesitaba ayudarte.

– ¿Ayudarme a qué?

– A saltar en el abismo.

– ¡¿Qué abismo?!

– No lo sé. Fuiste vos el que me lo dijo. Entonces acá estoy.

– Te juro que no sé de ningún abismo – él respondió. Y de repente se acordó… recordó vagamente un sueño… Había soñado con un abismo aquellos días. Sí, un abismo… oscuro… amenazador…

Coincidencia, él pensó, librándose del recuerdo incómodo. Solamente coincidencia.

– ¿Realmente no sabes? – ella preguntó de nuevo.

– Y aunque supiera, quiero distancia de abismos. No me gustan.

Él se quemaba las neuronas, buscando entender todo aquello… Ella debía estar jorobando, debía ser eso, una joda. O entonces era desquiciada. ¿Sería loca?

– Si vos realmente has venido de tan lejos debido a un sueño… ¿Entonces qué pasaría si yo no apareciera?

– Bueno… De hecho yo no quise pensar mucho en eso.

– Creo que deberías haber pensado.

– Y vos deberías haberte acordado de mí.

Él notó algún enojo en el tono de la frase. Isadora miraba hacia el cielo estrellado y retorcía las manos, impaciente.

– Disculpa, Luca, no quise ser grosera – ella dijo, dándose vuelta hacia él. – Es que yo… estoy confundida. Yo creía que vos… que vos también te acordarías.

– Fue solo un sueño, una coincidencia.

– No es puede haber sido solo eso – ella respondió, casi interrumpiéndolo. Y prosiguió susurrando, más para sí misma que para él: – No puede ser.

Luca se sentía medio perdido, sin saber qué deducir de todo aquello. ¿Cómo alguien podía soñar con una persona que no conoce y salir por ahí en búsqueda de ella, sin cualquier garantía de encontrarla? Eso era tan absurdo, tan inconcebible… Ella no podía estar hablando en serio. Pero tampoco parecía estar jugando. Había una sola explicación: era loca. Y con locos no se podía argumentar.

– ¿Escucha, por qué nosotros no nos olvidamos de ese tema y tomamos un vino? Te gusta…

– ¿Vos crees en vidas pasadas, Luca? – ella lo interrumpió.

– ¿Vidas pasadas? ¿Por qué?

– ¿Crees o no?

Él pensó rápido. No creía, evidente, imposible creer en esas bobadas. ¿Pero y si el éxito de la noche estuviera en manos de una buena respuesta?

– Depende.

– ¿De qué?

– Depende del día.

– Está bien. ¿Y cómo será tu día mañana?

– Mañana… Creo que es un buen día para creérselo todo.

– Bárbaro. Porque tengo una historia bien loca para contarte.

– ¿Por qué no me la cuentas hoy?

– Porque… – Ella pensó un poco. – Porque soy yo la que no está en un buen día para creer en todo.

Mientras él buscaba algo para decir, ella abrió la carpa y entró.

– Buenas noches, Luca.

.

.

CAPÍTULO 2

.

Desde el restaurant, mientras desayunaba, Luca observaba el camping al lado. La carpa azul estaba allá, en el mismo lugar, a algunos metros de la suya. Pero Isadora no estaba. Muchacha interesante…, pensó él. Interesante pero desafortunadamente loca. Aquellas ideas de llevarse la vida sin planes… ¿Entonces ella estaba allí porque había soñado con un tipo que no conocía y que debía encontrarlo en una playa en el Noreste? ¿Y el tipo era él? ¿Y aquella historia de saltar en el abismo? No. Era mucha locura.

Después del desayuno Luca tomó el sendero, rumbeando hacia el este, en dirección al mar. Cuando llegó a la ladera, el sol ya iba alto en el cielo, la pelota de fuego sobre el horizonte imponiéndose lentamente día adentro. Mientras admiraba el paisaje, él no pudo evitar compararse a él: la Naturaleza no hacía ninguna fuerza para ser lo que era, al paso que su vida era lo opuesto…

De repente los gritos de unos niños lo despertaron de sus devaneos. Ellos se divertían en el mar, surfeando en las olas con sus propios cuerpos. Luca quedó mirándolos, admirado de sus habilidades, los cuerpos vueltos tablas, desplazándose firmes en el agua. Se levantó y bajó la ladera, dispuesto a también divertirse con el mar. Cuando llegó, notó que las olas eran más grandes de lo que se imaginaba, pero aún así entró, eligiendo quedarse un poco alejado de los niños para no estorbarlos.

En la primer ola que se elevó adelante de él, le faltó valentía y él se zambulló para huir, casi siendo arrastrado por el reflujo. Se dio por vencido también en la segunda, con miedo. En la tercera, lo mismo. Empezó a considerarse ridículo.

Cuando la ola siguiente surgió, juró a sí mismo que no se daría por vencido y esperó su llegada. Ella vino y, cuando llegó, él se dejó levantar. La ola ganó más fuerza y de repente rompió. Al instante siguiente él se vio suelto en el aire y la inmensa masa de agua cayendo por encima de él. Luca perdió totalmente el control sobre el propio cuerpo y, sumergido, pasó a girar y girar, como un muñeco descoyuntado. En dado momento se golpeó la cabeza en la arena y quedó tan aturdido que ni siquiera sabía para que lado estaba el cielo.

De repente, cuando ya estaba agotado y respirando agua, todo se quedó silencioso y sin dolor. Parecía que no estaba más en el agua. Parecía estar fuera del tiempo. Entonces ella surgió exactamente adelante de él… una mujer de vestido blanco… Era linda, y lo miraba silenciosa y comprensiva. Supo instantáneamente que la conocía desde hacía mucho tiempo antes, tanto tiempo que sería inútil tratar de recordar. Ella le extendió la mano y él comprendió que si la aceptara, todo el sufrimiento se disiparía como una pesadilla de la cual uno se despierta. Todo lo que necesitaba era afirmar su mano, solamente eso…

Entonces sintió que lo agarraban por los cabellos. Se dio cuenta de que lo tironeaban hacia la superficie. Por un segundo pensó en protestar, en pedir para quedarse allí abajo, pero no tuvo fuerzas. Los niños lo llevaron hasta la arena, donde vomitó y de a poco mejoró. Ellos explicaron que él no debería zambullirse solo, que aquellas olas eran muy peligrosas. Luca les agradeció y se quedó allí, sentado en la arena, mientras los niños volvieron al mar y siguieron desafiando con naturalidad a las olas enormes. ¿Cómo conseguían controlarlas?

Cuando llegó al camping fue que realmente se dio cuenta de que casi había muerto, que mierda. Estaba vivo por un pelo. Entró en la carpa y se sentó, asustado, aún envuelto por las sensaciones. Se acordó de la alucinación, la mujer de blanco – ¿por qué ella le caía tan familiar? Y recordó también que, por un rápido instante, tuvo en sus manos la decisión de lo que pasaría, que podría intentar el último esfuerzo para salvarse o podría aceptar a la muerte.

No tuvo tiempo de decidirse. Pero… ¿y si realmente hubiera tenido la oportunidad de optar? ¿Seguiría luchando, debatiéndose y sufriendo hasta el último instante o se dejaría llevar, tranquilamente, para lejos del sufrimiento, junto con la mujer de blanco?

Se levantó, tratando de alejar la incomodidad que sentía. No le gustaban aquellas cosas, la muerte, el más allá… Mejor no contarle a nadie y olvidarse del tema. Entonces armó la reposera y agarró la guitarra. Un poco de música para ahuyentar al más allá.

*     *     *

Una luna menguante subía en el cielo de Tibau del Sur junto con las primeras estrellas. En frente a la carpa azul, una pequeña hoguera crepitaba, manteniendo alejado al frío de la noche. Sobre un mantel, Isadora arreglaba un plato con queso.

– Hace siglos que no hago un picnic – dijo Luca, llegando con el vino.

– Aprovecha que estás parado y guarda este libro, por favor.

– I Ching, el libro de las mutaciones… – él dijo, tomando el libro de sus manos y poniéndolo adentro de la carpa. – Ya he oído hablar.

– Es el oráculo del Taoísmo – ella respondió. – Funciona como un instrumento para que uno pueda investigar con la psicología, para captar los movimientos internos y armonizarlos con los del mundo.

– Muy místico para mi gusto.

– Uno se concentra en una indagación, mueve las varillas o las monedas, apunta los resultados y al fin lee el mensaje. Pero el objetivo de todo taoísta es un día no necesitar más un oráculo para conseguir captar los movimientos.

– Y para el que no cree, como yo, ¿funciona?

– Siempre funciona. Pero quizás vos no captes la esencia del mensaje.

Luca abrió el vino y lo sirvió.

– ¿A qué brindaremos? – él preguntó.

– A los movimientos que nos trajeron hasta esta hoguera.

– Bien.

Tocaron los vasos y tomaron. Él notó como ella estaba linda bajo la luz oscilante de la hoguera.

– ¿Y la historia que has dicho que me contarías?

Ella lo miró seria. En sus ojos Luca pudo ver el reflejo inquieto del fuego, la danza colorida de las llamaradas… En ese momento tuvo una sensación rara, un principio de vértigo. Se sintió tironeado hacia adentro de otro estado de ser, más liviano, más lejano…

– Hace dos años empecé a tener un sueño recurrente – ella empezó. – Era siempre el mismo lugar, en España, un pueblito chico… Parecía fin de la Edad Media, siglo dieciséis, por ahí. En el sueño había un niño jugando, pero yo nunca veía sus ojos. Ese sueño se repitió a lo largo de meses. Hice hipnosis con una terapeuta y las imágenes vinieron más fuertes. Ahí pude ver los ojos de la niña. Y me vi en ellos. Y me di cuenta de que aquella niña era yo.

– Mira que interesante – comentó Luca, tratando de no trasparecer su incredulidad con relación a aquellos temas.

– Vi varios hechos de la vida de esa niña pasando frente a mí, como en una película. No solo vi, yo viví. O mejor, reviví, sintiendo las sensaciones de la niña. No me acordé de todo, pero recordé muchas cosas de esa vida.

– ¿Cómo era la niña?

– Ella se llamaba Catarina. Era una adolescente pobre cuando se casó con un alemán y fue a vivir con él en Alemania. Él era un hombre rico y ella aprendió a ser una dama. Ella tenía todo para tener una vida tranquila y  cómoda, pero un día conoció a un misionero portugués y se enamoró perdidamente… Enrique era su nombre. Era jesuita y conocía a personas importantes, viajaba por muchos países, sabía otros idiomas. Y era medio brujo.

– ¿Cómo así?

– Pertenecía a un orden secreto, esas cosas. Usaba los sueños para saber lo que pasaba en la Corte, las tramas políticas de la Iglesia, entraba en el sueño de los demás… Él visitaba a Catarina en los sueños y juntos vivían experiencias en otros planes de la realidad, una cosa bien loca. Un día ella se escapó con Enrique. Pero algo resultó mal en la fuga y él desapareció.

– ¿Se murió?

– No sé. Porque en realidad Catarina nunca supo. Pero es una curiosidad que yo tengo. Es probable que haya sido preso o algo por el estilo. Catarina buscó por él durante años, de ciudad en ciudad, pero no lo encontró. Ni en los sueños él apareció más.

– Debe haber conseguido a otra.

– No. Él la amaba muchísimo.

– Esa cosa de amar demasiado nunca termina bien. ¿Pero y después?

– Ella… Bueno, ella enloqueció.

– ¿Se enloqueció? ¿De verdad?

Isadora demoró en responder. Luca notó que ella estaba emocionada.

– Sí, se volvió loca, de verdad. La falta de Enrique la consumió hasta el fin de la vida. Y ella falleció así, buscándolo.

Durante algún tiempo nadie dijo nada, y el silencio que se formó era como una sombra entre ellos. Luca tuvo ganas de preguntarle qué interés ella tenía en contarle aquella historia, pero sentía que no debía hacerlo, que era mejor quedarse quieto. En vez de eso, preguntó:

– ¿Vos realmente has recordado todo eso?

– Es más que recordar, Luca. Yo lo he vivido de nuevo.

– ¿Y vos crees has sido de hecho esa Catarina?

– Yo no creo. Yo he sido.

 Isadora miró hacia la hoguera. Cogió algunas piedritas y las arrojó a las llamas.

– ¿Y vos, Luca? ¿Esa historia no te dice nada?

– No creo en reencarnación.

– ¿Y el brujo portugués?

– ¿Qué pasa con él?

Ella siguió tirando piedritas a la hoguera. Luca abrió la boca para repetir la pregunta cuando se le ocurrió otra idea.

– Esperá. ¿Vos no estás creyendo que yo soy ese Enrique, no?

Ella no respondió.

– ¿En aquel sueño tuyo, yo he dicho eso, que fui Enrique?

– No. Pero yo lo reconocí a Enrique en vos. – Ella dio vuelta la cara, mirándolo tranquilamente a los ojos.

Luca se rió, avergonzado.

– Fue después de ese sueño que decidí abandonarlo todo. Y me vine en búsqueda de vos.

Él simplemente no sabía qué decir.

– Solo sé que hay algo que está equivocado… – ella dijo, esforzándose por sonreír. – Tendrías que acordarte también.

Él respiró hondo, tratando de organizar las ideas. ¿Entonces aquella mujer había abandonado todo para encontrar a alguien de otro tiempo, de otra vida, que ella ahora buscaba en ésta vida, viajando por las playas del Noreste? ¿Y ella creía que él era ese tal alguien? Finalmente estaba explicada la conducta rara della, las insinuaciones… Pero aquello era una locura, una completa locura. Y era como una niebla que lo abarcaba…

– Isadora, tengo una sugerencia – él dijo de repente. Necesitaba alejarse de aquel tema – ¿Vamos a escuchar música? Yo traje la guitarra.

Ella hizo un ademán asintiendo con la cabeza. Él se levantó, avisó que antes iría hasta el baño y salió, rumbeando hacia el restaurante. Cuando volvió, Isadora no estaba más allá. Él miró hacia la carpa azul cerrada y suspiró, desanimado.

*     *     *

Luca abrió un ojo, después el otro y finalmente los dos juntos. Todavía estaba oscuro y hacía un poco de frío. Se acomodó bajo la sábana, recordando la noche anterior, las locuras de Isadora, su tal vida en España, Catarina, el brujo portugués… La insania tenía ojos color de miel.

De sopetón, escuchó su nombre. La voz de Isadora. Se levantó y, envuelto en la sábana, abrió la carpa. Ahora ya era de día y llovía finito.

– Servicio de despertador para el señor Luca de Luz Neón. Mediodía.

Isadora se sonreía adelante de él. Estaba aún más bella…

– ¿Mediodía? Caramba, dormí demasiado.

– Ven.

– ¿Para adónde?

– A pasear.

– ¿Con esa lluvia ahí?

– Claro. ¿Hace cuánto tiempo que vos no juegas en la lluvia?

Él se frotó los ojos, pensando en la capacidad que ella tenía de decir ciertas cosas como si fueran las más simples y lógicas del mundo.

Minutos después seguían caminando lado a lado por la pequeña ruta de arena. La lluvia caía liviana, formando charcos y desparramando por el aire una frescura relajante. En poco tiempo estaban empapados.

– Si yo llego engripado a la gráfica va a ser una cagada.

– Olvídate solo por un momento de que te puedes enfermar.

– Y yo no he comido nada aún. Me parece mejor…

Pero ella ya salía corriendo adelante de él. Luca apuró el paso, descoyuntado, el agua resbalando por la cara. Isadora ya había desaparecido en la curva. Él empezó a correr y una chancleta se le atascó en el charco de barro.

– ¡Isadora, espérame!

Entonces, de repente, él se acordó de un día… hacía mucho tiempo… una noche… Y paró de correr, tomado por la inquietante sensación de ya haber vivido aquel momento antes, en algún tiempo lejano, ¿cuándo? Un déjà vu. Isadora desapareciendo en la lluvia, desapareciendo… las gotas en los ojos, un trueno haciendo eco… él allí estancado, jadeando, ella desapareciendo, él gritando su nombre… ¿Dónde había vivido aquella misma escena, y cuándo, en qué imposible tiempo?

Siguió allí, parado bajo la lluvia, absorbido por la misteriosa sensación. Pero fue por poco tiempo, pues en seguida lo dominó un angustioso presentimiento de que si no corriera, aquella mujer desaparecería de su vida una vez más.

¿Una vez más?

*     *     *

Aún caía un resto de lluvia cuando la noche bajó en Tibau del Sur. En el restaurante de la posada, Luca e Isadora tomaban un caldo de pescado, él saboreando cada pedazo de aquel delicioso momento: el gusto del caldo, la lluvia, la musiquita en la radio… Luca sentía la cabeza flotando liviana y los pensamientos vagando sin criterios. Por primera vez en aquel viaje se sentía verdaderamente relajado. Los problemas que lo esperaban en Fortaleza ahora pertenecían a una realidad lejana, y la realidad en la cual estaba en aquel momento era hecha de cosas tan simples…

Él miró a Isadora a su frente, entretenida en su plato, y se admiró de como ella combinaba con el momento, la lluvia que caía allá afuera, la simplicidad del lugar… Isadora parecía vivir en otro nivel de penetración de las cosas, que él no alcanzaba. Ella percibía la esencia de las cosas con naturalidad, mientras él necesitaba muchísimo esfuerzo para… ser simple.

¿Qué hora era? Quizás algo entre seis y siete, él calculó mentalmente. U ocho y nueve. Podría preguntar, pero no, no quería saber del tiempo, el tiempo ya no importaba, estar con Isadora era como estar fuera de él.

Ella lo había arrancado de su sueño y lo había llevado a conocer las delicias de una tarde lluviosa, un viejo placer olvidado de infancia. Corrieron por la ruta, tomaron aguardiente y miraron la lluvia bajo techos de paja. Se rieron de chistes viejos y comieron choclo asado. Y ahora estaban allí, tomando caldo de pescado. Un día perfecto. Como todos los días deberían ser.

– Disculpa por ayer, Luca. No quería que te quedaras molesto con aquella historia que te conté.

– ¿Vos realmente has soñado conmigo? – él preguntó, dividido entre la curiosidad y el temor de retomar aquellos temas.

– ¿Podemos hablar de otra cosa?

– Claro que sí.

Él se sintió aliviado. De hecho era mejor no hablar de aquello. Había algo allí que lo molestaba bastante, algo que él no sabía precisar.

– Entonces hablame sobre el Taoísmo, he quedado curioso. ¿Es una religión antigua, no?

– Tiene unos cinco mil años. Está el lado religioso, pero prefiero el filosófico.

– ¿Y cómo es?

– No te lo contaré.

– ¿Por qué?

– Te reirás.

– Te prometo que no me reiré.

– Ah, pensándolo bien, es para reírse mismo.

– No me reiré, te lo juro.

– Filosóficamente hablando, el Taoísmo es un modo intuitivo de entender a la realidad. Un modo que el sujeto occidental, con toda su lógica científica, no consigue entender. Genera un nudo en el pensamiento.

– ¿Cómo sería un modo intuitivo de entender a la realidad?

– Captar los movimientos naturales de la vida para actuar en armonía con ellos. Es eso lo que el Taoísmo enseña.

– ¿Entonces un taoísta es alguien vinculado a la Naturaleza?

– Es alguien conectado con el Tao, o sea, con él mismo y con la Naturaleza, con las verdades simples y naturales. El Tao es la unicidad de todo lo que existe, de lo que vincula a todas las cosas y también enlaza el yo al todo. Si vos te armonizas con el Tao, queda más simple vivir. Aún viviendo en el ritmo loco de la ciudad grande, es posible mantenerse vinculado con la mente de la Naturaleza.

– ¿Mente de la Naturaleza? ¿Vos has fumado algo?

– No – ella respondió, riéndose. – Déjame ver si consigo explicarte. La Naturaleza es la vida, y la vida tiene sus movimientos, sus estaciones. Es esa conexión con lo natural que guía al taoísta por entre todo el caos. ¿Sabes cuando uno se aferra demasiado a una cosa? Eso es antinatural. Porque aquella cosa se transforma todo el tiempo y uno sigue aferrado a algo que no existe más. Lo que no cambia, se pudre. Ese dinamismo también es el Tao.

– ¿El Tao sería un dios?

– El Tao no es una entidad personalizada como los dioses de las religiones. Es algo impersonal, que no tiene voluntad ni tiene moral. El Tao ya es la propia acción de la vida, el flujo natural de la realidad.

– No sé si he entendido.

– Es porque no se puede explicar el Tao. Solo se puede intuirlo.

– Es más, sinceramente, no tengo idea de lo que hay para entender en eso.

– Quien pregunta sobre el Tao no se lo imagina. Y quien responde no lo conoce.

– Estar en armonía con las cosas… Eso me huele a una cierta pasividad, ¿no?

– Al revés. Captar el flujo del Tao es un trabajo interno difícil, una alquimia interior. Pero después que uno consigue, se ajusta a las fuerzas naturales de la vida y se torna uno con todo lo que existe.

– ¿Y si yo quiero ir contra el Tao?

– Vivirás cansado.

Vivir cansado… Luca escuchó el eco de aquellas incómodas palabras.

– Quien es uno con el Tao no necesita hacer nada. Y, aún así… nada deja por hacer.

– Pero eso es contradictorio.

– ¿Yo no te he dicho? Da un nudo en el pensamiento.

– ¿Tao tiene traducción?

– El ideograma chino que corresponde al Tao está hecho de pie más cabeza. El camino, el sentido.

– Para mí está más parecido con “sin pies ni cabeza”… – él dijo y se rió. – Ops, perdón.

– No pasa nada, puedes reírte – ella dijo, riéndose también. – Si no hubieran carcajadas, no sería el Tao.

Él terminó de tomar el caldo y se quedó mirándola, deleitándose con lo que veía: los ojos color de miel, el cabello mojado, la boca bien redonda, los senos insinuándose por abajo de la remera… y loca, deliciosamente loca.

De repente ella levantó la cara y su mirada interceptó la suya. Él se sintió pillado en flagrante en su deseo sexual.

– ¿En qué piensas, Luca de Luz Neón?

– Ahn… nada.

– Yo sé. ¿Quieres que yo te lo cuente?

Él asintió con la cabeza. Ella tomó la última cucharada del caldo, se limpió la boca y dijo, naturalmente:

– En mis pechos.

Él no pudo creer en lo que escuchó.

– Y, si quieres saberlo, a mí me está en-can-tan-do…

De primera, le vino una cara de idiota. Después fueron las manos, apretándose sobre la mesa. Después las bocas, el beso ávido, el impostergable encuentro de las lenguas. Después la cuenta que se pagó con urgencia, gracias, puede quedarse con el cambio, el último trago apurado de cerveza, el camino de vuelta hacia la carpa, corriendo, bajo la lluvia…

Llegaron jadeantes y embarrados. Entraron en la carpa del y se arrodillaron uno frente al otro. Ella suspendió la remera, mostrándole los senos, y susurró:

– Ven.

Él se lanzó sobre los pechos de aquella mujer con todas las manos y bocas y lenguas que poseía, como si fueran mangos maduros y suculentos y él un miserable hambriento.  Ella agarró su cabeza y lo tironeó hacia sí, mientras se arrancaban lo que tuvieran de ropa y rodaban, casi tirando abajo la carpa. Después ella se puso por arriba, apresó sus brazos y lo cabalgó, subiendo y bajando, subiendo y bajando…

Luca cerró los ojos, en éxtasis. Se sentía envuelto por las sensaciones de una forma como nunca antes había sentido. La mirada medio hipnótica de Isadora, la suavidad de la piel, el olor rico, el sonido musical de sus gemidos, el sabor irresistible de su beso… Todo en ella era muy bueno, ¿cómo podía ser tan bueno? Y todo lo abarcaba de tal manera que por primera vez él hacía el sexo sin pensar exactamente en lo que hacía. En vez de racionalizar, simplemente cerró los ojos y se dejó llevar por las sensaciones… la sensación de compartir su cuerpo… la sensación de que algo lo tragaba… en succiones continuadas… ritmadas… lo tragaba…

De repente, la explosión. En un segundo sus pedazos fueron lanzados hacia todos lados en una velocidad impensable, millones de fragmentos expelidos hacia el Cosmos sin fin. Entonces, débil de tanto esfuerzo, sintió que dejaba de existir, lentamente, disminuyendo, apagándose, muriéndose… Para siempre.

*     *     *

Primero un ojo. Después el otro. Luca se movió bajo la sábana, acordándose de Isadora, el paseo en la lluvia, el sexo en la carpa… La relación más loca y más maravillosa de toda su vida.

Entonces miró hacia el costado y no vio a Isadora. Tuvo una corazonada rara. Se levantó rápidamente y salió. Y allá afuera, bajo la luz clara del día, no vio la carpa azul, ni una señal de ella. Se quedó quieto, sin saber qué concluir.  Otra vez sintió el vértigo, una sensación rara de estar resbalándose hacia adentro de un sueño… Por un instante se vio tomado por un miedo terrible de que Isadora jamás hubiera existido.

Se puso los lentes de sombra, corrió hasta el restaurante y allá preguntó por la muchacha de la carpa azul. Ella ya se había ido, respondió uno de los hijos de doña Zezé. Él se sentó, triste por no estar con Isadora, pero aliviado por constatar que ella realmente existía, que todo había ocurrido de verdad. Pidió un café fuerte y se fue a sentar a la entrada del restaurante. Mientras tomaba el café, miró hacia el camping, hacia la carpa azul que no estaba más allá, y de repente la ausencia de Isadora era un inmenso y eterno vacío en su alma. Que rara sensación… ¿Cómo era posible que algo que tres días antes ni siquiera existía pudiera ahora llenar su ser de un vacío sin fin?

Cuando llegó de vuelta a la carpa fue que notó el papel doblado sobre la sábana:

Te he encontrado. Ahora no hay más vuelta. Salta en el abismo.

Una hora después, luego de haber desarmado la carpa y pagar su cuenta, él caminaba por la rutita de arena hacia la calle donde tomaría el ómnibus que lo llevaría hasta Natal, donde tomaría otro ómnibus hacia Fortaleza. En ese instante, una pequeña víbora marrón surgió adelante de él, cruzando lentamente el caminito. Él estancó y retrocedió un paso. No le gustaban las víboras, ellas le recordaban a la muerte, la muerte que casi lo había llevado en el mar de Tibau del Sur. La víbora también paró y por algunos segundos se quedó allí, mirándolo. Y después siguió su camino, desapareciendo adentro del monte. Luca se aseguró de que no había peligro y siguió, imaginándose la pesadilla que sería despertarse de noche con una víbora adentro de la carpa.

– Pero sería mucho peor despertarse adentro de la víbora… – chistó.

En el ómnibus, él leyó el billete por décima vez. Saltar en el abismo. ¿Qué abismo?

.

.

CAPÍTULO 3

.

La agenda de la semana estaba estimulante. El jueves la Bluz Neón haría un show en el Papalegua, un bar famoso en el barrio de la bohemia Playa de Iracema. El viernes sería el cumpleaños de Balu, el tecladista de la banda. Y el sábado la Bluz Neón tocaría en un festival de rock en la playa del Cumbuco, a media hora de la ciudad. Para Luca serían buenas oportunidades de refugiarse bajo la manta generosa de la noche y olvidar que el día lo esperaba al otro lado.

– Tengo el honor de presentar… – Carlito, el dueño del Papalegua, anunció. – Junior en la guitarra eléctrica, Ranieri en el contrabajo, Balu en los teclados, Ninon en la batería, Luca en la voz y en la guitarra.

– ¡Y en el whisky! – gritó alguien desde la platea.

– Con ustedes, nuestra atracción de todos los jueves… ¡Bluz Neón!

Todos en el tablado, Luca cumplió el viejo ritual: volcó una medida de whisky y después saludó al público.

– Buenas noches. Fiesta es lo que nos queda.

Hicieron, como siempre, un show bastante alegre, tocando las músicas propias y algunos clásicos del rock y del blues. Luca rindió homenaje a la Playa de Iracema, habló de sus chicas lindas, de los personajes folclóricos del barrio y de la magia que se desparramaba por las calles como olor de mar. Bajó del tablado y cantó sentado en una mesa de muchachas, tomando en sus vasos. Al fin anunció que estaba a la venta el CD demo, grabado durante un show en Canoa Quebrada. Finalizaron, como siempre lo hacían, con el Ombligo Blues, cuando llamaban al tablado a las muchachas que estuvieran con el ombligo a la muestra y todos bailaban en una divertida mezcla de blues con baião. Fiesta es lo que nos queda.

Después de la presentación, volviendo al camerino, Luca paró frente a la barra y pidió un whisky doble. Tomó un trago y canturreó el rock que estaba componiendo.

En la barra hay un lugar
Para el que no sabe donde ir

En ese momento se acordó de Isadora… Isadora y sus besos, sus pechos, su locura. Aquellas charlas sobre Tao, sueños, abismos, vidas pasadas… Tres días con ella y ahora tres semanas sin idea sobre adonde podría estar. ¿Será que aún la vería otra vez?

– Hola, Luca.

Él se asustó y se dio vuelta, buscando a la dueña de la voz. Y dio de frente con una chica. Tenía el cabello rojo y estaba sentada al lado de la barra. Ella sonreía y decía que era aficionada por la banda, tenía el CD grabado en Canoa Quebrada, ¿será que lo podría autografiar?

Claro que sí, respondió Luca, despidiéndose del recuerdo de Isadora y pidiendo una lapiceraal barman. La muchacha era simpática, él notó, y tenía una facha deliciosa de traviesa. Pero, caramba, debía tener unos dieciséis años, ¿cómo dejaban que aquellas nínfulas entraran allí?

Fiesta es lo que nos queda
Y yo estoy con prisa, baby

Él tomó un trago largo, sintiendo el líquido bajar por la garganta, ah, el bendito ardor, la frontera prohibida de la noche… Aquella era la entrada en el nivel siguiente de la realidad, donde todo podía pasar.

– ¿Te gusta el whisky? – él preguntó.

– Me encaaanta.

Luca tomó un trago más del whisky, tironeó rápidamente a la chica por las caderas y la besó en la boca, pasando despacio la bebida de su boca a la de la muchacha.

– Putaqueloparió… – ella murmuró después, todavía sorprendida. – ¡Fue el beso más embriagador de mi vida!

Una hora después, mientras Angela Ro-Ro cantaba Mares de España en el living del departamento de Luca, la chica prendió un porro mientras él por segunda vez bajaba el volumen del aparato de música.

– ¡Ah, che, tranqui! ¡Fiesta es lo que nos queda! – ella protestó, pasándole el cigarrillo.

– Me parece lo mismo. Pero hay un vecino que no está de acuerdo conmigo.

– Entonces cántame un blues, dale…

– Mira, linda, ya canto demasiado blues en la banda.

– ¡Entonces pondré el CD para que lo escuchemos!

Él pensó en encender un incienso pero no encontró la cajilla. ¿Cómo había conseguido perderla si estaba con ella hacía un minuto? Abrió otra cerveza y se divirtió oyendo a la chica cantar las músicas de la Bluz Neón, sabía todas de memoria, hasta los comentarios de las pausas, increible. ¿La banda no necesita una cantante pelirroja?, ella preguntó. Pelirroja, rubia, morocha…, él respondió, riéndose. ¿Adónde miércoles estaba el incienso? Ella puso a tocar otra vez la primera música y él se fue a sentar en el sillón. Pero erró el cálculo y se cayó en el piso, derramando la cerveza.

– Caramba… creo que la limpiadora ha cambiado el sillón de lugar.

Él se rió del propio chiste y salió bambaleando para agarrar un trapo de piso. A la vuelta se resbaló en la cerveza derramada y casi cayó de nuevo.

– ¿Caramba, qué es eso, un complot?

Después de secar el piso, se sentó en el sillón y le hizo una seña a la chica para que se sentara a su lado. Quiero estar cerca de tu famoso obligo blues, ella dijo. Él se rio y suspendió la camisa, mostrándole el ombligo. Ella se sonrió, pasó la lengua de forma provocadora entre los labios y se fue a arrodillar entre sus piernas.

– Eh, psiu… ¿Cuántos años vos…

– Yo ya te he dicho, Luca.

Ella le besó el ombligo y le hizo cosquillas con el piercing de la lengua. Después abrió el cierre de los pantalones.

– ¿En serio me lo has dicho? Entonces me he olvidado.

– Dieciocho.

– Ah… claro… – Él estiró el brazo en búsqueda de la lata de cerveza pero no la encontró. Definitivamente los objetos estaban de joda con él. – ¿Qué tal dieciséis?

– Está bien, Tribunal de Menores. Diecisiete y medio.

La lata estaba en el piso. ¿Cómo había ido a parar allá? Aquél piercing en su lengua, era raro… Pero era bueno.

– Me parece que no te creo.

Arrodillada entre sus piernas, ella interrumpió los cariños y levantó la cara, medio sonriéndose, medio impaciente. Se puso el cabello detrás de las orejas y lo encaró:

– Última oferta, Luca. Diecisiete. ¿Vas a querer o no?

– Cerrado.

Él tomó otro trago, tendido en el sillón. Y se sintió relajar… El living era una penumbra agradable y la chica estaba otra vez absorta en sus cariños, entre sus piernas, el cabello como una cortina roja adelante de la cara. La verdad, pensándolo bien, no seria mala idea tener unas cantantes en la banda. Pondrían anuncios en el periódico, banda muy cercana al estrellato busca cantantes de la nata, tratar con Luca por la noche… Alejó la cortina roja a un lado y surgió su ojito azulado, sonriéndole. No recordaba que ella tenía ojos azules…  No, mujer en la banda no resultaría bien. Mejor dejar a las muchachas como estaban, en la platea. Y por detrás de las cortinas. Por detrás de las cortinas… de las cortinas…

¡Tchum! De repente se dio cuenta. ¿Adónde estaba? ¿Qué hora era? Estaba muy borracho, que mierda. Por la ventana entraba un poco de la claridad de la calle. Adelante, unas lucecitas verdes… piscando… diciendo que allí había un… aparato de música…

¡En casa! Evidente, estaba en casa. En el living de su departamento, en el sillón, claro. Luca suspiró, ufa, que alivio. Solo un principio de quedar en blanco, todo bien, ya pasó. Mucho trago, estómago vacío. Y aquellas dos allí, arrodilladas en el piso, entre sus piernas…

¡¿Dos?! Él se refregó los ojos, intrigado. Trató de recordar… Una era la pelirrojita del bar, aficionada de la banda. ¿Pero, y la otra? No tenía la menor idea. ¿La vecina de abajo, tal vez? Trató de fijar la mirada pero no la reconoció. Quizás amiga de la pelirrojita. ¿Quién le había abierto la puerta para que entrara?

Finalmente entendió: estaba tan loco que veía todo en duplicado. Y reventó en carcajadas. Sexo con dos mujeres era un deleite, pero no exactamente de aquella forma…

La chica suspendió los cariños y preguntó si él estaba realmente con ganas.

– Espera un poquito, chiquita… – Él se acomodó en el sillón, riéndose de la propia alucinación. – Tu nombre... ¿cómo es?

– Ah, no, Luca. No te lo digo más.

– Bien… yo no quería asustarte pero… hay otra mina ahí a tu lado.

Y volvió a reírse. Aquello era la cosa más graciosa del mundo.

– Es mi hermana melliza. – Ella se sonrió descontenta. – ¿Tú también podés verla?

– ¿Cómo?

– Ella se murió cuando yo era chica. De vez en cuando aparece.

Luca paró de reírse. ¿Hermana melliza? ¿Muerta? ¿Aquello era en serio, de hecho? Miró una vez más hacia las dos mujeres arrodilladas entre sus piernas y se sintió molesto.

– Basta no darle corte que ella se va.

Ah, no. Tener relaciones con espíritus ya era demasiado rock´n´roll.

– Perdón… – él dijo, alejándole la cabeza de su falda. Luego se levantó y se subió los pantalones. – Hoy la cosa está complicada.

Fue a la cocina y abrió la heladera. Todavía había una cerveza, por lo menos eso. Hay días que no están buenos. Debía de hecho haber quedado en el bar con los pibes.

Cuando volvió al living, ellas miraban la ciudad, los cuerpos desnudos recostados a la ventana, displicentes, ambas en la misma posición. Por un instante los admiró, tan bellos e incitadores. Todavía pensó en reconsiderar la decisión… pero no. Pedofilia astral no era joda.

– ¿Puedo dormir acá, Luca?

– Ahn… Mejor las dejo en la casa de ustedes. Vamos.

Media hora después él paró el coche en frente al edificio de las hermanas.

– No es por mal que mi hermana hace eso, Luca.

– Todo bien.

– No sabía que vos eras sensitivo.

– ¿Yo?

– ¿Nos vemos de nuevo?

– Si tu hermana lo permite…

Él esperó que ellas entraran en el edificio y prendió el volkswagen. Y salió, viendo las primeras luces del viernes por encima de la ciudad. Y lamentó. Como siempre, la claridad entrometida del día disipando la magia de la noche.

A las ocho tenía que estar en la gráfica. Daba para dormir una horita. Hermana melliza del más allá… Mejor ni contar, de cualquier forma nadie se lo creería.

*     *     *

‒ ¡Levantate, Grand Tigre! ¡Son las tres!

Una voz femenina… viniendo de lejos…

Luca abrió los ojos despacio, reconociendo el cuarto. De a poco, se sintió conectar con aquella súbita realidad. Sábado… ¿O sería viernes? No, sábado mismo, tres de la tarde… show de noche en la playa del Cumbuco…

– ¡Luz quemada, lavatorio atascado! ¿Y ese espejo roto? ¡Uno se vuelve un monstruo mirándose en él! ¿Por qué no tomas el caché de hoy y arreglas ese cuarto de baño, qué tal?

– Habla más bajo, Sonita, por favor…

Él se tapó la cabeza con la almohada, protegiéndose de aquella tormenta sonora. Que mierda, debía ser prohibido despertar a un ser humano así, principalmente si el ser humano se hubiera ido a dormir al mediodía…

– ¿Has visto a mi otro par de botas por ahí, Gran Tigre?

Se levantó aún grogui, una sed asombrosa rompiéndole la garganta. Fue hasta la cocina para tomar agua pero se acordó de Jim Morrison, despertarse y agarrar en seguida una cerveza, porque el futuro es incierto y el fin estará siempre por cerca…

Mientras Sonita se calzaba sus botas negras con tacos, él se sentó al borde de la cama, dio un buen trago de cerveza y se puso a admirarla. Sonita… Bonita, estaba muy buena, pero era absolutamente disparatada, un caso para llamar a la policía. Cuerpo musculoso de profesora de gimnasia, enviciada en academia y anfetamina, daba clases incluso los domingos. Tenía también otro vicio: el sexo. Con mucho alcohol, escándalos y arañazos. De familia rica, aparecía a menudo en los periódicos como gente de bien, pero le parecía estimulante cazar roqueros melenudos en el submundo alternativo. Cuando él la veía en la platea de los shows de la banda, ya sabía el guión de la noche: se tomarían todas, ella haría hincapié y pagaría todo y después lo llevaría a un cinco estrellas de la rambla donde él le retazaría la ropa, dejándola solamente con las botas negras, y harían el sexo como dos bichos alucinados, en el piso, en la ventana, en la mesada de la cocina, y ella de mañana se iría directamente hacia la academia, sin dormir. O podría ser el guión B: ella tomaría demasiado y resultaría mal, echando a perder la noche.

En la fiesta de cumpleaños de Balu, la noche anterior, ella había aparecido usando un vestidito corto y las famosas botas negras, que siempre usaba cuando estaba mal intencionada. Él piropeaba al pedo con una amiga de Ninon, hasta estaba interesado en la mina… pero, hummm, aquella mirada que él ya sabía, aquellas botas, ¿cómo resistirle?

Una hora después Balu abrió un whisky y sirvió a todos. Después puso a tocar su compilación Blues de Balu Volumen 9 y armó un cigarrillo natural, haciendo con que la fiesta enganchara la quinta marcha. A las siete de la mañana Iana, la novia de Balu, tuvo que golpear a la puerta del baño para avisar a los dos zarpaditos que todos ya se habían ido.

– ¡¿Ah, qué pasa?! – Sonita argumentó desde allá adentro. – ¡Hoy es viernes!

– Ni pensar – Iana discordó, paciente. – Ya es sábado.

La puerta se abrió y surgió Luca, la camisa abierta, el cabello todo desordenado.

– El mañana solo llega cuando uno se despierta – él filosofó, solemne.

Luca sirvió una medida más, tomó la mitad y Sonita tomó la otra. Entonces se despidieron y alargaron la noche rumbo al Roque Santeiro, un tugurio en el barrio de Mucuripe que tenía el caldo de carne y la cerveza ideales para finalizar las noches sin fin, al ritmo de Genival Santos, Diana y Odair José. Sonita iba bien, hasta el momento en que se empecinó en creer que una muchacha piropeaba a Luca y se le lanzó encima, tirándola al piso junto con las botellas de cerveza. Ahí no hubo más ambiente y se tuvieron que ir. Típico guión B.

– Aquella de ayer en el baño de la casa de Balu no valió, ¿has entendido, Gran Tigre? Vos no conseguías ni quedar parado.

Luca tomó un trago más de cerveza y siguió admirándola. Los muslos musculosos, la marca del traje de baño minúsculo, los senos pequeños… Ella estaba parada, al lado de la cama, desnuda y deliciosa. Con las botas negras.

– Te atrasarás para la clase, profesora…

– Hay tiempo.

Instantes después, mientras era lentamente penetrada por Luca, ella estiró el brazo, agarró el móvil en la cartera, digitó, erró, digitó de nuevo y, de ojos cerrados y hablando  pausadamente, le explicó a la secretaria de la academia que llamara al profesor substituto pues… había ocurrido un… un… solo un momento… ay… un pequeño imprevisto… sí, imprevisto… solo un momento… hummm… y solo podría dar la clase de las… ay… de las cinco.

*     *     *

Luca agarró una lapicera y, mientras los otros afinaban los instrumentos, se sentó en un rincón del camerino y se puso a garabatear en un papel de servilleta.

– Salió del horno ahora, Junior – él dijo. Y canturreó para que el amigo escuchara.

En la barra hay un lugar
Para el que no sabe adonde ir
Fiesta es lo que nos queda
Y yo estoy apurado, baby
Una medida ahora, ya
Necesito tomar para manejarme

– Me gustó. Pero no te entusiasmes que el repertorio de hoy ya está cerrado, ¿viste, che?

– Lo prometo.

Minutos después Ninon golpeó el bombo de la batería y Luca entró en el tablado. De allí de arriba él podía ver a la platea desparramada por la arena de la playa, el mar al lado derecho, la luna imponente en el cielo… Él se dio vuelta la medida de whisky y tomó el micrófono:

– Buenas noches.

– ¡Buenas noches! – respondieron algunas chicas cercanas al tablado.

– Fiesta…

– ¡Es lo que nos queda! – ellas completaron, entusiasmadas.

El show transcurrió normal. Pero al fin, luego del tradicional Ombligo Blues, Luca sacó una servilleta del bolsillo y anunció, la voz afónica por los excesos de los últimos días:

– Esa se llama Una Dosis Ahora. Todavía no está ensayada. Los pibes me van a estrangular allá en el camerino, pero, carajo, nosotros estamos en la playa, esa luna…

Él agarró la guitarra, se sentó en el taburete, punteó un poco y paró. Le dio la indicación a Ninon, en la batería, para que empezara. Los otros menearon la cabeza, resignados, y acompañaron. La música salió pésima, evidente. Pero había un grupo de muchachas entusiasmadas y ruidosas frente al tablado y ellas aplaudieron y gritaron tanto que felizmente nadie le dedicó mucha atención a la música.

Terminada la presentación, Ranieri apareció en el camerino con una de las entusiasmadas, la cual dijo que le había encantado el show y que tenía unas amigas que querían mucho conocer a los tipos de la Bluz Neón.

– ¿A los neons solteros, no, mija?… – corrigió Celina, tironeando al novio Ninon por el brazo. – ¡Nosotros ya nos vamos para la playa! Y vos también, Balu, porque es hora de que los casados duerman.

Una docena de cervezas después allá estaban los neons solteros con las nuevas amigas en la arena de la playa. La luna del Cumbuco, el viento en las palmeras, el reventar de las olas, todos hablando al mismo tiempo. Junior en la guitarra a la cual le faltaba una cuerda, Ranieri en la latita de cerveza abollada y Luca en la casi voz. Más músicas, más cerveza.  ¿Alguien tiene hojilla? Ah, Junior, toca aquella, dale. ¿Fumar acá no resultará mal? Nos van a multar por exceso de placer. A ver si nos consigues unas entradas gratis para el Papalegua, dale. ¿Ésta cerveza es la mía? El ombligo más hermoso es el de Ranieri. Bañarse en el mar de noche no hace mal. No hace mal… hace mal…

¡Tchum! De repente Luca dio por sí. A la vuelta, todo oscuro. Un calor abrasador. Estaba en una sauna.  No, no, en una cama. ¿Pero adónde? Y bajo su cuerpo sudado había una… una mujer. Entraba y salía de adentro de la mujer con violencia y ella decía cosas que él no entendía. Se asustó. Simplemente no sabía quién era la mujer.

Sin interrumpir los movimientos de vaivén, él trató de acordarse… pero solo consiguió recordar el show. Lo que había pasado después no tenía ningún registro. Miró la cara bajo su cuerpo y no vio nada, estaba demasiado oscuro. Colocó atención a lo que ella decía, pero no entendió ni una sola palabra. ¿Sería extranjera? ¿O una extraterrestre?

Todavía estaba muy ebrio. Hizo un esfuerzo para tratar de recordar cualquier cosa… pero nada, no se le ocurría ninguna imagen. Simplemente no sabía con quien estaba teniendo relaciones en aquella cama. Que mierda.

El sudor resvalaba por la piel, pegando su cuerpo al de la mujer anónima. El goce no venía y ya no tenía fuerzas para seguir por más tiempo. Para completar, alguien había puesto a tocar bien cerca una música barata cualquiera, aé, aé, ó, ó. Pensó en levantarse y encender el ventilador. Pensó en gritar para que bajaran el volumen de aquella música insoportable. No. Todo lo que necesitaba era terminar rápido con aquello, volver a la posada y caer en su cama. Extinguirse.

Cerró los ojos para concentrarse y olvidar el calor, la música, la mujer sin cara. Pero en seguida los abrió otra vez, pues toda la habitación giró. No, vomitar ahora no…

.

.

El Irresistible Encanto de la Insania

CAPÍTULOS

prólogo – 1 -2 – 3
4 – 5 – 6
7 – 8 – 9
10 – 11 – 12

 


Portugal, 2a temporada

15/07/2016

15jul2016

Trinta e cinco dias de música e literatura em terras portuguesas

PortugalSegundaTemporada-07a

PORTUGAL, 2a TEMPORADA

.
Entre 15 de maio e 19 de junho de 2016 eu estive novamente em Portugal, dessa vez com meu parceiro Felipe Breier, a realizar uma temporada musical-literária, com apresentações do Vinicius Show de Moraes e sessões de autógrafos dos meus livros, incluindo o mais recente, Versos Safadinhos para Noites Românticas ou Vice-versa.

Minha irmã Ana Érika nos hospedou em Braga, no norte do país, e nesse período nos apresentamos dez vezes em três cidades. Em Braga, as apresentações aconteceram na Associação Cultural Sol em Movimento, no restaurante Caldo Entornado, no bar Notre Dame, na livraria Mavy, na livraria Centésima Página e no Rossio Café Bar. Na Lousã, foram no Parque Carlos Reis e no 94 Bar, e na cidade do Porto, elas aconteceram nos espaços culturais Gato Vadio e Casa Bô. Fizemos também uma apresentação informal na casa dos amigos Neto e Virgínia, na Lourinhã. A capital Lisboa ficou de fora por não dispormos de bons contatos e uma estrutura de apoio suficiente lá, mas quem sabe dê certo numa futura temporada.

Fomos carinhosamente recebidos e fizemos muitas amizades. Agora, de volta, temos dentro de nós um tanto da alma portuguesa, e isso nos enriquece. Obrigado a todos que nos ajudaram. Um obrigado especial a Ana Érika, Caiote, Juliana, Susana, Andrea, Elisabete, Graça, Alex e Adriana.

A sensação é de gratificação: nossa proposta de unir música e literatura brasileiras num concerto para bares e livrarias foi bem aceita, mais do que prevíramos. Para o escritor que sou, saber que em Portugal ficarão vários livros meus e vários novos leitores, uau, isso é bom demais. E como é bom constatar que Vinicius de Moraes ainda vive na memória afetiva de boa parte do povo português. Saravá!

.
> A 1a temporada (dez2015 a jan2016) está aqui:
Ibéria, 1a temporada

.

PORTUGAL, mai-jun2016

.

RK201605FelipeB-210

De Lisboa, eu e Felipe fomos direto para Lourinhã, no litoral, comemorar o aniversário de minha amiga Virgínia. Lá, em sua casa, apresentamos trechos do Vinicius Show de Moraes para ela, Neto e seus amigos. Que noite deliciosa! Como presente de aniversário, bom cearense que sou, levei duas garrafas de Ypióca. Que ajudei a baixar, evidentemente.

.
.

?????????????

Com Felipe, Neto e Susana no Buddha Eden, em Carvalhal. Localizado na Quinta dos Loridos, o Buddha Eden é o maior jardim oriental da Europa, com cerca de 35 hectares, e foi criado em protesto contra a destruição dos Budas Gigantes de Bamyan, um dos maiores atos de barbárie cultural da história. Com seus enormes budas, pagodes, estátuas de terracota e esculturas cuidadosamente dispostas entre a vegetação, é uma obra impressionante. Para construí-la, foram usadas mais de 6 mil toneladas de mármore e granito.

.
.

RK201605Felipe-01

Evoé, Baco! No Buddha Eden. Por falar em vinho, em Portugal compra-se uma ótima garrafa de vinho (cheia, evidentemente) pelo equivalente a R$ 8. Putz… Desse jeito, até quem não bebe, bebe.

.
.

VSM201605SolEmMovimento-01

Chegamos em Portugal sem nenhuma apresentação marcada. Tudo que tínhamos era o interesse de dois bares em Braga, que eu conhecera em minha primeira temporada portuguesa (dez2015 e jan2016). Uma tarde, na livraria Centésima Página, conhecemos uma brasileira, que nos levou para conhecer a Associação Cultural Sol em Movimento. Foi lá que, dias depois, fizemos a primeira apresentação pública do Vinicius Show de Moraes e a primeira sessão de autógrafos dos meus livros. Obrigado, Carla e Ângela.

.
.

VSM201605NotreDame-03

A segunda apresentação foi no Notre Dame, no centro histórico de Braga, um bar de inspiração gótica que toca muito rock dos anos 80. Foi uma noite bastante divertida, onde portugueses e brasileiros se confraternizaram no ritmo da bossa nova e do samba e na poesia de Vinicius. Obrigado, Pedro Bacelar.

.
.

VSM201605CaldoEntornado-02b

Com Felipe, concentrando com um saboroso Douro para a apresentação/sessão de autógrafos no restaurante Caldo Entornado, no centro histórico de Braga. Obrigado, Rodrigo e Inês.

.
.

VSM201605LivrariaMavy-303a

Quarta apresentação. Livraria Mavy, em Braga. Que, na verdade, é um bar, onde funcionava uma antiga livraria, vizinho a Sé, no centro histórico. Virou um delicioso snack bar, mas manteve o nome e boa parte da estrutura da livraria. Obrigado, Filipe Morgado.

.
.

?????????????

No fim de maio acontece a Braga Romana, festa que dura cinco dias e que relembra o tempo de dois milênios atrás, quando Braga integrava o Império Romano, evocando o seu cotidiano como Bracara Augusta, a cidade-capital da província da Galícia (ou Galécia, ou Galiza). Na foto, eu e minha querida amiga e sócia Marcinha, que durante uma semana esteve conosco, a impressionar os portugueses com seu charme e sua beleza.

.
.

?????????????

Estou num bar a me esquentar com um copo de vinho do Douro, quando de repente ela passa na rua, seguida de três músicos vestidos como árabes de há dois mil anos. Ela, a sinuosa dançarina, deslizando seu poético bailado para os meus olhos subitamente fisgados. Ah, a sedução do feminino… Mais embriagante que o melhor vinho.

.
.

RK201606FelipeB-02a

Na estação de comboios de Coimbra, a caminho da Lousã.

.
.

RK201606FelipeB, Juliana-06a

Em Coimbra, com Felipe e a namorada Juliana, que nos acompanhou e ajudou na produção dos eventos.

.
.

RK201606Coimbra-225

Ela, a imponente Universidade de Coimbra. Criada em 1290 e atualmente com cerca de 20 mil alunos, ela é a mais antiga de Portugal e uma das maiores universidades do país, oferecendo todos os graus acadêmicos em arquitetura, educação, engenharia, humanidades, direito, matemática, medicina, ciências naturais, psicologia, ciências sociais e desporto.

.
.

VSM201606-109

SAUDADES DO BRASIL NA LOUSÃ

Situada a leste de Coimbra, Lousã é uma cidadezinha pequena, ladeada por serras onde dormitam dezenas de pequeninas aldeias semi-habitadas, que hoje são atração turística junto às trilhas ecológicas da região.

Na Lousã, eu e Felipe Breier nos apresentamos em duas noites, a primeira no Parque Carlos Reis, e a segunda no 94 Bar. Fomos recebidos com aquele tipo de hospitalidade e carinho que já não encontramos nos grandes centros urbanos, aquele benquererzinho que nos cativa e não dá vontade de ir embora nunca mais para sempre. Foi lá que apresentamos pela primeira vez Saudades do Brasil em Portugal, o fado que Vinicius fez para Amália Rodrigues e que está registrado na histórica gravação feita na casa de Amália, em 1968. Não somos fadistas, obviamente, mas fizemos do jeito que nossas almas sentem a melodia e a poesia dessa obra.

Na serra, serpenteando pelas curvas da estrada e visitando as aldeias praticamente abandonadas, senti, como explicar, algo assim como se cruzasse um portal do espaçotempo, e vivi sensações estranhas, de saber-me de lá, de pressentir mistérios que jamais desvendarei, de um dia ter que voltar… Lá, na aldeia de Catarredor, conheci Ana e Carlos, que nos receberam em sua psicodélica casinha feita de pedras de xisto, e com quem papeamos gostosamente num poético fim de tarde de sexta-feira, agraciados pela deslumbrante paisagem da serra. Ao saber do motivo que nos levara a Lousã, Carlos, em sua longa barba branca de ermitão do xisto, nos contou algo incrível: em 1972, no antigo Teatro Avenida, em Coimbra, ele assistiu a um show… de quem? De Vinicius e Toquinho. Uau, e você gostou?, eu quis saber, já impressionado. E ele: Sim, claro, eles eram muito bons, e nessa noite eu vi com meus próprios olhos: Vinicius bebeu duas garrafas de uísque. E não foi direto pro hospital, né?, completei, rindo com ele, eu transbordante de gratidão por aquele inusitado encontro.

Obrigado a todos que tão bem nos acolheram e apoiaram, em especial a Susana, Graça, Elisabete e Andrea. Obrigado ao grupo de teatro Barraca Preta, aos amigos do Parque Carlos Reis e ao Zé Artur. Lousã, eu voltarei, viu? Só para me perder novamente nas curvas misteriosas do teu espaçotempo.

.
.

RK201606Lousa-248

A psicodélica residência de Ana e Carlos, na aldeia de Catarredor, na serra da Lousã.

.
.

RK201606Elisabete,Susana,Ana-01

Com Susana, Elisabete e Ana. Um momento fora do tempo, na serra da Lousã.

.
.

RK201606LousaCarlos-01

Carlos, o ermitão da Lousã. Em 1972 ele teve o privilégio de assistir ao show de Vinicius e Toquinho no antigo Teatro Avenida, em Coimbra. E eu tive o privilégio de conhecê-lo.

.
.

VSM201606Porto-120

VINICIUS AO VINHO DO PORTO

Porto é a segunda maior cidade de Portugal, com 240 mil habitantes (Lisboa, a primeira, tem 550 mil, e Braga, a terceira, tem 140 mil). É conhecida mundialmente pelo seu vinho, suas pontes e sua arquitetura contemporânea e antiga, além da Universidade do Porto e de seu principal clube de futebol, o Porto. Foi lá, vindos de três dias na Lousã, onde eu e Felipe Breier apresentamos duas vezes o Vinicius Show de Moraes.

A primeira apresentação foi no Gato Vadio, um interessante espaço cultural de inspiração anarquista, que dispõe de livraria e bar e promove eventos diversos. Ficamos superfelizes de ver o espaço lotado, todos muito respeitosos e atentos ao que cantávamos, recitávamos e falávamos. Nessa noite, dormimos no Rés da Rua, um casarão antigo onde as pessoas vivenciam a filosofia da vida compartilhada, unindo e dividindo comunitariamente custos, necessidades e alegrias (obrigado, Celestino!).

No domingo pretendíamos tocar ao cair da tarde no calçadão da Ribeira, mas após cinco dias de estrada e três apresentações, o cansaço não permitiu. Na terça, já recuperados, nos apresentamos na Casa Bô, outro casarão antigo que une artistas e adeptos de um estilo de vida ligado à ecologia e à vida simples. Lá, dispensamos microfones e nos apresentamos sentados sobre a beirada do palco, num delicioso clima intimista de sarau. Vale destacar: na plateia estava um casal vindo de Vigo, na Espanha, especialmente para ver nosso concerto. Quanta honra!

Obrigado ao pessoal do Gato Vadio, da Casa Bô e do Rés da Rua, pelo carinhoso acolhimento. Estamos muito contentes por ter levado ao Porto a arte de Vinicius de Moraes, e também por agora fazer parte da história desses espaços, onde reunem-se pessoas que, assim como Vinicius, acreditam que, sim, um outro mundo é possível. Um mundo com mais arte e respeito à vida, e menos competição. Com menos consumismo, e muito mais amizade e alegria. Saravá!

.
.

RK201606FelipeB,Juliana-22a

Pelas ruas do centro de Porto, com Felipe e Juliana.

.
.

RK201606Braga-124c

Na livraria Centésima Página, com o CD do Vinicius Show de Moraes e o livreto Versos Safadinhos para Noites Românticas ou Vice-versa. De modo geral, os portugueses são contidos e discretos em relação ao erotismo, e a literatura erótica em Portugal não tem tanto mercado quanto no Brasil. Meu livreto causava um certo estranhamento na maioria das pessoas, um quase constrangimento, mas a curiosidade prevalecia e acabavam dando uma olhadinha… e compravam. Afinal, a humanidade se divide em dois tipos de pessoas: as que gostam de sacanagem e as que assumem que gostam de sacanagem.

.
.

RK201606-293

O sistema de transporte ferroviário de Portugal é de matar de inveja aos brasileiros. Ele nos faz ver como o Brasil errou feio ao priorizar os automóveis, em vez de investir e modernizar seu sistema ferroviário. Rápidos e eficientes, os comboios (trens) cruzam as regiões do país, pondo-se como ótima alternativa ao transporte rodoviário. Costuma ser um pouco mais caro, mas é muito mais seguro e ecologicamente limpo, e pode-se comprar os bilhetes pela internet, com bons descontos. Se tem wi-fi? Sim, tem.

.
.

VSM2016Rossio-152c

As duas últimas apresentações, em Braga. Primeiro, na charmosa livraria Centésima Página. Obrigado a Sofia e Helena pela oportunidade de cantar e recitar poesia na presença dos nossos ídolos, que, das estantes, enriqueceram deveras nosso concerto. Depois, no Rossio Café Bar, um aconchegante espaço onde é possível escutar música brasileira de alta qualidade. Nessa noite de despedida, cantamos e dançamos Vinicius de Moraes unindo nossos sotaques aos de portugueses, brasileiros, uruguaios e franceses, numa divertida celebração da arte e da amizade. Obrigado, Rui Carlos.

.
.

RK201606Neto,Virginia,Ana,Andrea,Caiote-01

Em Lisboa, aquela tradicional ginjinha no Largo de São Domingos. Com Neto, Virgínia, Andrea, Ana Érika e Super-Caiote Tricolor.

.
.

RK201605FelipeB-801

Com Felipe, em Braga, brindando à nossa parceria. Nas dez apresentações que fizemos, experimentamos vários tipos de acordo com o contratante. Em alguns locais, recebemos cachê fixo (entre 60 e 150 euros), e a casa não cobrou ingresso ou couvert dos clientes. Em outros, as pessoas contribuíram voluntariamente (o velho chapéu), o que nos rendeu entre 25 e 90 euros. Houve também uma vez em que a casa cobrou ingresso, a 2 euros, que nos foi integralmente repassado e nos rendeu 40 euros. Em todas as apresentações, vendíamos nossos CDs a 5 euros (Felipe levou também o dele) e livros (entre 3 e 6 euros), e isso nos rendia um trocado a mais. Excetuando duas apresentações em Braga, recebemos abaixo da média do que geralmente recebemos no Brasil, mas, considerando que somos absolutamente desconhecidos para os portugueses e levando em conta as casas em que nos apresentamos e o momento econômico do país, o resultado final foi bom. Em Lisboa, certamente ganharíamos mais, porém lá ainda não temos bons contatos e uma estrutura de apoio suficiente.

.
.

RK201606Sintra-300b

Domesticado em Sintra. Hummm, nem tanto. Continuo com minha velha certeza: melhor correr os riscos da liberdade que viver numa escravidão tranquila.

.

Lousa201606ClassificadosSexuais-04

Leitura obrigatória: os classificados sexuais nos jornais portugueses. Ah, é uma diliça! Prazer linguístico de primeira qualidade. Como no Brasil, alguns anúncios chamam atenção pela criatividade. “Corpo danone”, por exemplo. O que pode significar isso? Será que ela tem gosto de iogurte? Num outro anúncio, a rapariga se define “boa como milho”. Milho cozido ou assado? “Recém-divorciada” é um clássico, é daqueles termos que atiçam a imaginação do cidadão: Hummm, ela se separou agora, quer compensar o tempo perdido… Outra rapariga apela ainda mais: “carente, namorado ausente”. Uau, namorado ausente é ainda melhor que recém-divorciada, né não? Há uma que “atende sem cueca”. Ops! Calma, eu explico. Cueca, em Portugal, é roupa íntima, masculina ou feminina. Ah, bom… Dúvida sanada, imaginemos: o cidadão sobe as escadas, bate na porta, a rapariga abre e, tchan!, ela já está sem calcinha, entendeu? Taí, gostei dessa, vou ligar agora mesmo.

Os termos e os cacoetes linguísticos me divertem demais, e eles nos falam bastante sobre a cultura do país. Minete, por exemplo. O termo significa sexo oral na mulher. Lendo os anúncios, constatei que é um serviço oferecido com destaque, mais que o boquete. Fiquei intrigado, pois no Brasil prostitutas não costumam alardear a oferta desse serviço. Então fui pesquisar e descobri que para grande parte da população, o sexo oral na mulher ainda é um tabu, algo sujo ou pervertido, não praticado por mulheres sérias e honestas. Por esse motivo, é comum que os homens portugueses, principalmente os mais velhos, busquem fazê-lo com prostitutas e não com suas esposas ou namoradas. Algumas oferecem minete “à canzana”, ou seja, à moda dos cães (de quatro), o que pode significar que a rapariga também aprecia o passeio da língua pelo glorioso fiofó. Quanto ao minete com leitinho, deixo para você imaginar o que pode ser.

.
.

?????????????

De repente, numa vitrine, o Feminino Sagrado transparece para mim. E, como sempre acontece, o mundo para, e eu sou tocado pelo poder do arquétipo, e é impossível prosseguir sendo o mesmo…

Por falar em Feminino Sagrado, obrigado, moça bonita, sim, você mesmo, obrigado por tudo. Pela surpresa, a súbita e estranha cumplicidade, as horas encantadas… Aquela lua na sacada do hotel, a poética sintonia de almas e corpos, teu riso, teu choro, teu prazer… Obrigado.

.
.

VSM201605LivrariaMavy-302a

FORA TEMER EM PORTUGAL

Em nossas apresentações do Vinicius Show de Moraes em Portugal, quase sempre havia portugueses e brasileiros na plateia, e às vezes estrangeiros de outros países. Quando o ambiente permitia, incluíamos no roteiro do show comentários sobre o vergonhoso golpe de Estado que a direita armou no Brasil, e o resultado é um coro geral de “Fora Temer!”, que tomava conta do espaço, vazava para a rua e chamava a atenção de todos.

Vinicius, em 1964, viveu o golpe de Estado dos militares, e em 1969 foi expulso por eles do Itamaraty. Nessa mesma época, os portugueses viviam sob a ditadura de Salazar, da qual se libertariam em 1974, com a Revolução dos Cravos. É por isso que os portugueses democratas acompanham com preocupação os acontecimentos no Brasil e torcem para que não vingue o golpe de Temer, Cunha, Aécio e cia. E é por isso que eles gritavam conosco, engrossando o coro pró-democracia: Fora Temer!!! E não havia como não se emocionar.

Defender com firmeza a nossa democracia do outro lado do Atlântico, e ao mesmo tempo divulgar nossa música e literatura… Putz, foi uma experiência bem forte.
.

.
Ricardo Kelmer 2016 – blogdokelmer.com

 

.

LEIA NESTE BLOG

IberiaTemporada2015,2016-04aIbéria, 1a temporada – Registros de uma viagem por Portugal e Espanha

Rumo à estação simplicidade – Jurei me manter sempre no caminho, sem pesos nem apegos excessivos, pronto para pegar a estrada no momento em que a vida assim quisesse

O sonho do verdadeiro eu – Entretanto, algo me dizia que na pauliceia eu poderia viver minha vida mais verdadeira, era só insistir

Espirros e roteiros – Se antes eu tinha insônia por me preocupar demais em descobrir o que precisava fazer, hoje me delicio em abrir a janela dos quartos dos hotéis, molhar a ponta do dedo e botar no vento

O dia em que o chinlone me pegou – A arte zen de sair por aí à toa e encontrar o que se precisa

.

VSMCD2016Capa-05

Vinicius Show de Moraes
com Ricardo Kelmer e Felipe Breier

Este show nos traz a riqueza da vida e da obra de Vinicius de Moraes, um dos nomes mais importantes da cultura brasileira. Através das músicas, dos poemas e de fatos interessantes da vida de Vinicius, passeamos por grandes momentos da música e da poesia brasileiras e nos divertimos e nos emocionamos com a rica trajetória do homem, poeta, artista, amante, amigo e diplomata que fascinou e ainda fascina gerações no Brasil e no mundo.

.

VersosSafadinhosCapa-06a

Versos Safadinhos para Noites Românticas ou Vice-versa
Ricardo Kelmer – poemas

Versos Autor de uma dezena de obras, nos gêneros romance, conto, crônica e ensaio, desta vez Ricardo Kelmer deixa a prosa de lado e envereda pela poesia. Escritos entre 1989 e 2016, os 35 poemas deste livro versam sobre amor, paixão, desejo e erotismo. Neles, o autor canta os sabores das aventuras amorosas e celebra o êxtase dionisíaco dos enlaces carnais, mas também diverte-se com os irônicos descaminhos das relações e não esquece de louvar a musa unânime dos poetas, a língua portuguesa. Os desenhos são do artista húngaro Mihály Zichy.

.

.

Seja Leitor Vip e ganhe:

 Acesso aos Arquivos Secretos
Promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)

.

.

Comentarios01COMENTÁRIOS
.

01- Come um bacalhau ai por mim. De bacalhau vc entende. Andre Soares Pontes, Fortaleza-CE – jul2016

02- Toooooooop. Isaias Gimenez, Braga-Portugal – jul2016

03- Quando vocês vêm de novo à Lousã? Vá lá, marquem, temos saudades, soube a tão pouco… Carla F Lobo, Lousã-Portugal – jul2016

04- Pronto, já me deixaste em prantos… Saudades saudades saudades… Tens de voltar, querido amigo! As curvas e mistérios da Lousã esperam por ti… Susana X Mota, Leiria-Portugal – jul2016

05- Muito bom, Ricardo! Bonita descrição das nossas terras e gentes…e obrigada também pela visita! 3ª temporada…Novembro? Angela Duarte, Lourinhã-Portugal – jul2016

06- Ricardo, vc tá cada vez melhor. Que ótimo esse material sobre sua estada em Portugal! Abração. Luis Pellegrini, São Paulo-SP – jul2016

07- Massa… Parabéns pela temporada. Ana Vládia Lima, Fortaleza-CE – ago2016

08- Kelmer… boa noite. Foi de uma alegria imensa saber que você também é cabeça-chata. Orgulhei-me. rs “Ostra” coisa, também adorei Portugal. Acho até que conheço um pouco mais que você. Mas não tem nada de competição nisso. Agora numa coisa ganhei de 7 x 0… na safadice.  Um dia conto. Ainda é perigoso falar. Um grande abraço de um conterrâneo que curte seu trabalho. “Inté”!!! PC, Fortaleza-CE – ago2016

09- Caríssimo RK. Mais uma vez tenho a oportunidade de viajar a Portugal, nem tanto pela bolsa de pesquisa – que não tenho -, mas efetivamente por suas palavras viageiras. Roteiro de orgulhar Vinicius e Toquinho, sem dúvida, e com direito a testemunha da época e tal – que figura! As observações dos classificados são um plus antropológico e linguístico – por que não? -, sempre servido com seu bom humor. Não faltou a necessária dose de realismo, num tempo temeroso para nossa prostituída democracia. Espetáculo! Grande abraço e meu muito obrigado. Leite Jr., Fortaleza-CE – ago2016


Ibéria 1a temporada

12/02/2016

12fev2016

Registros de uma viagem por Portugal e Espanha

IberiaTemporada2015,2016-04a

IBÉRIA, 1a TEMPORADA

.
Quando minha irmã Ana Érika me convidou para passar uma temporada em Portugal, onde ela atualmente faz doutorado na Universidade do Minho, em Braga, em princípio relutei. Dois meses parecia muito. Largar meus compromissos profissionais cotidianos e ficar dois meses na Europa? Tentador, claro, mesmo tendo somente algumas semanas para me preparar.

Mas topei. Ana vivia lá sozinha com o filhote Caio, e ter amigos e familiares por perto é sempre bom nessas situações. Para mim, particularmente, além de matar a saudade deles, seria uma ótima oportunidade de conhecer Portugal, e eu ainda poderia esticar até a Espanha, uma velha paixão kelmérica. Aliás, os dois países são cenários de meu romance O Irresistível Charme da Insanidade, que ganhara uma versão em espanhol. Eu também poderia aproveitar e fazer contatos profissionais na área editorial, ou para voltar lá depois levando o Vinicius Show de Moraes. É, tinha que topar mesmo.

Registrei a viagem com fotos e comentários quase diários no Instagram. Seguem alguns desses registros. Desculpe a qualidade das imagens, meu celular não é dos melhores para isso.

.
> A 2a temporada (abr-mai2016), com a turnê do espetáculo Vinicius Show de Moraes, está aqui:
Portugal, 2a temporada

.

PORTUGAL-ESPANHA, dez2015-jan2016

.

Iberia201512Lisboa-18

Peguei um voo da TAP saindo de Fortaleza, direto para Lisboa. Oito horas de voo, chegando às nove da manhã. Tomei um sonífero mas dei somente umas curtinhas cochiladas no avião, mas foi uma viagem tranquila. Ana e Caio me esperavam num apartamento em Alfama, alugado por dois dias. Foi lá que comecei a gostar de Portugal, justamente no bairro onde nasceu o fado.

.

Iberia201512Lisboa-08

Flanando pela Baixa e molhando a mão nas águas do velho Tejo. Virado sem dormir, e mais o fuso horário (3 horas a mais que Fortaleza), eu me sentia meio lento e anestesiado, e eu sou um ser que não funciono se não tiver dormido. Mas foi um bom passeio.

.

Iberia201512Lisboa-253

Não fui para Portugal fazer programa. Prefiro fazer isso no Brasil, você sabe, é mais seguro no país onde a gente mora. Mas aquela moça, tá vendo na foto, lá na calçada olhando para mim? Poizé, ela me fez uma proposta boa e findamos a tarde num quarto de hotel ali próximo. Foi então que aprendi o que é um minete e um broche. Em certo momento, ela se empolgou e gritou: Enfia tudo na minha peida!!! Num primeiro momento, achei que tinha escutado errado, e perguntei: Onde? E ela confirmou: Na minha peida, vai, enfia!!! E eu: Olha, moça, sem querer cortar o clima, mas… onde fica tua peida? E ela: Aqui atrás, ó, pá… Bem, no fim deu tudo certo, ela me deu três livros do Saramago e cada um saiu satisfeito para seu lado. E eu despertei. Havia adormecido e sonhado, sentado num banco na Rua Augusta. Despertei e, do outro lado da rua, a moça ainda olhava para mim…

.

Iberia201512Braga-201Lisboa-30

À noite, encontramos Andrea e Gisele, amigas brasileiras que moram em Lisboa, e que nos levaram para passear pelo Bairro Alto. Jantamos num pequeno restaurante na área do Cais do Sodré. Um aviso aos brasileiros que pretendem ir a Portugal: assim como reconhecemos um português logo que começa a falar, com os portugueses é a mesma coisa, os gajos sacam um brasileiro na metade da primeira palavra. Por isso, nem tente disfarçar.

.

?????????????

Pensão do Amor. Eu já havia acessado o site e lido a respeito. É um antigo prostíbulo, na área do Cais do Sodré, que foi reformado e hoje é um espaço de arte, cultura e entretenimento. A ambientação do espaço é incrível, aliando um estilo “sujo” com uma pegada cabaret-burlesco. Os antigos quartos foram adaptados e em seus espaços funcionam lojas, como uma livraria erótica e uma sex shop, além de palestras e cursos de poli dance. Há um bar, mesas e poltronas, e uma área externa com outro bar, que dá para a rua de cima.

.

Iberia201512Lisboa-303

Na livraria Ler Devagar, da Pensão do Amor. As várias faces da lolita… Recomeeendo!, tanto o local como o romance de Vladimir Nabokov. E, claro, as lolitas que flanam graciosamente por lá, dando cada uma seu toque de charme pessoal ao arquétipo da mulher inocente-sedutora.

.

Iberia201601Braga-01

Vista da janela do meu quarto, na rua Cruz de Pedra, em Braga. Ao fundo, o centro histórico. É comum ver casas abandonadas, literalmente caindo aos pedaços. E, por causa da crise econômica, que ainda persiste, abundam por todo canto lojas fechadas e placas de vende-se. Isso confere aos locais um certo ar de cidade fantasma. Ainda assim, a área central é muito charmosa.

.

Iberia201512Braga-102

Passeando com Caio e a cadela Nikita. Para minha sorte, esse inverno não foi dos mais frios. Para mim, a temperatura ideal da vida nunca baixaria de 17 graus, nem subiria de 27. Mas aceito negociar.

.

Iberia201512Braga-220

Um passeio pelas ruas e becos do centro histórico de Braga, em Portugal, e de repente elas surgem ao olhar, pequeninas e charmosas, as livrarias… Parecem portais mágicos, que se abrem em meio às brumas do bosque, nos convidando a entrar e se perder pelos seus encantos. Como resistir a tal perdição?

.

Iberia201512Braga-253

Mesmo longe do Brasil, eu não poderia deixar de dar minha contribuição ao movimento #NaoVaiTerGolpe. Fiz a fotinha e postei no Facebook e no Instagram. Não sou petista, nem lulista, nem dilmista, mas sempre defenderei os partidos de esquerda contra os interesses do grande capital, que é insensível à questão das desigualdades sociais e que está ligado aos partidos de direita.

.

Iberia201512Lourinha-10

Havia um Atlântico a nos separar. E mais de dez anos a temperar nossa amizade com o sabor da saudade. Meus velhos amigos Neto e Virgínia, brasileiros vivendo em Lourinhã, Portugal. Nos meus braços a Juba, filha deles, e a outra filha, Júlia, tirou a foto. Nas pontas, minha amiga e leitora querida, Susana, de Leiria, e seu namorado Ricardo. Obrigado!

.

Iberia201512Obidos

Numa taberna da cidade de Óbidos a degustar uma ginja com uma linguicinha no fogo de cachaça. Ginja, ou no diminutivo carinhoso ginjinha, é um licor obtido a partir da ginja, uma fruta parecida com cereja, muito popular em Portugal. Em Óbidos, o fruto é colhido nos ginjais da região e, após um processo de maceração que dura no mínimo um ano, é extraído o licor, que não leva corantes ou conservantes artificiais. Impossível tomar só uma dose.

.

Iberia201512Lourinha-11

No Museu da Lourinhã, a 60km de Lisboa, estão fósseis de dinossauros de 150 milhões de anos. Este aí da foto usava boné para proteger o chifre. Deve ser parente meu.

.

Iberia201512Braga-150

Passagem do ano em Braga, com Ana e Caiote. Que diferença para as festas de réveillon no Brasil… Os portugueses são, de modo geral, tão discretos e contidos. Por que, no Brasil, ficamos tão eufóricos com a passagem do ano? Por que bebemos e dançamos e nos abraçamos e enlouquecemos como se no outro dia o mundo fosse acabar?

.

Iberia201512Estrada-101

Viajando pelo litoral norte com Ana, Caiote, Alex, Adriana e Gabriel.
Depois daquele horizonte / Tem uma aventura pra viver / O segredo da viagem / É curtir a paisagem / Viajar no entardecer / Receber o destino com um abraço / Baseado no que pode acontecer

.

Iberia201601PovoaDeVarzim-104a

Naus a singrar pelo caos de mim… Fotinha feita no calçadão da beira-mar de Póvoa de Varzim, norte de Portugal.

.

Iberia201512Braga-255

Pegando emprestado o visual do Arco da Porta Nova, no centro de Braga, para participar do movimento de apoio a Chico Buarque, que foi hostilizado por conta de suas posições políticas. Usei a letra da música Tanto Mar, que Chico compôs para homenagear a Revolução dos Cravos, que em 1974 acabou com décadas de ditadura e implantou a democracia em Portugal.

.

Iberia201601Porto-150

Obrigado, maninha, pela oportunidade dessa viagem. Você mora de camisola em meu coração. E esta camisola é camisola brasileira mesmo.

.

Iberia201512Leiria-101

Em Leiria, com Susana e Ricardo. Susana é professora de artes e acompanha meu trabalho desde 1998, quando a internet engatinhava.

.

Iberia201512Lisboa-20

Nas viagens pelo país, usei o sistema de comboios (trem) e o de ônibus (autocarro). Ambos são eficientes e seguros. Porém, se você for usar os autocarros, não espere muita organização no momento de embarcar, principalmente na rodoviária da Rede Expresso, no Porto. Se você não ficar bem atento, não saberá onde está o ônibus que deve pegar, e quando descobrir, ele já saiu e você ficou.

.

Iberia201601Lisboa-02

Num hotelzinho em Lisboa, ao pé do Bairro Alto. Abastecido de mapas, uísque portátil e história de Portugal. E solidão.

.

Iberia201601Lisboa-243

Com velhos e novos amigos em Lisboa, brindando com vinho e ginjinha. Esse povo bebe muito…

.

Iberia201512Lisboa-122

Pensão Amor. Voltei lá para conhecer melhor o espaço. Aproveitei para oferecer o Vinicius Show de Moraes, mas a casa não se interessou. Felizmente, dois bares em Braga se interessaram: o Caldo Entornado e o Notre Dame, ambos no centro histórico.

.

Iberia201601Lisboa-301

Pesquisando sobre fado, conheci um pouco mais de sua história. E descobri Gisela João (abaixo), uma cantora de timbre especial, mui graciosa, e que nos últimos anos tem se destacado no cenário musical português. Gostei muito de seu disco de estreia. Recomendo!

.
.

O fado Saudades do Brasil em Portugal, de Vinicius de Moraes e Homem Cristo, até hoje é bastante cantado em Portugal, inclusive pelas novas fadistas. Para nossas apresentações portuguesas do Vinicius Show de Moraes, eu e Felipe Breier o incluiremos no repertório. Gosto muito dessa versão, cantada por Kátia Guerreiro.
.

.

Falando em Vinicius, em 1969 ele, a caminho de Roma, passou por Lisboa e encontrou-se com Amália Rodrigues e amigos e poetas portugueses. O encontro foi registrado em disco e lançado em 1970, mas foi proibido pelo governo, sendo relançado após a queda da ditadura em 1974. Narrado por David Mourão Ferreira, e contendo declamações, improvisos, fados e bossas novas, este disco é considerado uma relíquia da música e poesia em língua portuguesa.

.

.

Iberia201601Lisboa-304

Nas perambulanças por Lisboa, margeando o velho Tejo, uma esticadinha até Belém. Olha, que indescritível emoção estar no lugar em que Jesus nasceu… Será que ele chegou a comer o famoso pastel de nata?

.

Iberia201601Porto-304

Anoitecer na Ribeira, às margens do rio Douro, no Porto. Programas obrigatórios, pelo menos para mim: passeio pelo centro histórico, fotinha na livraria Lello e um copo de vinho no Piolho. Percebi uma forte rivalidade cultural entre Porto e Lisboa, e não apenas no futebol. A autoidentidade portuguesa nasceu no norte, e só depois é que alastrou-se para o sul. Como o norte do país não foi tão influenciado pela dominação moura quanto o sul, isso leva os nortistas a se considerarem mais portugueses que os sulistas e a se orgulharem de suas origens celtas, assim como os galegos da Espanha, que também se originaram do povo celta.

.

Iberia201601Espanha-101

Meu romance literalmente cruzando fronteiras… Ah, não resisti à tentação: na estrada que vai de Braga, em Portugal, a Vigo, na Galicia (noroeste da Espanha), saltei rapidamente do carro e registrei o momento.

.

Iberia201601Escravitude-01

Na Galícia, alugamos uma casa para seis pessoas em Escravitude, próximo a Santiago de Compostela. Usamos os serviços do AirBnb, que funcionou muito bem.

.

Iberia201601SantiagoDeCompostela-150

Vai um programa literário aí, freguesa peregrina? Cobro baratinho. E sou muito discreto. A senhora nunca viu isso aqui em Santiago de Compostela? Pois tá vendo agora. A gente tem que se virar, né? Quanto custa? Custa esse livro que tá aqui na vitrine, a senhora compra pra mim? Sim, sou viciado nisso, eu assumo, e faço tudo pra manter meu vício em dia. Sim, compensa, claro que sim. Em uma hora com a senhora eu ganho a vida inteira com Fernando Pessoa ou com Florbela Espanca.

.

Iberia201601Baiona-01

Na localidade espanhola de Baiona, às margens do rio Minho, o rei Afonso IX cata gaivotas.

.

Iberia201601Baiona-102a

Em terra de sapo, de cócoras com eles. Uma Estrella Galicia bem geladinha para rebater a ressaca e celebrar. Celebrar o quê? Bem, que estamos vivos. E estamos vivos para quê? Ah, aí já não sei, não me venha com essas questões a essa hora da manhã. Não sei porque estamos vivos. E nem invejo aos que o sabem. Celebremos, pois, a ignorância. Puxando Alberto Caieiro, amar é a eterna inocência, e a única inocência não pensar.

.

IberiaRioMinho-11

Veja a foto. Lá adiante está o oceano Atlântico. Esse é o rio Minho, que separa o norte de Portugal da Galícia, no noroeste da Espanha. Do lado esquerdo de sua foz está a cidade portuguesa de Caminha, do lado direito, a espanhola Guarda. O percurso entre as duas localidades pode ser feito de ferry boat, de onde foi feita a foto.
Do lado esquerdo, a língua oficial é o português, e do lado direito, as línguas oficiais são o castelhano (que os brasileiros chamam de espanhol) e o galego. Português e galego se originaram do galego-português, língua que surgiu no século 9, a partir do do latim vulgar falado pelos conquistadores romanos, e são muitíssimo parecidas.
No rio, abaixo da superfície, os peixes borbulham portulego.

.

Iberia201601Lourinha-160

Se você tirar uma foto em Portugal, são grandes as chances de Cristiano Ronaldo sair nela. Putz… O gajo tá em todo canto: jornais, revistas, outdoors, tevê, internet, nas conversas nos cafés… Impossível fingir que ele não existe. Como deve ser observar a milhões de pessoas dia e noite, a todo momento, em cada esquina de Portugal? O gajo gato CR7 sabe a resposta..

.

Iberia201601Guimaraes-107

O Paço dos Duques, em Guimarães, onde hoje funciona um museu. De estilo borgonhês, seu aspecto atual foi recriado, de forma polêmica, durante o Estado Novo, e ignora-se a arquitetura original. Foi construído no sec 15, por D. Afonso, 1.º duque de Bragança, para servir de residência quando estivesse com sua amante. Uau… É tão grande e espaçoso, com tantos aposentos e salas, que daria pra hospedar não apenas uma, mas uma centena de amantes. Isso, obviamente, se o duque tivesse disposição suficiente.

.

Iberia201601Guimaraes-115a

O Castelo de Guimarães. Que não é um castelo, mas uma torre de defesa cercada por muralhas reforçadas por quatro torres. Situado no alto da colina, está ligado à fundação do Condado Portucalense e às lutas da independência de Portugal, sendo designado popularmente como berço da nacionalidade. De acordo com a tradição, aqui nasceu o primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques (1112-85), na capela avizinhada ao Castelo.

.

Iberia201601Guimaraes-150

A Francesinha é um prato típico e originário da cidade do Porto. Servido e forma de sanduíche, leva linguiça, salsicha fresca, fiambre, carnes frias e bife de carne de boi (os portugueses chamam de carne de vaca) ou, em alternativa, lombo de porco assado e fatiado, coberta com queijo posteriormente derretido. É guarnecida com um molho à base de tomate, cerveja e piri-piri. Os acompanhamentos de ovo estrelado (no topo da sanduíche) e batatas fritas são facultativos. A origem do nome é controversa, mas uma versão fala da suposta pimentice das mulheres francesas.

.

Iberia201601Braga-701

Quando a tarde cai, elas se olham, lânguidas. E agitam-se levemente em sua elegante dança de sedução. Pudessem andar, elas se abraçariam e sairiam rodopiando pela rua. Como não podem, trocam juras roçando-se com seus galhos e soltando as folhas como doces beijinhos largados. E o calor desse namoro sobe até as nuvens, ruborizando o céu e aquecendo o inverno.
Poizé. Ultimamente aqui em Portugal, ando com essa mania besta de olhar as árvores namorando…

.

Iberia201512Lourinha-101

Encontro Marcado na Biblioteca bem podia ser o título de um conto erótico, né? Quem sabe um dia eu escreva, eheh. Entretanto, esta foto registra meu inesperado encontro, na biblioteca municipal de Lourinhã (60km de Lisboa, Portugal), com O Encontro Marcado, em edição portuguesa, o romance de Fernando Sabino que me deu o impulso definitivo para ser escritor. Que sensação boa encontrá-lo aqui do outro lado do Atlântico. Quanto carinho e respeito tenho por este livro!

.

Iberia201601Comboio-102a

Tchau, Ibéria. Foram dois meses deliciosos. Espero que tenha gostado de mim. Em junho voltarei, com meu parceiro Felipe Breier, trazendo o nosso Vinicius Show de Moraes. E viva a cidadania mundial! Por um mundo sem fronteiras.

 

.

Ricardo Kelmer 2016 – blogdokelmer.com

 

.

LEIA NESTE BLOG

RumoAEstacaoSimplicidade-01Rumo à estação simplicidade – Jurei me manter sempre no caminho, sem pesos nem apegos excessivos, pronto para pegar a estrada no momento em que a vida assim quisesse

O sonho do verdadeiro eu – Entretanto, algo me dizia que na pauliceia eu poderia viver minha vida mais verdadeira, era só insistir

Espirros e roteiros – Se antes eu tinha insônia por me preocupar demais em descobrir o que precisava fazer, hoje me delicio em abrir a janela dos quartos dos hotéis, molhar a ponta do dedo e botar no vento

O dia em que o chinlone me pegou – A arte zen de sair por aí à toa e encontrar o que se precisa

.

.

Seja Leitor Vip e ganhe:

 Acesso aos Arquivos Secretos
Promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)

.

.

Comentarios01COMENTÁRIOS
.

01- Boa sorte no novo projeto,vai da certo! Vocês merecem. Gil Tabosa, Campina Grande-PB – fev2016

02- Se precisar de um carregador de mala que toca flauta, já sabe… Waldemar Falcão, Rio de Janeiro-RJ – fev2016

03- Que venham muitas outras, Ricardo! Se bem que nessa temporada eu mais dei trabalho que ajudei ne? Ana Claudia Domene Ortiz, Albuquerque-EUA – fev2016

04- Cú ibero lusitano. Andre Soares Pontes, Fortaleza-CE – fev2016

05- maravilha de registro, querido..ficou 10. Shirlene Holanda, São Paulo-SP – fev2016

06- Nada que agradecer… Eu é que agradeço! Volta depressa e traz o calor! Susana X Mota, Leiria-Portugal – fev2016

07- A segunda temporada e quando mesmo? Não esquecer de trazer minhas dez cordas de caranguejos vivos, lá de Parnaíba (PI)! Francisco Fontenele Veras Neto, Lourinhã-Portugal – fev2016

08- Caríssimo RK, gostei imenso, como dizem os gajos, de seu roteiro poético pela ocidental praia lusa e pelas trilhas galegas. Com direito ao novo fado e tudo mais, posso dizer que você me poupou a viagem a Portugal, caso não me saia a bolsa de pós-doutorado. Sim, estou fazendo minha pesquisa na USP, e é sobre o velho mago comunista da Azinhaga. Torço para que dê tudo certo com o impagável Vinicius que só você e o Breier sabem fazer. Leite Jr., Fortaleza-CE – fev2016

> Postagem no Facebook


Relaxa e goza

20/01/2016

20jan2016

RelexaEGoza-01

RELAXA E GOZA

.
A vida pede passagem
A viagem vai começar
Aperta o sonho contra o peito
Que não tem mais jeito de voltar
Vai, vai em frente
De repente vem a grande chance
O lance é não desperdiçar
Confia e persevera
Que a vida não espera
Quem só quer desesperar

Vai, vai, no fim dá certo
Se não deu certo, então não é o fim
Vai na boa, vai por mim
Se errou, se perdeu, tá difícil
São os ossos do ofício
Viver nem sempre é cor de rosa
Mas a vida é gostosa e tá a fim

Vai, vai, relaxa e goza
Relaxa e goza, vai por mim

.
Ricardo Kelmer 2005 – blogdokelmer.com

.

> Esta é a letra da música Relaxa e Goza, uma parceria minha com Flávia Cavaca. Há uma versão experimental, com interpretação de Ana Alcântara. Ouça aqui

Mais poemas e músicas

.

LEIA NESTE BLOG

MarioGomesOPoetaViraLata-03a

Mário Gomes, o poeta viralata – Era com suas errâncias quixotescas e os versos obscenos que o povo se encantava, ele lá, de paletó sem gravata, camarada e bonachão

É a Tao coisa – Uma maneira intuitiva de compreender a realidade através da harmonia com o Tao

Rumo à estação simplicidade – Jurei me manter sempre no caminho, sem pesos nem apegos excessivos, pronto para pegar a estrada no momento em que a vida assim quisesse

Andarilho – Eu sempre fui andarilho / Viver desse jeito que eu sou

Espirros e roteiros – Se antes eu tinha insônia por me preocupar demais em descobrir o que precisava fazer, hoje me delicio em abrir a janela dos quartos dos hotéis, molhar a ponta do dedo e botar no vento

O dia em que o chinlone me pegou – A arte zen de sair por aí à toa e encontrar o que se precisa

.

.

Seja Leitor Vip e ganhe:

 Acesso aos Arquivos Secretos
Promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)

.

.

Comentarios01COMENTÁRIOS
.

 

 


Andarilho

10/12/2015

10dez2015

Andarilho-04a

ANDARILHO

.
Eu sempre fui andarilho
Mas é assim que prefiro
Viver desse vento que eu sou
Tanto tempo que deixei a trilha
Que hoje nem a minha mochila
Sabe mais para onde vou

Todo dia quando acordo
Sopro no ar a minha sorte
E ganho tudo que preciso ter
O que não preciso, que o vento leve
Porque nunca se perde
Quem não tem o que perder

.
(Para o poeta Mário Gomes, 1947-2014)

.
Ricardo Kelmer 2014 – blogdokelmer.com

.

> Mais poemas e músicas

.

LEIA NESTE BLOG

MarioGomesOPoetaViraLata-03a

Mário Gomes, o poeta viralata – Era com suas errâncias quixotescas e os versos obscenos que o povo se encantava, ele lá, de paletó sem gravata, camarada e bonachão

É a Tao coisa – Uma maneira intuitiva de compreender a realidade através da harmonia com o Tao

Rumo à estação simplicidade – Jurei me manter sempre no caminho, sem pesos nem apegos excessivos, pronto para pegar a estrada no momento em que a vida assim quisesse

O sonho do verdadeiro eu – Entretanto, algo me dizia que na pauliceia eu poderia viver minha vida mais verdadeira, era só insistir

Espirros e roteiros – Se antes eu tinha insônia por me preocupar demais em descobrir o que precisava fazer, hoje me delicio em abrir a janela dos quartos dos hotéis, molhar a ponta do dedo e botar no vento

O dia em que o chinlone me pegou – A arte zen de sair por aí à toa e encontrar o que se precisa

.

.

Seja Leitor Vip e ganhe:

 Acesso aos Arquivos Secretos
Promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)

.

.

Comentarios01COMENTÁRIOS
.

01- Torcendo por vc. Iris Medeiros, Campina Grande-PB – dez2015

02- lindo poema, muito sucesso pra vc Rica. Moacir Bedê, Fortaleza-CE – dez2015

03- meu amigo sempre admirável! torço muuui-to! Shirlene Holanda, São Paulo-SP – dez2015

04- Sucesso. Janaina Torres, Fortaleza-CE – dez2015

05- Cest la vie, meu escritor favorito Ricardo Kelmer… sucesso sempre… Teo Lorent, São Paulo-SP – dez2015

06- “Not all those who wander are lost…” Ana Claudia Domene Ortiz, Albuquerque-EUA – dez2015

07- Vontade de ser assim às vezes. Fellipe Defall, São Paulo-SP – dez2015

08- Exatamenteeee!!!🎂🎂🎂🎂Assino embaixo! Ilana Dubiela Laninha, Fortaleza, out2019

09- Linda a poesia!!! Patrícia Hakkak, São Paulo-SP – out2019

10- que as trilhas se abram sempre com o sopro do vento. Lucirene Façanha, Fortaleza-CE – out2019

11- que o vento siga te levando aos lugares aonde seu verbo se espalhe, e você siga leve, divertido.. Vera Helena Sanchis Alberich Guarani-Caiowá, São Paulo-SP – out2019

12- Parabéns, Andarilho, que o vento só te leve para lugares lindos. Luciana Brasileiro de Holanda, Campina Grande-PB – out2019

13- Que o vento siga te levando sempre a lindas e divertidas descobertas.. Carla Falcão Bouth, São Paulo-SP – out2019

14- Lindo…você e o poema… Dalila Tiago, Rio de Janeiro-RJ – out2019

15- Excelente texto ! Carlos Horácio Camurça, Lisboa-Portugal – out2019

16- Poema delicioso! Tetê Du Monte, Fortaleza-CE – out2019

17- muito massa, ,Kelmer, vida longa aos andarilhos e vagabundos sábios da arte de viver. Marcelino Pequeno, Fortaleza-CE – out2019

18- Parabéns, grande Ricardo Kelmer! Esse poema lindo é mesmo a sua cara. Zélia Sales, Fortaleza-CE – out2019

19- Tua cara amigo! Te adoro viu! Felicidades! Evelane Marques Ribeiro, Fortaleza-CE – out2019 

20-  ”…O q não preciso q o vento leve pq nunca se perde quem não tem nada a perder…” arrasou muita saúde. Tania Castro Sales, Fortaleza-CE – out2019 

21-

> Postagem no Facebook


O dia em que o chinlone me pegou

02/02/2014

02fev2014

Assim como o chinlone, na vida é fundamental harmonizar-se com o mundo ao redor pra que o jogo fique bonito de se ver

ODiaEmQueOChinloneMePegou-01.

O DIA EM QUE O CHILONE ME PEGOU

Ou a arte zen de sair por aí à toa e encontrar o que se precisa
.

E lá eu ia caminhando pela Visconde de Pirajá, seis da tarde. Apesar das pessoas apressadas e dos automóveis barulhentos, eu seguia leve e tranquilo. Na verdade, até me sentia meio em harmonia com toda aquela zorra. Levava uns exemplares do meu livro Baseado Nisso e uma missão ultrassecreta: deixá-los na La Cucaracha, uma loja em Ipanema que vende uns baratos ligados a cultura alternativa: roupas, livros, revistas, CDs e, é claro, sedinha para enrolar o baseado, maquininha de debulhar, essas coisas. Melhor lugar para vender meu livro só mesmo na passeata da legalização.

Na loja, meu livro ficou, mui honradamente, ao lado do sensacional Capitão Presença, livro do desenhista Arnaldo Branco. O Presença é o único super-herói que realmente salva. E foi inspirado no dono da loja, Matias Maxx, uma figuraça. Aí entraram dois caras e um deles foi direto no meu livro. Era simplesmente… o Arnaldo Branco. Uau! E o outro era o Allan Sieber, outro monstro dos quadrinhos. Fiquei tão abobalhado diante dos meus ídolos que depois de dez minutos é que consegui dizer algo além de dâââ…

Cessada a fase monga, troquei nossos contatos, combinei uma entrevista e nos despedimos. E segui caminhando de volta para casa, exercitando minhas pernas e admirando as das ipanemenses. Eis porém que, numa banca de revista, reconheço uma senhora… É Alzira, uma amiga recente, que dia desses me levou para ver uma peça sobre o Torquato Neto, que foi seu amigo. Você por aqui, que coisa boa, abraço, beijo. Ela me pegou pelo braço e saímos, ela comentando sobre um conto meu que havia lido. Depois falou que eu precisava conhecer o Álvaro, dono da Pororoca, uma famosa livraria especializada em misticismo. Mal fecha a boca, Álvaro se materializa bem à nossa frente. O susto foi tão grande que quase saí correndo.

O Álvaro é um cara simples, cinquentão com cara e jeito de garoto. Conversamos sobre livros e mercado editorial, ele disse que lembrava de meu primeiro livro e marcamos de continuar o papo outro dia em sua loja. E seguimos eu e Alzira, eu satisfeito com tantos bons encontros. Ela então me levou a uma galeria para conhecer o Estação Ipanema, com suas duas salas de cinema que eu, vergonhosamente, ainda não conhecia. Alzira me deu um puxão de orelha e subimos para conhecer.

No momento em que olhávamos a programação do Festival do Rio, um desconhecido chegou e… me ofereceu um ingresso de presente. Um ingresso para Mystic Ball, um filme do festival, última oportunidade de ver. Perguntei a Alzira se ela ficaria chateada se eu aceitasse aquele inesperado presente. Claro que não, aproveita que hoje você tá iluminado… Dei um abraço nela, depois te conto do filme, tchau, peguei o ingresso e entrei na sala escura, nem lembrava a última vez que eu fora ao cinema sem saber qual era o filme.

Tchan, tchan, tchan, tchan…. Que surpresa! Desde o instante em que sentei até o fim do filme, eu fiquei hipnotizado pelas imagens, fascinado, torcendo para não acabar. Como pude viver quarenta e dois anos sem saber que existia aquilo? O documentário conta a história de um canadense que se tornou o primeiro ocidental a praticar o chinlone ao lado dos mestres. E agora se dedica a divulgá-lo pelo mundo. Poizé, mas que diabo é chinlone?

Ronaldinho Gaúcho. Você certamente já o viu brincar com a bola, sem deixar cair no chão. Pois o chinlone é parecido. É um esporte tradicional de Mianmar, sudeste da Ásia, e existe há mil e quinhentos anos. Seis jogadores, homens ou mulheres, formam uma pequena roda e, usando apenas pés e pernas, passam a bola entre si, revezando-se como solista no meio da roda. A bola é oca, feita de feixes entrelaçados de ratan com espaços vazios formando pequenos buracos. Sem finalidade competitiva, o chinlone está mais para exibição artística, pois não basta não deixar a bola cair no chão – é preciso que as jogadas sejam plasticamente belas. Então o que se vê é uma espécie de dança coletiva regida pela própria bola, onde os movimentos combinam a graça delicada e sutil das danças do oriente com a rapidez e a precisão das artes marciais. Ou seja: Ronaldinho não daria nem para o começo.

O chinlone requer atenção aguda e permanente ao movimento da bola e dos outros jogadores. Requer também alto grau de leveza e elasticidade corporal. Mas, sobretudo, é indispensável que o grupo esteja totalmente harmonizado em torno da bola e funcione como uma única entidade feita de uma bola e doze pernas em contínua movimentação. O chinlone prioriza ao mesmo tempo a noção de grupo e o talento individual. E esses talentos não têm sexo ou idade: entre os melhores jogadores há garotas e velhinhos de setenta anos. Certas jogadas são tão curiosas e rápidas que só em câmera lenta pode-se entender como aconteceram. A habilidade dos jogadores é impressionante, e suas improváveis piruetas levam a pensar sobre onde afinal estão os limites da capacidade humana. Depois de ler os créditos finais, demorei a me levantar da poltrona ‒ estava inteiramente apaixonado pelo que acabara de conhecer. E louco de vontade de escrever a respeito. O mundo precisava conhecer aquilo.

Saí da sala com um sentimento de gratidão por uma noite tão generosa. Tantos encontros e surpresas incríveis… Mas ainda havia um último encontro a me esperar. E ele estava à minha frente, na saída da sala, segurando uma bola… de chinlone. Era Greg Hamilton, diretor e personagem principal do filme. Reconheci-o de imediato e, ignorando a timidez, fui falar com ele. Parabenizei-o, peguei a bola, fiz perguntas tolas em meu inglês capenga, ele me falou sobre o chinlone e ganhei um postal do filme. E fui embora para casa feliz, pensando… Assim como o chinlone, na vida é fundamental harmonizar-se com o mundo ao redor para que o jogo fique bonito de se ver. Não basta viver, é preciso encontrar-se.

.
Ricardo Kelmer 2006 – blogdokelmer.com

.

> Esta crônica integra o livro Blues da Vida Crônica

.

.

DOCUMENTÁRIO (em português)
Narração: Gilberto Gil

.

CHINLONE, THE MYSTIC BALL

.

.

.

DICA DE LIVRO

ICI2011Capa-01dO Irresistível Charme da Insanidade
Ricardo Kelmer – romance

Dois casais, nos séculos 16 e 21, vivem duas ardentes e misteriosas histórias de amor, e suas vidas se cruzam através dos tempos em momentos decisivos. Ou será o mesmo casal? Nesta história, repleta de suspense e reviravoltas, Luca é um músico obcecado pelo controle da vida, e Isadora uma viajante taoísta em busca de seu mestre e amante do século 16. A uni-los e desafiá-los, o amor que distorce a lógica do tempo e descortina as mais loucas possibilidades do ser.

.

LEIA NESTE BLOG

É a Tao coisa – Uma maneira intuitiva de compreender a realidade através da harmonia com o Tao

Rumo à estação simplicidade – Jurei me manter sempre no caminho, sem pesos nem apegos excessivos, pronto pra pegar a estrada no momento em que a vida assim quisesse

.

.

Seja Leitor Vip e ganhe:

Acesso aos Arquivos Secretos
– Descontos, promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)

.

.

Comentarios01COMENTÁRIOS
.

.

.

.

.ODiaEmQueOChinloneMePegou-01a


Espirros e roteiros

14/06/2013

14jun2013

Se antes eu tinha insônia por me preocupar demais em descobrir o que precisava fazer, hoje me delicio em abrir a janela dos quartos dos hotéis, molhar a ponta do dedo e botar no vento

EspirrosERoteiros-02

ESPIRROS E ROTEIROS

.
Foi minha saudosa avó Waltrudes, muito católica, quem me ensinou a, depois de espirrar, dizer sempre “Ave Maria”. E se espirrasse três vezes seguidas? Ave Maria, Ave Maria, Ave Maria. Foi com essa simpática mandinga que, durante a infância, eu pedia boa saúde. Tempos depois, achei que era hora de trocar de mandinga. Agradeci à Virgem os serviços prestados e adotei um verso de Manuel Bandeira que, por aqueles dias, virou meu lema de vida. Assim, depois do espirro, passei a proclamar, solene: “Vou-me embora pra Pasárgada”. Ah, ser amigo do rei e ter as mulheres que quiser na cama que escolher… Poesia, prazeres e paixões. Saúde é isso aí!

O rei era gente boa e nossa amizade durou alguns anos. Até o momento em que o taoísmo me abriu os olhos para a necessidade de ser mais fluido com a vida, captar seus ciclos e me harmonizar com seu ritmo. Então adaptei a mandinga à ideologia taoísta: “Vou-me embora pra onde tiver de ir”. Uma frase bem simples, mas que a partir daí nortearia minha vida, sempre me lembrando que é preciso confiar e estar inteiramente disponível para a vida a cada momento.

Corta para 2004. Lá estou eu largadão em casa, fazendo as contas da classificação do time, quando recebo um convite inesperado: escrever roteiros de TV para uma produtora americana. Precisava apenas tomar o avião no dia seguinte e passar uns tempos na cidade do Rio de Janeiro, onde havia morado dez anos antes. O Rio da violência, da guerra de traficantes, daquele casal de desgovernadores… Mas não precisei pensar muito, nem espirrar, para perceber que sim, devia aceitar o desafio.

Então cá estou no Rio de Janeiro, hospedado num hotel em Copacabana. Hoje é sábado de aleluia. Daqui da janela do quarto observo o trânsito nas ruas e lembro que combinara de ir ver um velho amigo que mora em São Conrado. Acontece que o acesso ao bairro passa pela Rocinha. Alguma daquelas balas do tiroteio entre policiais e traficantes pode ter o meu nome, sei lá, nunca se sábado o que pode acontecer.

Decidi ficar no hotel. Refém da guerra do tráfico, quem diria. Vendo TV e enchendo o cinzeiro de meleca. Mas não posso reclamar. Muito pior é a situação dos moradores da Rocinha que têm suas casas invadidas por bandidos e policiais indelicados e morrem de bala perdida na sexta-feira santa simplesmente porque escolheram a hora errada de devolver a fita na locadora. Isso sim ninguém merece. Tem mais: você segue em seu carro pela avenida e, de repente, um bando de homens armados surge na pista, aí instintivamente você pisa no acelerador e por conta disso morre metralhado no volante. Os assassinos planejavam roubar carros para com eles invadir a favela, destronar o chefe do tráfico e assumir o controle dos pontos de venda. De posse desses pontos, lucrariam mais e teriam mais poder para subornar policiais, políticos e juízes. Daria um bom roteiro para Por um Punhado de Pó, né? Ou Infiltração Máxima. Mas infelizmente esse é o roteiro da vida real da cidade maravilhosa.

Minha mãe liga, preocupada com as notícias. Lamenta a hora infeliz que escolhi para morar no Rio de Janeiro. Fazer o quê, mãe, sou apenas um operário de meu próprio destino. E estou sempre aprendendo que os interesses imediatistas do ego nem sempre constroem os melhores caminhos. Por isso é que abdiquei do controle racional sobre a vida, permitindo que o próprio caminho se manifeste. É um estilo arriscado de viver, eu sei, parece não oferecer nenhuma segurança. No entanto, é assim, me dispondo para a vida, que sinto a vida mais presente, ela e seus desígnios misteriosos e sábios, e o que ela traz é tudo o que eu preciso. Se antes eu tinha insônia por me preocupar demais em descobrir o que precisava fazer, hoje me delicio em abrir a janela dos quartos dos hotéis, molhar a ponta do dedo e por no vento.

É preciso estar no mundo, mãe, ainda que ele seja um lugar violento e só haja incertezas em suas estradas. O mundo é o que ele é, bom ou ruim, e é assim que sempre foi e será. Esconder-se das dores e dos perigos do mundo é se esconder da própria vida. Pasárgada é o melhor lugar que existe, mas melhor ainda é viver no lugar onde a gente deve estar. Melhor é confiar nos ventos do próprio destino e entrar em tal harmonia com eles que o roteiro que os ventos traçarem será sempre o mesmo que você precisa – justamente porque você não deseja nada, a não ser, é claro, ir para onde tiver de ir. Atchim!

.
Ricardo Kelmer 2004 – blogdokelmer.com

.

> Esta crônica integra o livro Blues da Vida Crônica

.

.

LEIA NESTE BLOG

Ser mulher não é pra qualquer um – É dada a saída, lá se vai o trenzinho. Num vagão as Belas, abalando nos modelitos, no outro as Madrinhas, abalando com o isopor e o estojinho de primeiro-socorro

A celebração da putchéuris – A história fuleragem da Intocáveis Putz Band

Roque Santeiro, o meu bar do coração – Uma homenagem ao bar Roque Santeiro

Breg Brothers com fígado acebolado – Encher a cara, curtir dor de cotovelo e brindar a todas as vezes em que fomos cornos…

A pouca vergonha do escritor peladão – Foi minha vizinha louca de Botafogo, a Brigite, quem me deu a ideia: Por que você não faz um ensaio fotográfico peladão pra comemorar seus 40 anos?

O dia em que morri no Rock in Rio – O primeiro baseado que fumei daria um filme. Um não, vários

Galinha ao molho conjugal – Então fizemos uma aposta. Qual dos três conseguiria resistir mais tempo ao casamento?

Confissões de um míope – O míope então restringe suas relações visuais com as pessoas a um raio de dez metros e quem estiver além disso não faz parte de seu mundo. E acaba ganhando uma imerecida fama de boçal

> Postagens no tema “biográfico”

.

.

Seja Leitor Vip e ganhe:

– Acesso aos Arquivos Secretos
– Descontos, promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)

.

.

Comentarios01COMENTÁRIOS
.



Jung – A ciência revolucionária

23/09/2012

23set2012

Como pesquisador da consciência, psicoterapeuta, antropólogo e pensador, Jung levou suas descobertas a uma abrangência notável, refletindo sempre sua preocupação com o futuro da humanidade

JUNG – A CIÊNCIA REVOLUCIONÁRIA

.
A psicologia analítica de Jung é um caso curioso na ciência. Embora suas ideias sobre a psique tenham se entendido muito bem com outras ciências como a física quântica, a antropologia e a sociologia, Jung sempre foi considerado um tanto místico por grande parte de seus colegas psicólogos, tendo suas ideias relegadas a uma importância menor na história da psicologia e do pensamento contemporâneo.

Somente agora, quatro décadas após sua morte, suas teorias a respeito da psique começam, de fato, a ser levadas a sério no meio acadêmico, influenciando psicólogos, psiquiatras e os novos cientistas da consciência. A notável abrangência de seu trabalho também tem alcançado profissionais de áreas distintas como médicos, educadores e artistas, o que tem feito com que suas ideias sejam cada vez mais incorporadas pelo público médio.

Afinal, o que possuem as ideias de Jung que tanto aproxima as ciências e o qualifica como o primeiro pensador da pós-modernidade e um dos mais revolucionários pesquisadores da consciência?
.

Carl Gustav Jung nasce em 1875, em Kesswill, na Suíça. Forma-se médico e especializa-se em psiquiatria, ciência em formação. O interesse pelos distúrbios mentais o faz desenvolver profundos estudos sobre a mente e suas conclusões o aproximam de Freud em 1907. O já famoso psicanalista judeu-austríaco é figura polêmica no meio acadêmico e enfrenta dificuldades para ter levadas a sério suas ideias sobre o inconsciente. Freud logo reconhece o alto valor do suíço e vê nele, no não judeu, a cabeça ideal para levar adiante a psicanálise. Jung, chefe de clínica do renomado hospital psiquiátrico de Zurique, mesmo ciente dos riscos que corre sua carreira e vendo limitações comprometedoras nas teorias do mestre vienense, toma defesa de Freud em público e tornam-se colaboradores.

Seus estudos e sua experiência clínica, porém, levam-no a divergir da psicanálise e a dolorosa ruptura acontece em 1912. Freud sente-se traído. E Jung vê-se em apuros, pois conhecidos e amigos o abandonam. Inicia-se aí o período mais difícil e delicado de sua vida, onde ele abandona as atividades acadêmicas e parte para um solitário, terrível e decisivo confronto com o inconsciente ‒ que levará anos e quase lhe será fatal.

Mas Jung supera o desafio, emerge dessa fase revigorado e prossegue com seus estudos, mesmo consciente que dificilmente a mentalidade científica ocidental levará a sério coisas como inconsciente coletivo, mitologia e alquimia, para ele fundamentais na compreensão dos processos psíquicos. Morre aos 86 anos, em 1961, deixando uma instigante obra, ainda hoje revolucionária.

Atualmente, percebe-se um aumento de interesse pelo pesquisador suíço, tanto no meio acadêmico quanto pelo público médio, mas até poucos anos atrás a grande maioria dos cursos de psicologia dedicavam, quando muito, uma ou duas aulas às ideias de Jung. Assim como a medicina tradicional ainda está, na maior parte, presa ao paradigma mecanicista newtoniano, nossa psicologia “oficial” ainda é freudiana-psicanalítica. No entanto, alguns pesquisadores desde cedo apoiaram as teorias do suíço, inclusive físicos (!) que viram em suas inusitadas descobertas no mundo das partículas subatômicas incríveis semelhanças com as teorias junguianas sobre o funcionamento da psique. Para esses cientistas, o mundo dos átomos revelava uma espécie de consciência e, de repente, era como se mente e matéria não fossem tão distintas assim e se influenciassem mutuamente ‒ como afirmava Jung, desafiando o paradigma newtoniano-descartiano ainda hoje vigente. Sociólogos e antropólogos também o apoiaram, e a psicologia transpessoal surgiu a partir dele.

Como pesquisador da consciência, psicoterapeuta, antropólogo e pensador, Jung levou suas descobertas a uma abrangência notável, refletindo sempre sua preocupação com o futuro da humanidade. Suas ideias estão cada vez mais presentes nas universidades, em livros, filmes, na vida cotidiana e nas novas maneiras de se interpretar a realidade.

ciência e eu superior

Jung afirma que o inconsciente não é subproduto da consciência nem mero depósito para onde são desviados desejos recalcados e frustrações sexuais, como pensava Freud. Para Jung, a consciência individual é que é produto do inconsciente coletivo da humanidade e traz consigo sua própria porção inconsciente, que, com seus conteúdos escondidos da luz da consciência, influencia o comportamento do indivíduo. Nos recônditos escuros da psique o inconsciente está sempre atuando, e faz com que os sonhos, em sua linguagem simbólica, sejam a representação fiel dos processos psíquicos ‒ nosso apego à racionalidade é que nos afastou da linguagem dos símbolos e não mais a entendemos.

Aprendemos com Jung que o sentido da vida é a individuação, espécie de impulso natural da psique rumo à concretização da potencialidade que trazemos em nós (realização da personalidade total). Esse processo inclui um profundo conhecimento de si próprio pela autoinvestigação psicológica, fazendo-nos mais cientes de nós mesmos e mais capazes.

Para Jung, o processo de individuação é conduzido por um tipo de centro ordenador da psique, que ele denominou self (si-mesmo) e que seria ao mesmo tempo o centro e a totalidade da psique. Individuar-se significa ampliar a consciência, a área superficial da psique. Representa separar-se da massa, do turbilhão inconsciente, e adquirir autonomia. Tornar-se uma totalidade psicológica, una e centrada, sem divisões internas: um “in-divíduo”. Este é o caminho para a personalidade total e a mais íntima realização pessoal. Para Jung, o futuro da humanidade dependerá diretamente disso, da quantidade de pessoas que conseguirem se individuar.

Não é difícil imaginar o quanto isso deve ter soado místico a certas mentalidades. Quer dizer então que se eu entrar nessa, meu eu superior passa a cuidar de mim? ‒ gozam os mais céticos. Há, porém, os que pagam para ver.

taoísmo, alquimia, ufologia

Jung foi ousado ao valorizar o estudo da mitologia, das religiões e da sabedoria oriental, mostrando a ponte para ligar dois modos distintos, mas não excludentes, de interpretar a realidade. Seu conceito de sincronicidade (coincidência envolvendo estados psíquicos e acontecimentos físicos sem relação causal entre si) apresentou à mentalidade científica o mecanismo das grandes coincidências, dos oráculos como o tarô e dos eventos ditos ocultos.

Ele sugeriu que, assim como a ideia taoísta de unicidade, nosso inconsciente pessoal está ligado a todos os outros formando um inconsciente maior, único e coletivo, o que faria nossos pensamentos todos interconectados. Chegou à corajosa conclusão que a humanidade guarda em seu inconsciente geral o registro de todas as suas vivências, mesmo as mais arcaicas (mitos e arquétipos) e assim o passado de um torna-se patrimônio de todos (viria daí, afinal, a ideia de que já fomos alguém em outra vida, presente em tantas culturas?). Mostrou que o I Ching, o milenar livro chinês das mutações, constitui a primeira tentativa documentada de relacionar o inconsciente e o Universo e, assim, a mentalidade oriental deveria ser vista com mais atenção. Jung falava de intercâmbio, não de descarte, entre distintas percepções da realidade. Mas a ciência tradicional deu risinhos.

Seus estudos sobre a alquimia medieval mostraram que ela é precursora da nossa ciência do inconsciente. A relação mente-matéria já era conhecida dos alquimistas que, em sua linguagem, descreviam simbolicamente os processos psíquicos. Sobre isso, diz a psicóloga Nise da Silveira, uma das mais respeitadas estudiosas da obra de Jung no mundo: “A exploração em profundeza do inconsciente levou ao curioso achado de que os mais universais símbolos do self (si-mesmo) pertencem ao reino mineral. São eles a pedra e o cristal. Se o psicólogo, nas suas investigações através das camadas mais profundas da psique, encontra a matéria, por sua vez o físico, nas suas pesquisas mais finas sobre a matéria, encontra a psique.”

As ideias de Jung influenciam até mesmo a ufologia. Hoje, pesquisadores de todo o mundo se debruçam intrigados sobre o fenômeno óvni e o drama psicológico dos contatados e abduzidos (pessoas que dizem ter contatos com extraterrestres), buscando pistas que possam nos ajudar a compreender por que tudo isso está acontecendo.

Já em 1958, em seu livro Um Mito Moderno sobre Coisas Vistas no Céu, Jung alertava que é preciso pensar nesses discos voadores de um modo mais abrangente e captar a verdade psicológica das aparições, não importando se são verdadeiras ou não. É preciso entender que quando um mito emerge das profundezas da psique para a vida cotidiana, força a consciência a integrar novos aspectos da existência e inaugura uma nova fase de evolução psíquica. Assim sendo, estamos, todos nós, nesse exato momento, sendo atingidos pelo forte impacto desse mito moderno e, confusos, ainda não entendemos exatamente que diabo está acontecendo. Os contatados e abduzidos são, no entanto, os mais atingidos. Como pioneiros, eles são forçados a vivenciar certas experiências que podem conduzir a humanidade a uma nova e mais abrangente compreensão da realidade e de si mesma.

Para Jung, o desequilíbrio psicológico levou a humanidade a um terrível impasse evolutivo: ou nos tornamos seres mais autoconscientes ou nos exterminaremos a todos. O fenômeno dos discos voadores, mito que alcançou a consciência coletiva no meio do século 20, é assim uma projeção inconsciente, nos céus, de um intenso anseio coletivo de salvação num momento crucial de desespero. As luzes e imagens circulares que vemos são a mais antiga e perfeita representação simbólica do arquétipo da unificação, equilíbrio e totalidade psíquica: o círculo. É a psique coletiva da humanidade a jogar aos céus seu recado urgente: “Atenção todos! Precisamos nos tornar mais inteiros e unificados!”

As teorias junguianas sobre o fenômeno óvni são inadequadas para provar a existência física de naves e extraterrestres, é verdade. Mas esse não é seu papel. Elas agem contribuindo para alargar nossa compreensão do fenômeno, alertando para a relação entre o que ocorre na alma da humanidade e o que está acontecendo nos céus de nosso planeta.

o chamado para dentro

Jung deu o nome de psicologia analítica à sua psicologia. Ela difere da psicanálise em muitos pontos, mas ele mesmo não descarta a importância dessa para alguns tipos específicos de terapia. A psicologia analítica incentiva o indivíduo a descer os degraus escuros do inconsciente e, uma vez lá, reconhecer o que ele na verdade é e integrar esses conteúdos à consciência, tornando-se um ser mais completo e autoconsciente. Assim como alguém faz um curso de computação para investir em seu futuro, muitos procuram a psicoterapia para autoconhecer-se e saber de suas potencialidades. Aí está um grande investimento: conhecer-se melhor. Para viver melhor.

O processo de individuação será sempre algo difícil. Mas ele é a base da existência. Durante muito tempo nós o vivemos apenas superficialmente, mas em algum momento a psique chama o ego a voltar-se para dentro, a conhecer-se e vasculhar no interior as verdades até então buscadas fora. A partir daí novos horizontes se abrem para a realização pessoal. Entretanto, mesmo sob esse impulso natural, o ego, temeroso de confrontar-se com seus medos mais íntimos, pode se recusar a tal interiorização. Nesse caso, ele estará impedindo o fluxo natural de sua evolução, e a psique, em sua capacidade autorreguladora, encaminhará a vida a um conflito insustentável, ocasionando doenças, fracassos e até mesmo a morte.

O autoconhecimento psicológico nos faz ver que os conflitos da humanidade acontecem primeiro dentro de cada um, sutilmente, para depois se exteriorizarem. Para Jung, entendermo-nos com aquilo que não conhecemos de nós mesmos é o grande passo que falta ao Homo sapiens. Só assim deixaremos de ver o inimigo no outro e o reconheceremos onde sempre esteve, dentro de nós mesmos. Esta é uma verdade simples, que poucos enxergam. Mas que traz em si a força das maiores revoluções.

.
Ricardo Kelmer 1997 – blogdokelmer.com

.

SAIBA MAIS

> Jung na Wikipedia

.

Jung – A jornada do autodescobrimento (1) 9m12s

.

Jung – A jornada do autodescobrimento (2) 9m03s

.

.

LEIA NESTE BLOG

A ilha – Uma fábula sobre o autoconhecimento

Mariana quer noivar – Você abdicaria das relações amorosas em sua vida em troca de dinheiro ou sucesso na carreira?

Carma de mãe para filha – Os filhos sempre pagam caro pelos pais que não se realizam em suas vidas

Blade Runner: Deuses, humanos e androides na berlinda – Como todo ser, o criador busca sempre transcender a sua própria condição, e é criando que ele faz isso

Livros: He, She, We – Os rios de nossas vidas na verdade correm por leitos muito, muito antigos – os mesmos leitos que outras águas, ou outras pessoas, também percorreram

Mulheres na jornada do herói – Elas sempre foram, mais que os homens, historicamente reprimidas na busca pela essência mais legítima de suas vidas

.

DICA DE LIVRO

MatrixEODespertarDoHeroiCapaEdicaoDoAutor-01Matrix e o Despertar do Herói
A jornada mítica de autorrealização em Matrix e em nossas vidas
Ricardo Kelmer

Analisando o filme Matrix pela ótica da mitologia e da psicologia do inconsciente e usando uma linguagem simples e descontraída, o autor compara a aventura de Neo ao processo de autorrealização que todos vivem em suas próprias vidas.

.

.

Seja Leitor Vip e ganhe:

Acesso aos Arquivos Secretos
Descontos, promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)

.

.

Comentarios01COMENTÁRIOS
.

01- Versão desta postagem no Facebook


É proibido fazer blues na praia

17/09/2012

17set2012

Arriscar outros movimentos, sem ficar determinando de antemão que é impossível, não pode não senhor

É PROIBIDO FAZER BLUES NA PRAIA

.
Eis que chego de viagem e encontro o artigo de Manoel Ricardo de Lima onde ele faz uma crítica de meu livro, O Irresistível Charme da Insanidade, recém-lançado em Fortaleza. Que bom que existem pessoas como ele. Assim podemos ter uma ideia de como seria o mundo se todos vivessem atrelados a uma visão formal, mecanicista e cartesiana da realidade. E da literatura.

Quer dizer que Manoel não entende como é possível se inspirar para compor blues numa praia? Quer dizer que só se pode compor blues nos Estados Unidos, de preferência sentado sobre os trilhos de alguma estação ferroviária? Ora, ora… A seguir este tipo de raciocínio de bitola, os americanos, coitados, jamais poderiam jogar futebol. Ou Vitor Biglioni estaria proibido de tocar jazz. Ou os brasileiros de fazer cinema. Francamente, Manoel.

Quer dizer que Manoel não consegue entender como é que o sujeito toca gaita e aparecem trechos da letra da música? Pois vou lhe ensinar como é que faz, meu amigo. É assim: primeiro você se desatrela de uma visão formal da linguagem e… faz. Faz e pronto. Entendeu?

Quer dizer então que Manoel não entende como romance pode ter trilha sonora? Vixe, por quê? Será pelo fato de que é impossível ler e escutar ao mesmo tempo? Impossível para quem? E quem determinou que tem-se de fazer as duas coisas ao mesmo tempo? Pois eu digo que literatura tem a ver com música sim, com imagem, movimento. Literatura é tudo isso e muito mais, e até quando vamos ficar nessa discussão?

No mais, compreendo perfeitamente que meu crítico considere, como é mesmo?, prematuramente óbvio e com determinantes de inutilidade certos temas do livro. Compreendo, sim. Afinal, como exigir de pessoas que se acostumaram nos paletós rígidos da mentalidade cartesiana-ocidental a compreensão de algo tão sutil e impalpável como o Tao? Como exigir que entendam o princípio da transformação, do equilíbrio dinâmico, da unicidade? Certas verdades são mesmo básicas e triviais, são mesmo, e estão bem à frente como o nosso nariz ‒ por isso poucos as percebem.

Tudo que existe pode ser entendido de muitas formas, sim. Estou repetindo a frase que Manoel usou como exemplo de inútil justamente por se tratar de uma obviedade. Mas por trás do óbvio risível, há um outro óbvio, mais sério. E não são todos que veem. A física subatômica nos provou que o simples ato de observar uma partícula já determina a sua natureza. Portanto, a realidade é tão somente fruto de uma percepção, de uma relação entre objeto e observador. Isso também vale para outros aspectos da vida. O modo como se vê, determina o que se vê. Se entendemos a vida como algo rígido, será assim que ela se apresentará, e teremos de ser mais rígidos que ela para resistir. Mas é bom lembrar que numa tempestade as grandes árvores, fortes e duras, são as primeiras a quebrar ‒ os bambus, flexíveis, sobrevivem.

Sei da necessidade de rotular (isso é literatura, Bruna não é poesia, isso não pode), mas penso que já está na hora da humanidade esquecer por um momento velhos modelos de interpretar a realidade e tentar ser mais abrangente. Não somente na compreensão de coisas como arte e linguagem, mas no entendimento da própria vida. Creio que mais importante agora é aprender a nos desvencilhar dos velhos paletós que limitam e arriscar outros movimentos, sem ficar determinando de antemão que é impossível, não pode não senhor, é proibido fazer blues na praia, está aqui no manual.

Quem quiser, que siga o manual. Eu vou por aqui.

.
Ricardo Kelmer 1996 – blogdokelmer.com

.

Esta crônica integra o livro A Arte Zen de Tanger Caranguejos. Foi escrita em resposta a uma crítica sobre o livro O Irresistível Charme da Insanidade (edição de 1996, editora Universalista), publicada no jornal O Povo, de Fortaleza, em 1996.

.

.

O Irresistível Charme da Insanidade
Ricardo Kelmer – romance

Dois casais, nos séculos 16 e 21, vivem duas ardentes e misteriosas histórias de amor, e suas vidas se cruzam através dos tempos em momentos decisivos. Ou será o mesmo casal?

Luca é um músico obcecado pelo controle da vida, e Isadora uma viajante taoísta em busca de seu mestre e amante do século 16. A uni-los, o amor que desafia a lógica do tempo e descortina as mais loucas possibilidades do ser.

.

LEIA NESTE BLOG

Pesadelos do além – O pior pesadelo pra um escritor é ser psicografado. Ou melhor: ser mal psicografado.

Meu fantasma predileto – Diziam que era a alma de alguém que fora escritor e que se aproveitava do ambiente literário de meu quarto para reviver antigos prazeres mundanos

O encontrão marcado – Fechei o livro, fui até a janela e olhei para o mundo lá fora. E disse baixinho, com a leveza que só as grandes revelações permitem: tenho que ser escritor

Kelmer Com K no Toma Lá Dá Cá – Aqueles aloprados moradores do condomínio Jambalaya descobriram meu livro maldito

O escritor grávido – Será um lindo bebê, digo, um lindo livrinho, sobre o mais belo de todos os temas

Livros e odaliscas – Meia-noite. Volto do banho. Elas estão todas deitadas em minha cama, lânguidas odaliscas a me aguardar

O dilema do escritor seboso – Certos escritores amadurecem cedo. Tenho inveja desses. Porque nunca viverão o constrangimento de não se reconhecerem em suas primeiras obras

.

.

Seja Leitor Vip e ganhe:

Acesso aos Arquivos Secretos
– Descontos, promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)

.

.

COMENTÁRIOS
.

Luís Olímpio

I Ching das patricinhas

10/08/2012

10ago2012

O oráculo tem validade num caso desse? Ou eu estava sendo extremista?

I CHING DAS PATRICINHAS

.
A noite seguia animada e eu tomava minha vodca, espremido entre as pessoas no balcão do bar. Bem ao lado, duas animadas garotas, estilo patricinha, comentavam sobre um rapaz na mesa próxima. Uma delas estava interessada nele e não sabia se devia ir ou não até sua mesa. Foi quando escutei algo extraordinário: Já sei, vou consultar o I Ching!

Tomei um susto. Olhei discretamente e percebi que ela digitava seu celular. I Ching pelo celular… Eu não acreditei. Mas era verdade. As patricinhas esotéricas estavam ali ao lado lendo na telinha o resultado enquanto riam e comentavam. Como a música estava alta, não pude saber qual hexagrama saiu. Mas fiquei encucado. O I Ching parecia não combinar com a situação, aquele clima de brincadeira e futilidade. Soava como algo sagrado sendo profanado. Uma garota consultando o I Ching no bar para decidir se devia ou não ir à mesa do rapaz… O oráculo tem validade num caso desse? Ou eu estava sendo extremista?

É sabido que a cultura esotérica tornou-se massificada e isso desvirtuou muita coisa. Veja o caso dos oráculos, como o Tarô e o I Ching. Eles são excelentes instrumentos de autoinvestigação psicológica e podem ser úteis na resolução de problemas, mas muitos os utilizam sem seriedade alguma e sem noção do que verdadeiramente representam, pois para que o processo seja eficaz, o consulente necessita parar, silenciar e esvaziar sua mente.

No caso do I Ching, o uso ritualístico das varetas requer seus vinte ou trinta minutos, e durante o ritual a mente se aquieta, se recolhe e se afasta do barulho exterior. Essa interrupção do diálogo interno proporciona um estado mental propício para que o consulente possa captar a essência da mensagem que virá. No entanto, a mentalidade apressada do Ocidente não gostou de ter que perder tanto tempo e trocou as quarenta e nove varetas pelas três moedas, e assim gasta apenas um minuto. Pela internet, com apenas um clique consulta-se o I Ching e num mísero segundo obtém-se a resposta. Agora vem o I Ching pelo celular: você consulta na fila do maquedônaldis e no intervalo da novela. Será que é válido? Ou estarei agindo como um purista dos oráculos, antiquado e intransigente?

Sim, é válido ‒ mas apenas para quem está preparado para receber a revelação. Porque tudo pode ser um oráculo, até mesmo a numeração de uma cédula ou o som das folhas ao vento. Tudo que existe pode conter as respostas que buscamos. No entanto, se alguém busca o oráculo com pressa ou intenções frívolas, ele responderá com uma repreensão ou então ironizará o consulente com uma resposta estapafúrdia, como faria qualquer mestre. As respostas sempre virão, sim, mas o consulente precisa estar apto a captar sua essência.

No filme Matrix, Neo consulta o Oráculo e entende que ele não é o Predestinado quando, na verdade, o Oráculo diz apenas que ele ainda está aguardando por algo para ser o que de fato já é. A resposta dos oráculos são claras ou obscuras dependendo de quem pergunta porque, na verdade, é o próprio consulente, em seu nível de sabedoria maior, quem responde para si mesmo, sendo o oráculo um mero instrumento para o processo.

Quanto à patricinha e seu dilema, espero que tenha se saído bem. Mas, cá para nós, se nossa amiga depende do I Ching para arrumar namorado, talvez seja mais produtivo encurtar a saia, apelar para o silicone ou participar do Namoro na TV.

.
Ricardo Kelmer 2001 – blogdokelmer.com

.

> Esta crônica integra o livro A Arte Zen de Tanger Caranguejos

> I Ching na Wikipedia

.

.

LEIA NESTE BLOG

Livro: Matrix e o Despertar do Herói – A jornada mítica de autorrealização em Matrix e em nossas vidas

É a Tao coisa – Uma maneira intuitiva de compreender a realidade através da harmonia com o Tao

O esoterismo morreu – Assim como esoterismo superficial é um contrassenso e esoterismo pop jamais será esoterismo de verdade, seu sucesso teria necessariamente que decretar sua deturpação

Mariana quer noivar – Você abdicaria das relações amorosas em sua vida em troca de dinheiro ou sucesso na carreira?

A ilha – Uma fábula sobre o autoconhecimento

Carma de mãe para filha – Os filhos sempre pagam caro pelos pais que não se realizam em suas vidas

.

.

elalivro10Seja Leitor Vip e ganhe:

– Acesso aos Arquivos Secretos
– Descontos, promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)

.

.

 COMENTÁRIOS
.



Rumo à estação simplicidade

05/11/2011

05nov2011

Jurei me manter sempre no caminho, sem pesos nem apegos excessivos, pronto para pegar a estrada no momento em que a vida assim quisesse

RUMO À ESTAÇÃO SIMPLICIDADE

.
São Paulo surge aos poucos, me dando as boas vindas através das fábricas, indústrias e motéis que passam pela janela do ônibus. Ao longe, a silhueta paulistana de concreto, os altos prédios envoltos naquele eterno abraço cinzento. Aqui na poltrona, eu respiro fundo: mais uma estação, lá vamos nós, ô vidinha cigana…

Intuição. Ela de novo. Fazia uns meses que a danada sussurrava em meu ouvido, apontando os sinais pelo caminho. Até que, naquela manhã de primavera carioca, me espreguiçando na cama, lembrei do sonho que tivera. E então eu soube exatamente o que deveria fazer, uma certeza tranquila, que vinha não apenas da mente, mas também do corpo inteiro. Saltei da cama e enviei mensagens aos amigos, avisando que iria tentar a vida em São Paulo. E comuniquei à dona do apartamento que eu desocuparia o quarto no fim do mês. E onde ficaria em São Paulo? Não sabia. Mas isso não importava, o importante era que eu havia decidido. E que os sinais do mundo concordavam comigo.

Mudanças, mudanças… Já devia estar acostumado, eu sei, mas é que ainda não consegui me livrar desse friozinho que dá na barriga, o próprio corpo querendo me lembrar do pacto. Sim, um dia fiz um pacto: jurei me manter sempre no caminho, sem pesos nem apegos excessivos, pronto para pegar a estrada no momento em que a vida assim quisesse. E em troca dessa disponibilidade, a vida cuidaria do resto.

Percebi que, de fato, precisava ser ainda mais desapegado quando chegou a hora de me desfazer dos excessos acumulados em dois anos de Rio de Janeiro. Não era muita coisa, mas para quem está sempre se mudando, qualquer peso a mais faz diferença. Além do mais, eu nem sabia onde ficaria em São Paulo. E estava levando o computador. E ainda havia os meus próprios livros, que preciso ter sempre comigo para vender, afinal ainda sou um escritor camelô. Então a mesa e a estante eu dei. A tevê eu vendi. Pensei em levar o ventilador, mas desisti, seria um capricho. E as roupas, deixei metade delas, não foi tão difícil. Porém, admito que fraquejei ao me despedir de uma mimosa calcinha, lembrança de uma noite especial. Desculpa, dona da calcinha, mas até os caprichos românticos pesam na mochila.

Levei alguns dias para me desfazer dos livros e cedês. Cada vez que fazia a triagem, faltava coragem e eu deixava para amanhã. Mas não tinha outro jeito, e acabei dando todos os cedês, não escapou nem mesmo o da Intocáveis Putz Band, que entreguei olhando para o outro lado, para nem ver. Com os livros, porém, o dilema alcançou proporções horripilantes. Era a escolha literária de Sofia: precisei ir várias vezes ao sebo, cada vez levando um pouquinho mais de livros. No fim, decidi que iriam comigo apenas meu velho I Ching e uma dúzia de livros que precisava ler com urgência. Sentia-me triste por abandonar os velhos companheiros, mas ao mesmo estava aliviado por fazer o que devia ser feito.

Então lá estava eu olhando para os meus pertences, tudo socado em uma bolsa, duas mochilas e três caixas, sendo duas só para o computador, esse trambolho. Notebook para o escritor camelô! – esta será minha próxima campanha da fraternidade kelmérica. Pois bem, aquela tralha toda me repreendendo, ô rapaz, você tem que se tornar mais leve e ágil, quando… puff, captei! Subitamente compreendi que o tal pacto que eu fizera anos antes era mais sutil e profundo do que eu imaginava. Tratava-se de se tornar fisicamente leve, sim, para se sair bem nas mudanças – mas tratava-se também de se tornar leve de espírito, de se desapegar cada vez mais de ideias e padrões de comportamento que se tornaram pesados. Assim como as coisas se acumulam no armário, certas ideias e posturas também perdem a utilidade e, se antes eram fundamentais, com o tempo se tornam meros caprichos, e mais adiante viram um trambolho difícil de carregar. Era incrível, o pacto tinha outra camada de entendimento por baixo… A vida parecia jogar comigo, deixando mensagens cifradas pelo caminho.

Salto na rodoviária, pisando finalmente o chão paulistano, nas mãos o endereço de uma casa na zona sul. Lembro do velho ensinamento taoísta que diz que a simplicidade é a última das estações – será que ela ainda está muito longe? Enquanto o táxi avança pelas ruas, sinto-me estranhamente leve e confiante, acho que ainda estou sob efeito do clarão de percepção do dia anterior, parece um baseado de efeito prolongado. Então sorrio, pensando no quanto tentamos controlar a vida e complicamos tudo. E rio ao lembrar que uma semana antes eu não tinha sequer um lugar para ficar. Rio mais ainda quando lembro que não tenho nenhum trabalho à vista. Chego quase a gargalhar pensando na ridícula simplicidade e obviedade de tudo… O motorista me olha desconfiado. Como dizer a ele que acabo de descobrir que a coisa mais simples que pode existir é… viver?

.
Ricardo Kelmer 2006 – blogdokelmer.com

.

Esta crônica integra o livro Blues da Vida Crônica

.

Necessário, somente o necessário
trecho do filme Mogli, o Menino Lobo (1967)

.

ICI2011Capa-01dO Irresistível Charme da Insanidade
Ricardo Kelmer. Romance

Dois casais, nos séculos 16 e 21, vivem duas ardentes e misteriosas histórias de amor, e suas vidas se cruzam através dos tempos em momentos decisivos. Ou será o mesmo casal? Nesta história, repleta de suspense e reviravoltas, Luca é um músico obcecado pelo controle da vida, e Isadora uma viajante taoísta em busca de seu mestre e amante do século 16. A uni-los e desafiá-los, o amor que distorce a lógica do tempo e descortina as mais loucas possibilidades do ser.

.

LEIA NESTE BLOG

É a Tao coisa – Uma maneira intuitiva de compreender a realidade através da harmonia com o Tao

O dia em que o chinlone me pegou – A arte zen de sair por aí à toa e encontrar o que se precisa

Espirros e roteiros – Se antes eu tinha insônia por me preocupar demais em descobrir o que precisava fazer, hoje me delicio em abrir a janela dos quartos dos hotéis, molhar a ponta do dedo e botar no vento

É proibido fazer blues na praia – Arriscar outros movimentos, sem ficar determinando de antemão que é impossível, não pode não senhor

I Ching das patricinhas – Se alguém procura revelações com pressa e sem seriedade, jamais terá as revelações

Somente o necessário – É o urso Balu quem ensina: Necessário, somente o necessário, o extraordinário é demais

.

.

Seja Leitor Vip e ganhe:

Acesso aos Arquivos Secretos
– Promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)

.

.

Comentarios01COMENTÁRIOS
.


É a Tao coisa

31/10/2011

31out2011

Uma maneira intuitiva de compreender a realidade através da harmonia com o Tao

É A TAO COISA

.
Quanto mais longe se vai, há menos conhecimento;

portanto os sábios sabem sem ir,
explicam sem ver,
completam sem se esforçar.

Tao Te King

.

O Taoísmo surgiu em minha vida em 1995, pelo livro de Allan Watts, Tao ‒ O Curso do Rio, que minha amiga Ana Claudia Domene me emprestou. O interesse foi imediato. Como pude ter vivido tanto tempo sem saber que isso existia?, eu pensava, enquanto lia empolgado. A partir daí, a harmonia com o Tao transformou-me em outra pessoa, me permitindo enxergar ordem e sentido naquilo que antes era somente caos e despropósito.

Outros livros vieram depois daquele primeiro, como Taoísmo, de Anton Kielce, e O Tao da Paz, de Diane Dreher, iluminando um pouco mais o caminho. Pus o Tao Te King como meu livro de cabeceira. Estudei o I Ching e aprendi a usar as varetas para consultá-lo naqueles momentos inquietantes em que as névoas de minha estupidez me impediam de perceber o real sentido dos fatos.

Sei perfeitamente, porém, o quanto a ideia de harmonizar-se com o Tao é estranha para um ocidental como eu, programado desde o útero de minha mãe para captar a realidade do modo mais racional possível. Sei que para mim é impossível, e nem eu desejo, viver como um perfeito chinês taoísta, se é que tal coisa existe. No entanto, posso unir em mim o mais útil de cada cultura e descartar o que me for mais limitador.

Esse é o sentido positivo por trás desse intenso intercâmbio de visões sobre a realidade que o atual processo de globalização nos proporciona. Talvez unindo a racionalidade ocidental e a intuição oriental dentro de cada um de nós, possamos finalmente formar seres humanos mais coesos, equilibrados e completos.

definindo o Tao

Tentar definir em palavras o Taoísmo significa usar as ferramentas do pensamento lógico e racional para explicar algo que pertence ao reino da intuição. De qualquer forma, não deixa de ser um curioso exercício. A rigor, então, o Taoísmo seria isso: uma maneira intuitiva de compreender a realidade por meio da harmonia com o Tao.

E o que é o Tao? É um termo chinês que pode ser traduzido aproximadamente por “o caminho” ou “o sentido”. O Tao é tudo que existe e que não existe. É o fluxo indetível da realidade, o ritmo da vida. Estamos imersos nele, mesmo que não o percebamos. Os que percebem, podem ajustar-se ao seu ritmo e assim harmonizar-se com as leis da Natureza e os ciclos da vida. Quem percebe o Tao, não sofre como os que, por não o conhecerem, tentam ir contra seu ritmo. Perceber o Tao não significa, porém, abolir totalmente o sofrimento da vida, pois se o Tao é tudo que existe, ele é prazer e também é sofrimento. Harmonizar-se com o Tao significa elevar-se acima dessas dualidades limitantes, conciliando em si mesmo todos os opostos e vivendo a vida com mais fluidez e naturalidade.

O Taoísmo surgiu na China há mais ou menos cinco mil anos e foi, digamos, apresentado ao Ocidente somente no século 20. Este modo de captar a realidade, tão excêntrico aos ocidentais, desenvolveu-se basicamente por três caminhos: o filosófico, o religioso e o esotérico. No entanto, apesar do interesse pela cultura oriental que os anos 1960 trouxeram, não é fácil para os ocidentais assimilar o Taoísmo. O modelo racional-científico de compreensão da realidade que o Ocidente exportou para o resto do planeta não consegue lidar com noções tão estranhas como o Tao e suas contradições desconcertantes que entortam o raciocínio. Além disso, o conhecimento taoísta não pode ser alcançado superficialmente como sempre pretende nossa cultura consumista e descartável, ela que, com seus princípios comerciais, está sempre mais interessada em vulgarizar e massificar que aprofundar.

No entanto, se nos dispusermos a conhecê-la, a filosofia taoísta pode funcionar como excelente guia para a vida. Uma vez transpostos os primeiros arrecifes que protegem o Taoísmo dos aventureiros superficiais, os princípios do Tao começam a se revelar em toda sua praticidade, e então finalmente experimentamos o que significa unir-se a ele e viver em harmonia com tudo que existe.

Aqui, porém, cabe uma advertência. Com a tendência à racionalização exagerada que nós ocidentais possuímos, nosso envolvimento com a filosofia taoísta corre o risco de jamais passar de um inócuo exercício intelectual em vez de se constituir no que, de fato, deve ser: uma forma de nos tornarmos mais inteiros, equilibrados, fluidos e harmonizados com o ritmo do Universo. Portanto, não é demais lembrar que os princípios do Tao, sistematizados em palavras, existem tão somente para satisfazer a necessidade de orientação do intelecto, apenas isso, pois nunca será o intelecto quem nos conduzirá à harmonia com o Tao. Somente a intuição pode fazê-lo.

princípio 1: equilíbrio dinâmico

Toda vez que se tenta encaixar o Taoísmo em nossas ferramentas ocidentais de explicar a realidade, ele escapa feito água entre os dedos, nunca se deixa apanhar. É até engraçado ver o esforço para traduzir em termos precisos e científicos (ocidentalês) a natureza escorregadia do Tao e suas verdades intrigantes. É tão inútil quanto uma galinha tentar explicar a outra como late um cão. O Taoísmo pode ser explicado, resumido e esmiuçado teoricamente, mas será sempre na nossa linguagem, e em nossa compreensão científico-ocidental da realidade simplesmente não há lugar para o Tao e seus paradoxos absurdos.

Mas há um modo, sim, de penetrar no Taoísmo: pela intuição. É ela a ferramenta que nos leva ao Tao. De repente, algo estala forte dentro de você. De repente, aquele violento clarão de compreensão ‒ uma revelação! É como encontrar subitamente a resposta da charada, perceber a obviedade gritante da coisa e se admirar de não haver percebido antes. Mas infelizmente a intuição é uma função psicológica pouquíssimo valorizada em nossa cultura.

Esqueça o intelecto. Compreender o Tao não é um esforço racional, mas um sutil exercício intuitivo. Na verdade, para acessar a compreensão do Tao não é preciso aprender nada, mas desaprender. Costuma-se dizer que os taoístas não acessam conhecimento algum: eles descartam o que sabem. Somente assim, livrando-se do peso limitante das velhas verdades, é que se pode atentar para os movimentos naturais que regem a vida.

Os órgãos de nosso corpo estão sempre em movimento, influenciando nossas atitudes, mas não nos damos conta. Assim também funciona o Universo, sempre se transformando e nos influenciando. O equilíbrio da vida se baseia exatamente nessa eterna mudança, como a Primavera que sempre vem ‒ exatamente porque suas folhas nunca são as mesmas.

Penetrar nos mistérios do Tao é simplesmente sentir a vida e suas manifestações, e respeitá-las. É entrar em equilíbrio com o dinamismo do eterno movimento da vida, do mundo e de nós mesmos.

princípio 2: unicidade cósmica

Uma grande utilidade do Taoísmo é que aprendemos que não precisamos mudar o mundo: tudo que temos de fazer é mudar a nós mesmos. Porque nós e o mundo que nos cerca somos a mesma coisa.

Tudo que existe está interconectado de tal forma que nada escapa à ação de algo, como espelhos a refletir outros espelhos. A neurofisiologia trabalha com a mesma ideia. A psicologia junguiana, ao propor o conceito de sincronicidade, ruma para as mesmas conclusões. A física quântica chocou a opinião científica ao concluir que não existe a tal neutralidade científica, pois para se determinar a profunda natureza de qualquer objeto, o observador deve incluir o próprio ato de observar, o que necessariamente envolve observador e observado no mesmo fenômeno. Em outras palavras: a realidade em si não existe. O que existe é a nossa relação com ela.

Meio louco, não? Pois é. Esse é o princípio taoísta da unicidade cósmica. E é curioso notar como as ciências começam também a encontrá-la em seus próprios experimentos.

princípio 3: crescimento cíclico

Ao seguir o Tao, aprendemos a nos livrar sempre um pouco mais do peso limitador do ego. O ego (centro da parte consciente da psique) é vital para a saúde psíquica, sim, mas um ego inflado ocupa espaço demais na psique e desequilibra o todo, e uma pessoa não é apenas o ego, mas sim um todo que envolve o ego e outras partes da consciência e do inconsciente.

Ao nos darmos conta do Tao, aprendemos a inutilidade de querer, a todo custo, submeter a vida aos caprichos de um ego obcecado por seus exclusivos interesses. É esse tipo de desejo que o Taoísmo não tolera, pois sabe que a vida tem seu próprio movimento natural, seus ciclos de alta e baixa, e que mais sábio é harmonizar-se com ela, e não tentar impor o próprio desejo ao rumo dos acontecimentos. O Tao é feito de tudo, inclusive o que nos parece errado, mau e feio. Em outras palavras: a dor e as quedas fazem parte da caminhada e delas nunca escaparemos, porém a pior dor é sofrer sem ver nisso qualquer sentido.

Tal atitude de relaxamento e confiança no Tao parte do pressuposto que a vida tem um sentido e sabe exatamente o que nos faz. O bom navegador conhece as marés e as respeita. O taoísta sabe que a vida é feita de fluxos e refluxos, e que identificá-los é essencial para não ser engolido pelas ondas que movimentam a vida.

princípio 4: ação harmoniosa

É comum a ideia de que o relaxamento perante a vida faz do taoísta uma pessoa passiva em relação ao mundo que o cerca. É uma impressão falsa. A calma e aparente passividade do taoísta disfarça o contínuo trabalho silencioso que ele empreende. O taoísta sabe que as forças naturais da vida são o maior poder que existe e que aquele que se entende com elas detém o verdadeiro poder. Ele então trabalha no sentido de captar essas forças sutis e harmonizar-se com elas, o que só é possível dentro de um estado de espírito de relaxada concentração.

Numa primeira olhada, tal atitude de interiorização pode parecer passiva e desinteressada. Mas o wu-wei, como os chineses denominam essa atitude do espírito (e que pode ser aproximadamente traduzido por ação harmoniosa), é na verdade um movimento parecido com a prática de surfar com o corpo nas ondas do mar: ao surfista, é preciso calma e concentração para abandonar a resistência à onda no momento certo, assumir a posição correta e deixar o corpo ser conduzido pela força da onda, muito maior que a de qualquer pessoa. Ele só terá êxito se confiar inteiramente no mar e transformar-se numa parte dele, submetendo-se, relaxado e humilde, ao sentido do movimento.

Isso não tem nada de passividade. Isso é uma ação harmoniosa, que só é possível através de tranquilidade, confiança e interação com as forças da Natureza. Para uma pessoa comum, um problema geralmente significa algo contra o qual se deve lutar. O taoísta não entende assim. Para ele, toda situação problemática que se apresente faz parte do curso natural da vida e, por isso, não deve ser entendida como um terrível inimigo a quem se deve vencer a todo custo, mas como o resultado dos movimentos naturais do mar da vida, que criaram uma onda. Se ela vai afogá-lo ou conduzi-lo à segurança da praia, isso depende do quanto ele conseguirá harmonizar-se com a situação.

princípio 5: dissolução da dualidade

O mito cristão da expulsão do Jardim do Éden é uma maneira simbólica (e nem por isso menos verdadeira) de explicar o processo de surgimento da consciência humana. Com uma forma mais refinada de consciência, nossos ancestrais se diferenciaram de seus parentes hominídeos e começaram a se questionar sobre a realidade. Assim surgiram as dualidades, tão necessárias ao crescimento psíquico da espécie.

Bem e mal, mente e corpo, luz e sombra, vida e morte. Feminino e masculino. Yin e yang. De repente, a existência tornou-se uma grande feira de conceitos e opostos por onde a espécie teria de se movimentar e se situar no contexto geral da existência.

Que mal há nos opostos da vida? Em si, nada. Eles de fato são necessários durante certa etapa de aprimoramento da consciência. Porém, ao fragmentar a realidade em contrários, tendemos à identificação com um deles e desprezamos o outro, e assim nos limitamos tendo de escolher o tempo todo entre isso e aquilo, o que nos torna unilaterais, enxergando sempre a realidade de forma fragmentada e sem perceber sua natureza una. É assim que nos aliamos ao que consideramos certo e entendemos que é errado tudo que não se alinha conosco. É assim que surgem o medo do outro, a intolerância e os preconceitos. E assim surgem as guerras, pois nunca identificamos o mal em nós mesmos.

Ao seguir o Tao, ruem por terra os opostos. Eles seguem existindo, mas agora são usados pelo taoísta de forma diferente. Ao entender que não somos nem nunca seremos um dos opostos, mas sempre os dois, começamos a lidar melhor com nossos defeitos e, consequentemente, com os defeitos alheios. Somente essa compreensão já transforma o mundo, não duvide.

Agora, vejamos: se isso ocorre em termos de conceitos morais, o que dizer de conceitos como aqui e ali, ontem e amanhã? Se o Taoísmo nos guia naturalmente para a dissolução dos opostos, ele nos conduz também para uma compreensão mais abrangente do espaço e do tempo, onde as divisões começam a sumir feito névoa e nos surge… a percepção do todo. Surge-nos a indescritível sensação de perceber que na verdade tudo é uma coisa só, até mesmo o tempo e o espaço.

Deixei por último, de propósito, uma categoria de opostos: eu e o outro. Eu e aquilo que não sou eu. Entre os conceitos humanos, certamente é esse o mais intrigante e limitador dos contrários. Sendo o mais difícil de superar, por isso mesmo deve esconder o mais libertador dos segredos. Qual será?

.
Ricardo Kelmer 1999 – blogdokelmer.com

.

.

MAIS SOBRE  TAOÍSMO

ICI2011Capa-01dO Irresistível Charme da Insanidade
Ricardo Kelmer – romance

Dois casais, nos séculos 16 e 21, vivem duas ardentes e misteriosas histórias de amor, e suas vidas se cruzam através dos tempos em momentos decisivos. Ou será o mesmo casal?

Luca é um músico obcecado pelo controle da vida, e Isadora uma viajante taoísta em busca de seu mestre e amante do século 16. A uni-los, o amor que desafia a lógica do tempo e descortina as mais loucas possibilidades do ser.

.

LEIA NESTE BLOG

Rumo à estação simplicidade – Jurei me manter sempre no caminho, sem pesos nem apegos excessivos, pronto para pegar a estrada no momento em que a vida assim quisesse

O dia em que o chinlone me pegou – A arte zen de sair por aí à toa e encontrar o que se precisa

Espirros e roteiros – Se antes eu tinha insônia por me preocupar demais em descobrir o que precisava fazer, hoje me delicio em abrir a janela dos quartos dos hotéis, molhar a ponta do dedo e botar no vento

É proibido fazer blues na praia – Arriscar outros movimentos, sem ficar determinando de antemão que é impossível, não pode não senhor

I Ching das patricinhas – Se alguém procura revelações com pressa e sem seriedade, jamais terá as revelações

Andarilho – Eu sempre fui andarilho / Mas é assim que prefiro / Viver desse vento que eu sou

.

DICA DE LIVROS

Tao Te King – Comumente traduzido por O Livro do Caminho e da sua Virtude, é um dos antigos escritos chineses mais conhecidos e importantes. Acredita-se que foi escrito em cerca de 600 antes da era cristã por um sábio chamado Lao Tsé (“Velho Mestre”), como um livro de provérbios relacionados com o Tao, e que acabou servindo como obra inspiradora para diversas religiões e filosofias, em especial o Taoísmo e o Budismo Chan (e sua versão japonesa, o Zen).

I Ching – Também conhecido como O Livro das Mutações, é um texto clássico chinês que pode ser compreendido e estudado tanto como um oráculo quanto como um livro de sabedoria e autoconhecimento. Uma das melhores edições em português é a da editora Pensamento, com tradução (do chinês para o alemão) e comentários de Richard Wilhelm e prefácio de Carl Gustav Jung, sendo a tradução para o português de Alayde Mutzenbecher e Gustavo Alberto Corrêa Pinto.

Tao – O Curso do Rio (Allan Watts, Editora Pensamento) – Ao longo dos últimos anos, graças a seus inúmeros livros, Alan Watts ficou conhecido como um dos filósofos mais curiosos e não convencionais do nosso tempo. Autor de mais de uma dezena de obras sobre filosofia comparada e religião, também se tomou conhecido nos Estados Unidos e fora dele como professor e conferencista. Especializando-se na interpretação do pensamento oriental para ocidentais, neste seu ultimo livro, completado depois da sua morte por seu amigo e colaborador Chung-Liang Huang, Alan Watts ergueu o véu acadêmico que tantas vezes obscurece o Tao, o caminho da cooperação do indivíduo com o fluxo do mundo natural.

Taoísmo (Anton Kielce, Editora Martins Fontes, Coleção Oriente Secreto) – O Tao é, ao mesmo tempo, a unidade profunda, indissolúvel, que liga todas as coisas, e o imperceptível escoamento dessa realidade global. Ser taoísta é aderir, a cada segundo, a esta indefinível essência da vida, além de qualquer ordem e de qualquer conceito fragmentário, em perpétua renovação, deslumbramento e espontaneidade.

O Tao da Paz – Guia para a paz interior e exterior (Diane Dreher, Editora Campus) – Os princípios taoístas podem ser usados como um poderoso instrumento para encontrar a paz interior e engendrar mudanças sociais positivas. Este livro está recheado de casos, além de meditação e exercícios físicos.

.

TAI-CHI EM SÃO PAULO
Espaço Luz – Tai Chi Pai Lin – Rua Fradique Coutinho, 1434 – Vila Madalena. Tai-chi, massagem e meditação.

.

.

Seja Leitor Vip e ganhe:

Acesso aos Arquivos Secretos
– Descontos, promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)

.

.

Comentarios01COMENTÁRIOS
.

01- O Tao que pode ser lido não é o verdadeiro Tao. :-P. Luciano ES, São Paulo – out2011

02- Existem muito mais coisas entre o Tao e a terra do que sonha nossa vã filosofia!!! Maria Do Carmo Antunes, São Paulo-SP – out2011

03- Simples e Tao. Concordo contigo, é uma grande revelação. Helano Araripe, Fortaleza-CE – out2011

04- Excelente! Gostei muito mesmo! Fiquei até com vontade de escrever! O caminho da simplicidade me fez lembrar diversas – quase literalmente – passagens da minha vida! Abraço forte! Júlio César Martins de Menezes, Fortaleza-CE – dez2011

05- Muito elucidativo seu texto sobre o Tao. É possível perceber a diferença entre o mundo da razão e o da intuição a partir da visão taoísta. Parabéns pelo texto, Kelmer. Vou divulgá-lo. Obrigado por compartlhá-lo. Abs. Felipe Moreno, São Paulo-SP – dez2011

06- E o TAO da Física :))))((((( Beth Kelmer, Juiz de Fora-MG – dez2011

07- ‎”Sei que para mim é impossível, e nem eu desejo, viver como um perfeito chinês taoísta, se é que tal coisa existe. No entanto, posso unir em mim o mais útil de cada cultura e descartar o que me for mais limitador”. Faço minhas as palavras do grande Ricardo Kelmer. Texto sensacional. Marcelo Gavini, São Paulo-SP – dez2011

08- que bom em rica, o taoismo é sempre bem vindo. Moacir Bedê, Fortaleza-CE – dez2011


Reencarnação e vidas simultâneas

27/05/2011

Ricardo Kelmer 2011

A vida de Luca e Isadora no século 16 influencia suas vidas no século 21 e vice-versa, como se o “eu” existisse em mais de uma vida ao mesmo tempo
.

.

Já pensou você descobrir que numa outra vida já viveu um grande amor com a pessoa que hoje está com você?

É sobre isso o meu romance O Irresistível Charme da Insanidade. É a história do amor maluquete do casal viajandão Luca e Isadora. Ele é um cantor de blues e ela uma mochileira taoísta que acredita ser ele a reencarnação de seu grande amor do século 16. A história se passa simultaneamente na Espanha quinhentista e nas praias do Nordeste do século 21.

Para mim, particularmente, a teoria da reencarnação não faz sentido. Mas é uma ideia que pode render boas histórias. A prova disso é o sucesso dos livros espíritas com suas histórias românticas sobre amores através dos séculos. Tem quem goste. Eu, porém, acho esses livros de uma caretice irritante, argh!, um moralismo açucarado e gosmento, o bem e o mal muito bem definidinhos, seres da luz e seres das trevas, aaaargh! Quem gosta de moralismo e caretice, vou logo avisando, é bom nem chegar perto do meu romance.

Mas voltemos à ideia. Já pensou você descobrir que numa outra vida viveu um grande amor com a pessoa que hoje está com você? Uau!!! Deve ser emocionante, heim? Bem, isso também pode render alguns probleminhas extras, pois o casal terá o dobro de motivos para brigar, além de se confundirem o tempo todo:

– Aquela fulaninha tá ligando pra você de novo.

– De novo não, naquela época não tinha telefone. E você, já deu pro Betão?

– Dei, mas foi na outra vida.

– Acho que a gente tá passando pela crise dos sete séculos…

Mas… e se a outra pessoa não acredita em reencarnação, acha essas coisas uma grande bobagem, acha que você está viajando na maionese, e aí? O que você faria? Tentaria fazer com que ela lembrasse, sugerindo, por exemplo, uma terapia de vidas passadas? Ou se conformaria e deixaria para lá? E se de repente você se pegasse agindo de forma estranha, culpando a pessoa por coisas da outra vida?

Esse é justamente o tema central do meu romance. Nele, no entanto, a ideia da reencarnação funciona como um gancho para uma outra ideia: a multidimensionalidade do ser, em que a consciência não está restrita ao corpo físico nem ao tempo presente, mas atua simultaneamente em várias dimensões do tempo-espaço. A vida de Luca e Isadora no século 16 influencia suas vidas no século 21 e vice-versa, como se o “eu” existisse em mais de uma vida ao mesmo tempo e elas estivessem conectadas.

É uma ideia bem louca, eu sei, eu sei. Mas tem seu charme, admita.

.

Ricardo Kelmer 2011 – blogdokelmer.com

.

.

O Irresistível Charme da Insanidade
Romance – Arte Paubrasil, 2011
14 x 21 cm – 160 pag – ISBN: 9788599629352

Um músico obcecado pelo controle da vida. Uma viajante taoísta em busca da reencarnação de seu mestre-amante do século 16. O amor que desafia a lógica do tempo e descortina as mais loucas possibilidades do ser.

Mais sobre o livro e trilha sonora

Para adquirir o livro

.

.

Blues de luz neon – clipe
(da trilha sonora do romance)

.

.

Seja Leitor Vip e ganhe:

– Acesso aos Arquivos Secretos
– Promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer(arroba)gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer. (saiba mais)

.

.

Comentarios01 COMENTÁRIOS
.

.


O segredo dos predestinados

13/10/2008

13out2008

OSegredoDosPredestinados-03

O SEGREDO DOS PREDESTINADOS

.
No futuro, a humanidade é prisioneira de sua própria criação, a Inteligência Artificial, que criou a Matrix, uma realidade virtual onde foram inseridos todos os seres humanos para que eles não oponham resistência ao poder das máquinas. Todos não, pois um grupo de rebeldes mantém-se fora dessa realidade e luta para libertar o restante da humanidade. Eles creem na profecia do Oráculo que diz que um Predestinado um dia virá para vencer as poderosas máquinas e salvar a todos. Para eles, Neo, um jovem que vive na Matrix, é o Predestinado. Neo de fato desconfia que há algo errado com a realidade, mas não pode aceitar que ele seja o tão aguardado salvador.

.
Depois de ver o filme Matrix e ler certas críticas (o filme não tem história, ela é confusa demais, vale apenas pelos efeitos especiais, é só uma colagem de citações…) decidi meter o nariz onde não fui chamado. E contar do segredo. Matrix é grandioso. Sua história é densa e intrincada, sim, mas para quem anda familiarizado com certas questões atuais, Matrix é claro. É uma ótima história em ritmo de cinemão e expõe ao grande público uma nova e intrigante fronteira que de agora em diante não mais poderemos evitar: a questão do que é de fato a realidade. Com o advento da realidade virtual, ultrapassamos o ponto de retorno e teremos agora que encarar mais esse desafio sobre as possibilidades da psique. Matrix tem um conteúdo tão rico que pode-se abordá-lo sob diversos ângulos. Escolhi o ângulo da mitologia.

Mitos são como esqueletos da psique, imprescindíveis a quem busca entendê-la. Matrix reedita um velho tema mitológico que se repete desde nossos peludos antepassados: a jornada do herói. Trata-se de uma metáfora do processo de crescimento psicológico, autoconhecimento e verdadeira realização do ser humano. O herói, nos mitos, somos cada um de nós, representados no personagem que abandona sua terra (a segurança de velhas certezas) e parte em busca de algo precioso (verdades mais úteis e abrangentes) e enfrenta inimigos terríveis (encarar os próprios medos e o desconhecido de si mesmo). Jornada difícil e perigosa, que requer coragem, obstinação e honestidade. Mas o herói vence o desafio e volta à sua terra, levando benfeitorias a seu povo e às vezes substituindo um velho rei doente ou injusto (renovação).

Neo, o herói de Matrix, aventura-se entre sonho e realidade, em mistérios que podem enlouquecê-lo e até matá-lo. Ele recusa-se a crer que possa ser o Predestinado de que fala a profecia e que salvará as pessoas, e essa dúvida faz com que o Oráculo consultado não o esclareça. Oráculos são meros instrumentos de autoinvestigação psicológica com os quais podemos obter respostas sobre nós mesmos pela concentração e meditação. Até que nem tanto esotérico assim. A rigor, ninguém precisa de um oráculo para saber sobre si, porém o ritmo de vida atual nos afastou de nosso mundo interior e são exatamente o simbolismo e a ritualística dos oráculos que propiciam essa interiorização. Na verdade, quem responde à questão lançada somos nós mesmos, ou melhor, uma parte de nós que é mais sábia e mais antiga, e que não costumamos ouvir no dia a dia.

Neo consulta o Oráculo. Mas a ideia de ser o Predestinado o incomoda e ele obtém a resposta que deseja ouvir. Porém, atente: o Oráculo não diz em momento algum que ele não é o Predestinado. Diz apenas que ele tem o dom, mas parece esperar algo. E quanto a isso ninguém pode fazer nada, nem oráculos, nem deuses, nem ninguém. Somente o próprio herói pode trilhar seu caminho. Somente ele pode encontrar sua própria verdade, aquela que concretizará todos os seus dons e finalmente o libertará.

A jornada pessoal de autorrealização nos põe em situações onde não confiamos em nosso potencial. Somos capazes de grandes proezas quando temos plena consciência de quem somos, porém chegar a essa autoconscientização é difícil. Conhecer verdadeiramente quem somos é luta travada no campos da consciência e do inconsciente, guerra de toda uma vida onde cada autorrevelação é uma importante batalha vencida. O verdadeiro autoconhecer-se dói muito porque implica necessariamente enfrentar o que se teme, tornar-se o que se evita ser, entrar no fogo dos piores medos. A recompensa é o mundo novo que só a realização mais íntima nos traz.

No mundo de Matrix as pessoas estão adormecidas, sem senso crítico, e creem no que lhes é dado a crer. Nada muito diferente de nosso mundo atual, onde a massificação das ideias faz as pessoas perderem a noção de si mesmas, onde querem nos convencer que numa sociedade desonesta e violenta temos de ser mais violentos e desonestos que os outros. Difícil fugir desse círculo vicioso. Em Matrix, Neo sofre para aprender que tudo que precisa é… mudar a visão que tem de si próprio, só isso. Não pense que é, saiba que é. A profecia diz que o Predestinado mudará o mundo e salvará a humanidade. Neo não pode crer-se capaz disso tudo. Mas o segredo da vitória do herói esconde uma simples e irônica verdade: para mudar o mundo, basta mudar a si mesmo. Transforme-se e tudo em volta se transformará – eis o segredo! Porque a aparente separação das coisas esconde a unicidade de tudo que existe. Talvez seja impossível dobrar uma colher com o pensamento. Mas se você sabe que a colher e você são a mesma coisa, então basta dobrar a si mesmo.

O mito da jornada do herói ensina que o destino de cada um de nós é realizar o que verdadeiramente somos mas ainda não aceitamos. A aventura de Neo é a de nós todos em busca de nossa essência mais legítima, aquela que enfim nos libertará. Até alcançá-la a vida nos provará de muitos modos e teremos de conviver com dolorosas incertezas e autoenganações. Porém, indo do micro para o macro, a aventura de Neo é a aventura da humanidade inteira, em busca de sua sobrevivência como espécie. Num tempo de tecnologia idolatrada e valores essenciais esquecidos, corremos o risco de ver nossa própria criação voltar-se contra nós. Diante disso a única saída parece ser, ainda, seguir o que dizia, logo em sua entrada, o Oráculo de Delphos na Grécia antiga: Conhece-te a ti mesmo. A tecnologia não tem sentimento. Nós temos. Uma máquina não é capaz de amar. Nós somos. Essa diferença óbvia pode pesar bastante no roteiro do nosso filme.

Um certo nazareno, dois mil anos atrás, ensinava que somos todos deuses. Sigamos pelo mesmo caminho: igual a Neo, somos todos heróis. Heróis de nossas próprias vidas. Como Neo, nascemos predestinados a realizarmos a nós mesmos. Feito um Salvador, cada um de nós tem o poder de mudar o mundo. Mas é preciso antes mudar a forma como entendemos a nós próprios. Eis o segredo que se esconde por trás do filme Matrix e também de toda a vida. O segredo que de tão óbvio não se vê, mas que aguarda pacientemente por todos os predestinados.


Ricardo Kelmer 1999 – blogdokelmer.com

.

Este texto integra o livro A Arte Zen de Tanger Caranguejos

Este texto no site Adoro Cinema

.

FILMEMatrix-012Matrix (The Matrix, EUA, 1999)

ARGUMENTO, ROTEIRO E DIREÇÃO: Lilly e Lana Wachowski
ELENCO: Keanu Reaves, Lawrence Fishburne, Carrie-Anne Moss, Hugo Weaving

.

.

.

.

Matrix2012Capa14x21aMatrix e o Despertar do Herói
A jornada mítica de autorrealização em Matrix e em nossas vidas

Analisando o filme Matrix pela ótica da mitologia e da psicologia do inconsciente e usando uma linguagem simples e descontraída, RK compara a aventura de Neo ao processo de autorrealização que todos vivem em suas próprias vidas.

.

.

en español

EL SECRETO DE LOS PREDESTINADOS

Ricardo Kelmer

Después de ver la película Matrix entusiasmadas veces y de leer ciertas críticas (que el filme no tiene historia o que ella es confusa en exceso, que vale apenas por los efectos especiales, que es sólo un collage de citas…) decidí meter la nariz donde no fui llamado. Y contar el secreto.

Matrix es grandiosa. Su historia es densa e intrincada, sí, pero para quien anda familiarizado con ciertas cuestiones actuales, Matrix es claro. Se trata de una óptima historia en ritmo de gran cine y expone una nueva e intrigante frontera que ya no podremos evitar más: la cuestión de qué es de hecho la realidad. Con el advenimiento de la realidad virtual, sobrepasamos el punto de retorno y ahora tendremos que encarar más ese desafío sobre las posibilidades de la Psique. Matrix es tan fuerte en su contenido tan rico que se puede abordar bajo diversos ángulos. Elegí el ángulo de la mitología

Los mitos son como esqueletos de la psique, imprescindibles para su comprensión. En Matrix, se reedita un viejo tema que se repite desde nuestros más remotos y peludos antepasados: la travesía del héroe. Se trata de una metáfora del proceso del crecimiento psicológico y la auto-realización del ser humano. El héroe, en los mitos, somos cada uno de nosotros, representados en un personaje que generalmente precisa abandonar su tierra (la seguridad de viejas certezas) y partir en busca de algo precioso (verdades más útiles y abarcadoras) o enfrentar enemigos terribles (encarar los propios miedos y bloqueos). Travesía difícil, y peligrosa, que requiere coraje, obstinación y honestidad. Pero el héroe vence el desafío y retorna a su tierra, llevando buenas obras a su pueblo y muchas veces substituyendo a un viejo rey enfermo o injusto (renovación).

Neo, el héroe de Matrix, se aventura en una realidad que parece un sueño, partiendo en busca de un misterio que puede enloquecerlo y hasta matarlo. El se niega a creer que pueda ser el Predestinado de quien habla la profecía y que cambiará el mundo y despertará a las personas. Esa duda hace que el Oráculo consultado no lo esclarezca. Los oráculos son meros instrumentos de auto-investigación psicológica donde podemos obtener respuestas sobre nosotros mismos a través de concentración y la meditación. Hasta que ni tan esotéricamente así. En rigor nadie precisaría un oráculo para saber sobre sí. Entretanto, el ritmo de la vida actual nos apartó de nuestro mundo interior y son exactamente el simbolismo y la ritualidad de los oráculos los que propician esa interiorización. En verdad quien responde a la cuestión lanzada somos nosotros mismos, o mejor, una parte de nosotros que es más sabia y que no acostumbramos a escuchar en el día-a-día. Si la respuesta es oscura, es porque la pregunta también lo fue. La pregunta cierta ya contiene en sí la respuesta.

Neo consulta al Oráculo. Pero la idea de ser el Predestinado lo incomoda y obtiene la respuesta que desea oír. Por lo tanto, presta atención: el Oráculo no dice en momento alguno que él no es el Predestinado. Dice apenas que él no está preparado. Preparado para entender que de hecho lo es é. En cuanto a eso, nadie puede hacer nada, ni los oráculos ni los dioses ni nadie.

La travesía personal de auto-realización nos pone en una situación donde no confiamos en nuestro potencial. Sólo somos capaces de mucha cosas cuando tenemos perfecta conciencia de quién somos y de lo que podemos hacer. Por lo tanto, llegar a esa autoconcientización es difícil. Conocer verdaderamente quién somos es una lucha armada trabada en los campos de la conciencia y del inconsciente, guerra de toda una vida donde cada auto-revelación representa una importante batalla vencida. El verdadero autoconocerse duele hasta doler porque implica necesariamente enfrentar lo que se teme, volverse lo que se evita ser, entrar en el fuego de los peores miedos. La recompensa es el mundo nuevo que la realización más íntima nos trae.

En el mundo de Matrix las personas están adormecidas y sin sentido crítico. Creen en lo les es dado para creer. Nada muy diferente de nuestro mundo actual, donde la masificación de las ideas hace que las personas pierdan la noción de sí mismas, donde nos quieren convencer de que en una sociedad deshonesta y violenta tenemos que ser más violentos y deshonestos que los otros. Es difícil huir de ese círculo vicioso. En Matrix, Neo sufre como loco para aprender que todo lo que precisa es… cambiar la visión que tiene sí mismo, apenas eso. No tienes que pensar que eres, debes saber que eres. La profecía dice que el Predestinado cambiará el mundo y salvará a la humanidad. Neo no puede creer que sea capaz de todo eso. Pero el secreto para la victoria del héroe esconde la más simple y la mayor de todas las ironías: para cambiar al mundo, basta cambiarse a sí mismo. Transfórmate y todo alrededor se transformará – ¡es el secreto! Porque la aparente separación de las cosas esconde la unicidad de todo lo que existe. Tal vez sea imposible doblar una cuchara con el pensamiento. Pero si sabes que la cuchara y tú son la misma cosa, entonces basta doblarse a sí mismo.

El mito de la travesía del héroe nos enseña que el destino de cada uno de nosotros es realizar lo que verdaderamente somos pero que todavía no aceptamos. La aventura de Neo es la aventura de todos nosotros en busca de nuestra esencia más legítima, aquella que al fin nos liberará. Hasta alcanzarla, la vida nos pondrá a prueba de muchas maneras y tendremos que convivir con dolorosas incertidumbres y auto-engaños. Entretanto, yendo de lo micro hacia lo macro, la aventura de Neo es la aventura de la humanidad entera, en busca de su supervivencia como especie. En un tiempo de tecnología idolatrada y valores esenciales olvidados, corremos el riesgo de ver nuestra propia creación volverse contra nosotros. Ante tal posibilidad, la única salida parece ser, todavía, seguir lo que decía, justo en su entrada, el Oráculo de Delfos en la Grecia Antigua: conócete a ti mismo. La tecnología no tiene sentimiento. Nosotros lo tenemos. Una máquina no es capaz de amar. Nosotros somos. Esa diferencia obvia puede pesar bastante en el guión de nuestra película.

Cierto nazareno revolucionario, dos mil años atrás, ya decía que somos todos dioses. Pues voy en el mismo camino: igual que Neo, somos todos héroes. Héroes de nuestras propias vidas. Como Neo, estamos predestinados a realizarnos a nosotros mismos. Hecho un Salvador, cada uno de nosotros tiene el poder de cambiar o mundo. Pero antes es preciso cambiar la forma como nos entendemos a nosotros mismos. Es el secreto que se esconde detrás de la película Matrix y también de toda la vida. El secreto que de tan obvio no se ve y que aguarda pacientemente a todos los predestinados.

.

.

LEIA TAMBÉM

Blade Runner: Deuses, humanos e androides na berlinda – Como todo ser, o criador busca sempre transcender a sua própria condição e é criando que ele faz isso.

A ilha – Uma fábula sobre o autoconhecimento

Pesadelos reais (filme Alucinações do Passado) – A realidade, em si, não existe – o que existe é nossa interação com ela

Cine Kelmer apresenta – Dicas de filmes

Mulheres na jornada do herói – É ainda mais interessante ver o relato das mulheres, pois elas sempre foram, mais que os homens, historicamente reprimidas na busca pela essência mais legítima de suas vidas

.

.

Seja Leitor Vip e ganhe:

– Acesso aos Arquivos Secretos
Descontos, promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer
(saiba mais)

.

.

Comentarios01COMENTÁRIOS
.

01- Acabo de ler seu fantástico artigo sobre o filme MATRIX. Até hoje não li crítica tão perfeita sobre esse ainda incompreendido filme, mas que com certeza ficará na história do cinema como marco (não foi assim com 2001 uma odisséia no espaço?). Parabéns pela qualidade da abordagem comparativa entre o enredo e a mitologia, além do foco dado à mensagem de que tal como afirmava Emerson “somos aquilo que pensamos”. Mantovanni Colares, Fortaleza-CE – ago1999

02- Gostaria de prabeniza-lo pela sua maravilhosa reportagem acerca do filme MATRIX que foi publicada segunda feira no jornal O POVO. Fiquei encantando com a forma coom que vc utilizou o arquétipo junguiano do herói, e com todo o seu ponto de vista sobre como a sociedade moderna encontra-se em relação a essa “tecnologia”. Infelizmente o meu jornal com a matéria sobre o filme foi jogado fora, caso vc pudesse enviar-me o artigo ficaria muito contente. Thaís, Fortaleza-CE – ago1999

03- Adorei principalmente o seu comentário sobre o filme “Matrix”, já sou fã mesmo antes de assistí-lo, estou ansioso para que o filme chegue em vídeo. Bem, eu adoraria adquirir “Matrix” . Eu já havia lido várias críticas sobre o filme, algumas depreciativas e outras elogiando o filme, mas me convenci ainda mais de que se trata do melhor filme dos últimos tempos após ler a sua crítica sobre o filme. Jurandyr G. Loureiro, Linhares-ES – ago1999

04- Escrever é um ato solitário, eu sei de mim solitário também… Parabéns. Ótimo artigo em O Povo de hoje. Sensacional, digno de reprodução Federal, quiçá mundial. Suas abordagens são maravilhosas, me fez viajar na simples aventura humana: a da compreensão (ou busca) de si mesmo. Procuro dar minha colaboração, na internet, há anos, envio diáriamente algo chamado Kbytes de Sabedoria (inspirado no Minutos de Sabedoria…) que são trechos sábios como daquele livrinho azul, da bíblia e de outras fontes de sabedoria. Hoje, no Kbytes… o dia é seu, fiz questão de dividir e propagar as suas idéias com os netfriends. Parabéns e grato mais mais uma vez, pela luz! Giovanni Colares, Fortaleza-CE – ago1999

05- Fiquei emocionada com sua abordagem sobre o filme Matrix no O Povo (O segredo dos predestinados), 9/8/99. Foi absolutamente perfeito. Já li três vezes e nunca ouvi falar de você. Leio o Diário e O Povo $todos os dias. Já li muitos livros mas hoje o cinema me fascina. Mande-me umas dicas de filmes. E escreva mais. Você tem talento e escreve com uma beleza incomum! Parabéns! Irei assistir o filme só porque li seu artigo. Edita Machado, Fortaleza-CE – ago1999

06- Caro Ricardo , Fiquei sendo seu fã desde que em 1999 qdo assiti a uma palestra tua no auditório do colegio capital sobre o filme MATRIX. Na tua palestra fizeste uma analogia de espelhos dentro de uma bola de vidro a refletir a luz do sol com nós seres humanos e perguntaste: O que é necessário fazer para mudar o modo do globo de vidro refletir a luz do sol? Ao que respondeste… basta mudar um só espelho. Assim querias dizer que não precisamos mudar ninguém somente a nós mesmo. Cara vc não sabe o quanto já falei de vc para as pessoas a quem conto esta analogia. O fato é que ouvir aquelas tuas palavras me levou a uma pesquisa igual “A ILHA”. Continue sempre assim… em constante questionamento consigo mesmo pois acredite foi assim que passei a ser uma pessoa melhor. Luiz Ferreira de Sousa Junior, Fortaleza-CE – nov2004

07- Te achei procurando um texto sobre Neo – Matrix e foi o “ O SEGREDO DOS PREDESTINADOS” que li e adorei. Como você conseguiu falar tudo tão bem. Simplesmente adorei. E já andei fuçando seu site também. É muita coisa para ler. Terei muito que fazer. Lais Paulinelli, Belo Horizonte-MG – jan2007

OSegredoDosPredestinados-03a


O Irresistível Charme da Insanidade – cap 3

03/09/2008

O amor insano. O amor desafiador do tempo. O amor que descortina as mais absurdas possibilidades do ser.
.

Dois casais, nos séculos 16 e 21, vivem duas ardentes e misteriosas histórias de amor, e suas vidas se cruzam através dos tempos em momentos decisivos. Ou será o mesmo casal? Nesta história, repleta de suspense e reviravoltas, Luca é um músico obcecado pelo controle da vida, e Isadora uma viajante taoista em busca de seu mestre e amante do século 16. A uni-los e desafiá-los, o amor que distorce a lógica do tempo e descortina as mais loucas possibilidades do ser.

> Para adquirir: rkelmer@gmail.com – Instagram: @ricardo_kelmer

> Todos os livros

.

O IRRESISTÍVEL CHARME DA INSANIDADE

CAPÍTULO 3
.

A AGENDA DA SEMANA estava animada. Na quinta a Bluz Neon faria um show no Papalégua, barzinho famoso no bairro da boêmia Praia de Iracema. Na sexta seria o aniversário do Balu, o tecladista da banda. E no sábado a Bluz Neon tocaria num festival de rock na praia do Cumbuco, a meia hora da cidade. Para Luca seriam boas oportunidades para se refugiar sob o manto generoso da noite e esquecer que o dia o aguardava do outro lado.

– Tenho a honra de apresentar… – Carlito, o dono do Papalégua, anunciou. – Junior na guitarra, Ranieri no baixo, Balu nos teclados, Ninon na bateria, Luca na voz e no violão.

– E no uísque! – alguém gritou da plateia.

– Com vocês, a nossa atração de toda quinta… Bluz Neon!

Todos no palco, Luca cumpriu o velho ritual: virou uma dose de uísque e depois cumprimentou o público.

– Boa noite. Festa é o que nos resta.

Fizeram, como sempre, um show bastante alegre, tocando as músicas próprias e alguns clássicos do rock e do blues. Luca homenageou a Praia de Iracema, falou de suas meninas bonitas, dos personagens folclóricos do bairro e da magia que se espalhava pelas ruas feito maresia. Desceu do palco e cantou sentado numa mesa de garotas, bebendo no copo delas. No fim anunciou que estava à venda o CD demo, gravado durante um show em Canoa Quebrada. Encerraram, como sempre faziam, com o Umbigo Blues, quando chamavam para o palco as meninas que estivessem com o umbigo à mostra e todos dançavam numa divertida mistura de blues com baião. Festa é o que nos resta.

Depois do show, voltando do camarim, Luca estacionou no balcão e pediu um uísque duplo. Tomou um gole e cantarolou o rock que andava compondo.

.
No balcão há um lugar
Pra quem não sabe aonde ir
.

Nesse momento lembrou de Isadora… Isadora e seus beijos, seus peitos, sua loucura. Aqueles papos de Tao, sonhos, abismos, vidas passadas… Três dias com ela e agora três semanas sem ideia de onde pudesse estar. Será que ainda a veria outra vez?

– Oi, Luca.

Ele tomou um susto e virou-se, buscando a dona da voz. E deu de cara com uma garota. Tinha o cabelo vermelho e estava sentada ao lado no balcão. Ela sorria e dizia ser fã da banda, tinha o CD gravado em Canoa Quebrada, será que podia autografar?

Claro que sim, respondeu Luca, despedindo-se da lembrança de Isadora e pedindo uma caneta ao barman. A menina era simpática, ele reparou, e tinha um jeitinho delicioso de safada. Mas, caramba, devia ter uns dezesseis anos, como deixavam aquelas ninfetas entrar ali?

.
Festa é o que nos resta
E eu tô com pressa, beibe
.

Ele tomou um longo gole, sentindo o líquido descer pela garganta, ah, a bendita ardência, a fronteira proibida da noite… Aquela era a entrada no nível seguinte da realidade, onde tudo podia acontecer.

– Gosta de uísque? – ele perguntou.

– Adoooro.

Luca deu mais um gole em seu uísque, puxou rapidamente a garota pela cintura e a beijou na boca, passando-lhe devagar a bebida de sua boca para a dela.

– Putaquipariu… – ela murmurou depois, ainda surpresa. – Foi o beijo mais embriagante da minha vida!

Uma hora depois, enquanto Ângela Ro-Ro cantava Mares da Espanha na sala do apartamento de Luca, a garota acendeu um baseado enquanto ele pela segunda vez abaixava o volume do som.

– Ah, cara, desencana! Festa é o que nos resta! – ela protestou, passando o cigarro para ele.

– Também acho. Mas tem um vizinho que não concorda comigo.

– Então canta um blues pra mim, vai…

– Pô, gatinha, já canto blues demais na banda.

– Então vou botar o CD pra gente ouvir!

Ele pensou em acender um incenso mas não encontrou a caixinha. Como conseguira perder se estava com ela um minuto antes? Abriu outra cerveja e se divertiu ouvindo a garota cantar as músicas da Bluz Neon, sabia todas de cor, até os comentários nos intervalos, incrível. A banda não tá precisando de uma vocalista ruiva?, ela perguntou. Ruiva, loira, morena…, ele respondeu, rindo. Onde diabos estava o incenso? Ela pôs para tocar novamente a primeira música e ele foi sentar no sofá. Mas errou o cálculo e caiu no chão, derramando a cerveja.

– Caramba… acho que a faxineira mudou o sofá de lugar.

Ele riu da própria piada e saiu cambaleando para pegar um pano de chão. Na volta escorregou na cerveja derramada e quase caiu de novo.

– Caramba, o que é isso, um complô?

Após enxugar o chão, sentou no sofá e fez sinal para a garota sentar ao seu lado. Quero ver de perto seu famoso umbigo blues, ela disse. Ele riu e suspendeu a camisa, mostrando o umbigo. Ela sorriu, passou a língua provocantemente entre os lábios e foi se ajoelhar entre suas pernas.

– Ei, psiu… Quantos anos você…

– Eu já disse, Luca.

Ela beijou seu umbigo e lhe fez cócegas com o piercing da língua. Depois puxou o zíper da calça.

– Disse mesmo? Então eu esqueci.

– Dezoito.

– Ah… claro… – Ele esticou o braço em busca da latinha de cerveja mas não encontrou. Definitivamente os objetos estavam de sacanagem com ele. – Que tal dezesseis?

– Tá bom, Juizado. Dezessete e meio.

A latinha estava no chão. Como fora parar lá? Aquele piercing na língua dela, era estranho… Mas era bom.

– Acho que não acredito.

Ajoelhada entre suas pernas, ela interrompeu os carinhos e ergueu o rosto, meio sorrindo, meio impaciente. Pôs o cabelo para trás da orelha e o encarou:

– Última oferta, Luca. Dezessete. Vai querer ou não?

– Fechado.

Ele tomou outro gole, largado no sofá. E sentiu-se relaxar… A sala era uma penumbra agradável e a garota estava novamente absorta em seus carinhos, entre suas pernas, o cabelo feito uma cortina vermelha à frente do rosto. É, pensando bem, não seria má ideia ter umas vocalistas na banda. Botariam anúncio no jornal, banda muito próxima do estrelato procura vocalistas de fino trato, tratar com Luca à noite… Afastou a cortina vermelha para o lado e surgiu o olhinho azulado dela, sorrindo para ele. Não lembrava que ela tinha olhos azuis… Não, mulher na banda não ia dar certo. Melhor deixar as meninas como estavam, na plateia. E por trás das cortinas. Por trás das cortinas… das cortinas…

Tchum! De repente deu-se conta. Onde estava? Que horas eram? Estava bêbado demais, que merda. Pela janela entrava um pouco da claridade da rua. À frente, umas luzinhas verdes… piscando… dizendo que ali havia um… aparelho de som…

Em casa! Claro, estava em casa. Na sala do seu apartamento, no sofá, claro. Luca suspirou, ufa, que alívio. Só um princípio de brancão, tudo bem, já passou. Muita birita, estômago vazio. E aquelas duas ali, ajoelhadas no chão, entre suas pernas…

Duas?! Ele esfregou os olhos, intrigado. Procurou lembrar… Uma era a ruivinha do bar, tiete da banda. Mas e a outra? Não fazia a menor ideia. A vizinha de baixo, talvez? Tentou fixar o olhar mas não a reconheceu. Talvez amiga da ruivinha. Quem abrira a porta para ela entrar?

Finalmente entendeu: estava tão louco que via tudo em duplicata. E desatou a rir. Sexo com duas mulheres era uma delícia, mas não exatamente daquela forma…

A garota suspendeu os carinhos e perguntou se ele estava mesmo a-fim.

– Só um instante, lírou beibi… – Ele ajeitou-se no sofá, rindo da própria chapação. – Teu nome… como é mesmo?

– Ah, não, Luca. Não digo mais.

– Bem… eu não queria te assustar, mas… tem outra gata aí do teu lado.

E voltou a rir. Aquilo era a coisa mais engraçada do mundo.

– É minha irmã gêmea. – Ela sorriu contrariada. – Você também pode ver?

– Heim?

– Ela morreu quando eu era pequena. Vez em quando aparece.

Luca parou de rir. Irmã gêmea? Morta? Aquilo era sério mesmo? Olhou mais uma vez para as duas mulheres ajoelhadas entre suas pernas e sentiu-se incomodado.

– É só não ligar que ela vai embora.

Ah, não. Transar com espírito já era rock´n´roll demais.

– Desculpa… – ele disse, afastando a cabeça dela de seu colo. Depois levantou-se e subiu a calça. – Hoje tá complicado.

Foi à cozinha e abriu a geladeira. Ainda havia uma cerveja, pelo menos isso. Tem dia que não é dia. Devia mesmo era ter ficado no bar com os caras.

Quando voltou à sala, elas olhavam a cidade, os corpos nus encostados à janela, displicentes, ambas na mesma posição. Por um instante admirou-os, tão belos e convidativos. Ainda pensou em reconsiderar a decisão… mas não. Pedofilia astral não era brincadeira.

– Posso dormir aqui, Luca?

– Ahn… Melhor eu deixar vocês em casa. Vamos.

Meia hora depois ele parou o carro em frente ao prédio delas.

– Não é por mal que minha irmã faz isso, Luca.

– Tudo bem.

– Não sabia que você era sensitivo.

– Eu?

– A gente se vê de novo?

– Se sua irmã deixar…

Ele esperou que elas entrassem no prédio e ligou o fusca. E saiu, vendo as primeiras luzes da sexta-feira surgindo por cima da cidade. E lamentou. Como sempre, a claridade intrometida do dia dissipando a magia da noite.

Às oito tinha que estar na gráfica. Dava para dormir uma horinha. Irmã gêmea do além… Melhor nem contar, ninguém ia acreditar mesmo.

.

.

– LEVANTA, TIGRÃO! Três horas!

Uma voz feminina… vindo de longe…

Luca abriu os olhos devagar, reconhecendo o quarto. Aos poucos sentiu conectar-se àquela súbita realidade. Sábado… Ou seria sexta? Não, sábado mesmo, três da tarde… show à noite na praia do Cumbuco…

– Luz queimada, pia entupida! E esse espelho rachado? A gente fica um monstro se olhando nele! Por que você não pega o cachê de hoje e ajeita esse banheiro, heim?

– Fala mais baixo, Soninha, por favor…

Ele cobriu a cabeça com o travesseiro, protegendo-se daquela tempestade sonora. Que merda, devia ser proibido acordar um ser humano assim, principalmente se o ser humano tivesse ido dormir ao meio-dia…

– Viu minha outra bota por aí, Tigrão?

Levantou-se ainda grogue, uma sede assombrosa a lhe rasgar a garganta. Foi até a cozinha para beber água mas lembrou de Jim Morrison, acordar e pegar logo uma cerveja, porque o futuro é incerto e o fim estará sempre por perto…

Enquanto Soninha calçava suas botas pretas de salto, ele sentou na beira da cama, deu um bom gole na cerveja e pôs-se a admirá-la. Soninha… Bonita, gostosa, mas absolutamente destemperada, caso de polícia. Corpo musculoso de professora de ginástica, viciada em academia e anfetamina, dava aula até no domingo. Tinha também outro vício: sexo. Com muito álcool, escândalos e arranhões. De família rica, frequentava as colunas sociais, mas achava excitante caçar roqueiros cabeludos no submundo alternativo. Quando ele a via na plateia dos shows da banda, já sabia o roteiro da noite: tomariam todas, ela faria questão de pagar tudo e depois o levaria a um cinco-estrelas da orla onde ele rasgaria sua roupa, deixando-a apenas com as botas pretas, e fariam sexo feito dois bichos alucinados, no chão, na janela, na bancada da cozinha, e de manhã ela seguiria direto para a academia, sem dormir. Ou poderia ser o roteiro B: ela beberia demais e daria defeito, estragando a noite.

Na festa de aniversário do Balu, na noite anterior, ela aparecera usando um vestidinho curto e as famosas botas pretas, que sempre usava quando estava mal-intencionada. Ele mandava um papo mole com uma amiga do Ninon, estava até interessado na menina… mas, hummm, aquele olhar que ele já sabia, aquelas botas, como resistir?

Uma hora depois Balu abriu um uísque e serviu a todos. Depois botou para tocar sua coletânea Blues do Balu Volume 9 e apertou um natural, fazendo a festa engatar a quinta marcha. Às sete da manhã Iana, a namorada do Balu, teve de bater na porta do banheiro para avisar aos dois animadinhos que todo mundo já havia ido embora.

– Ah, qualé?! – Soninha argumentou lá de dentro. – Hoje é sexta!

– Nada disso – Iana discordou, paciente. – Já é sábado.

A porta abriu e surgiu Luca, a camisa desabotoada, o cabelo sem um fio no lugar.

– O amanhã só chega quando a gente acorda – ele filosofou, solene.

Luca serviu mais uma dose, bebeu metade e Soninha bebeu a outra. Então despediram-se e esticaram para o Roque Santeiro, um boteco no bairro do Mucuripe que tinha o caldo de carne e a cerveja ideais para finalizar as noites sem fim, ao som de Genival Santos, Diana e Odair José. Soninha ia bem, até o momento em que cismou que uma garota paquerava Luca e partiu para cima dela, derrubando-a no chão junto com as garrafas de cerveja. Aí não houve mais clima e tiveram que ir embora. Típico roteiro B.

– Aquela de ontem no banheiro da casa do Balu não valeu, viu, Tigrão? Você não conseguia nem ficar em pé.

Luca deu mais um gole na cerveja e continuou admirando-a. As coxas musculosas, a marca do biquíni minúsculo, os seios pequenos… Ela estava em pé, ao lado da cama, nua e deliciosa. Com as botas pretas.

– Vai se atrasar pra aula, professora…

– Dá tempo.

Instantes depois, enquanto era lentamente penetrada por Luca, ela esticou o braço, pegou o celular na bolsa, digitou, errou, digitou de novo e, de olhos fechados e falando pausadamente, explicou à recepcionista da academia que chamasse o professor substituto pois… acontecera um… um… só um momento… ai… um pequeno imprevisto… é, imprevisto… só um momento… hummm… e só poderia dar a aula das… ai… das cinco.

.

.

LUCA PEGOU UMA CANETA e, enquanto os outros afinavam os instrumentos, sentou-se num canto do camarim e pôs-se a rabiscar num papel de guardanapo.

– Saiu do forno agora, Junior – ele disse. E cantarolou para o amigo escutar.

.
No balcão há um lugar
Pra quem não sabe aonde ir
Festa é o que nos resta
E eu tô com pressa, beibe
Uma dose agora
Preciso beber pra me dirigir
.

– Gostei. Mas não te empolga que o repertório de hoje já tá fechado, viu, cidadão?

– Prometo.

Minutos depois Ninon bateu no bumbo da bateria e Luca entrou no palco. Dali de cima ele podia ver a plateia espalhada pela areia da praia, o mar do lado direito, a lua imponente no céu… Ele virou a dose de uísque e pegou o microfone:

– Boa noite.

– Boa noite! – responderam algumas garotas próximas ao palco.

– Festa…

– É o que nos resta! – elas completaram, animadas.

O show transcorreu normal. Mas no fim, após o tradicional Umbigo Blues, Luca tirou um guardanapo do bolso e anunciou, a voz rouca pelos excessos dos últimos dias:

– Essa se chama Uma Dose Agora. Ainda não tá ensaiada. Os caras vão me esganar lá no camarim mas, porra, a gente tá na praia, essa lua…

Ele pegou o violão, sentou no banquinho, dedilhou um pouco e parou. Deu a indicação para Ninon, na bateria, começar. Os outros balançaram a cabeça, resignados, e acompanharam. A música saiu péssima, claro. Mas havia um grupo de garotas animadas e barulhentas bem em frente ao palco e elas aplaudiram e gritaram tanto que felizmente ninguém atentou muito para a música.

Terminada a apresentação, Ranieri apareceu no camarim com uma das animadas, que disse ter adorado o show e que tinha umas amigas que queriam demais conhecer os caras da Bluz Neon.

– Os neons solteiros, né, minha filha?… – consertou Celina, puxando o namorado Ninon pelo braço. – A gente já vai pra pousada. E você também, Balu, porque é hora dos casados irem dormir.

Uma dúzia de cervejas depois lá estavam os neons solteiros com as novas amigas na areia da praia. A lua do Cumbuco, o vento nos coqueiros, o quebrar das ondas, todos falando ao mesmo tempo. Junior no violão faltando uma corda, Ranieri na latinha de cerveja amassada e Luca na quase voz. Mais músicas, mais cerveja. Alguém tem seda? Ah, Junior, toca aquela, vai. Fumar aqui não é sujeira? A gente vai ser multado por excesso de prazer. Arruma umas cortesias pro Papalégua pra gente, vai. Esta cerva é a minha? O umbigo mais lindo é o do Ranieri. Banho à noite no mar não faz mal. Não faz mal… faz mal…

Tchum! De repente Luca deu por si. Em volta, tudo escuro. Um calor dos diabos. Estava numa sauna. Não, não, numa cama. Mas onde? E sob seu corpo suado havia uma… uma mulher. Entrava e saía de dentro dela com violência e ela dizia coisas que ele não compreendia. Assustou-se. Simplesmente não sabia quem era a mulher.

Sem interromper os movimentos de vai e vem, ele tentou lembrar… mas só conseguiu recordar do show. O que acontecera depois não tinha nenhum registro. Olhou para o rosto sob seu corpo e nada viu, estava escuro demais. Atentou para o que ela dizia, mas não entendeu uma só palavra. Seria estrangeira? Ou uma extraterrestre?

Ainda estava muito bêbado. Fez um esforço para tentar lembrar alguma coisa, qualquer coisa… mas nada, não lhe acorria nenhuma imagem. Simplesmente não sabia com quem estava transando naquela cama. Que merda.

O suor escorria pela pele, colando seu corpo ao da mulher anônima. O gozo não vinha e já não tinha forças para continuar por mais tempo. Para completar, alguém pusera para tocar bem próximo uma axé music qualquer, aê, aê, ô, ô. Pensou em levantar e ligar o ventilador. Pensou em gritar para que abaixassem o volume daquela música insuportável. Não. Tudo que precisava mesmo era terminar logo com aquilo, voltar para a pousada e cair em sua cama. Apagar.

Fechou os olhos para se concentrar e esquecer do calor, da música, da mulher sem rosto. Mas logo abriu novamente, pois o quarto todo rodou. Não, vomitar agora não…
.

(continua)

.

Ricardo Kelmer – blogdokelmer.com

.

.

CAPÍTULOS
Prólogo
cap 1 cap 2 cap 3 – cap 4

cap 5 – cap 6 – cap 7 – cap 8
cap 9 – cap 10 – cap 11 – cap 12

> Para adquirir o livro

.

.

.

.

.

Seja Leitor Vip e ganhe:

– Acesso aos Arquivos Secretos
– Promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer
(saiba mais)

.

.

Comentarios01

COMENTÁRIOS