Mate-me que eu já te matei (Edifício São Pedro)

08/03/2024

08mar2024

Fortaleza Edifício São Pedro 5

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MATE-ME QUE EU JÁ TE MATEI (Edifício São Pedro)

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No cenário apocalíptico de uma Praia de Iracema decadente e violenta, o detetive Eládio Ratoeira investiga estranhos crimes envolvendo personagens típicos do bairro. Numa esquina, a travesti Ellen Star é abordada por um jovem casal. Enquanto conversam, trechos de uma música acompanham a ação. É “Lupiscínica”, bolero de Petrúcio Maia e Augusto Pontes: Mate-me, que eu já te matei…

Este conto, “Crimes de paixão”, presente no livro “Guia de sobrevivência para o fim dos tempos”, é um policial noir com toques surrealistas, e foi escrito em 1994. Nele, tentei expressar meus sentimentos de inconformismo com a triste situação da boemia da Praia de Iracema. Eu estava pessimista, sim, mas o futuro, infelizmente, se mostraria ainda pior.

Março de 2024. Eu olho para o Edifício São Pedro e posso ouvi-lo murmurar, resignado, num fiapo de voz:

– Vi tantas coisas, você nem pode imaginar. Agora, todos esses momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva…

– Sinto muito por tudo terminar dessa maneira – respondo, sem saber o que dizer.

– Não sofra. Isso não passa de um teatro ridículo.

– Como assim?

– Eles fingem se preocupar com a cultura, com a memória da cidade, mas sentem prazer em apagá-la.

Olho outra vez para ele, e há uma certa majestade que resiste em suas apodrecidas ruínas. Tenho vontade de dizer que, mesmo nessa situação deprimente em que se encontra, ele é belo. Mas não, não há beleza no reino da ganância. O belo que vemos é tão somente o reflexo do amor à nossa própria história. Essa mesma história que agora desmorona diante dos nossos olhos.

– Hora de morrer…

Adeus, velho amigo. Por aqui, ficamos nós. Nós que já estamos mortos.

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Ricardo Kelmer 2024 – blogdokelmer.com

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foto: Aurelio Alves

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Fortaleza Edifício São Pedro 21

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Fortaleza Edifício São Pedro 1

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Comentarios01COMENTÁRIOS

01- Uau! Blade Runner. Haroldo Aragão, Fortaleza-CE – mar2024

02- Eu Também Percebi, era fala do Líder dos Replicantes – Cena final ou Quase! Ficou Bem no seu Texto sobre o Edifício! Hosames Costa Filho, Fortaleza-CE – mar2024

03- Mais um texto lúcido. A realidade dói demais. Regina Cláudia Zephyrus, Fortaleza-CE – mar2024

04- Muito triste assistir a nossa história ser destruída, apagada. Clara Pinho, Fortaleza-CE – mar2024

05- 😢 👏👏👏 Kelly Garcia, Fortaleza-CE – mar2024

06- Maravilhoso, grande. Que seus escritos fiquem na memória de nossa gente. Aluísio Martins Rodrigues, Fortaleza-CE – mar2024

07- Curti a citação a “Blade Runner”. Deve ser porque já vi esse monólogo umas 20 vezes kkk. Sou meio avesso a “coisas prediletas”, mas esse é o filme que mudou algumas coisas na minha vida. Excelente texto! Claudio Oliveira, Fortaleza-CE – mar2024

08- Oi Ricardo, o que vão fazer com o prédio? Depois te mostro uma foto histórica desse prédio que meu pai tirou nos anos 60. Tenho que achar… Isabella Furtado, Modena-Itália – mar2024

09- Peço sua licença pra compartilhar. Wilkie Martins, Fortaleza-CE – mar2024

10- Muito belo seu grito! É isso, memória em nossa cidade é coisa sem importância. Maria Amélia Mamede, Fortaleza-CE – mar2024

11- Fortaleza matando a sua história. Tatiana Santos Moreira, Fortaleza-CE – mar2024

12- Muito triste uma cidade / país que não preserva sua cultura, arquitetura e história! Regina Azevedo, São Paulo-SP – mar2024

13- Aplausos. Claudia Meirelles Bahia, Fortaleza-CE – mar2024

14- Amo Blade Runner!!! Uma das cenas mais comoventes do cinema… Magna Maricelle, Fortaleza-CE – mar2024


O exemplo de Paulo Diógenes

16/02/2024

16fev2024

Paulo Diógenes 1a

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O EXEMPLO DE PAULO DIÓGENES

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Ah, eu queria matar o Paulo Diógenes… Quando assistia seu espetáculo nos bares, ficava me escondendo na plateia pra Raimundinha não me ver, pois aquela quenga espalhafatosa fazia piada comigo e me puxava pro palco, me fazendo corar de vergonha. Bobagem, sim, mas naquela época eu me levava muito a sério. O ano era 1989 e éramos amigos, e, apesar dessas brincadeiras, eu adorava suas apresentações, me emocionava e fazia questão de divulgar seu trabalho.

Um artista ousado, uma potência cênica ‒ assim era o Paulo. Impressionava-me seu destemor em se apresentar em bares e restaurantes, tendo que lidar com públicos diversos, bêbados chatos e enfrentar preconceitos. Ele sempre me surpreendia com seu domínio de palco, a rapidez de raciocínio e a capacidade de improviso. Em 1994, participando da Intocáveis Putz Band, me inspirei nessas suas qualidades pra, nos shows que fazíamos, me sentir mais seguro. Nunca tive a oportunidade de lhe dizer isso.

Desnecessário falar da importância de Paulo Diógenes para o humor do Ceará e, em especial, de Fortaleza. Com seu talento, visão e persistência, ele abriu caminhos e foi determinante na consolidação de um mercado do humor na noite da cidade. Equilibrando-se entre os desafios da carreira artística e seus dramas pessoais, ele foi gigante.

Uma vez, dei carona pro Paulo pra uma apresentação que ele faria num restaurante na Av. Aguanambi. Ele estava no início da carreira e ainda não era conhecido do grande público. Lá chegando, constatou que o restaurante não tinha um espaço adequado pra ele se preparar. E agora?, perguntei, preocupado. Paulo se incomodou com isso? Que nada. Pediu pra eu parar o fusca na rua do lado, e na calçada mesmo improvisou um camarim, usando o banco do carro e o muro de uma casa, sentando no chão. Em dez minutos, o danado se arrumou e se maquiou, concentrado e sem reclamar das condições, e virou Raimundinha. E fez seu show, muito aplaudido como sempre.

Levei vida afora esse exemplo de profissionalismo. Aplausos pro palhaço!

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Ricardo Kelmer 2023 – blogdokelmer.com

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foto: Helene Santos

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Comentarios01COMENTÁRIOS

01- 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼❤️ Rejane Cardoso, Fortaleza-CE – fev2024

02- Exatamente! Esse era o Paulo!!! Cris Bezerra, Fortaleza-CE – fev2024

03- 😍👏🏿👏🏿👏🏿👏🏿 Isaurora Martins, Fortaleza-CE – fev2024

04- 👏👏👏 Joyna Sampaio, Fortaleza-CE – fev2024

05- 👏🏽 Que texto! Tatianna Freitas, Fortaleza-CE – fev2024

06- 🙏🏼 Ildefonso Rodrigues, Fortaleza-CE – fev2024

07- Lembro demais dessa época! Um gigante! Maristela Calvário, Fortaleza-CE – fev2024

08- 👏👏👏👏👏👏 Neuiza Vasconcelos, Fortaleza-CE – fev2024

09- Tá deixando muita saudades, grande artista, muita generosidade e um homem de lutas! Descanse dessa luta incessante. 🤍 Leny Rose, Fortaleza-CE – fev2024

10- Muito Massa!❤️ Calango Cego Galeria, Fortaleza-CE – fev2024

11- 👏👏👏👏👏❤ Dijé Sales, Fortaleza-CE – fev2024

12- Essa cena, essa canção sempre me emocionaram, independente de quantas vezes eu visse o show dele. Glória Tavares, Fortaleza-CE – fev2024

13- 👏👏👏👏👏👏👏 Kelly Garcia, Caucaia-CE – fev2024

14- Homenagem JUSTÍSSIMA e LINDÍSSIMA ao querido Paulo Diógenes, que já faz MUITÍSSIMA FALTA… Yls Câmara, Fortaleza-CE – fev2024

15- grata querido pela homenagem tão bonita. Glória Diógenes, Fortaleza-CE – fev2024

16- 👏👏👏👏👏👏 Darly Farias, Fortaleza-CE – fev2024

17- Ele era um show. Marcos Saudade, Fortaleza-CE – fev2024

18- Todos os aplausos pra ele, sempre 👏 👏 👏 👏 👏 👏 Karina Mozart, Fortaleza-CE – fev2024

19- 👏👏👏👏👏 Pousada Roane, Taíba-CE – fev2024

20- Perfeito!!! 👏🏾👏🏾👏🏾 Socorro Câmara, Fortaleza-CE – fev2024

21- Ele era incrível mesmo! Juliana Pinheiro, Fortaleza-CE – fev2024

22- Ricardo, posso publicar no blog? Aliás, vc podia articulista ser do nosso Blogdoeliomar. Eliomar de Lima, Fortaleza-CE – fev2024

23- Que legal que você transformou esta memória em texto! Texto lindo! Tão simbólico sobre o Paulo 😍 Ana Márcia Diógenes, Fortaleza-CE – fev2024

24- Linda homenagem.de um amigo. Maria Inês Ramalho, Fortaleza-CE – fev2024

25- Arrasou. Paulo era isso mesmo. Uma força da natureza. Brennand de Sousa Bandeira, Fortaleza-CE – fev2024

26- ❤️ E meus sentimentos pra Glória. Ana Virgínia, Fortaleza-CE – fev2024

27- ❤️ Belo texto. Moacir Bedê Filho, Fortaleza-CE – fev2024

28- ❤️ Vejam só, que história linda ele tem pra contar… Raymundo Netto, Fortaleza-CE – fev2024

29- ❤️❤️❤️❤️❤️❤️ Joyce Lôbo, Fortaleza-CE – fev2024

30- Que bonito, Kelmer!👏👏👏 Elias de França, Crateús-CE – fev2024

31- Evoé!!! Kelsen Bravos, Fortaleza-CE – fev2024

32- ❤️ Felipe Muniz, Fortaleza-CE – fev2024

33- ❤️❤️❤️❤️❤️❤️ Joyce Lôbo, Fortaleza-CE – fev2024

34- Fazia isso comigo tb. 😍 Clara Pinho, Fortaleza-CE – fev2024

35- Era o Big Bem na Av. Aguanambi. Eu o conhecia desde lá. Trabalhamos juntos no New York, New York, no shopping Aldeota (antigo), no Clube Massapeense, Teatro São José e em vários lugares. Conversamos longamente no último sábado do pré lembrando das aventuras! Grande perda para mim. Um amigo incrível!!! 😞 Marcos Severo, Fortaleza-CE – fev2024

36- MUITO LINDA A HOMENAGEM..VAI SER ETERNAMENTE LEMBRADO! Kedma Roque, Fortaleza-CE – fev2024

37- 👏👏👏 Rogério Soares, Fortaleza-CE – fev2024

38- Que descanse em Paz  Claudia Meirelles Bahia, Fortaleza-CE – fev2024

39- Valeu amigo, 🧡. A família dele e todos nós admiradores, agradecemos sua homenagem . Paulo exprimia essa força que você tão bem descreveu. Lembro , que qdo o assisti a primeira vez, eu era criança 💜tímidaaa rsrsrs… e de olhos atentos na apresentação dele …E ele sempre com um respeito gigante pelas crianças, já foi de cara me chamando àtenção…e vi qdo ele se caracterizou como Raimundinha e depois já como Paulo Diógenes… E ele perguntou : você gostou ? E eu : sim, gostei demais , parabéns pelo seu trabalho. E ele perguntou se podia me dar um abraço… e eu : sim. Fiquei tão feliz !!! Ricardo, você materializou a força do Paulo Diógenes . Obrigada amigo, Ricardo. Bora combinar de dançar, Ricardo, peça licença a sua esposa ( saudades das nossas performances dançantes kkkk momentos hilários . Com certeza ,sua esposa vai se divertir 😁✨ vendo a comédia ) … Tentar suavizar os dias ✨🍀😃 Obrigada 💟 Paulo Diógenes por alavancar também a cena da noite humorística nos bares e restaurantes do nosso Ceará . “Aqui tem humor , tem sim senhor”😃 kkk Todos os aplausos para ele. Sara Rebeca C Lima, Fortaleza-CE – fev2024

40- ❤️❤️❤️❤️ Marcia Sucupira Barreto, Fortaleza-CE – fev2024

41- Um grande artista, era isso nesmo! Christianne Silton, Fortaleza-CE – fev2024

42- 👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏 Fabíola Goes, Tehuacán-México – fev2024

43- Adorei este texto, Kelmer. Exatamente assim. Isabel Cristina Fernandes, Fortaleza-CE – fev2024

44- Um artista maravilhoso que nos trouxe risos e visões de mundo! Adorava o final de suas apresentações com aquela música do sonho de um palhaço! Vai deixar muitas lembranças. Carlos Rogério Vieira, Fortaleza-CE – fev2024

45- 👏👏👏👏🙌❤ Michelle Firmeza, Fortaleza-CE – fev2024

46- 🥺👏👏👏👏 🌷🤍 Régia da Costa, Fortaleza-CE – fev2024

47- Compartilhei palco com Paulo de 2017 a 2024, ele é um artista inspirador, se entrega de corpo e alma. Seu legado foi deixado com sucesso! Paulo Diógenes, esse nome é poesia. Pierrot Almeida, Fortaleza-CE – fev2024

48- Oh meu primo… vc falou tudo ele é assim. Aplausos! Heloíza Medina, Fortaleza-CE – fev2024

49- Valeu Kelmer, belo relato e homenagem!👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽. A estrela de Paulo continuará a brilhar em outros palcos, de planos espirituais ainda mais evoluídos 🙌🏽 Napoleão Caldas, Fortaleza-CE – fev2024

50- Lindo. Cristiane Holanda, Fortaleza-CE – fev2024

51- Muito massa! A história do Ceará! Cardoso Junior, Fortaleza-CE – fev2024

52- ❤️ Zé Rosa Filho, Fortaleza-CE – fev2024

53- ❤️ Hemetério Segundo, Fortaleza-CE – fev2024

54- ❤️ Cupertino Freitas, Fortaleza-CE – fev2024

55- Um lindo que deixará muitas saudades mas sempre com um sorriso ❤️ Andressa Gadelha, Fortaleza-CE – fev2024

56- O Paulo Diogenes era foda, bom demais. Fernando Piancó, Fortaleza-CE – fev2024

57- Espetáculo! Vilma Torres, Fortaleza-CE – fev2024

58- Meus sentimentos Kelmer, ele era muito querido, certa que cumpriu sua missão, agora vai alegrar os céus. Régia Alves, Fortaleza-CE – fev2024

59- 👏👏👏😍❤️ Joana Darc Pedrosa, Fortaleza-CE – fev2024

60- 👏👏👏👏👏👏👏 Henrique Meyer, Fortaleza-CE – fev2024

61- Que lindo texto. Djacyr Silva, Fortaleza-CE – fev2024

62- Belo texto. Ele merece. ❤🙏🏽 Vera Lúcia, Fortaleza-CE – fev2024

63- 👏👏👏👏👏👏👏👏😍 Karla Karenina, Fortaleza-CE – fev2024

64- 👏👏👏👏👏👏 Gianna Mendes Ribeiro, Fortaleza-CE – fev2024

65- Linda homenagem, eu repostei ⭐ Ana Bachelet, Versalhes-França – fev2024

66- Linda homenagem! 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼 Pedro Neto, Fortaleza-CE – fev2024

67- Ele era maravilhoso mesmo! Inesquecível! Que descanse em paz! 🙏 Ana Sabino, Fortaleza-CE – fev2024

68- Show, Kelmer. Era muito querido, fui visitar o amigo quando era vereador e me recebeu no gabinete na maior simplicidade, almoçando uma quentinha e fumando feito caipora. Que seja bem recebido no plano em que estiver a caminho. Forte abraço. Ronaldo Rego, Fortaleza-CE – fev2024

69- 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻 Efigênia Alves, Fortaleza-CE – fev2024

70- Um grandioso profissional e ser humano maior ainda. Goret Aragão, Fortaleza-CE – fev2024

71- Muito bacana suas palavras. Roberto Betwo, Fortaleza-CE – fev2024

72- Não é porque faleceu mas, era maravilhoso. Anna M Castello, Fortaleza-CE – fev2024

73- 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻😍 Viviani Avelar Rocha, Fortaleza-CE – fev2024

74- Também me escondia e era impressionado com a agilidade de seu pensamento. Realmente, ele trouxe outro olhar do público para o que se faz em Fortaleza, também específico no humor, que o fez como ninguém. Não deixava passar nada e certamente enfrentou com muita garra a gama de preconceitos da época, também modificando o olhar do público. Isto o consolida como um grande artista, modificando uma estrutura geralmente tão tacanha. Até por ser humor, tinha a grandeza dos bobos da corte que zombam do rei e da aristocracia expondo sua hipocrisia.
Não há como não considerar o Paulinho como alguém que vem sem medo e modificou um todo, se tornando um dos maiores artistas do Ceará – pelo público conquistado e mudanças, que creio ser um fator essencial a que todo artista possa almejar. Paulinho, espero que você tenha ido ciente de sua missão cumprida. Sou seu fã! Lindo texto, Kelmer. Só falei isto tudo, repetindo seus pensamento eventualmente, por considerar que devemos reconhecer o que e quem tivemos! Não há invejas ao reconhecer as dimensões que um artista atinge! Érico Baymma, Fortaleza-CE – fev2024

75- Que lindo relato. Esse era ele. Sou prima legítima dele , o tio Osmar Maia Diógenes, ex deputado estadual, pai dele é irmão de minha mãe. Fomos crianças e adolescentes juntos. Ele vivia e dormia sempre em minha casa, eu sinto a dor , mas lembro ele dizendo, vamos sorrir prima. Vivenciais toda sua trajetória profissional e emocional. Eu o amo demais Grata Kelmer, me emocionei com seu texto. Vou guardar. Grata, que lembremos dele com o sorriso, que mesmo nas dificuldades vividas, nunca esqueceu. Gratidão!. Deus o ABENÇOE. Paz!!!!!!! Lynna Diógenes, Fortaleza-CE – fev2024

76- Tive a oportunidade de ver algumas de suas primeiras apresentações na década de 1990, na Praia do Futuro. Nunca esquecerei!! 🥇🥇 Leonardo Mota, Campina Grande-PB – fev2024

77- 🙏 J Everardo Montenegro, Fortaleza-CE – fev2024

78- ❤️❤️😍 maravilhoso texto, para um ser fantástico. Candeeiro Cultural, Fortaleza-CE – fev2024

79- Ricardo Kelmer é nosso Forrest Gump alencarino, no melhor dos sentidos, apenas pelo fato de estar em todas, ter conhecido e estar presente em muitos momentos marcantes dessa cidade! É um caba rodado e bem vivido ! 👏👏👏👏👏👏 Victor Augusto Alves Nogueira, Fortaleza-CE – fev2024

80- Que texto lindo, Ricardo. Fiquei emocionada ❤️ Naiana Íris, Fortaleza-CE – fev2024

81- Que lindo 😻. Paulo sempre estará conosco. Rossana Kopf, Fortaleza-CE – fev2024

82- Valeu. Parabéns. Nerilson Moreira, Fortaleza-CE – fev2024

83- 👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏 Florência Carneiro, Fortaleza-CE – fev2024

84- Serei redundante: arrasou! Regina Cláudia Zephyrus, Fortaleza-CE – fev2024

85- Realmente, um grande humorista, vai fazer muita falta. Lígia Eloy, Lisboa-Portugal – fev2024

86- Partiu cedo demais 😔 Eloah Ferreira, Fortaleza-CE – fev2024

87- Lembro muito dele. Sempre tocava antes de seus shows no London London. Ele e Ciro Santos. Ele foi o precussor desse gênero de humor em Fortaleza. Depois dele vieram os outros… Marcos Melo Maracatu, Fortaleza-CE – fev2024


Salve, guerreira Tremembé

23/03/2023

23mar2023

Telma Pacheco Tremembé 1

SALVE, GUERREIRA TREMEMBÉ

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Toquem os maracás: a guerreira está presente
Ei-la, sorridente e obstinada
Lutando e dançando na lagoa encantada
Mulher de doçura brava, jaçanã
Artesã de sonhos que ousam persistir

Toquem os maracás pra ela ouvir
Riso fácil, flecha certeira da alegria
Ela se encontrou na ancestralidade
Misturando em si mato e cidade
E enriquecendo o mundo inteiro
Mora agora na sombra do cajueiro
Bela como sempre foi e como é
É ela, a guerreira Telma Tremembé

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Fiz este poema em homenagem a minha amiga Telma Pacheco Tremembé, que conheci em 2017, em Fortaleza. Ela morreu em 18 de março de 2023. Segue a apresentação que escrevi para seu livro Raízes do Meu Ser, de 2018:
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Conheci Telma em 2017, durante a reorganização do FLLLEC, o Forum de Literatura, Livro, Leitura e Biblioteca do Estado do Ceará. Imediatamente, cativou-me sua simpatia, o sorriso hospitaleiro, o jeito divertido. Telma é daquele tipo de gente que alegra e ilumina nosso dia com sua simples presença.

Com o tempo, passei a admirar sua disposição de lutar por aquilo que ela elegeu como uma espécie de missão: os direitos dos povos indígenas. Uma missão complexa, nós sabemos, mas que ela abraçou com a força e a determinação de seus antepassados Tremembés, que habitavam o Ceará (região de Almofala) quando da chegada dos europeus, no século 16.

Eu falei chegada? Bem, o termo que ficou consagrado foi descobrimento, seguindo a lógica eurocentrista. Porém, para os povos que aqui viviam naqueles dias, o termo mais apropriado é invasão. O Brasil, que ainda não tinha esse nome, foi conquistado pelos portugueses, que exploraram comercialmente as terras com trabalho escravo e submeteram os povos indígenas a um processo de aculturamento, que nunca cessou. Os primeiros habitantes da terra brasilis não viviam em paz entre si 365 dias por ano, é verdade, assim como os povos no restante do mundo, mas a chegada dos europeus atingiu violentamente a todos eles, e foi determinante para a quase extinção dos nossos povos originários.

O livro de Telma nos conta a história dessa conquista pela ótica de seu próprio povo, e nos conta também sobre seu processo de autoaceitação como Tremembé. É uma iniciativa muitíssimo bem-vinda e que merece todo o apoio, pois carecemos de uma literatura indígena que nos permita contar a história do nosso país de um modo mais abrangente, pela voz daqueles que foram perseguidos, escravizados, convertidos à força ao Cristianismo, declarados extintos por decreto e executados dos modos mais cruéis.

Eu falei foram? Infelizmente o tempo correto do verbo é são. Os povos indígenas ainda são massacrados, sofrendo diariamente o preconceito, a violência, a cristianização e o descaso dos governos. Espero que o livro de Telma, para o qual tenho a honra de fazer esta apresentação, contribua para que a cultura indígena, que também nos faz brasileiros, seja mais valorizada, e para que tenhamos em nossas bibliotecas e salas de aula mais e mais livros escritos por índios.

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Ricardo Kelmer 2023 – blogdokelmer.com

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Telma Pacheco livro 01b

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Iracema Guardiã 20220504 3Iracema ao chão – O dia em que tombou o ícone do Ceará 

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Uma tarde na Pensão das Crônicas Dadivosas

01/12/2021

01dez2021

A casa recebe a todos os amantes da crônica, homens e mulheres, mas lá não posso ir, pois sendo eu o pai, as meninas não se sentiriam à vontade com minha presença

Uma tarde na pensao 1

UMA TARDE NA PENSÃO DAS CRÔNICAS DADIVOSAS

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Para onde vão as crônicas que começo a escrever e jamais termino? Vão para o Limbo das Crônicas, coitadas, e lá ficam a viver sua triste vida de quase ser, eternamente à espera de serem retomadas e concluídas. Melhor seria ir logo para o Lixão das Crônicas, o destino das que são definitivamente descartadas. Sim, pois no Lixão elas ao menos sabem que não estão mais em meus planos, e isso lhes deixa livres para fazer o que quiserem, tocar a vida, talvez recomeçar como um conto…

Recentemente descobri, veja você, que minhas crônicas que adoram se exibir vão para a… Pensão das Crônicas Dadivosas. É um palacete meio decadente, na saída da cidade. Dona Jovelina, minha professora do primário, a quem eu gostava de presentear com bobos poemas, é a senhoria da pensão, e lá ela recebe as crônicas recém-chegadas do interior. Do meu interior, claro. Algumas são virgens, nunca foram publicadas, mas há também as semivirgens, que se deram à vista apenas na intimidade do meu blog. A casa recebe a todos os amantes da crônica, homens e mulheres, mas lá não posso ir, pois sendo eu o pai, as meninas não se sentiriam à vontade com minha presença. Que pena.

Imagina se eu não iria… Claro que sim. Investi-me, pois, da melhor cara de pau e numa tarde dessas fui lá. Mas me disfarcei bem, pus cavanhaque postiço, chapéu, óculos escuros. Chegando à porta, me deu um nervoso e pensei em desistir, mas de uma janela no primeiro andar, duas moçoilas sorridentes acenaram para que eu subisse. E não resisti.

Simpática, dona Jovelina me recebeu e guardou meu casaco. Apresentou-me ao Belchior, um gato preto que veio me conhecer, e explicou que os clientes só pagam se sobem com as moças para os quartos. Ela serviu um Jack Daniel´s e me conduziu ao salão, onde me instalou numa confortável poltrona. Cumprimentei aos outros clientes que lá estavam e aguardei, bebericando uísque e ouvindo o pianista tocar uns blues.

Com o coração batendo forte eu as vi descendo a escada para nos receber, uma dúzia delas. Que notável visão! Eram as minhas meninas, tão mimosas… Logo, o salão estava tomado por conversas misturadas, risos à solta e copos tilintando em brindes ao som do blues. Era um tanto estranho ver minhas filhotas assim, tão oferecidas, insinuando-se generosas para desconhecidos, mas me senti orgulhoso delas. Em meu blog, elas podiam ser lidas por todos, sim, mas somente ali, de fato, elas eram inteiramente livres para praticar a arte da sedução para a qual deveras nasceram.

Identifiquei a todas facilmente, umas mais sérias, outras divertidas, algumas de trejeitos exagerados, outras mais tímidas… Aos meus olhos, eram todas igualmente encantadoras. Recebi convites para subir, mas recusei a todos, delicadamente, até que no salão restamos somente eu, o Belchior a lamber a patinha sobre o piano e o pianista tocando Divina Comédia Humana em sua homenagem. Não gostou de nenhuma das meninas, cara?, ele me perguntou, e eu não soube o que responder. Na verdade, esse senhor é apaixonado por todas elas, falou dona Jovelina, entrando no recinto. Enquanto sorria cúmplice e me entregava mais um uísque, emendou: Estou errada? Sorri de volta, concordando, e ela me fez sinal para segui-la. Enquanto subíamos as escadas, e Belchior a nos seguir os passos, sussurrou-me que as meninas não desconfiaram, mas ela sabia quem eu era e estava honrada por minha presença em sua casa. Agradeci, encabulado por ter sido descoberto.

Lá nos quartos, o que elas fazem?, perguntei. Ora, respondeu, elas se deixam ler, quantas vezes o cliente ou a cliente quiser. E contou que naquela manhã chegara uma nova inquilina, que eu deveria vê-la. Então levou-me ao quarto do fim do corredor e abriu a porta lentamente. Na penumbra, vi uma jovem deitada na cama a dormir. Não reconhece?, chegue mais pertinho… Aproximei-me da cama. Dona Jovelina puxou o lençol e o corpo da menina surgiu, nu e encolhido, a pele branquinha, o cabelo negro em mimosos caracóis a emoldurar-lhe o rosto suave. Era linda… Ressonava como o som da brisa nas folhas da mangueira, e o perfume que exalava tinha o doce frescor das novidades. Sim, eu a conhecia, surgira na semana anterior, e desde então rondava insistente meus pensares. A senhoria explicou que ela era ainda uma promessa, mas que esperava para breve a sua gloriosa estreia na casa. Contamos com você, beibe, ela disse, beliscando minha bochecha. Miaaaau, disse Belchior, reforçando o compromisso, enquanto saltava e se aninhava ao lado da menina adormecida. Prometi que faria o possível para não decepcioná-los.

Assim sendo, aos amigos e amigas amantes da crônica comunico em primeiríssima mão que tem novidade na Pensão. Apareçam qualquer dia para conhecê-la. O uísque é por minha conta.

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Ricardo Kelmer 2017 – blogdokelmer.com

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Esta crônica integra o livro Pensão das Crônicas Dadivosas

Nesta seleção de textos, escritos entre 2007 e 2017, Ricardo Kelmer exercita seu ofício de cronista das coisas do mundo, ora com seu humor debochado, ora com sobriedade e apreensão, para comentar arte, literatura, comportamento, sexo, política, religião, ateísmo, futebol, gatos e, como não poderia deixar de ser, o feminino, essa grande paixão do autor, presente em boa parte desta obra. SAIBA MAIS

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CASA DE ENY

Eny Cezarino Bordel 01

Eny Cezarino (1916-1987) – Biografia de Eny Cezarino

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InspiracionEssaVadia-02Inspiração, essa vadia– E não adianta argumentar, seu signo é a urgência. Desejo não é coisa que se adie, ela sempre diz

Livros e odaliscas – Meia-noite. Volto do banho. Elas estão todas deitadas em minha cama, lânguidas odaliscas a me aguardar

O menino e o feminino misterioso – Esse instante numinoso em que o Feminino Sagrado mostrou-se pra mim, sob a meia-luz de seu imenso mistério

Divina comédia humana – Um conto inspirado na música de Belchior e no poema de Dante Alighieri

Tábata, a mulher barata – Não fazia parte dos meus planos ter uma secretária ninfômana, alcoólatra e escandalosa, mas fazemos uma boa dupla no mundo das investigações sexuais

O segredo da princesa prometida – Ele é um cantor famoso, e ela é uma garota num vestido preto que quer realizar seu sonho secreto

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Diga a senha

03/11/2021

03nov2021

Muitas vezes na vida não percebi que a senha é mais simples, bem mais simples

Diga a senha 01a

DIGA A SENHA

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Paternidade. Acho bonito. Mas ela sempre soou como uma camisa de força para os meus anseios de voar no imprevisível dos ventos aí pelo meio do mundo. É, não tive filhos… Mas, como Manuel, o Bandeira, trago dentro do peito meu filho que não nasceu.

Felizmente, a vida me deu seis sobrinhos. Quando era pequeno, o mais velho, Levy, que já passou dos 30, começou a me chamar de Dedéi e o apelido familiar ficou. Para os amigos, sou Ricardo, Rica, Kelmer, Kelmito, Kelmérico, Mizifio… Para os sobrinhos, Tio Dedéi, o fulerage.

É assim que também me chama o Caio, que eu chamo de Caiote. Ele tem 9 anos, morou por 4 anos em Portugal com a mãe e recentemente retornou ao Brasil. Quando brincamos de luta, ele é o SuperCaiote. E quando veste sua camisa do Fortaleza, se transforma no SuperCaiote Tricolor, para imenso orgulho do tio. Em breve, iremos juntos ao estádio. Duro vai ser convencê-lo a não levar o tablet.

Um dia, quando ainda era bem filhote, ele passava pela sala e o irmão Levy barrou-lhe a passagem com a perna, e lhe falou, todo sério: “Diga a senha”. Sem entender que nova brincadeira era aquela, Caiote respondeu o que lhe pareceu óbvio, em sua sábia inocência: “A senha”. Levy caiu na gargalhada e liberou a passagem. Quando ele me contou, ri muito também, e achei aquilo de uma simplicidade e profundidade geniais, e desde então adoro barrar a passagem do Caiote e lhe pedir que diga a senha. Ele diz “A senha”, eu libero a passagem, ele passa e pode o mundo enfim seguir seu rumo, liberto do súbito atravanco que um tio e seu sobrinho amado, que não têm nada melhor para fazer, lhe causaram.

Corta para mim, eu aqui costurando esta croniqueta e matutando… Muitas vezes na vida não percebi que a senha é mais simples, bem mais simples. Que a resposta certa era tão óbvia que não me dei conta, e fiquei preso a questões e subquestões que são lindamente filosóficas, mas não têm o poder de subir a cancela e me deixar passar. Infelizmente, devo ter perdido muito tempo e energia, e estragado relacionamentos, e desperdiçado oportunidades, complicando a obviedade das coisas. Putz…

Caiote, você vai crescer, em breve será adulto, e eu estarei velho. Provavelmente, morrerei primeiro, de curva no caminho ou de punhal de amor traído, não sei. Mas até lá, você aguente, pois continuarei sendo o Tio Dedéi fulerage a lhe barrar a passagem e pedir a senha. Só para ver você respondendo outra vez de novo “A senha”. Só para eu nunca mais esquecer daquilo que um dia você, sem querer, me lembrou, e que o corre-corre da vida sempre quer me fazer esquecer. Que a simplicidade é a última das estações.

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Ricardo Kelmer 2018 – blogdokelmer.com

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LEIA NESTE BLOG

Momentos felizes 01

Momentos felizes – Se tem uma coisa que não é nada criteriosa em relação aos atributos dos candidatos, é a felicidade. Qualquer idiota pode ser feliz

Breg Brothers com fígado acebolado – Encher a cara, curtir dor de cotovelo e brindar a todas as vezes em que fomos cornos…

Maluquice beleza – Já que a formiga só trabalha porque não sabe cantar, Raulzito pegou a linha 743 e foi ser cigarra

Dez segundos para ser feliz – Seus olhos continuam sorrindo mesmo quando ela conta, sem pudor, das imensas bobagens que fez em nome de sua busca por felicidade

Carma de mãe para filha – Os filhos sempre pagam caro pelos pais que não se realizam em suas vidas

Insights e calcinhas – Uma calcinha rasgada pode mudar a vida de uma mulher? Ruth descobriu que sim

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Cristina sem vergonha de ser feliz

16/08/2021

16ago2021

Alegre e festeira, autêntica e de personalidade forte, ela marcou o entretenimento de Fortaleza

Cristina Cabral 20210812 1

CRISTINA SEM VERGONHA DE SER FELIZ

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Cristina Cabral se foi. Vítima da doença de Parkinson, nos últimos anos isolara-se. Fomos muito amigos e trabalhamos juntos. Baiana arretada e formada em Jornalismo, Cristina morou em São Paulo e, após mudar para Fortaleza, trabalhou como produtora de eventos, tornando-se referência por seu profissionalismo.

Conheci-a em 1999, no inesquecível Luau da Opção (1999-2000) que ela organizava na barraca Opção Futuro, de Carlinhos Aragão, uma festa maravilhosa que chegava a reunir duas mil pessoas num clima alto astral de beira de praia. Também na barraca Opção Futuro, ela produziu aos sábados, no fim de tarde, inesquecíveis shows com Lily Alcalay (falecida em 2003) e Banda Marajazz.

Em 2002 e 2003, fizemos juntos a festa Lua Loka, na barraca Biruta. Em 2008, Cristina produziu na boate do Restaurante Docentes & Decentes (Varjota) algumas edições da festa 30 e Alguns Anos, com a banda Baby Dolls. Em 2009, criei um evento literário-musical chamado Letra de Bar, no Bar do Papai (rua Torres Câmara), tendo ela como produtora e Ricardo Black como entrevistador. Seu irmão mais novo, Paulinho, era DJ e morreu em 2001 num trágico acidente enquanto trabalhava, fato que a marcou profundamente.

Cristina era alegre e festeira, autêntica e de personalidade forte. Sabia receber muito bem as pessoas e era querida pelos músicos e DJs. Impossível resumir aqui tudo que ela proporcionou para o entretenimento de Fortaleza.

Viver e não ter a vergonha de ser feliz…, ela adorava essa música do Gonzaguinha, dizia que lembrava seu irmão querido. Cristina deixa três filhos e muita saudade em nós que tivemos a sorte de conviver com ela. Obrigado por tantos bons momentos, Cris.

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Ricardo Kelmer 2021 – blogdokelmer.com

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RK 200905 Cristina Ca, Black 1

Ricardo Black, Cristina Cabral e eu no evento Letra de Bar (Bar do Papai, Fortaleza-CE, 2009)

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LEIA NESTE BLOG

IntocaveisPutzBand1994-201aA celebração da putchéuris – A história fuleragem da Intocáveis Putz Band

A sociedade feladaputa de Geraldo Luz – Crítica social, literatura, filosofia, anarquismo, sacrilégios explícitos e sodomismos irreparáveis

Breg Brothers com fígado acebolado – Encher a cara, curtir dor de cotovelo e brindar a todas as vezes em que fomos cornos…

O brega não tem cura – Porque o senhor sabe, né, o brega sempre puxa uma dose, que puxa outra, que puxa a lembrança daquela ingrata, que puxa outra dose…

Odair José, primeiro e único – Se você, meu amigo, é desses que sentem atração por esse universo pré-FM, feito de bares de cortininha, radiola com discos arranhados e meninas vindas do interior… então escute Odair

Maluquice beleza – Já que a formiga só trabalha porque não sabe cantar, Raulzito pegou a linha 743 e foi ser cigarra

Paz e amor express – Durante cinco dias, o Festival Express cruzou a leste-oeste do verão canadense levando em seus vagões os ideais da união pela música, a esperança ainda viva de um mundo de paz e amor

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Não quero dinheiro

11/08/2021

11ago2021

Vivo uma vida simples, adoro carne moída com ovo mexido, compro óculos no camelô… Mas, na verdade…

Não quero dinheiro 01.

NÃO QUERO DINHEIRO

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Diante dos recentes casos de golpes financeiros pelo Whatsapp, informo aos amigos:

Nunca, jamais em tempo algum, pedirei dinheiro emprestado pelo Whatsapp. Nem por Instagram, Facebook, Twitter, e-mail ou qualquer rede social. Acho isso tão deselegante.

Porém, há outro motivo. É, acho que tá na hora de revelar meu segredo. Seguinte. Tenho esse jeitão mulambo, né? Vivo uma vida simples, adoro carne moída com ovo mexido, compro óculos no camelô… Mas, na verdade… sou um milionário. Poizé. Tempos atrás, ganhei uma bolada na mega sena.

Então, serei eu um milionário excêntrico? Não. Na verdade, sou um milionário esquecido. Eu sempre esqueço que sou podre de rico, acredita? É sério. É por isso que uso roupa até desbotar e adoro pesquisar promoção de miojo.

Portanto, se algum dia chegar mensagem minha pedindo dinheiro, não empreste. E denuncie à polícia. Estamos combinados, né? Ótimo. E se você precisar de miojo, outro dia vi uma promoção de compre 15 e pague 10. Sai muito em conta.

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Ricardo Kelmer 2021 – blogdokelmer.com

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DICA DE LIVRO

Viajando na Maionese Astral CAPA 07aVIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL
Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo
Miragem Editorial, 2020

Enquanto relembra as pitorescas histórias de quando largou uma banda de rock para liderar um aloprado grupo esotérico e lançou-se como escritor com um livro espiritualista de sucesso (Quem Apagou a Luz? – Certas coisas que você deve saber sobre a morte para não dar vexame do lado de lá) que depois renegou, o autor fala, com bom humor, sobre sua suposta vida no século 14, carreira literária, amores, sexo, drogas ilegais, prostituição e crises existenciais, reflete sobre sua relação com o feminino, o xamanismo, a filosofia taoista e a psicologia junguiana e narra sua transformação de líder de jovens católicos em falso guru da nova era e, por fim, em ateu combatente do fanatismo religioso e militante antifascista.

SAIBA MAIS – LEIA COMENTÁRIOS

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LEIA NESTE BLOG

BarDoAraujoEASalvacao-04aBar do Araújo é a salvação – Espremido entre duas igrejas evangélicas, o Bar do Araújo é a última resistência dos ateus. E do bom humor

Amor de bar – Uma homenagem aos bares que amamos

Períneos ensolarados – Com vocês, a nova sensação da temporada: o banho de sol no períneo

As ciclistas orgásticas da Colômbia – Ciclistas adotam uniforme polêmico e usam a energia de seus orgasmos para vencer corridas

O verme incansável e os grilos zumbis – O nematomorfo fará de um tudo para alcançar seu objetivo

> mais textos sobre humor

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01- Miojo raiz harmoniza com q vinho? Alberto Perdigão, Fortaleza-CE – ago2021

02- Adoro você. Um abç meu amigo. Bruna Torres Nepomuceno, Floriano-PI – ago2021

03- Por isso é bom ser bilionário!!!! Francisco Lopes Bonfim, Fortaleza-CE – ago2021

04- eu sempre desconfiei que tu enviavas os lucros de escritor ricaço para paraísos fiscais. Ivone Zete, Fortaleza-CE – ago2021

05- Você é incrível, meu querido sobrinho . Mi Brother. ! Leonor Oliveira Moreira, Fortaleza-CE – ago2021

06- Prefiro cuscuz que miojo. Rosangela Primo, Fortaleza-CE – ago2021

07- Achei massa o “jeitão mulambo”. Quanto ao “miojo” ñ pode exagerar pelo sódio! Régis Aragão, Fortaleza-CE – ago2021

08- ah meu primo como eu te admiro kkkkkkk. Maria Célia Oliveira Garcia, Fortaleza-CE – ago2021

09- OH Menino Danado ! Love U. Edith V Dragaud, Fortaleza-CE – ago2021

10- Passa aí o endereço de onde tem essa promoção? Leve 15 paga 10… Marcos Antonio Ribeiro Santos, Fortaleza-CE – ago2021

11- Isso é uma caipirinha ou caipirosca? Saúde! Haroldo Aragão, Fortaleza-CE – ago2021

12- Maravilha!! Cesar Di Cesario, Campina Grande-PB – ago2021

13- O meu foi clonado hj. Tatiana Santos Moreira, Fortaleza-CE – ago2021

14- “essa aparẽncia de mero vagabundo e mera coincidência”, deve-se ao fato de ter vindo ao mundo com a incubência: ser rocheda. A proposito, onde acho o “baseado nisso”? José Roger Barros, Fortaleza-CE – ago2021

15- Tamo junto nessa idéia. Quando se tem a si mesmo. Pra quê dinheiro? Sou do troca tudo por coisas criativas e úteis. Marcos Pacoli, Fortaleza-CE – ago2021

16- Kkkk. Ticiana Castelo, Fortaleza-CE – ago2021

17- Vc é o nosso Guimarães Rosa moderno… abraços. Maria Ines Ramalho, Fortaleza-CE – ago2021

18- Eu queria era essa Caipirinhas aí. Magah Costa, Tune-Suíça – ago2021

19- Oh Ricardo Kelmer …miojo não por favor…dá uma pesquisada no que provoca o consumo de miojo… Danila Gomes, Fortaleza-CE – ago2021

20- Adorei a prosa! Glau Mota Brasil, Fortaleza-CE – ago2021

21- Poxa, eu também sou milionária, pensei que era só que vivesse assim, kkkk. Cristiane Ribeiro, Fortaleza-CE – ago2021

22- Ganhou na Mega Sena e não me disse nada.Me admiro muito, nem joga, sua mãe sim, joga e nunca ganhou nada. Vilma de Oliveira, Fortaleza-CE – ago2021

23- Você gosta também de um franguinho assado, farofa e feijoada. Vilma de Oliveira, Fortaleza-CE – ago2021

24- Sei não, viu? Acho que milionários não usam a expressão “em conta”. 🤔 @elinaudobarbosa, Fortaleza-CE – ago2021

25- Se chegar uma mensagem minha pedindo dinheiro, pode depositar! Já já mando o PIX! @martacrisostom0, Brasília-DF – ago2021

26- Pois eu estou pobre, pobre, pobre… tem como arranjar aí 20 mil pra eu pagar meu aluguel? 😎😎😎😎😎 @ana.eufrazio.5, Fortaleza-CE – ago2021

27- Tirando o miojo (que eu acho totalmente deselegante! 😂), eu estou na mesma, uma milionária mulambenta que curte demais uma caipirinha! 😍😂 @renatakelly_ce, Fortaleza-CE – ago2021

28- 😂😂😂😂😂😂 @soniamvcastro3010, Fortaleza-CE – ago2021

29- 😂😂😂😂 @sandra_macedobr, Fortaleza-CE – ago2021

30- Fechou!!! Hasta La Victoria!!! @ten.prof.edvaldo, Fortaleza-CE – ago2021

31- 😂😂😂 @fabiana.azeredo, Fortaleza-CE – ago2021

32- Kkkkkkkkk ….bom demais. @p_ardal, Fortaleza-CE – ago2021

33- Pena…já iria quebrar meu… cofrinho! Márcia Matos, Fortaleza-CE – ago2021


Crônica de uma morte evitável

30/06/2021

30jun2021

Galvonis 20210628 01

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CRÔNICA DE UMA MORTE EVITÁVEL

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Meu pai, um saudável idoso de 89 anos, tomou as duas doses da vacina em março. No início de junho, teve febre leve por 3 dias, descobriu que estava com covid e foi para o hospital da Unimed, onde a tomografia dos pulmões mostrou que ele poderia se tratar em casa. No hospital, a médica lhe receitou ivermectina e azitromicina (do kit covid, só faltou a cloroquina). Voltou para casa, não melhorou e no sábado 05jun retornou ao hospital, sendo internado com 50% dos pulmões comprometidos, e 3 dias depois foi intubado e transferido para a UTI. Ele morreu neste domingo à noite, após três semanas internado.

Meus sentimentos se misturam entre a tristeza e a indignação pelo atendimento ineficiente que meu pai recebeu quando foi a primeira vez ao hospital (a médica que o atendeu se chama Patrícia Mesquita Vilas Boas, otorrinolaringologista), o que só aumenta minha raiva do presidente genocida, que continua a incentivar o uso de medicamentos sem eficácia, a desrespeitar as medidas sanitárias e a zombar dos mortos. Se meu pai tivesse tomado as medicações corretas, provavelmente seria tratado em casa, sem precisar voltar ao hospital.

Obrigado a todos que cuidaram dele, em especial ao doutor Guilherme Dourado. Aos que aderiram à campanha #Vaidarcerto, deixo uma indagação: Vai dar certo para quem? Para meio milhão de brasileiros que morreram, como meu pai, deu muito errado, e dará muito errado para outros milhares que morrerão.

A nós, que seguimos vivos, um alerta: a vacina contra covid é necessária, mas como qualquer outra vacina, não garante 100% de imunização. Portanto, mesmo vacinados, precisamos seguir muito cuidadosos enquanto o vírus estiver circulando. E, igualmente importante: continuemos a denunciar os crimes desse governo genocida. Os responsáveis precisam pagar pelas desgraças que causaram e continuam causando.
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Ricardo Kelmer 2021 – blogdokelmer.com

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ESCLARECIMENTO – Optei por não citar o nome da vacina que meu pai tomou porque essa é uma informação que não tem importância para o relato. Como já não bastasse lutarmos contra o negacionismo de parte da população, ainda há os que querem escolher que vacina tomar. Essas pessoas não entendem que a nossa estratégia de sobrevivência à pandemia é coletiva, e não individual. Precisamos atingir o mais rápido possível um alto percentual de imunização grupal, e qualquer vacina ajuda nessa estratégia. Querer escolher vacina é uma postura egocêntrica e mesquinha, quase negacionista, que reforça a desinformação geral e em nada contribui para a diminuição da nossa tragédia.

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Nas cavernas da pandemia

14/04/2021

14abr2021

Em alguns anos, olharemos para trás e encontraremos o que foi pintado nas cavernas desses dias tenebrosos

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NAS CAVERNAS DA PANDEMIA

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Um ano de pandemia… Tenho pensado sobre o papel do artista em tempos como o que vivemos. Como teria sido enfrentar tantos dias difíceis sem a companhia da arte? Você já parou para pensar nisso?

Nossos peludos antepassados pintavam as paredes das cavernas sem saber por que faziam isso. Era um impulso instintivo a que simplesmente obedeciam. Hoje, suas belas criações são fundamentais para compreendermos o nosso passado e o nosso presente. Em alguns anos, olharemos para trás e encontraremos o que foi pintado nas cavernas desses dias tenebrosos. Sim, os escritores e os artistas não pararam de produzir, mesmo em meio a tanto sofrimento, mesmo sem saber se eles sobreviveriam. Era um impulso instintivo. Era a vida se debatendo contra a morte.

Valorizemos nossos artistas enquanto estão vivos. Talvez eles não saibam bem por que fazem o que fazem, mas nós sabemos que sem o que eles fazem seria impossível sobreviver.

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Ricardo Kelmer 2021 – blogdokelmer.com

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01- Importante reflexão. Gostei! Isadora Dias Gomes, Fortaleza-CE – mar2021

02- HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA GENIAL! Pati Rabelo, Fortaleza-CE – mar2021

 


Bullying de putaria

23/03/2021

23abr2021

As amigas de Milena adoravam sacaneá-la por sua inexperiência sexual. Mas Milena jurou que isso acabaria no Cabaré do Papai

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BULLYING DE PUTARIA

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Milena sofria de bullying de putaria. Não é dos mais divulgados pela mídia, mas é um tipo de bullying terrível, estigmatizante ao extremo e causador de males difíceis de suportar, em especial para os adolescentes. Algumas pessoas superam o problema e seguem com suas vidas, mas outras infelizmente não, e para elas a vida se transforma num inferno diário.

O caso de Milena é exemplar. Mais novinha da turma, dezessete anos, todos os seus namoros haviam sido bem comportadinhos, com exceção do último, que durou apenas um mês mas, em compensação, lhe levou a virgindade, o que serviu para aliviar um pouco a pecha de santinha que ela carregava entre as amigas. Mas só um pouco mesmo, pois em comparação com o que elas faziam por aí, era como se ainda continuasse virgem. As amigas não tinham dó: aproveitavam toda oportunidade para humilhá-la com suas inacreditáveis histórias de putaria, cada uma mais deliciosa que a outra. Milena, arrasada, chorava de inveja na solidão de seu quarto. E, para piorar a depressão, ela era a única que nunca tinha ido ao Cabaré do Papai.

Ah, o Cabaré do Papai… As amigas enchiam a boca para dizer que era a festa mais maravilhosa da cidade, que só acontecia uma vez por ano, que era isso, que era aquilo e aquilo mais. Menor de idade e proibida por lei de frequentar certos lugares, à menina Milena só lhe restava sofrer seu bullying resignada, vendo as fotos e os vídeos das amigas na festa, em seus modelitos provocantes, todas elas sensualizando horrores e vivendo gloriosos momentos de diva. O jeito era esperar a maioridade, fazer o quê?

Por isso, quando foi anunciada a edição seguinte do Cabaré do Papai, Milena não pôde acreditar na odiosa coincidência: seria exatamente no dia anterior ao seu aniversário de dezoito anos. Ah, não, um dia antes? Era muito, muito azar. Teria que esperar pela edição do ano seguinte. Mais um ano inteiro de bullying. Mais doze meses de depressão.

Não, não, que azar que nada, Milena pensou melhor, sorte, isso sim, muita sorte. Iria à festa, iria sim, mas… tchan, tchan, tchan, chegaria à meia-noite, ninguém poderia proibir sua entrada. O Cabaré do Papai seria o carimbo oficial de sua nova vida.

E assim fez. Foi a sua tão sonhada iniciação na festa que as cruéis amigas tanto usavam para sacaneá-la. E foi uma iniciação, digamos, mais que completa. A santinha apareceu lá vestida como uma diabinha sexy, com tridente e chifrinhos vermelhos piscantes, fez um puta sucesso, todos queriam tirar foto com ela, recebeu mil cantadas, dançou com o barman em cima do balcão e, como se não bastasse, ainda ganhou o concurso Musa do Papai. As amigas, boquiabertas, não acreditavam no que viam.

A festa deixou Milena tão inspirada que ela decidiu iniciar-se também, naquela mesma noite, em outro tipo de festinha, já conhecida das amigas: o ménage à trois. E foi assim que a santinha, já não mais tão santinha, terminou a noite no motel com ninguém menos que o supergato cantor da banda e a namorada dele, lindíssima. E no motel, aproveitando o embalo dos seguidos orgasmos, decidiu que já era hora também de iniciar-se no sexo anal, pois, entre as amigas, só ela ainda não havia dado o bendito cu. Então, animada com o coroamento de sua noite de estreia na sagrada putaria, Milena pôs-se de quatro na cama e arrebitou bem a bunda, assessorada pela namorada do cantor supergato, que foi muito solidária e lhe deu todas as dicas para ela aproveitar bem a primeira visita pela porta de trás. Porém, após duas horas de show pesado e mais três horas de motel com um par de mulheres com o diabo nos couros, o coitado do cantor não tinha mais força nem para abrir o tubo de gel, de forma que Milena teve que se virar com a namorada mesmo, que acoplou à cintura um pau de silicone e, com muita competência, finalmente a livrou do triste time das virgens anais, missão cumprida.

Naquela manhã, Milena, agora com dezoito anos, chegou em casa feliz e realizada com sua tripla iniciação: Cabaré, ménage à trois e anal. Sim, anal com pau artificial de mulher, é verdade, mas onde estava escrito que precisava ser pau natural de homem? Sem falar que agora era vip permanente do Cabaré do Papai, não pagaria mais para entrar, que chique, heim, já pensou a cara de inveja das amigas? A ex-santinha Milena nem quis tirar a roupa: dormiu vestida de diabinha mesmo, com um sorriso maroto nos lábios e os chifrinhos vermelhos pendurados na porta do guarda-roupa, ainda lhe piscando os parabéns. Bullying de putaria nunca mais.

(Este conto integra a série Interações da Sacanagem, com contos baseados em termos de busca no Blog do Kelmer. Divirto-me bastante vendo os termos que as pessoas usam nos mecanismos de busca e que as fazem chegar em meu blog. Termos deste conto: iniciação anal em cabaré.)

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Ricardo Kelmer 2013 – blogdokelmer.com

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Este conto integra os livros

Indecências para o Fim de Tarde
Ricardo Kelmer – contos

Uma advogada que adora fazer sexo por dinheiro… Um ser misterioso e sensual que invade o sono das mulheres… Os fetiches de um casal e sua devotada e canina escrava sexual… Uma sacerdotisa pagã e seu cavaleiro num ritual de fertilidade na floresta… A adolescente que consegue um encontro especial com seu ídolo maior, o próprio pai… Seja provocando risos e reflexões, chocando nossa moralidade ou instigando nossas fantasias, inclusive as que nem sabíamos possuir, as indecências destes 23 contos querem isso mesmo: lambuzar, agredir, provocar e surpreender a sua imaginação. > saiba mais

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Quarentena Erótica
Ricardo Kelmer – contos

Nos contos de Ricardo Kelmer, o erótico pode vir com variados temperos: romantismo, humor, misticismo, bizarro, horror… Às vezes, vem doce e sutil, ou estranho e avassalador, e às vezes brinca com nossas próprias expectativas sobre o que seja erótico. Explorando fetiches, fantasias, delírios e tabus, e até mesmo experiências reais do autor e de seus leitores, as estórias deste livro acabam de chegar até você para apimentar seus dias, e suas noites, de quarentena. > saiba mais

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O feminino livre em mim

08/03/2021

08mar2021

Avancei na compreensão do arquétipo feminino e aprendi a detectar melhor o machismo que em mim sobrevive e a reconhecer os privilégios do patriarcado dos quais usufruo

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O FEMININO LIVRE EM MIM

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Neste 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, renovo minha esperança num mundo onde as mulheres possam viver livremente o que são, sem a opressão da cultura, da religião e da família. Aproveito para deixar aqui um trecho do livro Viajando na Maionese Astral, lançado em 2020.

“Essa fase pós 2004 representou também um novo nível em minha relação com o feminino. Com as leituras de Jung e Campbell, avancei na compreensão do arquétipo feminino e aprendi a detectar melhor o machismo que em mim sobrevive e a reconhecer os privilégios do patriarcado dos quais usufruo.

“Você conhece o livro Mulheres que Correm com os Lobos, da analista junguiana Clarissa Pinkola Estés? Se não conhece, recomendo. Fui presenteado com este livro por três vezes, por três mulheres diferentes. Não foi coincidência, pois elas sabiam de meu interesse sobre o universo feminino, desde cedo manifestado nos textos e outros trabalhos. Nesse belo livro, vemos, por meio de mitos e lendas coletados pelo mundo, como sobreviveu, apesar da repressão do patriarcado, e escondida sob muitas formas simbólicas, o arquétipo do feminino selvagem, o modelo da mulher conectada com os ritmos e valores da Natureza e de sua própria natureza, o modelo da mulher livre.

“O livro de Clarissa me inspirou a escrever A Mulher Selvagem, uma das minhas crônicas mais conhecidas, e vários outros textos, e me ajudou a assimilar mais o princípio yin em meu ser, o que me permitiu viver relações amorosas mais honestas, livres e igualitárias.”

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Ricardo Kelmer 2021 – blogdokelmer.com

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VIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL
Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo
Miragem Editorial, 2020

Enquanto relembra as pitorescas histórias de quando largou uma banda de rock para liderar um aloprado grupo esotérico e lançou-se como escritor com um livro espiritualista de sucesso (Quem Apagou a Luz? – Certas coisas que você deve saber sobre a morte para não dar vexame do lado de lá) que depois renegou, o autor fala, com bom humor, sobre sua suposta vida no século 14, carreira literária, amores, sexo, drogas ilegais, prostituição e crises existenciais, reflete sobre sua relação com o feminino, o xamanismo, a filosofia taoista e a psicologia junguiana e narra sua transformação de líder de jovens católicos em falso guru da nova era e, por fim, em ateu combatente do fanatismo religioso e militante antifascista.

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Quem Apagou a Luz?
Certas coisas que você deve saber sobre a morte para não dar vexame do lado de lá
(ensaio)

Lançado em 1995, este livro resume, numa linguagem descontraída, as crenças e vivências que norteavam o grupo esotérico do qual o autor participou nos anos 1990, abordando temas como experiências fora do corpo, reencarnação, vida após a morte, extraterrestres e guias espirituais.

A partir de 2000, quando o autor assumiu seu ateísmo, este livro deixou de ser publicado, interrompendo uma trajetória de sucesso. Porém, em 2020, para divulgar seu livro Viajando na Maionese Astral – Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo, ele decidiu relançá-lo numa edição especial, junto com o Maionese.

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Reencarnação e ateismo (vídeo)

17/02/2021

17fev2021

Trinta anos depois, dois escritores conversam sobre o grupo esotérico que mudou seus destinos

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REENCARNAÇÃO E ATEÍSMO

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O Encontro da Nova Consciência é um festival multicultural que acontece em Campina Grande-PB desde 1992 e do qual participo desde 1996. Este ano, ele acontece por transmissões de vídeos via YouTube.
Participei com um batepapo com a escritora Ana Claudia Domene, que mora nos Estados Unidos, falando sobre o grupo esotérico que integramos nos anos 1990 e que mudou para sempre nossos destinos.

Segundo as lembranças do grupo, somos a reencarnação de pessoas que viveram na Dinamarca no século 14 numa comunidade mística que se escondia da Santa Inquisição (em meu livro Viajando na Maionese Astral, conto em detalhes toda essa história). Tivemos ainda os comentários do músico Moacir Bedê, que integrava o grupo e que no século 14 era uma bela, e safada, dançarina chamada Andrija. Ai, Andrija…

Considerando as duas vidas, é uma história de amizade, mistério e autoconhecimento, com sexo selvagem na floresta e muito humor.

Ana Claudia se define como espiritualista sem religião. Eu sou ateu. Como entendíamos tudo isso à época? E como agora entendemos? Experiências fora do corpo, guias espirituais, reencarnação – foi tudo real ou foi viagem na maionese?

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Ricardo Kelmer 2021 – blogdokelmer.com

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Viajando na Maionese Astral
Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo
Miragem Editorial, 2020

Enquanto relembra as pitorescas histórias de quando largou uma banda de rock para liderar um aloprado grupo esotérico e lançou-se como escritor com um livro espiritualista de sucesso (Quem Apagou a Luz? – Certas coisas que você deve saber sobre a morte para não dar vexame do lado de lá) que depois renegou, o autor fala, com bom humor, sobre sua suposta vida no século 14, carreira literária, amores, sexo, drogas ilegais, prostituição e crises existenciais, reflete sobre sua relação com o feminino, o xamanismo, a filosofia taoista e a psicologia junguiana e narra sua transformação de líder de jovens católicos em falso guru da nova era e, por fim, em ateu combatente do fanatismo religioso e militante antifascista.

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Quem Apagou a Luz?
Certas coisas que você deve saber sobre a morte para não dar vexame do lado de lá
(ensaio)

Lançado em 1995, este livro resume, numa linguagem descontraída, as crenças e vivências que norteavam o grupo esotérico do qual o autor participou nos anos 1990, abordando temas como experiências fora do corpo, reencarnação, vida após a morte, extraterrestres e guias espirituais.

A partir de 2000, quando o autor assumiu seu ateísmo, este livro deixou de ser publicado, interrompendo uma trajetória de sucesso. Porém, em 2020, para divulgar seu livro Viajando na Maionese Astral – Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo, ele decidiu relançá-lo numa edição especial, junto com o Maionese.

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O Caminho para Aaran
Ana Claudia Domene
(romance)

Na Dinamarca do século 14, a menina Orian é aceita como aprendiz de Aaran, uma escola secreta que guarda a sabedoria mística de antigas tradições. Ela aprende que é possível decifrar seus sonhos, sentir a energia sutil de seus chacras, entrar em contato com guias espirituais e relembrar outras vidas. Porém, à medida que enfrenta o desafio de seguir sua voz interior, ela começa a se perguntar se o conhecimento que adquiriu irá salvá-la ou destruí-la…

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Noturna
Ana Claudia Domene
(romance)

No caminho de iniciação mística no qual é iniciada, Luna passa a questionar sua vida pessoal, seu namoro e seu trabalho, e decide seguir sua voz interior. Sua jornada a leva ao México e ao encontro com um índio feiticeiro, que lhe apresenta um mundo novo e surpreendente no qual imperam a vontade pessoal, a comunhão com a Natureza e a liberdade sem limites. Um mundo tão simples quanto assustador.

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Contracenando com Franzé

10/02/2021

10fev2021

Ele sempre daquele jeitão bonachão dele, o humor fino e irônico, a risada gostosa. Seu amor pelo cinema era contagiante

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CONTRACENANDO COM FRANZÉ

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Conheci Franzé Santos em 1996. Ele era Relações Públicas do Shopping Aldeota e fizemos lá o lançamento do meu romance O Irresistível Charme da Insanidade, iniciando uma bela amizade. Em 2000, ele dirigia o Espaço Unibanco Dragão do Mar e acertamos parceria com a CABOCA (Confraria Cearense de Apoio às Boas Causas), que eu criara e que dava ingressos de cinema para as mulheres eleitas 10 Mais do Ano.

Durante anos, no meio da semana, era sagrado: lá estava eu no Espaço Unibanco, unzinho na cabeça, a saborear um dos filmes da programação que Franzé selecionava com louvável esmero, e ao fim papeávamos sobre o filme e a cena cultural da cidade, ele sempre naquele jeitão bonachão, o humor fino e irônico, a risada gostosa. Sua paixão pelo cinema era contagiante.

Franzé dirigiu o Cinema de Arte da Credimus nos anos 1980 e foi Diretor de Promoções do Sistema Verdes Mares, e nos últimos anos exerceu o cargo de Diretor do Museu da Fotografia de Fortaleza. Era um agitador cultural por natureza, culto e de alma nobre. Fortaleza deve muito a ele.

Em 2017, quando voltei à terra natal após 13 anos fora, foi Franzé quem me indicou um flat na Pinto Madeira, onde ele morava. Era um vizinho sempre generoso. Nesses dois anos de vizinhança, várias vezes me salvou, levando as comidinhas saborosas que preparava, com a repetida recomendação de devolver o prato, pois fora herdado de sua querida mãe, dona Mazé. Virávamos horas em bons papos sobre cinema e literatura, e ele fazia questão de adquirir meus novos livros, comentava meus textos… Quando fui a São Paulo, trouxe-lhe de presente os filmes La La Land, Manchester à Beira-mar e Moonlight, que ele solicitara, e incluí no pacote o sul-coreano A Criada, do diretor Park Chan-Wook, que ele adorou, especialmente a trilha sonora.

Em setembro de 2020, eu já morando em outro lugar, enviei-lhe meu novo livro, Viajando na Maionese Astral, e ele comentou: “O pouco que li, adorei, aliás, bem à sua maneira…” Foi nossa última conversa.

Sabe, Franzé, o mundo deu outra volta e virei novamente dono de bar. Você não chegou a conhecer, é o Simpatizo Amor de Bar, na Aldeota. Quando a situação melhorasse, eu te convidaria para ir conhecer, tomar umas comigo e falar dos agitos culturais. Mas façamos uma pequena mudança no roteiro. Esta semana irei lá, sentarei naquela mesinha do canto e brindaremos, eu e você, à vida, à arte e à amizade, e te agradecerei por tudo. Na mesa ao lado, alguém rirá de me ver falando sozinho e fazendo tim-tim com um outro copo invisível. Na sequência, a câmera abrirá o plano e mostrará o cajueiro do outro lado da rua, onde os pássaros se reúnem ao fim da tarde para gorjear as novidades. E os créditos subirão na tela.

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Ricardo Kelmer 2021 – blogdokelmer.com

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VIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL
Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo
Miragem Editorial, 2020

Enquanto relembra as pitorescas histórias de quando largou uma banda de rock para liderar um aloprado grupo esotérico e lançou-se como escritor com um livro espiritualista de sucesso (Quem Apagou a Luz? – Certas coisas que você deve saber sobre a morte para não dar vexame do lado de lá) que depois renegou, o autor fala, com bom humor, sobre sua suposta vida no século 14, carreira literária, amores, sexo, drogas ilegais, prostituição e crises existenciais, reflete sobre sua relação com o feminino, o xamanismo, a filosofia taoista e a psicologia junguiana e narra sua transformação de líder de jovens católicos em falso guru da nova era e, por fim, em ateu combatente do fanatismo religioso e militante antifascista.

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01- Muito triste com a morte do Franzé. Jane Soares Cruz Cabral, Fortaleza-CE – fev2021

02- Como você descreveu bem seu amigo, uma homenagem linda. Ligia Eloy, Lisboa-Portugal – fev2021

03- Linda homenagem! Ernesto Enrique Hernández, Rio de Janeiro-RJ – fev2021

04- Meus sentimentos. Celia Sporrer, Fortaleza-CE – fev2021

05- Conheci o Franzé numa campanha politica. Depois o encontrei varias vezes no Espaco Unibanco.Vez ou outra trocava um ideia com ele. Muito culto realmente. Tales Alexandre Lula Haddad, Fortaleza-CE – fev2021

06- Como ele gostava de compartilhar receitas e filmes. A cara dele.   muito bem escrito Ricardo. Nucia Costa Melo, Fortaleza-CE – fev2021

07- Um abraço pra tu. Veronica Guedes, Fortaleza-CE – fev2021

08- Estive com Franzé , deveras (o via sempre no Cine Dragão), duas vezes: uma para cumprimentá-lo e, na dura, sensibilizá-lo para uma exibição gratuita para os educando/as da EFA dom Efa Dom Fragoso que não conheciam uma sala de cinema, ele topou! A segunda vez foi no dia da exibição. Fiquei muito grato. Ivo Sousa, Fortaleza-CE – fev2021

09- O pouco que conheci do Franze Santos; desde a CREDIMUS, até o cinema do Dragão do Mar; sempre foi muito agradável e de informações preciosas pra mim. Bela descrição e homenagem que você faz Ricardo Kelmer; Luz e paz pra o Franze Santos. Fernando Piancó, Fortaleza-CE – fev2021

10- Meu amigo querido. Jane Azeredo, Fortaleza-CE – fev2021

11- Meus sentimentos. Soares Oliveira Soares Oliveira, Fortaleza-CE – fev2021

12- Que bonito, Kelmito. Sinta-se abraçado, que Sr.Franzé esteja em um bom lugar. Marta Pinheiro, Fortaleza-CE – fev2021

13- Lindo texto! Que bom deixar lembranças preciosas, que pena perder amigos dessa forma… Verônica Oliveira, Fortaleza-CE – fev2021

14- Fizemos trabalho juntos.. aprovou pelo SVM a.produção “Agosto dos homens” no Obá Obá do amigo Erivaldo Alves…sucesso total. É tanto q teve mais 2 edições. Dessa forma como vc o descreveu. Adil Chaves, Fortaleza-CE – fev2021

15- Sublime seu texto  Franze inesquecível. Andre Marinho, Fortaleza-CE – fev2021

16- Que lindo, Ricardo… Só você para fazer esta perda ter imagens. Selma Santiago, Fortaleza-CE – fev2021

17- Belo depoimento Jornalista. José Anderson Freire Sandes, Fortaleza-CE – fev2021

18- Que belezura. Ricardo Andrés Bessa, Fortaleza-CE – fev2021

19- Momento triste retratado num texto emocionante, que me remeteu ao percurso e à amizade de vcs ( mesmo sem conhecê- los). Kátia Lula da Silva, Fortaleza-CE – fev2021

20- Bela e justa homenagem. Walber Steffano, Fortaleza-CE – fev2021

21- Franze ,siga em paz!. Tete Vieira, Fortaleza-CE – fev2021

22- Franzé Presente! Uma destas figuras humanas que justificam sua passagem na Terra! Agora só não entendi porque iria esperar a pandemia passar para lhe convidar a tomar uns tragos, já que o bar está aberto e com muita frequência normal de pessoas que gostam de conversar, beber e ouvir uma boa música mesmo na Pandemia. Agora mesmo o bar continuando aberto em meio a um lockdown absurdo e sem qualquer base científica, Franzé não está mais entre nós para degustar uma breja gelada… Candido Alvarez, Fortaleza-CE – fev2021

23- Espaço Unibanco foi tocado por ele muito bem. O café da manhã de domingo muito legal. Saudades. Luiza Perdigão, Fortaleza-CE – fev2021

24- Gente , o Franze morreu? Eu não tô acreditando. Arrasado. Apesar dele virar Bolsominion no final, eu amava o Franze. Entrevista que fiz com ele em Canoa: https://youtu.be/0Bw4IQdgE7c Felipe Muniz Palhano Xavier, Fortaleza-CE – fev2021

25- Nunca esqueço das pré estreias glamourosas do cinema nacional no Espaço Unibanco, as fofocas com ele quando encontrava…papo bom demais, era verdadeiro , falava o q pensa. Franze foi um dos maiores produtores culturais de Fortaleza! Viva o Franze! um dos melhores papos de Fortaleza, super articulado, admirava ele muito. Eu tô chorando. Poxa Franze. Felipe Muniz Palhano Xavier, Fortaleza-CE – fev2021 

26- Franze tinha muita história pra contar. o cara teve cara a cara com Janis Joplin. Joanice Sampaio, Fortaleza-CE – fev2021

27- Quando moramos longe da terrinha há um bom tempo e alguém falece, algo volta no tempo, uma certa nostalgia, talvez pq um pouco de nós se vai também… Ana Cristina Baptista Teixeira, Porto Alegre-RS – fev2021

28- 😢 Silêda Franklin, Fortaleza-CE – fev2021

29- Fará falta e, sim, Fortaleza lhe deve uma cena muito inteligente com suas curadorias. Suzana Costa, Fortaleza-CE – fev2021


São Paulo 467 anos

25/01/2021

25jan2021

Quando vi, estávamos casadinhos. Foram onze anos de intensa convivência, na alegria e na tristeza

 

SÃO PAULO 467 ANOS

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Hoje é aniversário dela. Mas deixe-me voltar uns anos no tempo. Para dizer que antes, era o medo. Sim, eu a temia, mas nem tinha consciência disso. O medo arquetípico daquilo que pode nos libertar – hoje sei.

Até que, numa noite de outubro de 2006, um sonho veio me dizer “vá!”, e foi tão enfático que eu obedeci, mesmo sem saber como ela me receberia. O Louco das cartas do tarô, a se jogar no mundo, confiando nas asas de sua própria ingenuidade…

Quando vi, estávamos casadinhos. Foram onze anos de intensa convivência, na alegria e na tristeza, Planalto Paulista, Sumaré, Pinheiros, livros, teatro, saraus, amores e amizades… Aprendi a aceitá-la do jeitinho que ela é e ela me ensinou a mágica de ser, ao mesmo tempo, escritor, ator canastrão e muambeiro de eletrônicos da Santa Efigênia.

Sabe, ela me abriu as portas de um novo mundo e de um novo eu, e devo muitíssimo a ela. Sim, hoje é Fortaleza, essa loirinha desmiolada de sol, quem dorme e acorda comigo, mas nessas idas e vindas que a vida traz, nós três nos entendemos bem.

Feliz aniversário, São Paulo! 

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Ricardo Kelmer 2021 – blogdokelmer.com

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VIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL
Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo
Miragem Editorial, 2020

Enquanto relembra as pitorescas histórias de quando largou uma banda de rock para liderar um aloprado grupo esotérico e lançou-se como escritor com um livro espiritualista de sucesso (Quem Apagou a Luz? – Certas coisas que você deve saber sobre a morte para não dar vexame do lado de lá) que depois renegou, o autor fala, com bom humor, sobre sua suposta vida no século 14, carreira literária, amores, sexo, drogas ilegais, prostituição e crises existenciais, reflete sobre sua relação com o feminino, o xamanismo, a filosofia taoista e a psicologia junguiana e narra sua transformação de líder de jovens católicos em falso guru da nova era e, por fim, em ateu combatente do fanatismo religioso e militante antifascista.

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01- não esqueça dela. ela faz bem pra caramba. Shirlene Holanda, São Paulo-SP – jan2021

02- Suas andanças me são familiares menos Fortaleza que sonho conhecer. Fez bem! Malu Ferreira, São Paulo-SP – jan2021

03- Parabéns pelo maravilhoso texto. Clea Fragoso, Fortaleza-CE – jan2021

04- Também consegui me encantar com a “cidadivosa” quando a conheci! Tereza Cristina, Fortaleza-CE – jan2021

05- Lindo! Declaração de amor bem bonita. Também admiro São Paulo, um universo fascinante. Ligia Eloy, Lisboa-Portugal – jan2021

06- eu só fiquei 3 anos em Sampa e, depois, 15 no Rio de Janeiro. Foi no Rio que nasceu meu filho, o maior amor da minha vida. Mesmo assim, São Paulo foi e é a minha cidade do coração, com todos os perrengues que passei lá. Nutro um amor enorme por ela, tive acesso a tanta arte, tanto conhecimento, foram 3 anos muito bem vividos. Discordo de você se achar ator canastrão. Desde lá nos anos 80, quando você contava suas histórias, suas piadas, nas mesas dos bares, eu já achava que você tinha uma veia artística para os palcos. Lisieux Bevilaqua, Fortaleza-CE – jan2021

07- “Porém com todo defeito te carrego no meu peito… são, são paulo, quanta dor…” Arnaldo Afonso, São Paulo-SP – jan2021

08- Adorei, Kelmer!!!! Barbara Garcia, São Paulo-SP – jan2021

09- Lindo sem barba. Parabéns pelo lindo texto. Vilma de Oliveira, Fortaleza-CE – jan2021

10- Obrigada por homenagear minha cidade. Bj. Marcia Soares Fernandes, São Paulo-SP – jan2021

11- Aprecio ler seus livros. Maria Ines Ramalho, Fortaleza-CE – jan2021

12- Você é muito a cara de Sampa! Reny Diel, Porto Alegre-RS – jan2021

13- Kelmer, “esta bichinha” me pegou pelo coração e vivi 8 anos por lá. Ela é todo o mistério da vida com suas não-identidades, diversidades, generalidades, diferenças e tudo o que pode ser. Parabéns São Paulo. Tenho uma parte do meu coração com você! Érico Baymma, Fortaleza-CE – jan2021

14- que lindo!!! Olinda Evangelista, Florianópolis-SC – jan2021

15- Imensamente lindo! Somos brasilianos! Carlos Bonfim, Sobral-CE – jan2021

16- Maravilha esse texto! Amei. Lúcia Menezes, Rio de Janeiro-RJ – jan2021

17- Eu te admiro muito meu sobrinho com esse jeito meio confuso e inteligente , parabenizo por tudo que você merece . Seja sempre iluminado com os seus desejos extraordinários e fabulosos. Leonor Oliveira Moreira, Fortaleza-CE – jan2021

18- um grande abraço primo. Maria Célia Oliveira Garcia, Fortaleza-CE – jan2021

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A arte venceu a morte

29/12/2020

29dez2020

Foi por isso que decidi que, assim como os músicos que seguiram tocando enquanto o Titanic afundava, eu seguiria até o fim escrevendo

A ARTE VENCEU A MORTE

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Não foi fácil finalizar e lançar meu livro VIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL enquanto tentava sobreviver e manter a sanidade no meio de uma devastadora pandemia que já matou 200 mil pessoas. A situação era absolutamente nova. Eu precisaria buscar forças desconhecidas em mim e reinventar estratégias de divulgação e venda. Em certo momento, achei que forçava a barra. Como alguém pode pensar em literatura no meio de uma catástrofe?

Em respeito aos mortos, pensei em adiar tudo para quando findasse a tempestade. Mas… e se eu não sobrevivesse a ela?

A proximidade da morte muda tudo. A mim, ela fortaleceu convicções e eu mudei para ser ainda mais eu. Foi por isso que decidi que, assim como os músicos que seguiram tocando enquanto o Titanic afundava, eu seguiria até o fim escrevendo. Se a indesejada das gentes chegasse, ela me encontraria fazendo o que nasci para fazer.

Lançar este livro neste momento significa, para mim, a vitória da arte sobre a morte. Eu sobrevivi para contar a minha história, que é também um pouco da história de meus amigos e de muitos outros. Bem, a tempestade ainda não passou, é verdade, e não sei como estarei daqui a uma semana. Porém, a sensação que me preenche agora é de vitória. E devo isso à literatura.

E devo essa vitória também a você, que me lê e acredita no que faço. Muito obrigado!

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Ricardo Kelmer 2020 – blogdokelmer.com

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VIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL
Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo
Miragem Editorial, 2020

Enquanto relembra as pitorescas histórias de quando largou uma banda de rock para liderar um aloprado grupo esotérico e lançou-se como escritor com um livro espiritualista de sucesso (Quem Apagou a Luz? – Certas coisas que você deve saber sobre a morte para não dar vexame do lado de lá) que depois renegou, o autor fala, com bom humor, sobre sua suposta vida no século 14, carreira literária, amores, sexo, drogas ilegais, prostituição e crises existenciais, reflete sobre sua relação com o feminino, o xamanismo, a filosofia taoista e a psicologia junguiana e narra sua transformação de líder de jovens católicos em falso guru da nova era e, por fim, em ateu combatente do fanatismo religioso e militante antifascista.

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Quem Apagou a Luz?
Certas coisas que você deve saber sobre a morte para não dar vexame do lado de lá
(ensaio)

Lançado em 1995, este livro resume, numa linguagem descontraída, as crenças e vivências que norteavam o grupo esotérico do qual o autor participou nos anos 1990, abordando temas como experiências fora do corpo, reencarnação, vida após a morte, extraterrestres e guias espirituais.

A partir de 2000, quando o autor assumiu seu ateísmo, este livro deixou de ser publicado, interrompendo uma trajetória de sucesso. Porém, em 2020, para divulgar seu livro Viajando na Maionese Astral – Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo, ele decidiu relançá-lo numa edição especial, junto com o Maionese.

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01- Parabéns! Ana Claudia Domene, Albuquerque-EUA – dez2020 

02- A arte venceu a morte porque você venceu em uma história inteira de vida. Venceu porque se dedicou ao que melhor te representa. Parabéns!!!! Te ler é muito divertido e inspirador, Mizifi…. Ale Magna, Fortaleza-CE – 2020

03- O seu jeito de lidar com os ruídos da vida e os desafios dela, pra mim, é inspirador! E nestes dias tão difíceis que estamos todos enfrentando, você não permitiu que a adversidade e a dinâmica do mundo sufocassem a sua arte.
Viu porque me sinto uma pessoa privilegiada por lhe conhecer e fazer parte da sua vida?! E ler você então, é maravilhoso demais… Lana Arrais, Fortaleza-CE – dez2020


Viajando na Maionese Astral cap. 1, 2 e 3

22/12/2020
 

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VIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL

Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo

Ricardo Kelmer – Miragem Editorial, 2020 .

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RESUMO
Aos 30 anos, Ricardo Kelmer largou uma banda de rock para liderar um aloprado grupo esotérico que planejava salvar o mundo e lançou-se como escritor com um livro espiritualista de sucesso, hoje renegado. Enquanto relembra as pitorescas histórias desse tempo, ele nos conta curiosidades da carreira literária, reflete sobre sua relação com o feminino, o xamanismo, a filosofia taoísta e a psicologia junguiana, e, com bom humor e ironia, revela intimidades nos departamentos do amor e da amizade, do sexo e da boemia, da prostituição e das drogas ilegais, dos fracassos e das crises existenciais. Como pano de fundo das memórias, vê-se a trajetória de um líder de grupo de jovens católico que se transformou em falso guru da nova era e, por fim, em ateu combatente do fanatismo religioso e militante na luta antifascista.

> Na página do livro: texto de apresentação, comentários de leitores, curiosidades

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cap 1
ESQUELETOS DO PASSADO

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arqueologia da psique

Eu tinha 28 anos, morava nos braços dengosos da minha loirinha desmiolada de sol, também conhecida por Fortaleza, e cursava Letras na Universidade Federal do Ceará (UFC). Trabalhava como atendente numa clínica veterinária e, em paralelo, faturava um extra fazendo produção de eventos e festas temáticas. Era 1992, e o velho sonho de ser escritor profissional, que me possuíra a alma ainda na infância, resistia, sim, mas com tantos afazeres, e precisando atender também às obrigações boêmias, não me sobrava tempo nem disposição para escrever.

Essa situação me angustiava que nem uma gravata apertada, mas, por outro lado, eu sabia que a carreira de escritor é muito incerta e que assumi-la exigiria sacrifícios que eu não estava disposto a pagar. Sim, pode me chamar de covarde, eu era isso mesmo, e essa covardia começava a travar meu processo de autorrealização, que Jung chama de individuação, e que eu ainda não sabia o que era, mas saberia alguns anos depois, quando fosse apresentado à psicologia junguiana.

Resumindo: meu futuro literário cada vez mais se resignava a um triste e desmilinguido cantinho naquela tal prateleira da vida inteira que poderia ter sido e que não foi, como diria Manuel Bandeira, meu poeta preferido.

Então…

(musiquinha de suspense)

Então, tudo começou a mudar no dia em que eu soube de uma palestra sobre sonhos e experiências fora do corpo. Eu não podia imaginar que isso abriria as portas do meu destino.

Antes, porém, de prosseguir, permita-me voltar no tempo. Tentarei localizar, feito arqueólogo da psique, restos fossilizados de minhas experiências com as letras, a religiosidade e o feminino. Isso me ajudará a entender melhor minha própria trajetória, as minhas mortes e a aventura bizarra que estava prestes a acontecer.

magia dos livros

Nascido em 1964, em Fortaleza, capital desse chão mítico que chamamos Ceará, vivi nela toda a infância e a adolescência. Família classe média, e depois média alta. Sou o mais velho dos quatro irmãos, mas tive uma irmã mais velha, Gina, que morreu com dois anos, de hidrocefalia, o que fez com que meu nascimento fosse cercado de muita expectativa. Educação católica, em casa e nos colégios. Moramos no Centro e na Parquelândia, e em 1972 mudamos para o Cocó, o que me possibilitou um fim de infância em contato com a Natureza: dunas, mato, lagoa, praia, bichos soltos pelas ruas e muita cobra passeando faceira dentro de casa. Era um privilégio.

Aos 6 anos, me apaixonei pela professora do colégio Cristo Rei, que apenas sorria da minha paixão envergonhada. Infelizmente, ela não quis nada comigo. Desconfio que foi pela diferença de idade, as pessoas não iriam aceitar – tudo bem, Eliane, eu entendo. Era o arquétipo do feminino já a me seduzir em suas múltiplas e irresistíveis manifestações, eu tão novinho, coitado…

A primeira experiência marcante com livros se deu aos 7 anos, no colégio Santo Inácio. Uma vez por semana, íamos à biblioteca, que funcionava numa pequena sala. Putz, eu adorava! Um dia, no momento de voltar para a sala de aula, me escondi sob a mesa. Meus colegas saíram, a professora apagou a luz, saiu e trancou a porta. Fiquei lá sozinho, envolvido pela penumbra, naquele imenso e solene silêncio… De repente, eu tinha todos os livros do mundo só para mim, que maravilha. Foram apenas alguns minutos, até a professora vir me buscar, mas algo muito sério aconteceu naquela biblioteca. Acho que o universo mágico dos livros se abriu para mim e fui invadido por uma sensação de encantamento. Uma experiência numinosa, foi isso que vivi, hoje sei. Na verdade, acho que nunca mais saí daquela sala. Continuo lá, em estado de maravilhamento, fora do tempo…

Aos 8 anos, contraí uma pneumonia que quase me mandou para a tumba. Sem poder ir ao colégio, passava o tempo entre os livros do Tarzan e os quadrinhos do Príncipe Valente e do Homem Aranha*. Tinha também a turma da Mônica, com aquele personagem que me fascinava, o Louco. Sem falar dos personagens da Disney, claro, ah, o Manual do Escoteiro Mirim… Se existia um paraíso, naqueles dias eu morei nele de pijama. Foi assim, fugindo da morte, que me veio a ideia: quando eu crescesse, escreveria histórias como aquelas para os outros lerem. Promessa é dívida, viu, menino?

Agora, meu primeiro e vergonhoso delito. Ele ocorreu justamente por conta dessa incipiente paixão pelos livros. Quando tinha 9 anos, participei de uma gincana no colégio, na qual os alunos que conseguissem vender certa quantidade de selos ganhavam como recompensa uma coleção de livros com os contos folclóricos dos Irmãos Grimm. Sai oferecendo os selos aos colegas, à família, aos vizinhos, a desconhecidos na rua… Como não consegui vender todos, decidi roubar dinheiro da bolsa da minha mãe, e foi assim que, para minha felicidade, adquiri os livros. Porém, dona Vilminha deu pela falta do dinheiro e tive que confessar meu crime. Como não quis dizer que roubara para comprar livros, criei uma justificativa que julguei mais nobre e aleguei que roubara o dinheiro para dar para a moça que trabalhava em nossa casa. Ela, coitada, ficou muito surpresa e negou tudo, claro, e no fim meus pais felizmente entenderam que ela não tinha culpa, mas agora sabiam que tinham um filho literato e ladrãozinho.

Anos depois, esse episódio ressurgiu em minha lembrança e fui tomado de imensa vergonha, e me assustei com minha atitude. Isso acendeu uma luzinha vermelha em meu processo de autoconhecimento e me serviu de alerta para o quanto eu podia ser egoísta, falso, mesquinho e covarde em nome dos meus objetivos.

religião, morte, versinhos, sacrilégios

Aos 10 anos, como todo bom menino católico, fiz a primeira comunhão e lembro que me senti muito frustrado, inconformado mesmo, porque Jesus não apareceu para mim quando recebi a hóstia, contrariando a expectativa que alimentei por um ano inteiro. Isso me incomodou, mas não tanto quanto um fato ocorrido dias antes, que guardo como o primeiro questionamento filosófico de minha vida*.

Esperávamos a aula começar, quando um padre do colégio distribuiu para os alunos um folheto com a imagem de Jesus e um texto sobre a eucaristia. Enquanto eu lia, um colega ao lado ergueu seu folheto e o rasgou em pedacinhos, dizendo, com raiva, que aquilo tudo era mentira. Fiquei perplexo, sem acreditar. Tentei entender por que ele fazia aquilo, mas logo um pensamento mais profundo e inquietante me tomou: então aquilo era possível? Alguém podia fazer o que meu colega fizera e não ser instantaneamente fulminado por um raio vindo do céu?

Eu sabia que, embora o colégio fosse católico, os alunos não eram obrigados a fazer a primeira comunhão, mas até então eu jamais cogitara, sequer por um segundo, a ideia de que era possível não ter religião ou, pior, não crer na existência de Deus. Pela primeira vez, eu enxergava um pouquinho além da redoma religiosa dentro da qual fora criado.

Relevei a atitude do rebelde colega e perdoei a Jesus por não ter aparecido para mim, até porque eu tinha consciência de que era um menino abençoado, pois já escapara das garras da morte por quatro vezes. Sim, quatro. A pneumonia eu já contei, mas, anos antes, a rede onde eu dormia pegou fogo e assei dentro dela feito churrasquinho até conseguirem me tirar. De outra vez, atravessei a avenida correndo e, bufo!, fui atropelado por um fusca, e a porrada foi tamanha que minha cabeça afundou o capô. Não morri nesse dia por ser cabeça-dura. Depois, me afoguei na piscina do clube e, quando meus pais se deram conta, eu já estava lá no fundo, bem quietinho. Até hoje ponho água para fora.

Versinhos para as professoras no dia do aniversário delas – confesso que eu fazia isso. E elas adoravam. Dona Conceição, por exemplo, achava lindas as redações que eu escrevia, e eu fazia questão de caprichar só para ganhar seu abraço apertado e afundar a cabeça entre seus peitões. Eu começava a descobrir os prazeres da literatura…

Sabe o Peninha, o primo destrambelhado e metido a esperto do Donald, que era repórter do jornal A Patada, do Tio Patinhas, e que nas horas vagas se transformava no intrépido Morcego Vermelho? Era o meu personagem Disney favorito. O Manual do Peninha virou meu livro de cabeceira. Então, negativamente influenciados pelo Peninha, meu primo Jamiro e eu fundamos um jornal. A sede ficava na garagem da casa dele, e tudo que tínhamos era uma centenária máquina de escrever faltando várias teclas, umas folhas de papel já usadas de um lado e papel-carbono. Revelando toda nossa criatividade, batizamos o jornal de… A Patada. Meu primeiro trabalho, ah, foi inesquecível: entrevistar Emerson Fittipaldi, o bicampeão de Fórmula 1. Coisinha simples, para começar. Então, saí pelas ruas do Centro, munido de caneta e bloquinho de papel, a procurar pelo grande piloto, mas ninguém soube me informar onde ele morava, até porque ele nunca morou em Fortaleza. Nosso jornal teve a expressiva quantidade de zero edições. Foi meu primeiro fracasso profissional.

Mas não desisti. Em seguida, criei um jornalzinho caseiro com notícias do cotidiano familiar: a goiabeira deu a primeira goiaba, a cadela rasgou a cueca do papai, meu irmão pegou meus brinquedos sem me pedir permissão… Era uma folha de papel escrita e colorida a mão, fixada à parede da sala. Chamava-se… Fofocal. Para você ver como desde pequeno eu me supero no ridículo. Ninguém gostou do jornal, principalmente meu irmão delatado Marcio, e o Fofocal morreu no lançamento. Meu segundo fracasso profissional. Vai anotando.

colégio militar, orgasmo, o feminino, contos eróticos

Então, aos 10 anos, passei no concurso e virei aluno do Colégio Militar*. Fui para lá porque o ensino era considerado excelente e seria uma boa economia para meus pais, pois era quase gratuito. Além disso, meu pai queria que eu seguisse a carreira militar, cursar a Academia das Agulhas Negras, quem sabe até ser Presidente da República… Bem, concedamos um desconto à megalomania paterna: estávamos em 1975, na ditadura militar, e a carreira de milico representava um futuro financeiramente tranquilo.

No início, ser aluno do Colégio Militar me empolgou, tudo era novidade, e eu andava nas ruas com orgulho do meu uniforme, percebendo os olhares que nos lançavam as meninas do colégio Imaculada Conceição. Eu, que era ótimo aluno de Português e Redação e amava as crônicas da série Para Gostar de Ler, passei a relatar minhas experiências numa série de textos que intitulei Os Melhores Momentos da Minha Vida. Boa parte deles falava das festinhas e da grande emoção de dançar com as meninas. Ainda não eram contos eróticos, mas tenha calma que logo chegaremos lá.

Quer saber como foi meu primeiro beijo de língua? Deu-se por essa época. Foi bom, mas infelizmente ela não mexia a língua. Na verdade, ela não tinha língua, a coitada. Chamava-se Amiguinha*, era uma boneca quase do meu tamanho, da minha irmã mais velha. Eu treinava com Amiguinha para quando fosse beijar as meninas do Imaculada, o que jamais chegou a acontecer, ô iludido.

Minha mãe tinha um Bel Linha, um aparelho vertical de massagens para eliminar celulite. Em pé, a pessoa encaixava a cinta vibracional ao redor da cintura, nas pernas ou na bunda, ligava e ela vibrava, massageando. Um dia, testando o aparelho, me virei de costas para ele, encaixei a cinta abaixo da cintura e liguei. No início, a vibração fez cócegas, mas logo depois a sensação ficou boa, ficou gostosa, ficou muito prazerosa e, ops, o que é isso, tô sentindo uma coisa estranha… aaaaaahhhh… Foi assim, aos 10 anos, o meu primeiro orgasmo, que eu não sabia nem que tinha nome, e descobri que aquilo me deixava meio tonto e feliz, e descobri também que, mesmo querendo mais, tinha que esperar um tempo até poder repetir. Uau, aquilo era melhor que brincar de Forte Apache. Solidário, avisei aos meus irmãos sobre a incrível descoberta, e eles experimentaram, mas não se entusiasmaram. Fiquei viciado no Bel Linha, a tal ponto que dona Vilminha precisou trancar o quarto, caso contrário eu passaria a tarde inteira lá.

No segundo ano ginasial, fiquei conhecido no Colégio Militar: venci o 1° Campeonato de Futebol de Tampinha, promovido pelo grêmio. Fui o campeão, duelando contra os melhores jogadores, inclusive caras mais velhos. Foi o máximo! Das conquistas que tive na vida, foi esta, aos 12 anos, a mais valiosa de todas, pois ela me deu a certeza de que eu era capaz. Se eu não tivesse perdido minha medalha de ouro, ainda hoje andaria com a bichinha pendurada no pescoço.

Nesse mesmo ano, aconteceu meu primeiro namoro. Durou apenas três dias, mas vale como registro, inclusive porque ele trouxe o segundo questionamento filosófico da minha existência. Eu gostava das minhas duas vizinhas, que eram amigas, e ambas me queriam. Fiquei terrivelmente angustiado com a necessidade de escolher apenas uma delas. Por que não as duas, por que tinha de ser assim, por quê? – eu não me conformava. Infelizmente, precisei escolher. Então, com todo o pragmatismo que um adulto de 12 anos pode ter, escolhi a que tinha piscina em casa. Mas a outra não se conformou e, para aumentar minha angústia, insistiu para que eu mudasse minha decisão, o que quase ocorreu. Putz… Foi minha estreia nesse improdutivo embate, que eu travaria pelos trinta anos seguintes, contra a pior das monogamias, a compulsória. Voltarei a este tema depois, prometo.

Um ano mais nova que eu, minha irmã Ana estudava no Imaculada. Então, conheci suas colegas e passei a aguardar ansiosamente pelas tardes em que elas iam estudar lá em casa. Ah, eram dias especialíssimos… Eu ficava estudando em meu quarto, aguardando pelo momento em que elas paravam e iam tomar banho. Era um lindo filme que eu assistia escondido, trepado num banco no corredor lateral da casa, eu lá observando por entre as frestas da janelinha no alto, ladrão de intimidades, fascinado pela transcendental visão das meninas nuas a se ensaboar, meu coração acelerado, a alma em total alumbramento, eu tremendo de assombro e prazer…*

Foi assim, aos 13 anos, inspirado pela poesia do feminino, que o Jeitoso, atuando ao sul do umbigo, se impôs em minha vida e passou a ser cogerente das minhas decisões. O Jeitoso só ganharia esse nome muitos anos depois, e eu nem lembro mais quem o batizou assim, mas o fato é que lá estava eu, adolescente com espinhas na cara, a penetrar de vez a dimensão sexual da existência.

Você lembra dos contos eróticos da revista Ele Ela? Eles me motivaram a escrever meus primeiros contos, expressando as safadices que eu desejava fazer com as mulheres. Durante as aulas, meus textos circulavam discretamente entre os colegas, que liam com a sofreguidão típica dos adolescentes lotados de hormônios. Um dia, o professor de português descobriu, pegou a folha de papel e leu em silêncio, em pé ao meu lado. E eu lá, suando de nervosismo e vergonha. Em certo momento, ele comentou surpreso uma passagem que falava de uma… “abordagem anal”. Putz! Expulsou-me da sala? Não. Devolveu a folha e disse que estava bem escrito, mas que eu devia prestar mais atenção às aulas. Que alívio!

Susto grande, mas segui escrevendo contos eróticos. Um dia, minha mãe descobriu o caderno no qual eu os escrevia e, indignada, deu um sumiço naquela pouca-vergonha. Dona Vilminha deve ter ficado especialmente horrorizada com um conto cujas protagonistas eram as funcionárias da loja dela, ou com um outro no qual me aproveito da embriaguez da minha prima. Entendo perfeitamente sua preocupação, mamis, mas de nada adiantou, eu já era um Marquezinho de Sade.

poeta e místico

Por essa época, comecei a cometer meus poemas, que variavam entre dramas amorosos, erotismo e misticismo, e alguns com uma vaga temática social. E, como achei que podia ser músico, tive aulas de violão. Eu me imaginava tocando canções para as meninas, em noites ao luar, todo galanteador. Cheguei a compor uma música, absolutamente horrorosa, cujo refrão era uma pérola de criatividade (Amor, eu te amo, amor, eu te amo, amor, eu te amo…) e que, naturalmente, se chamava Amor, Eu te Amo. Imagine a cena: eu tomei coragem e finalmente me declarei à garota, e toquei a música para ela, que escutou com atenção e depois chorou, chorou muito… com pena de mim. Não, isso não rolou, mas com certeza é o que teria acontecido. Felizmente, desisti logo do violão. Mas a música não desistiria de mim, como você em breve verá.

Após quatro anos no Colégio Militar, o que antes era empolgante virou insuportável. O ar repressor, aquela ênfase na autoridade e na obediência, o cabelo raspado… Isso tudo entrou em conflito com minhalma de poeta rebelde e meus casos de indisciplina se tornaram frequentes. E, putz, eu queria estudar num colégio que também tivesse alunas! Preocupados, meus pais me puseram em outro colégio. Foi assim que perdemos a chance de ter um general na família.

No novo colégio, o Marista, também católico, havia alunos homens e mulheres. No início, eu ficava nervoso diante delas, a voz desafinava e me atrapalhava todo, era uma lástima. Estava intimidado pela grandeza do feminino. Elas eram tão lindas, tão sensuais, e eu me perdia de admiração de vê-las passar… As curvas de seus corpos, as protuberâncias, o jeitinho de mexer no cabelo, aquela força indefinível que elas exalavam – tudo no universo feminino era belo e me inspirava textos, que, mesmo envergonhado, passei a mostrar para elas. Virei o poeta da turma. E descobria que, se não era o mais bonito, o craque do futebol ou o bom de briga, podia impressionar as garotas com as palavras.

Aos 15 anos, meu primeiro Carnaval, para valer. Uau, foi uma das mais impactantes descobertas de toda a minha vida. Então, era aquilo o Carnaval? Toda aquela alegria, a embriaguez, a licenciosidade – era perfeito! Até hoje, quando ouço Moraes Moreira, me vem a lembrança do cheirinho da loló. Infelizmente, eu era tímido demais, desses que fica a noite inteira tomando coragem para chegar junto da musa e sempre volta para casa arrasado e odiando a si próprio. Bem, ao menos nos poemas eu podia ser um folião safado e feliz.

Em paralelo à literatura, me interessavam também assuntos ligados a psicologia e potencialidades da mente. Li alguns livros, como o Método Silva de Controle Mental, e comecei a perceber a importância de uma rígida disciplina mental para alcançar os objetivos.

E lia também sobre parapsicologia, ocultismo e bruxaria. Nessa época, vi o filme O Exorcista* (do diretor William Friedkin, baseado no romance de William Peter Blatty). Eu sabia que era um filme apavorante, e meus pais me aconselharam a não ver. Mas encarei tudo como um desafio pessoal – se o Diabo existia mesmo, eu queria medir forças com ele. Doces ilusões… É claro que o Diabo existia – mas apenas nas minhas crenças, e ao longo da vida eu teria boas oportunidades de confrontá-lo, sempre que fosse tentado a ser infiel às minhas verdades.

Então, fui ver O Exorcista. Putz… Quase me caguei nas calças de tanto medo. Nessa noite, precisei dormir no quarto dos meus pais, eu, marmanjo de 15 anos, que ridículo. E minha mãe: Eu te disse, eu te disse… Dias depois, queria ver o filme novamente, tão fascinado que fiquei.

E havia os sonhos. Eis um tema que desde cedo me encantou. Onde minha noção do eu ficava quando eu dormia? O que em mim prosseguia funcionando, gerando sonhos? Seria o estado de sono uma espécie de passagem para outras dimensões da realidade? Ah, os sonhos eram mistérios fascinantes, e todas as noites eu adormecia como alguém que caminha, reverente, para a grande verdade… mas no outro dia acorda frustrado por continuar sem conhecê-la.

grupo de jovens, posfácio de espirro

Em 1981, existia um retiro espiritual que era moda entre a turma. Aos 16 anos, participei de um desses, organizado pelos padres da paróquia de São Vicente. O retiro ocorria num sítio na Água Fria e objetivava sensibilizar ao máximo os adolescentes com depoimentos, palestras e vivências. No último dia, à tarde, acontecia o clímax do evento: a equipe “da pesada”, que trabalhava na cozinha e na limpeza, mas permanecia estrategicamente oculta, era apresentada, e eram entregues as cartinhas que os “mensageiros” recolheram com os familiares dos participantes. Enquanto eram entoados cânticos de louvor, a garotada lia as cartinhas e muitos choravam e se arrependiam de seus horrendos pecados. Eu? Bem, eu quase me acabei em lágrimas, sensibilizado pela súbita percepção de que Jesus, o filho de Deus, se sacrificara por mim naquela cruz. Por mim. Como não se sentir desgraçadamente culpado?

Após o retiro, integrei o ENJOP, o Encontro de Jovens da Paróquia da Paz*, um grupo criado para reflexão bíblica e ação na sociedade, dentro do espírito das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e da Teologia da Libertação. Foi aí, aos 16 anos, que eu, adolescente de classe média alta e filhinho de papai, adquiri um início de senso de justiça social. Coordenei esse grupo e também uma das edições do retiro, onde dava palestras sobre Francisco de Assis, e criei um jornalzinho mensal voltado aos jovens da paróquia, do qual eu era o faz-tudo. Chamava-se O Mensageiro e era impresso em mimeógrafo, algo que você, se tem menos de cinquenta, certamente não faz ideia do que seja, e nem vou dizer para você ficar na curiosidade. Foi meu terceiro jornal, e este durou cinco meses.

Eu levava a coisa tão a sério que passei duas viradas de ano em retiro, rezando pela paz no mundo, acredita? Como sabemos, não adiantou nada, a humanidade segue em sua desgraça. E mais: eu cogitava entrar para o seminário e ser padre – juro que é verdade. Quando soube, meu pai aprovou: É uma boa, pois padre não paga aluguel, almoça de graça e não precisa registrar os filhos. Seo Galvonis até tinha razão, mas aí namorei uma colega do grupo, depois outra, e desisti desse negócio de batina. Perdemos a chance de ter um bispo na família.

O fervor religioso duraria dois anos. O filhinho de papai agora cursava Comunicação Social na UFC e descobria os demoníacos prazeres da boemia. Comecei a me sentir oprimido por aquela filosofia controladora feita de culpa e pecado e questionei os dogmas do cristianismo. O ambiente desbundado da faculdade, os barzinhos e o amor pelas artes, em especial a literatura, eclipsaram qualquer sacrifício que Jesus pudesse ter feito por mim, e então larguei o grupo de jovens, deixei de ir às missas e o cristianismo perdeu um adepto.

Segui minha vida, sendo um místico sem religião, mas que gostava de estudá-las e de explorar os mistérios. Frequentei centros espíritas e terreiros de Umbanda. Não acreditava mais no Deus cristão, nem em Céu e Inferno, e no lugar dessas coisas pusera uma energia cósmica impessoal que não julgava a ninguém. Eu rumava para o ateísmo, mas ainda precisava crer em algo do reino do sobrenatural, e não tinha posição definida sobre o pós-morte, espíritos e reencarnação. Eram ideias interessantes, mas carentes de comprovação.

Foi nesse período que senti que precisava me livrar de uma mania adquirida na infância. Quando pequeno, minha avó materna me ensinara uma mandinga: sempre que espirrasse, devia falar “Ave Maria”, para a Virgem me proteger de doenças. Era um posfácio de espirro. Porém, como eu já não era cristão, não mais fazia sentido. O diacho é que, após quinze anos de repetições, eu estava tão condicionado que a mania continuou firme e, comecei a me achar o ex-cristão mais ridículo da galáxia.

Talvez se eu trocasse a fala da mandinga… Então, chamei o poeta Manuel Bandeira para me acudir com seu poema Vou-me embora pra Pasárgada, que era meu lema de vida. Posfácio por posfácio, que fosse um que eu acreditasse, né? E funcionou. Agora, eu espirrava e, em vez de “Ave Maria”, emendava imediatamente com “Vou-me embora pra Pasárgada”. Esse posfácio durou vinte anos, e depois vieram outros, criados de acordo com a fase que eu vivia. Atualmente, é “Vida que frutifica”. Cada doido com sua mania.

faculdade, viagens, excomunhão

Devorador de livros da biblioteca do Centro de Humanidades, um dia, aos 18 anos, descobri O Encontro Marcado*, romance de Fernando Sabino. A leitura foi impactante e me fez ver que eu não tinha opção: ou seria escritor ou morreria frustrado. Embriagado dessa certeza, uni-me ao colega Roberto, datilografamos uns poemas nossos, montamos um livretinho de bolso com oito páginas grampeadas e lhe demos o nome de Tanto Faz como Tanto Fez. Fizemos duzentas cópias e saímos vendendo para os colegas e na rua. Com o arrecadado, enchíamos a lata de cachaça e brindávamos à poesia e à amizade. Embora de um modo bastante simplório e descompromissado, aquilo me pareceu o primeiríssimo passo de uma carreira literária.

Não concluí Comunicação Social, mas fiz amigos na faculdade que seguem comigo até hoje, li toneladas de bons livros, participei da minha primeira campanha política engrossando a massa que gritava Diretas Já e fui apresentado, pelo amigo Alberto, a Ypê, a mais transcendental das canções de Belchior*. Embriaguei-me após as aulas nos botecos da redondeza, conheci a maconha e viajei de semileito para aqueles dionisíacos encontros de estudantes. Num deles, em Campinas, conheci um poeta gaúcho, Edgar*, e nos anos seguintes fomos companheiros de saborosas viagens pelo Brasil, regadas a violão, cachaça, Bandeira, Pessoa e Vinicius, morrendo toda noite de paixão pelas ninfas que cruzavam nossos caminhos. Com Edgar, aprendi: viver não é preciso, flanar é preciso.

Em 1985, aos 20 anos, dei uma de mochileiro e fiz uma viagem de dois meses, passando pelo Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, vendendo artesanato cearense para me sustentar na estrada. Foi meu primeiro movimento significativo de lançar-me nas incertezas do mundo, longe da segurança de casa. A viagem começou com dois dias de ônibus para o Rio para curtir a primeira edição do Rock in Rio*. Sabe o Ozzy Osbourne? Enquanto ele berrava no palco, eu, no meio daquela plateia de cem mil pessoas, fumei um baseado e tive minha primeira lombra torta, tão torta que fui parar na enfermaria tomando glicose na veia. Apaguei na cama e acordei ouvindo Rod Stewart cantando You´re my Heart. Já recuperado, saí correndo, driblei a segurança e voltei para a plateia. Coisas de jovem imortal, você sabe.

Agora, vamos a mais um delito. Eu tinha um caso com uma garçonete (ai, as garçonetes) de um bar na Santos Dumont. Eu ia lá nos fins de noite só para ganhar um agrado dela: sentava na última mesa do mezanino, que era bem escuro, pedia uma cerveja, a garota trazia e, muito dadivosa, aproveitava o ensejo e me servia um prestativo boquete. Pois bem. Um dia, ela me avisou que estava grávida. Grávida de mim. Putz. Eu, que nunca quis ser pai, respirei aliviado ao saber que ela também não queria ser mãe, e decidimos pelo aborto, que foi feito em condições simplórias na residência de uma enfermeira aposentada – era o que podíamos pagar. Foi uma experiência difícil para nós dois, e enquanto acompanhava a recuperação da garota, senti-me diminuído ante sua força e coragem, e percebi que a tal fragilidade das mulheres é uma grande mentira, estrategicamente construída pelo patriarcado. Eu tinha 20 anos e o episódio me fez avançar um pouco mais na percepção do machismo e na histórica questão da opressão da mulher, e, ao mesmo tempo, me causou a excomunhão da Igreja Católica. Sim, de acordo com o código de direito canônico, aborto é um dos casos de excomunhão automática (latae sententiae). Você aí que me lê, talvez você também seja um excomungado e não sabe.

E os meus textos? Começando a rarear. Eu estava inspiradíssimo para viver a poesia da vida, é verdade, mas nem tanto para escrevê-la.

Dos 17 aos 23, trabalhei como contínuo de loja de presentes, escriturário do Bradesco, redator de publicidade, vendedor de malha de Petrópolis, representante comercial de rádio e jornal e, tchan-tchan-tchan-tchan!, fornecedor de lança-perfume para os amigos. É bom registrar, anota aí, que também fornecia para respeitáveis senhoras e senhores da alta sociedade em festas no clube Náutico. Poizé, ganhei uma graninha boa explorando a velha e natural necessidade humana de estados especiais de consciência. Sim, natural, veja o caso das crianças: elas adoram rodar e rodar até cair tontas no chão. E admito que, sim, me aproveitei das donzelas desavisadas, esguichando o cloreto de etila na gola da minha camisa, quer experimentar, cheira aqui, vem logo antes que evapore…

Badauê, Breg Brothers e Belas da Tarde

Minha vida boêmia teve início aos 15 anos, em 1980. Até o início do milênio seguinte fui rato de balcão de duas centenas de bares, entre eles o inesquecível Cais Bar*, na Praia de Iracema, cujo sócio, Ernesto, se tornaria, anos depois, um querido parceiro musical*. Não posso deixar de citar Papito, o homem que mais teve bares no mundo. Num deles, o Outras Palavras, em 1991, eu pregaria no flanelógrafo meu exame negativo de HIV – naqueles dias em que a AIDS nos aterrorizava a todos, foi a melhor maneira que encontrei de fazer autopropaganda.

Porém, eu queria ter o meu próprio bar. Então, em 1988, com os amigos Paulo e Nelsinho, montamos o Badauê*, na Praia de Iracema. Foi um sucesso, graças, principalmente, às nossas namoradas-garçonetes, as estonteantes Silvinha, Roberta e Patrícia, que ganhavam tanta gorjeta que chegavam a nos emprestar dinheiro. No caixa do bar, abusando de seu charme, minha irmã caçula Luce, menor de idade, que aceitou receber o salário em cerveja. E os shows? Putz, cada um mais antológico que o outro. O melhor foi o da banda Os Necessários, do “felomenal” Zé Di Bedis, e o melhor dos piores foi o do grande Toinho Martan, que teve como título esta preciosidade: Eu Não Tô In, Tô Out.

Ai, Badauê… Foi muita birita, muitas noites de libertina alegria que prosseguiam de manhã na barraca Subindo ao Céu e, é claro, muita reclamação da vizinhança. O bar era simples, de estilo rústico e com várias árvores, e no mezanino pusemos colchonetes e redes – era para lá, no meio da madrugada, o bar lotado, que levávamos as amigas que exageravam na birita, para elas dormirem um pouquinho. Poizé, o Badauê tinha essa nobre preocupação social… Aliás, até hoje corre uma lenda que diz que fazíamos altas orgias na caixa dágua, tomando banhos coletivos na mesma água que era usada para lavar os copos. Não nego e nem confirmo, mas deixo aí uma pista para o segredo da receita da nossa supercaipirosca.

Infelizmente, por discordâncias internas, o bar durou apenas nove meses, sim, só isso, fechando em 1989, um fracasso que até hoje lamento. O Badauê brilhou tão intenso e cruzou os céus de nossa juventude tão rapidamente que não temos nenhuma foto desses dias, pode isso, produção?

Enquanto o bar fechava, para compensar a tristeza, surgiam Os The Breg Brothers*, a banda brega satírica que criei com os amigos Jabuti e Cadinho para celebrar a cornagem, e que tinha como vocalistas Dani e Luce, minha maninha, que depois do Badauê se desencaminhara de vez na vida, coitada. Ah, era um velho sonho meu, ter uma banda, compor músicas… Sonho que durou apenas dois shows, que fizemos no Pirata Bar, pois Jabuti foi morar em Teresina e depois esticou para Berlim. Mais um fracasso, para eu deixar de ter ilusões com a vida artística. Não espalha, por favor, mas até hoje me acabo na cachaça a cantar Menina do Lacinho Cor de Rosa.

Em 1990, com a certeza de que ganharia um bom dinheiro, vendi meu fusca, o saudoso Lombriga, e fui com o amigo Dudu morar em Manaus, vender água de coco congelada. Lá estava eu, novamente, a me lançar no mundão incerto, dessa vez me aventurando numa jogada bastante arriscada. Em Manaus, tomei muito guaraná Baré e matei a curiosidade de experimentar cocaína, e logo da pura, e percebi que ela não combinava comigo, pois me deixava muito ansioso. E o negócio da água de coco? Não deu certo. Perdi feio nessa jogada. E nem fui corajoso o suficiente para continuar por lá. Outro fracasso, que me faria, a partir daí, temer as grandes mudanças da vida. Porém, a experiência ao menos renderia, anos depois, um dos meus contos mais conhecidos, O Presente de Mariana*.

E os textos desse período? Quase nada, infelizmente.

Para recomeçar a vida após o fracasso de Manaus, passei a cursar Letras, na UFC, enquanto trabalhava na clínica veterinária de meus pais. Ao mesmo tempo, era produtor de festas temáticas, como A Noite do Rei Lagarto (Como Jim Morrison comemoraria em Fortaleza os 25 anos de sua morte), que fiz em 1991 para o meu ídolo*, e era um dos organizadores de um bloco de pré-carnaval chamado Bonecas da Volta, que depois se chamaria Belas da Tarde*, no qual eu e os amigos, bêbados e vestidos de mulher, desfilávamos pela cidade num trenzinho infantil berrando as músicas da Xuxa. O bando de vândalas invadíamos os hotéis para agarrar os gringos e beber o uísque deles, e ainda pegávamos a lagosta do prato e saíamos comendo. Putz, era muito desmantelo.

Então, estamos agora em 1992. Nove anos antes, eu tivera aquela forte revelação sobre meu destino de escritor, enquanto lia O Encontro Marcado, mas passado todo esse tempo, eu continuava acovardado no mesmo lugar, dividido entre mil afazeres e escrevendo pouquíssimo, o que me deixava cada dia mais frustrado. Eu tenho 28 anos e estou indo para a palestra que mudará para sempre minha vida.

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cap 2
O DESTINO BATE À PORTA

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batismo na conscienciologia

A palestra era do IIPC (Instituto Internacional de Projeciologia e Conscienciologia), que tinha sede no Rio de Janeiro e do qual eu jamais ouvira falar. Soube dela por Eduarda, uma garota que era cliente da clínica veterinária de meus pais, que trabalhava com turismo e com quem eu já trocara umas ideias sobre literatura, música e misticismo.

A projeciologia é um ramo da conscienciologia, que trata de temas como evolução da alma (que o IIPC chama de consciência), experiências fora do corpo (projeções da consciência), energias psíquicas, vida após a morte, reencarnação, espíritos e guias espirituais. As ideias se pareciam com o espiritismo, mas a abordagem se pretendia mais científica e usava terminologia própria, mais técnica e menos moralizante. O IIPC não trabalhava com a hipótese de Deus, mas admitia a existência de seres superevoluídos, já libertos da série de encarnações no plano físico. No geral, a ênfase era no aprimoramento da lucidez do indivíduo, na vida física e nos períodos entre vidas, com o objetivo de se tornar um ser superevoluído.

Eu nunca vira um espírito na vida. Curtia e lia bastante sobre o sobrenatural e praticava exercícios para desenvolver o poder da mente, mas experiências mesmo, nada. Porém, eu tinha uns sonhos… Neles, eu voava livremente pelo céu em passeios bastante agradáveis. Eram sonhos nítidos e detalhistas, e às vezes começavam no minucioso ato de erguer-se, devagar, descolando os pés do chão e subindo às alturas. Num deles, ajudei minha amiga Daniela a voar também, e voamos juntos sobre a cidade, nos deliciando com a paisagem. De manhã, após acordar, eu lembrava deles e era tomado por uma sensação tão boa que por três dias eu me sentia diferente, num raro estado de paz e harmonia com a vida, imperturbável. Esses sonhos se repetiram entre os 21 e 26 anos, mas infelizmente haviam cessado.

Foi justamente por causa deles que fui à palestra do IIPC: esses sonhos talvez fossem experiências extracorpóreas ou, como alguns preferem, viagens astrais. Eu estava muito curioso. E, principalmente, queria-os de volta.

Gostei bastante da palestra, e fiquei empolgadíssimo com a possibilidade de voltar a ter meus sonhos de voo e, uau, até de controlá-los. Com essa motivação, logo depois fiz o curso básico e passei a integrar o grupo do IIPC em Fortaleza, que se reunia semanalmente numa salinha alugada na Aldeota. Eduarda, que me falara da palestra e também fora assistir, também passou a integrar o grupo.

o grupo do IIPC

Agora, aos 28 anos, eu era, pelo menos para o IIPC, um ser que dera o passo inicial em seu processo de despertar. Nas reuniões, estudávamos os livros do instituto e praticávamos os exercícios, que visavam, principalmente, o domínio das bioenergias, a expansão da percepção consciente, a recordação de outras vidas, o contato com seres espirituais e extraterrestres e o controle das experiências fora do corpo. De tudo isso, as viagens astrais e as vidas passadas eram o que mais me interessavam, e, além do mais, elas certamente me dariam material para escrever muitas histórias.

Na organização do grupo estava ele, meu amigo Zé Di Bedis, o felomenal. Por ser de família ligada ao espiritismo kardecista, desde pequeno ele tinha familiaridade com aqueles temas e já tivera algumas experiências que o levaram a conhecer a sede do IIPC e fazer cursos lá, quando morou na capital fluminense em 1991. Ele planejava ser pesquisador do instituto e hospedava em sua casa os professores que vinham para ministrar os cursos. Di Bedis (vamos chamá-lo assim para simplificar, já que seu nome é citado mais de 150 vezes neste livro) era um músico de jazz conhecido, mas seu interesse se voltara aos assuntos do instituto, tanto que vendera sua mais cara guitarra para pagar os cursos e comprar os livros necessários. Na última vez que eu o vira, no bloco Belas da Tarde, meses antes, nós dois estávamos bêbados e vestidos de mulher, ele arrasando de Xuxa do Capeta e eu abalando de Colegial que Levou Pau. Meu amigo tinha um jeito meninão, sempre fora muito popular e era um cara superdivertido, humorista nato. Por tudo isso, fiquei surpreso de reencontrá-lo no IIPC, todo sério e formal.

Frequentando o grupo, fiquei particularmente amigo de duas garotas: Eduarda, que eu já conhecia, embora pouco, e Tata, uma paulista fonoaudióloga que se mudara recentemente para Fortaleza. Assim como Di Bedis, elas eram um pouco mais novas que eu. Não me interessei particularmente por nenhuma, mas elas me impressionavam por terem experiências lúcidas fora do corpo, o que eu e Di Bedis queríamos muito ter.

Explicando. Segundo o IIPC, existe a dimensão física e existem também dimensões espirituais, ou extrafísicas, nas quais a alma pode se manifestar por meio de corpos mais sutis que o corpo físico. Nessa lógica, todos têm experiências espirituais quando dormem, mas a grande maioria não lembra ou lembra delas como sonhos vagos, enquanto uma minoria vive as experiências com lucidez e autocontrole, sabendo que estão fora do corpo, e lembram depois que acordam. Essa lucidez extracorpórea lhes permite realizar serviços assistenciais, como auxiliar almas recém-desencarnadas a partir de vez ou convencer outras a parar de encher o saco dos vivos e ir se tratar nos hospitais espirituais.

Uau, isso era demais! Eu queria muito ter essas experiências lúcidas. Poderia até ajudar os outros, sim, que eu sou um hominídeo egoísta mas não tanto, porém não dispensaria um turismo pelas ilhas caribenhas. Ou, quem sabe, assistir a minha vizinha se masturbando…

– Isso não pode! – trataram logo de me explicar.

– Oxe! Por quê?

– Por causa da cosmoética.

Explicando. Cosmoética é a ética cósmica, um conjunto de princípios morais que devem guiar os estudiosos da conscienciologia. Pois justamente por causa da tal da cosmoética eu não poderia jamais ver a vizinha em seus momentos íntimos.

Ah, que injusto… Era como dar pirulito para criança e dizer que só pode olhar. No meu caso, era pior, nem olhar eu podia. Obviamente, senti-me frustrado. Mas, peraí… E se a vizinha tivesse a fantasia de ser observada?

– Se ela também quiser ser observada?

– Isso. Muita mulher gosta de se exibir.

– Bem…

Naquele momento, senti, esperançoso, que talvez houvesse provocado uma pequena fissura nas leis da cosmoética.

– Afinal, Ricardo, você está no IIPC pra evoluir ou pra fazer sacanagem no astral?

Foi meu primeiro dilema no estudo da conscienciologia. Porém, apesar da chata da cosmoética, fiquei feliz de saber que o tema sexo não era contaminado com noções moralistas, como no espiritismo, mas encarado como um processo natural de troca de energias, que devia ser feito com ética, sim, mas principalmente com lucidez, pois do outro lado podia estar… um vampiro energético, por exemplo*.

Vampiro energético? Uau. Aquilo começava a ficar realmente interessante… Era como ser personagem de um filme de aventura sobrenatural.

Explicando. Na conscienciologia, assim como no espiritismo, os espíritos são seres momentaneamente desencarnados, que vivem na dimensão espiritual, e as afinidades energéticas definem o tipo de companhias espirituais que você tem. Resumindo: há os espíritos amparadores, que são mais evoluídos e nos ajudam a fazer o bem, e os espíritos assediadores, que são menos evoluídos e nos prejudicam. Nas reuniões, um dos exercícios visava aprender a sentir as energias dos espíritos, para saber quem exatamente nos acompanhava. Para isso, sentávamos um de frente para o outro e nos dávamos as mãos. Eu, porém, mesmo me esforçando, não sentia nada. Tata, porém, sempre que sentia minhas energias, não conseguia disfarçar seu incômodo.

– O que você sentiu, Tata?

– Não sei bem… – ela tergiversava, cordial demais para dizer que eu estava espiritualmente mal-acompanhado. – Vamos pedir pra Eduarda sentir também.

Trocamos de lugar. Eduarda e eu nos demos as mãos.

– E aí? – perguntei.

– Acho que senti… Jim Morrison – respondeu Eduarda.

– Sério? Que demais! Come on, baby, light my fire…

Adorei saber disso. Assim como Eduarda, eu era fã do poeta-cantor dos Doors. Aliás, na festa A Noite do Rei Lagarto, que eu fizera um ano antes, o felomenal Di Bedis abalou fantasiado de Pamela, a namorada de Jim. Ao saber quem era Jim Morrison, Tata fez cara de reprovação: Eca…

Que garota chatinha…, pensei. Aquilo era preconceito com poeta doidão, bêbado e mulherengo. Ou, seja, comigo.

tentando sair

Em termos de capacidades sensitivas, Eduarda era tida como a mais dotada. Ela dizia ter uma amparadora muito evoluída, sempre a lhe ensinar. A cada semana, minha nova amiga relatava suas experiências lúcidas, nas quais encontrava todo tipo de gente desencarnada, voava até Paris, duelava contra assediadores… Eu escutava atento, sem saber se podia realmente considerar tudo que ela dizia. Bem, em breve eu também teria, assim esperava, as minhas próprias experiências.

Um dia, Eduarda contou que me encontrara algumas vezes na dimensão espiritual, e que eu, infelizmente, nunca estava lúcido. Putz, fiquei inconformado. Tudo que eu precisava, nessas ocasiões, era perceber que aquele sonho era real, e então, plim!, eu passaria imediatamente para o modo lúcido e teria controle total sobre a experiência. E no dia seguinte talvez lembrasse de tudo.

– E como sou no mundo espiritual, Eduarda? – eu, evidentemente, queria saber.

– Do mesmo jeito. Só não sabe que aquilo é real.

– Então, devo falar umas boas merdas, né?

– Um pouco mais que aqui.

Um pouco mais significava muita, muita merda. Isso era mais um motivo para eu conseguir dominar logo as técnicas. E, assim, mandei ver nos exercícios. Não comia nada antes de dormir e dormia de barriga para cima, para facilitar a saída do corpo astral. Fazia exercícios de visualização com uma vela acesa no quarto escuro e praticava a circulação de energias pelo corpo. Deitava a cada noite animado com a expectativa de ter minha primeiríssima experiência lúcida.

E acordava de manhã frustrado. Tudo bem, esta noite tentarei outra vez, pensamento positivo, vamos lá. Esperanças renovadas, seguia tentando. E acordando frustrado.

Durante o ano de 1992, li os livros recomendados, conversei muito com o pessoal do grupo e pratiquei várias modalidades de exercícios. Cheguei ao sacrilégio de diminuir a boemia, porque dormir bêbado prejudicava a qualidade das experiências e impedia a recordação. Perdi festas imperdíveis porque a energia do lugar não seria boa. Sem falar que eu era o único cara que tinha uma seção secreta na agenda de telefones intitulada VE, ou Vampiras Energéticas – com essas, era mais prudente evitar o primeiro beijo.

Apesar do esforço, infelizmente, não tive nenhuma experienciazinha lúcida. Nem tive de volta meus queridos sonhos de voo. Nem qualquer contato com algum ser não físico, ou sequer uma vaga lembrancinha de uma vidinha passada, embora o IIPC considerasse isso menos importante que o domínio das bioenergias. Tata, Eduarda e Di Bedis insistiam para eu continuar, vamos lá, mais cedo ou mais tarde você vai conseguir, não pode desistir…

Mas eu já tinha enchido o saco.

coisas loucas

Um dia, seis meses depois, estou em casa tentando finalizar um conto erótico quando Di Bedis me liga para contar que ele e as garotas estavam se encontrando para praticar exercícios com Cris, uma amiga da Tata, publicitária paulistana, que passava temporada na cidade e que, dias antes, eu conhecera em rápido encontro.

– Cara, você tem que participar também – ele me convidou, empolgado. – Estão acontecendo umas coisas loucas!

– Que coisas loucas?

– Ah, não vai dar pra explicar por telefone. Aparece lá no apê da Tata.

– Di Bedis, eu deixei o IIPC ano passado.

– Nada a ver com aquele grupo, é uma coisa só nossa.

Eu adorava meu amigo, mas quanto às garotas…

Nos meus últimos dias no grupo do IIPC, eu as considerava esquisotéricas demais para o meu gosto. Tata até que era divertida, mesmo quando tentava ser séria. Ela me parecia uma evangélica caretinha, e me achava um porraloca, com meu estilo artístico-boêmio, minha filosofia hedonista de vida e minha brilhante carreira literária que jamais começava. Bem, ela tinha razão. Quanto a Eduarda, ela estava longe de parecer uma crente careta. Vestia roupas escuras, curtia ocultismo e posava de sensitiva misteriosa, como se soubesse de coisas importantes que ninguém mais sabia, o que inevitavelmente lhe conferia um ar superior, acentuado pelo fato de ser gorda. E Cris, que eu vira apenas uma vez, me parecera ser meio desregulada. Vai ver que, como eu, também fora atropelada e batera a cabeça, ou tomava remédio controlado, pois num momento era muito risonha e delicada, e no momento seguinte parecia a diretora do internato, sisuda e professoral.

Eu gostava das garotas, mas, como diz a piada, para mim elas eram as três irmãs Gracinha: a Sem Graça, a Desgraça e a Nem de Graça. Não necessariamente nessa ordem.

– Então, aparece lá. Oito horas – insistiu Di Bedis.

Eu estava razoavelmente bem comigo mesmo. Voltara a escrever, ufa!, e, mesmo com todos os outros afazeres, planejava finalmente publicar um livro de contos, com a ajuda do amigo Balu, que me permitia usar seu computador. Fazia algumas festas de sucesso com minha amiga Andrea e me divertia bastante com as mulheres, sem maiores compromissos sentimentais. Talvez não fosse bom voltar a me envolver com aquelas garotas estranhas e suas esquisoterices delirantes.

Olhando pelo ângulo de hoje, talvez eu já pressentisse o que poderia vir, e por isso fiquei temeroso. Mesmo assim, aceitei ir reencontrá-los. E, além disso, meu interesse pelo sobrenatural continuava, e em mim ainda resistia a esperança de voltar a ter meus deliciosos sonhos de voo.

Semana seguinte, lá estava eu num bar, a poucos minutos de ir para o motel com uma moreninha mui mimosa, quando de repente… lembrei do convite do Di Bedis. Putz, eu esquecera totalmente. Fiquei na dúvida se devia ir ou não, afinal já era meia-noite… Porém, senti um impulso estranho, algo intuitivo, e, mesmo bastante atrasado e sob protestos do Jeitoso, decidi ir encontrá-los. A moreninha não entendeu nada.

Cheguei ao apê da Tata e quem abriu a porta foi Cris, que me recebeu com um sorriso enigmático:

– Você, heim? Sempre me fazendo esperar.

Como assim?, tive vontade de perguntar, mas Tata me puxou para dentro. A sala estava na penumbra, e vi Di Bedis e Eduarda deitados no chão a meditar ou coisa parecida. Velas acesas, um cheiro danado de incenso e Enya tocando baixinho. Uau… Parecia que eu caíra bem no meio de um ritual medieval de bruxaria. Desculpei-me pelo atraso e perguntei o que acontecia.

– Temos algo importante pra te contar – Tata respondeu com certa gravidade.

Eu não estava gostando nadinha do que via e comecei a me arrepender de ter ido ali. Se eu corresse, talvez ainda pegasse a moreninha mimosa no bar. A curiosidade, porém, foi maior, e me acomodei no sofá. Sentia-me um tanto desconfortável, mas algo indefinível naquela situação me excitava. Os outros levantaram do chão e sentaram também. Foi então que comecei a escutar uma história bem louca.

voltando para Aaran

Nervosa e escolhendo bem as palavras, Tata contou que nos últimos dias eles viveram ali intensas experiências: recebiam visitas de espíritos, lâmpadas estouravam sem explicação, gosmas escorriam das paredes… Umas das experiências foi uma recordação conjunta: Tata, Eduarda e Cris tiveram clarividências que lhes mostraram a vida que viveram, as três juntas, no século 14, na Dinamarca. Com mais dezenas de pessoas, inclusive Di Bedis, elas integravam uma comunidade esotérica na floresta chamada Aaran, que lidava com as mesmas questões do IIPC, mas de um modo diverso.

– Lembramos de mais uma pessoa que viveu com a gente em Aaran – Tata prosseguiu. – Você.

– Eu?!

Surpreso, olhei para Di Bedis. O que ele poderia me dizer sobre aquilo?

– Não lembrei de nada, cara – ele explicou, um pouco nervoso. – Mas escuta aí o que ela tem pra dizer.

Tata explicou que o que estava acontecendo era algo incrível, pois após seis séculos nós todos havíamos nos reencontrado em Fortaleza, e que isso não era algo à toa, que certamente havia um importante propósito por trás de tudo e precisávamos descobrir qual era.

– Se vocês que lembraram não sabem, imagine eu –brinquei, tentando diminuir meu incômodo.

– Mas podemos descobrir… e descobrir muito mais… – disse Eduarda, em seu estilão misterioso.

– O que queremos saber – interrompeu Cris, num tom meio autoritário – é se você quer descobrir, conosco, o motivo de termos nos reencontrado agora, seiscentos anos depois. Ou se prefere ficar fora dessa história.

– Pra ser sincero, eu adoraria lembrar dessa tal vida – respondi. – Se é que ela realmente existiu.

– Podemos começar agora – disse Cris.

– Sério? Como?

Cris olhou para Tata, que imediatamente balançou a cabeça em negação.

– Não vou fazer isso, Cris.

– Acho que você deveria, sim.

– Você não perde a mania de mandar, né?

– E você continua a mesma menina teimosa.

Percebi um certo clima de desentendimento entre elas.

– Tudo bem, vou fazer – disse Tata. – Mas é por ele, não por você.

Tata saiu em direção ao quarto, enquanto Eduarda acendia novamente as velas.

– O que ela vai fazer? – perguntei.

– Tata era uma das dançarinas de Aaran – explicou Cris, ajudando Di Bedis a afastar a mesa e abrir um espaço no meio da sala. – E você a viu dançar muitas vezes.

a dançarina de Aaran

Sentado no sofá, os outros sentados no chão ao redor, esperei que Tata voltasse do quarto, eu ainda dividido entre ficar e sair correndo dali. Ela voltou logo, usando um vestido simples, acima dos joelhos, e descalça. Achei que botariam alguma música para tocar, mas isso não aconteceu.

No centro da sala, iluminada pela fraca luz das velas, Tata postou-se em pé, fechou os olhos e respirou profundamente algumas vezes. Então, com movimentos suaves e ondulados, começou a dançar, enquanto murmurava sons que, apesar de meu esforço, eu quase não escutava.

Achei a dança muito estranha, talvez pela ausência de música, ou então porque era estranha mesmo. Permaneci atento para poder detectar qualquer detalhe que me fizesse lembrar de qualquer coisa que pudesse ser, mas não lembrei de nada. Absolutamente nada naquela performance me pareceu familiar. Está bem, serei bem franco: achei a dança horrível. Senti-me um jurado de programa de calouros, aguardando o fim da apresentação do candidato para lhe ofertar o troféu Vergonha Alheia do Astral.

A dança durou uns cinco minutos, e durante todo o tempo Tata parecia estar bem concentrada, como num transe. No fim, jogou-se ao chão e lá ficou, deitada meio de lado, silenciosa e arfante, o vestido um pouco erguido e a calcinha aparecendo, o que me deixou constrangido. Será que as dançarinas de Aaran usavam calcinha?

Quando entendi que havia terminado, senti-me frustrado. O que de tão especial havia naquela dança? O que podia haver ali para ser lembrado? Logo depois, Tata sentou-se no chão e ajeitou o cabelo despenteado. Olhou para todos e sorriu, meio sem jeito.

– E então? – ela me perguntou, ainda se recuperando do esforço. – O que achou?

– Eu? Ahn… Achei… esquisito.

Todos riram, e isso me fez relaxar um pouco.

– Não lhe veio nada? Alguma sensação, lembrança…

– Ahn… Não.

Pela expressão que os quatro fizeram, senti que eu os decepcionara. Um anticlímax.

– Essa dança era feita num importante ritual da escola – explicou Cris. – Sem a música fica estranho mesmo. Mas acredite, você gostava.

– Bem mais do que pode imaginar… – completou Eduarda, insinuando algo que não compreendi.

– Eu e você éramos muito unidos em Aaran, Ricardo – Tata falou. – Quando percebemos que você não viria, fiz um ritual com velas e usei a energia de nossa relação em Aaran pra te puxar pra cá. Antes das velas apagarem, você chegaria, e você chegou. Não foi muito ético, admito, mas era fundamental que você viesse. Você não fica chateado, né?

E ainda mais aquilo…

– Claro que não. Até porque não foi você quem me puxou. Eu vim porque quis.

Na verdade, eu não entendia por que tinha ido. Pela lógica, não teria jamais abandonado a moreninha no bar.

À porta do elevador, Tata, com sua cordialidade de sempre, agradeceu por eu ter ido e perguntou, quase rindo:

– Você acha que somos um bando de loucas, né?

– Bem…

– Ele acha, sim – falou Eduarda, pondo a cabeça no vão da porta. Falou e sumiu, deixando no corredor o eco de sua risada, que achei meio assustadora.

– Não ligue pras nossas briguinhas. Às vezes, é como se ainda estivéssemos em Aaran…

Quando o elevador fechava a porta, ainda pude escutar a voz da Cris:

– Ele não vai voltar. Conheço meu irmão.

tragédia no trânsito

E, de fato, não voltei. A tal história de vida passada na Dinamarca até que era instigante, mas havia em tudo aquilo uma quase histeria que me incomodava. Ou talvez eu estivesse sendo covarde, como ocorre quando intuímos a chegada do que realmente precisamos em nossas vidas, mas temos medo, inventamos desculpas e fugimos.

De todo modo, os encontros foram suspensos, pois Tata e Cris decidiram viajar. Deu a doida nas doidas e por quatro meses caminharam pelas praias do Ceará, apenas com suas mochilas, acampando, curtindo a Natureza e fazendo amizade com os pescadores e suas famílias, o que me fez mudar meu olhar sobre minhas amigas esquisotéricas. Garotas que faziam aquilo não podiam ser garotas comuns. Doidas, talvez, mas bobas, não. Logo depois, Tata e Cris voltaram a morar em São Paulo e não nos vimos mais.

Naqueles dias de 1993, eu namorava uma bela bailarina* de 20 anos que morava no Rio de Janeiro e passava férias e feriados em Fortaleza. Renata e eu sustentávamos nosso romance interestadual entre cartas, telefonemas e viagens, o que nos exigia certo malabarismo de agenda e finanças. Entre idas e vindas, brigas e recomeços, nossa história durou um ano, intensa e poética. Mas infelizmente trágica, pois Renata morreria no fim do ano em Fortaleza, vitimada por um tiro disparado na direção do carro no qual estava com amigos, após uma discussão de trânsito. Foi uma tragédia que me atingiu fortemente, ainda mais porque na noite fatídica ela me chamara para sair e eu recusei, por estar cansado, uma tragédia que ainda hoje me revolta, pois o assassino segue solto.

Então, fiz o que muitos fazem nessas ocasiões sem perceber: reprimi a tristeza para evitar sofrer e bloqueei as lembranças do que vivemos. E, se eu já tinha medo de me entregar em meus relacionamentos, o medo cresceu e passei a me resguardar ainda mais. Atitudes ingênuas e medrosas, sim. Típicas do belo covarde que eu estava me tornando, eu que me gabava de ser aventureiro da vida, mas que não ousava vivê-la por inteiro.

Intocáveis Putz Band

Se minha vida não estava economizando em intensidade, o ano de 1994 pegaria ainda mais pesado. Agora, eu tinha uma nova banda, a Intocáveis Putz Band*, criada por meu amigo Toinho Martan. Inspirados pelo pop-rock da Blitz e pelo funk-inferninho de Fausto Fawcett, tínhamos vocalistas hipnotizantes e nossos shows transbordavam de irreverência e performances imprevisíveis. Tocávamos músicas nossas e também sucessos consagrados, e a preferência era pelo rock funkeado, mas tocávamos também blues e umas pitadas de disco, forró raiz e bregão de cabaré, e o fio condutor dessa salada musical era o bom humor e a sacanagem. Eu e meus amigos Martan, Karine, Emílio, Flavio e Nonô queríamos apenas nos divertir, e quem quisesse também, era só chegar junto, e muitos chegaram, entre músicos, cantoras, produtores e admiradores.

A Intocáveis Putz Band me enchia os dias com ensaios e shows, tietes generosas e toda aquela grande festa libertina de sexo, drogas e roquenrou. Se eu já tinha dificuldades com a monogamia forçada, tanto a sexual como a afetiva, elas aumentaram. Você sabe, numa banda de sucesso o feio vira engraçadinho e o engraçadinho vira lindo – então eu tratava de aproveitar minha fase de falso lindo, mantendo-me solteiro e me apaixonando duas vezes por semana, o que exigia bastante do Jeitoso. Eu era um sátiro e Fortaleza era um bosque cheinho de ninfas a me atrair com suas minissaias e seus sorrisinhos de falso pudor. E para sair à noite, o sátiro pegava emprestado o carro da clínica veterinária. Na maioria das vezes, era assim: a ninfa descia do prédio toda bonita e perfumada e, quando percebia que iria sair numa ambulância de cachorro, desistia. Mas algumas achavam a coisa, digamos, meio exótica… Tem gosto para tudo.

E assim eu ia, prosseguindo aos trancos e barrancos com o curso de Letras, o trabalho na veterinária e a produção de eventos e festas temáticas, e escrevendo cada vez menos. O dia tinha 36 horas, e a noite tinha o dobro. Que coisa… Como eu podia ter tanta energia e fazer tanta coisa? E olhe que eu nem cheirava cocaína nem bebia energético, era só álcool mesmo, e vez em quando um baseadim. Na verdade, meu verdadeiro combustível era a poesia da vida, principalmente a que vinha da mulher. Eu nada entendia sobre psicologia dos arquétipos, o que só ocorreria após me iniciar nas ideias de Jung*, mas já sabia do grande poder e fascínio que o feminino exercia sobre mim.

A Intocáveis se tornava rapidamente conhecida em Fortaleza. Líderes da banda, Martan e eu realizávamos um velho sonho, compondo juntos e nos divertindo bastante. Como eu não era cantor e nem tocava nada, me dedicava à produção e minha participação nos shows se dava nos vocais de apoio e protagonizando números performáticos, como os dois manifestos. Um deles era o Manifesto das Bem-Aventuranças, em que eu encarnava o profeta da sagrada putaria: metido num manto escuro com capuz, feito monge medieval, homenageava os excluídos do Sermão da Montanha, com destaque para artistas, putas e travestis. O outro era o Manifesto Neomaxista Liberal, em que eu gritava em tom panfletário, com humor sacana, os direitos do homem pós-moderno, e esse se tornou o ponto alto do show, sempre com intensa participação da plateia, homens apoiando e mulheres a vaiar. Era uma grande gozação com o machismo e o feminismo, em que exigíamos, entre outras coisas, o direito de ter um diário, de espelho no banheiro masculino, de uma delegacia do homem, de ver os gols da rodada no motel, de dormir dentro e de brochar sem ter que dar explicação. Festa é o que nos resta – esta era a minha filosofia.

conflito interno

Nove meses de banda, cada vez mais shows na agenda, o cachê aumentando, convites para outras cidades, eu surfando nas ondas do sucesso – a vida era um caleidoscópio a girar cada vez mais rápido. O Brasil vivia o início do Plano Real, que finalmente nos traria redução da inflação e estabilização econômica, e levaria Fernando Henrique Cardoso ao seu primeiro mandato como presidente. Tempos de esperança. Mas, e a literatura?

Antes da Intocáveis, eu começara a publicar crônicas em jornais e preparava meu livro de estreia, de contos – que felizmente não cheguei a publicar, senão seria mais um filho renegado, de tão ruim que era. Porém, com a banda, parara de escrever, o que voltou a me angustiar, ainda mais que antes. Algo em mim sabia que eu não seguia o caminho essencial da minha vida e que jamais me realizaria de verdade se não me tornasse escritor profissional, e que aquilo que eu vivia, embora também fosse verdadeiro, não era prioridade. Se eu queria uma carreira literária, teria que me dedicar muito mais e abdicar da banda, pois seria impossível conciliar as duas coisas. Mas não tinha forças para fazer isso.

Sim, era o clássico conflito interno, no qual eu evitava pensar. E era exatamente por isso que o conflito crescia perigosamente na escuridão do inconsciente. Aos 29 anos, eu sentia cada vez mais fortes os cutucões do deus Saturno, senhor do tempo e da razão, chamando-me para a responsabilidade de assumir meu caminho verdadeiro.

Um dia, alguém da família me falou que acordara na madrugada anterior e me ouviu a trabalhar, tec-tec-tec, em minha máquina de escrever. Porém, eu não dormira em casa naquela noite. Depois, outros familiares contaram que também me ouviram trabalhar de madrugada, e, novamente, aconteceu em noites em que eu dormira fora. Que estranho… Depois, minha tia, que se hospedava lá por uns dias, também ouviu o tec-tec-tec da máquina numa madrugada em que eu não estava em casa, e meus pais lhe explicaram que aquilo era comum, não se assustasse. Como somente eu possuía a chave do quarto e ele ficava trancado quando eu saía, cogitou-se que seria o espírito de algum escritor, apesar dele nunca deixar algo escrito. E eu? Restava-me rir da coisa toda, e até torcia para o tal fantasma surgir para mim. Mas, por enquanto, chega. Prometo que volto ao assunto mais adiante.

Então, Eduarda me avisou que Tata, que agora morava no Rio de Janeiro, estava na cidade, e fui reencontrá-las, matar a saudade das minhas alopradas amigas esquisotéricas. Falei-lhes da banda e contei das participações especiais que Di Bedis fazia nos shows, fantasiado de Chapolim Colorado, e do quanto eu estava me divertindo.

– Você está bem, Ricardo? – Tata perguntou.

Pergunta estranha. Repentina e estranha.

– Eu tô ótimo – respondi, como alguém que diz uma grande obviedade.

– Tem certeza?

– Sim, certeza. Bem… na verdade…

Não precisei falar muito sobre meu momento – de alguma maneira, Tata e Eduarda pareciam saber. Contei que desde aquela noite no apê, um ano antes, eu esquecera dos assuntos do além e nem tinha mais tempo para aquilo. Para minha surpresa, elas revelaram que semanas antes estiveram numa das apresentações da banda.

– Que pena, não vi vocês. A casa estava lotada.

– Viu, sim – Tata refutou. – Você até me mandou um beijo lá do palco, não lembra? Um beijo pra minha amiga de outras vidas…

– Sério? Putz, não lembro. Eu estava bem alucinado. – E era verdade. Naquela noite, agarrei até minha irmã caçula, tascando-lhe um beijão na boca.

– Era aniversário do Jim Morrison, e acho que ele baixou em você. Dessa parte, eu gostei – comentou Eduarda, rindo, e ri com ela.

Entretanto, elas contaram que, apesar da alegria reinante no show, sentiram energias perigosas ao meu redor.

– Você precisa despertar de vez, Ricardo. Antes que seja tarde.

Não me senti à vontade com aquele assunto. Sempre que eu as encontrava, ficava dividido entre sensações confusas. Mas talvez estivessem certas. Às vezes, eu tinha mesmo a impressão de estar sonhando, de que tudo que vivia era de uma realidade onde eu não devia estar. Mas, ao mesmo tempo, a Intocáveis era a realização de um velho sonho, e eu não podia largá-lo, ainda que isso sufocasse meus planos de ser escritor.

Nesse dia, elas demonstraram entender o meu conflito. E me informaram que no fim de semana aconteceria em Fortaleza um estágio avançado do curso do IIPC.

– Tem show neste fim de semana, Ricardo?

– Não. Nem ensaio. Mas não me interessa, obrigado.

– Waldo vai estar presente. Se você fizer o curso, podemos tentar que ele converse pessoalmente com você. Quem sabe ele te ajuda a ter experiências lúcidas, ou te dê esse impulso que falta pra você despertar.

Impulso que falta… Sim, fazia algum sentido. Talvez fosse isso que eu precisava, um empurrão.

Waldo era o fundador e presidente do IIPC. Tinha sessenta e poucos anos, morava no Rio e às vezes viajava para participar daqueles cursos avançados. Senti voltar um pouco da esperança. Talvez Waldo pudesse me ajudar ao menos a ter de volta meus saudosos sonhos de voo. Senão ele, quem mais poderia? Além disso, seria uma boa oportunidade de conhecer pessoalmente aquele que para muitos era um grande guru.

– Ok, Tata – respondi, confirmando presença no curso. – Mas sei que muita gente sempre quer falar com Waldo, e ele não tem tempo de atender todo mundo.

– Deixe isso para os nossos amparadores – ela respondeu, risonha. Mas percebi que falava sério.

com Waldo

Fiz o curso, que aconteceu num hotel, e que não me empolgou, o que me deixou arrependido de ter gastado meu pouco dinheiro naquilo. Porém, Tata me avisou que o plano dera certo e que meu encontro com Waldo estava marcado para o dia seguinte, no hotel. Fiquei surpreso. Caramba, esses amparadores eram competentes…

Na hora marcada, lá estava eu, aguardando. E Waldo chegou. Ele não passava despercebido. Vestia sempre branco, cobria a careca com um chapéu branco e mantinha uma comprida e imponente barba branca. Mineiro de nascimento e médico de formação, ele fora na juventude amigo próximo e parceiro do espírita Chico Xavier, com quem escreveu livros psicografados e ajudou a popularizar a doutrina kardecista nas décadas de 1950 e 60. Após se afastar do espiritismo, Waldo continuou suas pesquisas na área da mediunidade, escreveu livros e em 1988 fundou o IIPC. Lá, ele era não apenas o presidente, mas uma espécie de mentor de reconhecidas capacidades paranormais, uma alma evoluída a quem seus discípulos não ousavam questionar. Ele morreria em 2015, aos 83 anos.

O presidente Waldo me recebeu no salão dos cursos e, apesar de cansado, foi atencioso. Constatei logo que estava diante de um indivíduo perspicaz e de mente muito ágil. Fiz-lhe um breve resumo do meu momento e contei dos meus esforços, dos exercícios feitos, dos livros que lera… Ele escutou e depois esfregou as mãos e segurou minha cabeça com as pontas dos dedos. Fechei os olhos e pude sentir o calor de suas mãos. Segundos depois, ele as retirou e falou:

– Continue tentando.

Putz… Eu esperava qualquer coisa, menos um “continue tentando”.

– Só isso? – perguntei, sem disfarçar a frustração.

Ele me olhou firme nos olhos. Senti dificuldade de sustentar o olhar, aguardando o que ele diria. E o que ele falou, num tom tranquilo, foi:

– Você se acha muito esperto, não é?

Fiquei surpreso com aquela pergunta, que na verdade era uma afirmação.

– Um pouco – respondi, sem saber o que dizer.

Ele, porém, estava certo. Waldo me desmascarava, olhando em meus olhos. Ali, subitamente confrontado com a verdade sobre mim mesmo, não tive condições de assimilá-la, o que só aconteceria anos depois. Ele deu um tapinha em meu ombro e levantou-se. E nosso encontro de cinco minutos terminou.

Voltei para casa numa tristeza resignada. Continuar tentando? Não, na verdade seria começar tudo de novo. E eu não estava nem um pouco disposto a começar de novo. Contei para Tata e Eduarda o que ocorrera e agradeci pelo que fizeram. E fui cuidar da vida. No plano físico.

as gatinhas do Di Bedis

E a vida no plano físico seguiu ainda mais caleidoscópica. A Intocáveis estava a cada dia mais conhecida na cidade, a postura tornava-se mais profissional e, com menos de um ano de existência, a banda alcançava um estágio que a grande maioria demora mais tempo para alcançar.

E havia também a Caboca (Confraria Cearense de Apoio às Boas Causas), uma espécie de maçonaria da putaria que eu criara com uns amigos desocupados, que duraria uma década e, além das festas, tinha como principal missão eleger as 10 Mais do ano, aquelas dez mulheres que mais se destacaram, segundo os nossos critérios, claro. Como as eleitas ganhavam ótimos prêmios, como ingressos de cinema e crédito em lojas, restaurantes e pousadas, toda mulher sonhava ser uma garota Caboca, o que exigia de nós, diretores, muita disposição para nos mantermos atualizados.

Certa noite, bebendo num bar, recebo um bilhete de uma linda candidata a 10 Mais. No papel, na tinta azul da caneta, ela generosamente elencava sete qualidades referentes a minha pessoa. Li e guardei no bolso da calça. Horas depois, em casa, despertei na madrugada, um tanto angustiado. Acendi a luz do abajur, peguei o bilhete e reli minhas sete qualidades: tolo, burro, imaturo, covarde, ridículo, medroso e altamente superficial. Só verdades.

Mas o caleidoscópio girava, e não havia tempo para reflexões profundas. E, assim, o conflito interno se intensificava. De um lado, o sonho distante de uma carreira literária, e do outro, o sonho de ter uma banda, que já era real. A única forma de não pensar no conflito era ocupar as 36 horas do dia trabalhando e estudando e as 72 horas da noite me anestesiando com mais shows, birita e casos descompromissados. Passei a descuidar da saúde, como se a vida já não valesse muito, e incidentes e acidentes tornaram-se frequentes. Eu vivia intensamente o teatro colorido da alegria para não lembrar que, na penumbra dos bastidores, não tinha forças para reagir.

Então, o portal se abriu…

Numa tarde, fim de dezembro de 1994, Di Bedis me ligou, convidando para sair com duas garotas que ele conhecera.

– Duas gatinhas, cara. Fortíssimas candidatas a 10 Mais. E estão a fim de sexo selvagem!

Grande Di Bedis, cumprindo honrosamente seu papel de descobridor de talentos da Caboca.

– Oba! É pra quando?

– Pra hoje. Passo aí às cinco pra te pegar.

– Vamos beber o quê?

– Compramos no caminho.

Um pente no cabelo, duas xiringadas de desodorante no sovaco e seis camisinhas no bolso depois, estou pronto. Saio para a rua e quando abro o portão… quem vejo no carro com meu amigo? Elas, as mirabolantes esquisotéricas, Tata e Eduarda.

– Entra aí, bora dar um passeio – Di Bedis falou, rindo da minha cara de idiota, que, na verdade, sempre foi a minha verdadeira cara.

Fiquei imóvel, sem conseguir processar aquela informação. Eu podia sentir meus neurônios explodindo pela absoluta divergência entre o que eu esperava e o que de fato acontecia.

– Ah, não… vocês de novo…

– Nós não vamos te largar, Ricardo! – respondeu Tata, passando para o banco de trás.

Senti-me o maior dos estúpidos por ter caído na pegadinha. Logo eu, que me achava tão esperto… E com aquelas duas eu sabia que tudo que jamais rolaria era sexo selvagem.

Ali, parado na calçada, tive uma forte sensação de algo importante e decisivo… Acho que foi aí, pela primeira vez, que tive o entendimento intuitivo da existência dos portais conscienciais. Eu estava diante de um deles. Sua mente sabe, seu corpo também sabe, o ser acusa por inteiro, como um alarme. Imediatamente, você sabe que toda a sua vida futura depende da decisão que tomará nesse momento. Você sente medo. Se decidir cruzar o portal, não poderá mais retornar. Se recusar, ele se fechará para sempre e você jamais saberá o que o aguardava do outro lado.

Tentei ganhar tempo para avaliar racionalmente as minhas opções. A situação, porém, não podia ser resolvida pelo intelecto – era algo que dizia respeito somente à intuição. Então, entrei no carro, resignado. Eu, um carneirinho rumo ao abatedouro.

revelações nas dunas

Di Bedis dirigiu para as dunas do lado leste, rumando para o município praiano de Aquiraz. Eu, que sempre tive no intestino o fiel termômetro de meu estado emocional, estava quase pedindo para parar o carro em algum lugar para poder ir ao banheiro. Nervoso, perguntei o que tinham para me dizer, mas Tata respondeu que só contariam quando chegássemos. Todos eles riam, se divertindo com meu ridículo suplício, mas havia uma tensão no ar. Meia hora depois, estávamos no alto de uma duna, sob o céu do entardecer.

– Nós já vimos óvnis aqui, sabia? – comentou Eduarda, admirando o céu enquanto sentávamos na areia.

– Sério?

– Quem sabe eles aparecem hoje. Em sua homenagem.

Eduarda sorriu e piscou um olho para a amiga. Tata sorriu também, mas logo ficou séria novamente.

– Não foi muito legal te enganar, Ricardo, eu sei, mas não havia outra maneira de te fazer vir aqui – Tata se desculpou, meio sorrindo, meio grave.

– Naquela noite, vocês me atraíram pro apartamento com rituais mágicos. Agora, apelaram pros meus instintos sexuais. É claro que não perdoo – brinquei. Ou não. Talvez tenha sido sincero. – Mas vamos em frente.

– Eu e Eduarda estamos morando no Rio. Decidimos vir a Fortaleza porque temos coisas urgentes pra revelar a vocês. Já falamos com Di Bedis ontem. Agora, é sua vez.

Silêncio.

– Ricardo, sua vida nesse momento corre perigo.

Engoli em seco. Aquelas palavras soaram duras para mim. Certamente porque era verdade.

– Vamos te explicar. Só pedimos que escute tudo, tá?

Olhei para eles. Di Bedis estava sério. Eduarda sorria naquele seu jeitão misterioso. E Tata me olhava de uma maneira calma e amistosa. Havia uma certa solenidade no ar. Sacudi a cabeça, entregue.

– Bem, eu já tô aqui, né? Pode começar.

Tata explicou que ela e Eduarda mantinham contato frequente com seus amparadores, e que eles as ajudavam a entender o que acontecia comigo.

– E você também tem um amparador.

– Sério? – perguntei, curioso a respeito do espírito que escolhera um cara como eu para guiar. – É o Jim Morrison?

– É uma mulher. Chama-se Paola. Bonita, de muita classe. Tem certeza que você nunca viu ou sonhou com ela?

– Com certeza eu lembraria.

Tata sorriu, sempre cordial, mas retomou a seriedade e prosseguiu. Disse que elas descobriram que nós todos, Cris incluída, éramos um grupo de almas que evoluía junto pelas sucessivas encarnações, um grupo cármico, e que nos reencontráramos porque tínhamos missão importantíssima a cumprir: ajudar a humanidade a passar para o novo nível de sua evolução espiritual. E para isso teríamos que nos integrar mais ao IIPC, que era a continuação moderna de Aaran.

Tata explicou que a humanidade vivia um momento evolutivo crucial, pois a Terra precisava passar para outro nível energético e somente os mais evoluídos seguiriam vivendo aqui, e o restante sofreria um processo de transmigração, com suas almas enviadas para um planeta mais atrasado. Isso era necessário, senão a parte menos evoluída destruiria o mundo com sua ganância capitalista, as ideologias fascistas, o fanatismo religioso e a negligência ecológica. Seres espirituais superevoluídos monitoravam os acontecimentos com discrição. Os terráqueos que ficassem formariam a nova humanidade, mais harmoniosa e mais justa, sem guerras nem religiões, e o nosso grupo tinha papel fundamental no processo, pois, com nossas capacidades paranormais, a experiência em Aaran e os amparadores, podíamos ajudar o instituto a atuar melhor.

– E nós temos um líder – Tata falou.

– Quem? – perguntei, achando aquele papo muitíssimo louco. Mas estava curioso.

Ela não respondeu. Olhei para os outros. Di Bedis estava de cabeça baixa, como se não se sentisse à vontade com aquele assunto. Eduarda estava séria. Tensão no ar.

– Você – respondeu Tata, num meio-sorriso nervoso.

– Eu?! Tá de sacanagem.

– Você é o nosso líder, Ricardo – ela confirmou, olhando firme em meus olhos.

saltando

Evidentemente, aquilo era um absurdo total. As meninas fumaram maconha estragada, só podia ser. Eu, o maior pinguço do pedaço, líder de um quinteto esotérico que iria salvar o mundo? Mas como, se eu não tinha qualquer capacidade paranormal, não via espírito, não lembrava de vida passada, nada? Elas eram as fodonas naqueles assuntos, não eu. E foi justamente isso que em seguida argumentei. Tata riu.

– Isso foi uma grande surpresa pra nós também. Mas os amparadores nos garantiram. E disseram também que você tá influenciado por assediadores, e por isso tá destruindo sua vida. E, caso não siga sua proéxis, em breve poderá acontecer… ahn… algo muito sério com você.

Explicando. Proéxis (pronuncia-se proécsis) é a programação existencial do indivíduo, elaborada por ele e seus amparadores no plano espiritual, antes de reencarnar. No popular: a missão de vida.

– Algo muito sério tipo o quê? – indaguei.

– Doenças, acidentes – respondeu Tata.

Bem, isso não é novidade, pensei.

– Ou algo pior… – falou Eduarda, muito séria.

Senti um calafrio. Aquilo tudo era muito louco, mas… pensando bem, fazia certo sentido. Em alguma parte profunda de mim, aquelas palavras se abraçavam com meu velho anseio de viver os mistérios e a sincera esperança de que tudo aquilo realmente existisse. E era um abraço numinoso, que tinha a força das coisas antigas e sagradas. Caramba, o que poderia ser mais emocionante que atuar numa missão pelo futuro da humanidade?

E quanto a ser líder? Bem, não me era uma função estranha, pois sempre tivera tendência a liderar grupos. E quanto a estar afastado da minha proéxis, não foi nenhuma surpresa escutar isso: eu sabia que não estava em meu melhor caminho. A diferença é que agora tudo parecia tão óbvio…

– Pense bem, Ricardo – prosseguiu Tata. – Talvez seja um modo de realizar seu sonho de ser escritor. Não é o que mais deseja? Você vai poder escrever sobre esses temas e publicar pelo instituto.

Ser um escritor profissional… Meus olhos devem ter brilhado nesse momento.

– Eu e Eduarda voltaremos pro Rio, queremos ser pesquisadoras do instituto.

– E Cris?

– Ficará em São Paulo, mas manteremos contato e nos encontraremos. Pense bem, por favor. Com você e Di Bedis, estaremos os cinco juntos outra vez, e seremos mais capazes.

– Como já havia dito antes, eu vou – Di Bedis falou.

– Não sei… – murmurei, procurando organizar as ideias. – Como vou largar tudo assim, de uma hora pra outra?

Ninguém respondeu à minha pergunta. Mas, no íntimo, eu sabia a resposta.

Eu tinha um destino, vislumbrado ainda criança, quando me recuperava da pneumonia, e o voto fora renovado aos 18 anos, após ler O Encontro Marcado. Nos últimos anos, porém, esse destino a cada dia fugia um pouco mais e eu não tinha forças para segui-lo. E isso estava me matando. Naquele dia, meu destino de repente ressurgiu. Acho que este trecho ficaria mais belo se eu dissesse que pensei em grupo cármico, causas humanitárias, salvar o mundo… Mas, não. O que reluzia à minha frente era a minha carreira literária. Eu pensei em mim.

Já é noite no alto das dunas. O portal ainda está aberto, eu posso senti-lo, até mesmo com o corpo, como se sente um abismo logo à frente. E sinto também que logo se fechará. Sabe aquela cena clássica de 2001, Uma Odisseia no Espaço, em que o hominídeo primitivo descobre a utilidade de um osso como ferramenta? Milhões de anos depois, ali nas dunas, eu sou um hominídeo moderno, menos peludo mas igualmente espantado diante da própria epifania, e a ferramenta que me levará ao meu futuro é a minha compreensão do fato. Serei, mais uma vez, covarde?

Não, não serei.

Então, respiro fundo e salto.

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cap 3
DO OUTRO LADO DO PORTAL

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o livro de Aaran

Dias após o encontro nas dunas, Tata me passou uma cópia do livro sobre nossa suposta vida no século 14, contada em forma de romance, que ela escrevera e planejava publicar com ajuda do IIPC. Tata achava que a leitura do livro poderia ajudar a me trazer as lembranças.

Li Aaran numa noite, e gostei. Tata não era das letras mas conseguira criar uma trama envolvente, e os conflitos entre os personagens me soavam autênticos. Baseado nas lembranças de Tata, Cris e Eduarda, o livro narra o cotidiano de Aaran, a escola esotérica onde mestres e discípulos viviam em comunidade numa floresta da Dinamarca, lidando com domínio de energias psíquicas e experiências fora do corpo. No clima de terror causado pela Inquisição Católica, que ganhava a Europa, Aaran era um espaço de resistência, onde conhecimentos esotéricos deveriam ser preservados. A maior dificuldade, porém, estava na própria comunidade: os conflitos internos terminariam por levá-la a fechar as portas, fazendo com que todos os seus integrantes partissem, seguindo seus caminhos individuais. Um fim melancólico.

A protagonista era a própria Tata, que na história era Orian, uma garota que se envolvia mais do que devia com a realidade espiritual, o que a prejudicava em seu dia a dia. Em Aaran, uma vez por mês, todos participavam do importante ritual da Lua Negra, no qual Orian era a dançarina principal. Uau… Quem diria que aquela garota desajeitada pudesse ter sido uma chacrete mística do século 14…

Meu personagem chamava-se Aidon. Era irmão de Taena (Cris), uma respeitada mestra, e na juventude foram amantes. Em Aaran, o sexo não era envolto em noções de pecado, como no cristianismo, mas constituía-se em prática importante para a saúde física e psíquica, e o sexo entre irmãos era permitido. Eles eram filhos do líder espiritual da escola, mas Aidon abdicara do futuro que o aguardava, ser um mestre e substituir seu pai, e vivia viajando pelo mundo, voltando com livros e novidades de outras culturas.

Livros?, pensei. Putz, não evoluí nada nesses séculos todos…

Taena ainda era apaixonada pelo irmão e não o perdoava por ele ter renunciado ao seu cargo como líder da comunidade. E tinha ciúmes de seus envolvimentos com suas discípulas, principalmente Orian.

Alira (Eduarda) era a cozinheira da escola, que conhecia os segredos das ervas, uma personagem ambígua, com quem alguns não simpatizavam. E havia também Andrija, uma outra dançarina. Ai, Andrija… Ela era bonita, meio maluquete e safadinha, ou seja, era o suprassumo da tentação escandinava. Pois bem, adivinha quem era Andrija, adivinha. Você não vai adivinhar. Era o Di Bedis. Uau! Sim, meu amigo fora uma mulher em Aaran, e isso viraria motivo de eternas piadas no grupo. Eu não deixava barato.

– Pô, Di Bedis, tu era dançarina de Aaran. Hoje, não consegue nem acompanhar um cabo de vassoura na dança…

– Elas que lembraram, cara – ele respondia, pouco à vontade com o assunto. – Eu não lembrei nada disso.

A piada maior, no entanto, era com o fato de que a maluquete Andrija e o viajante Aidon… os dois… hummm… Adivinha. Isso mesmo, eles tinham um rolo. Eu e Di Bedis fôramos amantes numa vida passada, eu, homem, e ele, mulher.

– Caramba, Di Bedis. Tu piorou muito, viu?

– Vai te lascar.

– Lembra daquela noite em que nós demos uma escapulida no meio da Lua Negra, fomos pro mato e…

– Não, lembro não. Nem quero lembrar.

Façamos as contas. Minha irmã Taena fora minha amante, eu tinha um rolo com sua discípula Orian e ainda chafurdava nos lençóis da taradinha da Andrija, ai, Andrija, que também tinha um rolo com Orian. Isso significa que, tirando Eduarda, em Aaran eu fui para a cama, e também para a sombra dos carvalhos, com todo aquele meu grupo de amigos. Bem, na verdade, para baixar minha bola, isso não significa muito, pois em Aaran o sexo era disciplina obrigatória no aprendizado espiritual.

Durante a leitura do livro, tive sensações curiosas e senti certa familiaridade com tudo aquilo. A história me fez, subitamente, ser mais simpático com a teoria reencarnacionista. De fato, identifiquei-me com Aidon, o viajante estudioso das culturas, e senti que, se existia reencarnação, eu poderia mesmo ter sido ele. No fim, fechei o livro e, enquanto aguardava chegar o sono, experimentei uma nova felicidade, feita da intuição de que encontrara um caminho, muito inusitado, sim, mas um bom caminho para seguir.

óvnis em Guajiru

Guajiru é uma cidadezinha no litoral oeste cearense, que Tata e Eduarda conheciam. No primeiro fim de semana do ano novo, nós quatro fomos para lá. Segundo elas, era um lugar especial, com alta concentração energética, uma espécie de chacra geográfico do planeta, e que naqueles locais os etês costumavam fazer contato. Elas diziam que entre os moradores corriam relatos de avistamentos de óvnis e que lá havia um garotinho especialíssimo, que era um dos etês do bem que estavam encarnando na Terra com a missão de auxiliar os humanos na mudança de nível evolutivo. Elas pressentiam que lá os etês fariam contato com nosso grupo.

Nos dias que antecederam a viagem, fiquei ansioso, e até tive um pesadelo, no qual uma nave pousava em Guajiru, próximo de nós, e um etê saía dela:

– Olá, terráqueos. Levem-me ao seu líder.

– O líder é ele! – Meus amigos apontaram para mim.

– Cês tão de sacanagem… – E os etês começavam a rir.

Poizé. Para mim, ser o líder daquele grupo continuava sendo algo difícil de aceitar, mas eu já admitia para mim mesmo que aquele era o meu grupo, e que, se preciso fosse, iria com eles até mesmo para outro planeta, ainda que tivesse de suportar zombaria de etê.

Em Guajiru, conheci o tal garotinho e… putz, não é que ele tinha mesmo jeito de etê! Chamava-se Isaac, tinha uns olhos estranhos, grandes e meio puxados, um jeito calado e desconfiado… Segundo Tata e Eduarda, ele não sabia que era um etê, mas lembraria quando crescesse. Pelo bem da humanidade, aquele garotinho deveria ser preservado, pois os mega-assediadores certamente já sabiam dele e tudo fariam para eliminá-lo. Babado forte. Mas eu tinha dúvidas.

– Como vocês sabem que esse curumim é um etê?

– Os amparadores nos disseram, Líder. Você não viu o jeito estranho dele?

– Vi. Mas acho que o coitado tá assustado com vocês, isso sim.

O assunto era muito sério para as meninas, mas eu não resistia a umas piadas. Queria que tudo aquilo fosse verdade, porém não conseguia crer do mesmo jeito que elas e Di Bedis. Mas vamos aos óvnis que é o que interessa.

Ao anoitecer, deixamos a pousada e verificamos o céu: poucas estrelas, ótimo. Subimos o morro mais alto e nos posicionamos virados para o mar, sentados na areia. Soprava um ventinho frio. Havia um clima de reverência no ar. A qualquer instante, algo incrível aconteceria.

Estávamos em silêncio, concentrados, quando, de repente, plic, plic, plic… O que é isso? Plic, plic, plic… Gotas. Gotas dágua. Cabruuum!, começou a trovejar. E ventar forte. E chover muito. Em um minuto, desabou uma chuva tão pesada que não tivemos outra opção senão levantar, descer o morro numa correria louca e voltar para a pousada, onde chegamos ensopados e cheios de areia, botando os bofes para fora. Disco voador que é bom, nada. Dia seguinte, pagamos a conta e voltamos para Fortaleza, absolutamente frustrados.

Dias depois, as meninas me mostraram uma notícia no jornal: outro caso de avistamento de óvnis ocorrera em Guajiru, três dias depois daquele fim de semana.

– As naves ficaram presas no trânsito – brinquei.

– Ou nossa energia não estava boa, e eles preferiram não aparecer – sugeriu Tata. – Precisamos nos harmonizar.

desarmonias

Sábias palavras. De fato, não éramos o melhor exemplo de harmonia. Discutíamos por mil motivos e havia conflitos de egos. E eu era um líder absolutamente incapacitado. Além de não me convencer da existência daquelas coisas, eu, ingênuo, não percebia as sutilezas das nossas relações pessoais, o que as garotas viam bem e, por isso, manipulavam as situações. E ainda havia o fato de Eduarda e Di Bedis acharem que eu e Tata formávamos uma dupla evolutiva (pessoas que evoluem juntos no amor romântico em suas proéxis combinadas) e por esse motivo deveríamos namorar, o que nos constrangia, pois não tínhamos interesse. E se éramos mesmo uma dupla evolutiva, então eu estava novamente me afastando de minha proéxis, que merda.

Quanto a Eduarda, ela frequentemente era acusada de usar seus poderes sensitivos para brincar com todos nós, e era óbvio que gostava de ser temida. Se estava tranquila, era doce e companheira, mas o comportamento ambíguo nos causava desconfianças. Di Bedis, por sua vez, não tinha problemas com as garotas, mas, embora não expressasse, e isso eu só saberia depois, não aceitava bem o fato do líder ser eu e não ele, que era ligado ao IIPC havia mais tempo e estudara os livros do instituto.

Quanto a Cris, como voltara a morar em São Paulo, sua participação se dava a distância, sem tanto envolvimento. Ainda assim, entre ela e Tata ressurgiam questões pendentes de Aaran, como se aquela vida ainda prosseguisse no presente: você não me obedeceu naquele piquenique na floresta, você não devia ter dançado nua para Aidon, você usou sem avisar o meu vestido comprado no Reino da Suécia, e ainda devolveu fedido…

despedida

Não foi difícil anunciar à família a decisão de ir embora, tomada naquele entardecer nas dunas, afinal eles sabiam de meus interesses e dos planos de ser escritor profissional. Expliquei aos meus pais que, juntando minhas economias com o seguro-desemprego e economizando bastante, eu me sustentaria por uns seis meses. E depois?, eles perguntaram. Depois a situação melhora, respondi, otimista.

Foi fácil largar a faculdade de Letras e o emprego na clínica. Deixar Fortaleza, minha loirinha desmiolada de sol, era uma ideia incômoda, mas suportável. Aos amigos em geral, Di Bedis e eu preferimos não dar detalhes sobre nossa decisão. À minha irmã Ana, preocupada com a violência no Rio, expliquei que nossos amparadores desviariam de nós as balas perdidas. Putz… Ainda hoje demoro a crer que dei esta resposta esdrúxula, mas você há de concordar que ela foi muito apropriada a um salvador do mundo.

Porém, largar a banda doeu muito. Assim como ocorreu com o Badauê, era um sonho que a vida arrancava de mim quando ele estava no auge. Martan sentiu-se abandonado, e eu tentei animá-lo, dizendo que ele saberia conduzir a banda, mas sabia que realmente estava abandonando meu grande amigo e parceiro. Sim, sei que a vida às vezes nos exige escolhas muito difíceis e que fiz o que precisava fazer, eu sei. Mas mesmo hoje, depois de tanto tempo, essa decisão ainda me dói.

o segurança alado da Tata

Janeiro de 1995. Três semanas após o encontro nas dunas de Aquiraz, Tata e eu pegamos o busão para o Rio de Janeiro. Em minha mala, algumas roupas, livros e, é claro, a camisa do meu Fortaleza Esporte Clube*.

Nas consultas oraculares que fizéramos ao I Ching, que era um constante companheiro de Tata e Eduarda, as mensagens eram positivas, mas alertavam para as dificuldades que enfrentaríamos. Se eu soubesse o tamanho delas, provavelmente teria desistido… Não conhecer o futuro tem suas vantagens.

Fortaleza-Rio de Janeiro, dois dias e duas noites de viagem por aquelas estradas esburacadas. E o ônibus cheio de crianças, com sua natural disposição a infernizar qualquer viagem… Percebendo minha tensão, Tata tentou me tranquilizar, revelando um segredo:

– Tenho um segurança espiritual, de outro planeta, que encontro em sonhos muito nítidos. Ele se chama Urke. Tem asas grandes, é forte, muito bonito…

– Hummm… Já entendi. Vocês têm um caso.

– Deixe de ser bobo.

Resumindo: na viagem, teríamos a proteção do Urke, que seria uma espécie de copiloto invisível, atento às curvas perigosas, aos buracos e aos bois na estrada, enfrentando vento, sol e chuva por dois dias seguidos, coitado. Eu, que seguia me esforçando honestamente para crer naquelas coisas, achei surreal, mas torci que Tata estivesse certa.

O fato é que, contrariando as possibilidades, a viagem foi uma das mais tranquilas que já fiz. E as crianças, uau, parecia que todas eram mudas, tamanho o silêncio. Urke deve ter tirado umas penas de suas asas e enchido a boca dos pimpolhos. Muito sábio o boy magia da Tata.

na estrada do meu destino

Naqueles dois dias de estrada, Tata e eu nos tornamos mais amigos. Éramos dois jovens sonhadores, que se moviam mais por intuições que pela razão, sem muito pé no chão, e ela possuía uma tal confiança na vida que eu ainda não tinha. Conversamos muito sobre seu livro, e tínhamos esperanças de que o IIPC aceitaria publicá-lo, o que poderia nos ajudar financeiramente. Lá, ela deixara uma cópia para as pessoas lerem, principalmente Waldo. Quanto a mim, eu queria escrever sobre aquelas coisas todas e sabia que precisaria primeiro frequentar mais o instituto e aprender mais. Porém, o dinheiro que tínhamos era pouco e, se quiséssemos nos manter no Rio, cidade com custo de vida mais alto que Fortaleza, algo teria que acontecer, e rápido.

– Não se preocupe, querido Líder – Tata dizia, sempre otimista. – Vai dar tudo certo.

– Se ao menos eu tivesse umas experiências lúcidas…

Tata sorria, entendendo minha posição. Eu começava a gostar mais dela e já não a achava tão esquisotérica delirante como antes, mesmo ela tendo um caso com seu segurança alado. E agora Tata tinha o status de velha amiga de outras vidas, ainda que eu não lembrasse, e isso contava muito.

Pela janela, as paisagens que passavam eram partes de mim que ficavam definitivamente para trás. Cinco anos antes, a fracassada experiência de Manaus me enchera de medo das grandes mudanças, e agora lá estava eu a enfrentar meus medos íntimos e a me lançar novamente nas estradas incertas do mundo, sem ter a mínima ideia do que me aguardava. Sim, eu sabia que se tudo desse errado, teria sempre a opção de voltar para a segurança de Fortaleza, mas a sensação que prevalecia era de que a vida começava naquele momento, e, apesar do medo, eu me sentia aliviado por ter aceitado o desafio.

Eu tinha 31 anos e trocava uma banda de rock que queria apenas diversão por um grupo esotérico que pretendia salvar o mundo. Bem, salvar o mundo era importante, mas, em meu sagrado egocentrismo, a prioridade era tornar-me escritor profissional.

Então, fechei os olhos e prometi a mim mesmo que a partir daí eu só trabalharia com o que gostava e que dedicaria todo o meu esforço para cumprir meu destino de escritor, custasse o que custasse. Eu não seria mais covarde. Promete, Ricardo? Prometo.

Ingenuidade? Romantismo? Na verdade, eu era o Louco, das cartas do tarô. Mas ainda não sabia.

trupe riponga da nova era

Tata, Cris, Di Bedis, Eduarda e eu éramos as atuais encarnações de Aidon, Orian, Taena, Andrija, ai, Andrija, e Alira – nesta crença baseava-se a união de nosso grupo. E entendíamos também que, se no século 14, Aaran era uma escola esotérica iniciática, agora, fim do século 20, o IIPC era sua versão modernizada, reencarnada no Brasil. Nosso plano, então, consistia em nos integrarmos a ele e ajudá-lo a guiar a humanidade em seu delicado momento evolutivo.

Nos meses anteriores, Tata e Eduarda, trabalhando como voluntárias na sede do Rio, no início da rua Santo Amaro, na Glória, observaram de perto o dia a dia do instituto e perceberam que em alguns aspectos ele poderia melhorar bastante. Um dia, porém, após saberem que vários computadores da sede foram roubados, deram-se conta de que algo muito sério acontecia… Como isso era possível, já que o IIPC tinha poderosos amparadores a protegê-lo? Elas passaram a desconfiar que o instituto estava sendo vítima de ataques de assediadores igualmente poderosos. Isso era muitíssimo sério. Assim como ocorreu com Aaran, o IIPC poderia enveredar por um rumo muito perigoso. Era preciso agir, e logo.

Nosso grupo era conhecido pelos professores e alunos que formavam o IIPC, pois, além do trabalho voluntário das garotas, havia alguns anos que fazíamos os cursos e Di Bedis ajudara a implantar a filial de Fortaleza. Eles nos viam com curiosidade, pois sabiam de nossa vida comum na Dinamarca, e lembranças de vidas passadas eram mais valorizadas quando coletivas. Porém, desconfiavam do nosso jeito de lidar com tudo aquilo, pois, diferente da abordagem fria e racional que o instituto ensinava, nós conferíamos um tom místico às nossas vivências, éramos emotivos, gostávamos de arte, valorizávamos a música nos exercícios, usávamos incenso e consultávamos oráculos, como o tarô e o I Ching. Para o IIPC, essas coisas eram muletas evolutivas, que podiam ser úteis por um tempo, mas deveriam ser logo descartadas.

Sejamos francos: com nosso jeitão largado e aloprado, estávamos mais para uma trupe de artistas ripongas da nova era que para pesquisadores sérios do IIPC. Se quiséssemos realmente fazer carreira lá, teríamos que rezar pela sua cartilha: mais intelecto e frieza técnica, e nada de arte, emoções e obscurantismos místicos. E, por favor, que nos vestíssemos melhor, uns modelitos mais sóbrios. É, não ia ser fácil.

Sim, éramos um grupo, com um pato desengonçado no papel de líder. Faltavam-me as capacidades sensitivas das garotas e os conhecimentos técnicos do Di Bedis, e eram muitas as dúvidas sobre o que vivíamos. Não passava um dia sem que me questionasse: eu realmente acredito ou, na verdade, quero que essas coisas sejam reais, mas não consigo crer? Apesar das dúvidas, eu me mantinha otimista e esperava que com o tempo eu desenvolveria as tais capacidades, e isso enfim traria a convicção que faltava.

com Beavis e Butt-Head

Chegando no Rio de Janeiro, Tata e eu ficaríamos, inicialmente, no apê do Alan, um amigo que mudara recentemente para o Rio, onde fazia mestrado em informática, e que também fizera cursos do IIPC em Fortaleza. Di Bedis já estava no Rio, hospedado com amigos, e Eduarda chegaria em alguns dias. Após ela chegar, procuraríamos um apartamento para morarmos todos juntos.

Porém, no dia seguinte à nossa chegada, Eduarda nos avisou que precisaria atrasar sua ida para o Rio em um mês, e isso nos obrigou a fazer a primeira mudança de planos em nossa missão de salvar o mundo. Decidimos que o melhor era Tata e eu ficarmos o primeiro mês em São Paulo, e lá eu a ajudaria a revisar seu Aaran, pois no apartamento havia um computador. Naqueles dias, ter um computador em casa era quase um luxo, e os celulares ainda engatinhavam, assim como a internet comercial. Di Bedis não gostou da ideia de nos afastarmos dele, mas teve que se conformar. Pobre Andrija.

O apê em São Paulo ficava no Paraíso, e nele Tata morara com os irmãos Alexandre e André antes de se mudar para Fortaleza, em 1992, e os pais moravam numa fazenda no Mato Grosso do Sul. Tata achou melhor eu dormir com ela em seu quarto, devidamente instalado num colchonete, e tratamos de harmonizar nossos horários de dormir e acordar para que o trabalho rendesse bem.

Alexandre e André eram dois caras tranquilos e divertidos, cultos, torcedores do Corinthians, clube do qual gosto muito, e me receberam bem. Mas… o que pensavam de mim e daquela situação?

Os manos não se ligavam muito em assuntos esotéricos, mas se divertiam com nossas histórias mirabolantes. No início, fiquei envergonhado, afinal não é todo dia que você tem que explicar para dois desconhecidos que você vai morar na casa deles porque você e a irmã deles integram um grupo que vai salvar a Terra e que você é o líder desse grupo… mas que você não está comendo a irmã de ninguém, de jeito nenhum.

Eu nunca passara por algo parecido. Mas os caras eram desencanados e logo relaxei, e pouco depois já dividia umas cervas com eles, rindo com os episódios de seus ídolos na MTV, Beavis e Butt-Head. Além disso, eles tinham amigos mais perturbados do juízo que nós. O fato é que, juntando as doidices de todos, formamos um pequeno e divertido hospício naquele apê do Paraíso.

muriçocas e periguetes

Durante quarenta dias, Tata e eu trabalharíamos juntos diariamente no Aaran, para a história ficar bem compreensível e com bom ritmo. Tata construíra seu romance sobre as lembranças que dizia ter, mas precisou preencher alguns trechos com fatos e diálogos inventados para poder montar a narrativa. Enquanto ela tendia para o tom didático e moralizante, eu puxava para o humor e, se possível, um temperinho de sacanagem…

– Pô, Tata, duas cenas pra explicar que Aidon transava com Orian e também com Andrija?

– Ué? E como seria?

– Elas chamam Aidon pra uma energização a três. Assim, você só precisa de uma cena…

– Ai, Líder, se eu deixar, você transforma meu romance numa suruba só.

– Boa ideia. Criaremos um novo gênero: pornô astral.

Dos amigos que leram o livro, todos comentavam que gostaram. Alguns gostavam até demais, a ponto de achar que também viveram em Aaran, o que nos deixava intrigados. Será que toda a comunidade de Aaran tivera o azar de reencarnar no Brasil? Ou aquilo era apenas efeito de uma boa história?

Eu gostava dos personagens, mas achava que Tata podia aperfeiçoá-los. Andrija, a favorita do meu harém, era uma maluquete declarada, com um pezinho gracioso no sapatinho da futilidade, e uma discípula sempre disposta a aprender um pouquinho mais em nossas aulas a três. Que adorável, não? Andrija não precisava mudar nada, estava perfeita, ai, Andrija. Porém, Orian carecia de uns ajustes, sim.

– Essa Orian é uma grande sonsa. A mim, não engana.

– Por quê, Líder?

– Pra começar, ela dança na Lua Negra vestida com uns paninhos transparentes. E falta às aulas pra ficar no nheco-nheco com um espírito gostosão, que, ainda por cima, numa vida anterior foi general romano.

– O que é que tem?

– Você quer que ela pegue fama de periguete do astral?

Tata analisou minha denúncia e achou melhor redefinir a personagem. Mas não muito. Orian continuou uma sonsa.

– E esse Muriçoca aí?

– Muriçoca, não, Muri. Respeite meu mestre.

Muri era um dos mestres fodões de Aaran. Mais velho, super-hipersábio e sempre tranquilo.

– Não posso chamar seu mestre de Muriçoca?

– Você tá com ciúme porque a Orian adora o Muri.

– Claro que não. Tô justamente defendendo o Muriçoca, pois você está sendo sádica com ele. O coitado precisa de oito capítulos e novecentos conselhos transcendentais pra molhar o biscoito com a Orian. Isso é tortura.

Tata analisou minha denúncia de sadismo feminino e concordou em diminuir a trabalheira do Muri. Ufa! O sindicato dos sábios de Aaran me deve essa.

anotando sonhos

Um caderno grosso de espiral, tendo na capa dura plastificada a imagem dos relógios derretidos de Salvador Dali. Na primeira página, a dedicatória que incluía uma fala do índio yaqui Don Juan, dos livros de Castaneda: Para mim, só existe percorrer os caminhos que tenham coração. No mundo do sonhar ou no mundo dos homens. Por qualquer caminho que tenha um coração. Por ali viajo e o único desafio que vale a pena é percorrê-lo em toda sua extensão. E por ali viajo, olhando, olhando… arquejante. D. Juan

E, finalizando: Bons sonhos, muchacho. 1 beijo, Tata

 Foi um presente que ela me deu, para eu anotar meus sonhos. Que mimoso! Tata já me falara sobre a técnica de anotação de sonhos, indicada por psicólogos junguianos, da qual ela fizera uso quando de seu tempo de terapia, anos antes, e fora muito útil.

Para Jung, os sonhos são a contraparte da vida em relação à parte em que estamos acordados, e expressam o estado psíquico por imagens e narrativas simbólicas, cujos significados nem sempre são fixos, mas podem variar de acordo com as vivências do sonhador. Os sonhos são, assim, mensagens reais do inconsciente para a consciência, e saber interpretá-los ajuda o sonhador em seu processo de autoconhecimento e autorrealização, que Jung chama de individuação (e pelo qual todos passam, mesmo sem consciência dele) e Joseph Campbell chama de jornada do herói. Ainda que pareçam sem sentido para o sonhador, o registro dos sonhos pode dar ao psicólogo um utilíssimo material para que ele possa fornecer a melhor ajuda.

Em nossa disciplinada rotina de trabalho, Tata e eu nos deitávamos à mesma hora, com o despertador programado para tocar no meio da madruga. Fazíamos isso para conversar sobre o que estávamos a sonhar, a lembrança fresquinha, e após eu registrar no caderno, voltávamos a dormir. Mais de uma vez constatamos que sonhávamos a mesma coisa, o que podia indicar que estávamos juntos na dimensão espiritual, embora sem lucidez. E outras vezes, nos empolgávamos tanto no papo que perdíamos totalmente o sono.

dupla evolutiva

Nesse período, fui apresentado por Tata a três coisas que a partir de então norteariam minha vida: Jung, a filosofia taoista e o xamanismo, e aproveitei para ler uns livros que ela guardava no apê.

Na psicologia analítica de Jung, assimilei bem a ideia do Si-Mesmo (Self) como centro ordenador da psique total (consciência + inconsciente), algo como o eu maior, e também do ego, o eu menor, como centro da parte consciente. É no Si-Mesmo que se guardam as potencialidades do ser, feito um código que necessita ser ativado pela consciência. O processo de individuação é, portanto, a efetivação do eu potencial em toda sua totalidade, capacitando o indivíduo a viver, finalmente, suas verdades mais íntimas e a se harmonizar consigo mesmo, com as outras pessoas e com toda a realidade.

Na milenar filosofia taoista*, me identifiquei muito com as ideias de unicidade cósmica, de yin e yang e de nos harmonizarmos com a realidade por meio da superação dos opostos, do crescimento cíclico e do equilíbrio dinâmico.

No xamanismo*, comecei pelos livros de Carlos Castaneda, que Tata amava desde a adolescência. Li os dois primeiros, mas como eles não me empolgaram tanto como Jung e o taoismo, preferi prosseguir a leitura em outro momento. Havia tantos livros para ler, tantas ideias a conhecer…

Uma noite, saímos para um bar próximo e tomamos uns chopes, e rimos muito da insistência de Eduarda e Di Bedis sobre sermos uma dupla evolutiva. Eu brinquei, lembrando que minha última namorada fora bailarina, e, assim, faria sentido que minha namorada seguinte fosse a dançarina principal de Aaran, né?

Na volta para casa, caminhando pela avenida Paulista, Tata de repente parou. Achei que ela esquecera algo no bar, mas não era isso. Ela falou:

– Ricardo, me dá um beijo.

– Como assim? – perguntei, surpreso.

– Anda, me dá um beijo.

– Aqui? Agora?

– Vamos descobrir logo se somos ou não uma dupla evolutiva. Não aguento mais essa cobrança.

Foi assim que, seiscentos anos depois, a dançarina Orian e o viajante Aidon voltaram a usar lábios e línguas para trocar energias. Num estranho país dos trópicos chamado Brasil. Em plena Paulista, iluminados pelas luzes dos automóveis.

No fim, eles se afastaram e se olharam desconfiados:

– É, Líder, não tem jeito.

– Não somos dupla evolutiva, Tata.

– Pelo menos, tentamos.

E saíram caminhando abraçados, rindo das vidas.

os cearenses dominarão o mundo

– Vocês me abandonaram! Isso é sacanagem! Cadê a cosmoética?

O protesto era do pobre do Di Bedis, que todo dia telefonava do Rio, enfrentando os orelhões quebrados da Telerj, para reclamar que eu e Tata estávamos demorando demais para voltar. O jeito foi chamá-lo para passar uns dias em São Paulo. No dia seguinte, ele chegou e, assim como fizera comigo, Tata o instalou em seu quarto, que virou de vez um acampamento. Seiscentos anos depois, Aidon, Orian e Andrija dormiam juntos novamente, agora no Paraíso… Era muita emoção para mim.

Alexandre e André gostaram também do Di Bedis, até porque é mesmo difícil não gostar de seu jeitão Di Bedis de ser. Porém, quando Cris nos visitava, nossos papos esquisotéricos rapidamente afugentavam os irmãos da Tata, o que provava que eles eram muito mais ajuizados que nós.

Nessa época, Salviano, amigo meu e do Di Bedis, ator comediante, estava em cartaz em São Paulo com um espetáculo de humor. Que boa coincidência! Fomos ver o espetáculo e adoramos, e Tata o convidou para ir nos visitar.

– Melhor você não fazer isso – Di Bedis a alertou.

– Por quê?

– É, Tata, não faça isso.

– Gente… Mas por quê?

Tarde demais. Salviano já aceitara o convite.

Para quem não sabe, melhor explicar. Um cearense sozinho longe do Ceará geralmente fica quieto e acabrunhado, que nem caramujo. Mas se dois cearenses se encontram aí pelo meio do mundo, tudo vira piada e a festa só termina na segunda-feira. Porém… se eles encontram um terceiro cearense, você pode ter certeza que toda a fulerage, alopração e baixaria do universo estarão concentradas nesse encontro. Pois bem, Tata acabava de evocar, para dentro do apê de sua família, o melhor do pior da espécie humana.

Sabe aquela velha profecia que diz que um dia os cearenses dominarão o mundo? Alguns afirmam que eles já dominam, mas fazem todos rirem deles para ninguém desconfiar de nada. Pois bem. Quando Salviano foi nos visitar, Tata e seus irmãos tiveram uma pequena mostra de como será o mundo quando os cearenses tomarem o poder. Por uma tarde inteira, os três riram das nossas piadas e de todas as marmotas e barbaridades que falamos, e riram até passar mal e nos pedir, por favor, para parar.

– É melhor vocês não tomarem o poder – comentou Tata, o estômago doendo. – Vão matar todo mundo de rir.

Melhor morrer de rir que morrer na guerra. Né não?

tropeçando em espíritos

As semanas em São Paulo foram de muito trabalho, mas foram divertidas e até inspiradoras. Um dia, enquanto via, com Tata e Cris, o filme Highlander, com o ator Christopher Lambert, eu tive uma ideia para um livro. Seria um romance, que falaria de busca pessoal e trataria daqueles assuntos com que lidávamos, numa linguagem descontraída e sem caretices. Então, fiz um esboço da história, sem certeza de que poderia mesmo virar livro. Sim, viraria, e se chamaria O Irresistível Charme da Insanidade, mas, naquele momento, a única certeza que eu tinha era de que precisava urgentemente de um computador para mim.

Outra coisa boa que aconteceu foi conhecermos Wagner. Ele era conhecido no meio esotérico por dominar bem suas experiências fora do corpo, e havia sido parceiro do Waldo antes de se desentenderem anos antes. Em São Paulo, montara seu próprio instituto num espaço na Vila Mariana, o Reviver, onde fazia palestras e cursos. Para Wagner, que se dizia espiritualista sem religião, essas coisas sobrenaturais eram tão rotineiras como escovar os dentes: ontem, me encontrei com uma entidade hindu e ela me passou este texto, aí Ramatis veio me contar uma piada, e quando saí do banheiro, tropecei num espírito… As experiências que ele relatava me pareciam exageradas, mas gostei de seu jeito bem-humorado, muito diferente da sisudez dos professores do IIPC.

Vimos duas palestras de Wagner, depois conversamos com ele e Tata entregou-lhe uma cópia de seu livro. Os amparadores haviam dito que ela deveria fazer isso. Ela ainda não sabia o motivo, mas logo descobriria.

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Ricardo Kelmer 2020 – blogdokelmer.com

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Viajando na Maionese Astral

 

Capítulos 1 – 2 – 3
4 – 5 – 6

7 – 8 – 9
10 – 11 -12.

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Nasceu o Simpatizo Amor de Bar

07/12/2020

02dez2020

Um amor de bar no coração da Aldeota

NASCEU O SIMPATIZO AMOR DE BAR

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Em 2018, com o sucesso do nosso recém-criado bloco Simpatizo Fácil e da camiseta É Golpe no Brasil!, que vendeu mais de mil unidades e foi copiada em várias cidades do Brasil, eu, Vaninha e Paulo Henrique pensamos que seria ótimo termos um espaço físico para algumas atividades do bloco. Procuramos um local adequado em Fortaleza, com condições favoráveis para investimento, mas não encontramos.

Eis que em julho de 2020, em plena pandemia de Covid-19, a oportunidade nos aparece, e decidimos segurá-la, mesmo cientes dos riscos envolvidos. E assim, no fim de agosto, o Simpatizo Amor de Bar iniciou suas atividades, atento às orientações sanitárias. Localizado numa bucólica esquina da área central da Aldeota, nosso bar nasceu com a ideia de não ser apenas um lugar de entretenimento, mas também, seguindo a filosofia do bloco, um espaço de valorização da arte e da nossa cultura, tendo como bandeiras a defesa da democracia, a luta por justiça social e a liberdade de sermos quem somos.

Queremos que nosso bar seja também uma referência para a cena artística e literária de Fortaleza, um lugar sempre de braços abertos para receber e celebrar artistas e escritores, um ponto de encontro de todos que fazem, sonham e vivem arte. Seguindo esse lema, daremos atenção especial a lançamento de livros e exposições, oferecendo nossa estrutura física e de divulgação para os autores e os artistas que desejam divulgar sua obra.

Trinta e um anos após o Badauê, que tive na Praia de Iracema com os sócios Paulo Marcio e Nelsinho, eis que sou novamente dono de bar. Os tempos são outros, muita coisa mudou, e eu envelheci, mas ainda sou aquele cara idealista e um tanto ingênuo, que sonha em contribuir para a cultura de sua terra e reunir velhos amigos para celebrar a vida. Espero você em nossa esquininha.

SIMPATIZO AMOR DE BAR
Instagram: @simpatizoamordebar
Rua Sabino Pires, 6 – Aldeota
esquina com Leite Albuquerque, ao lado do Frangolândia

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01- 


Lançamentos do Maionese

09/11/2020

09nov2020

Lançamentos do Viajando na Maionese Astral 

LANÇAMENTOS DO MAIONESE

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Nos próximos dias, em Fortaleza e cidades próximas, farei o lançamento do meu livro VIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL – Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo (formato físico). Os eventos seguirão as orientações sanitárias. Para quem preferir, posso enviar pelo correio.

O livro está disponível para venda também no formato eletrônico (em PDF e na Amazon).

– Livro físico: R$ 30. Para quem participou da pré-venda: R$ 25
– Livro físico pelo correio: R$ 40. Para quem participou da pré-venda: R$ 35
– PDF com dedic. personalizada: R$ 9
Na Amazon (kindle): R$ 9
– Edição conjunta (PDF com dedic ou na Amazon, kindle) Viajando na Maionese Astral + Quem Apagou a Luz?: R$ 15

AGENDA

– 12nov, quinta-feira, 19h, no Simpatizo Amor de Bar. Com show com Moacir Bedê, Fábio Amaral e Rodrigo BZ
– 13nov, sexta-feira, 19h, no Simpatizo Amor de Bar. Com DJ Estácio Facó
– 14nov, sábado, 19h, no Simpatizo Amor de Bar. Com DJ Albano Seletor
– 17nov, terça-feira, 19h, no Abaeté Boteco. Com DJ Alan Moraes
– 18nov, quarta-feira, 19h, no Simpatizo Amor de Bar. Com show de Os Transacionais
– 20nov, 19h, em Paracuru-CE (Centro)
– 26nov, 19h, no Bar Serpentina. Com show de Moacir Bedê e Fábio Amaral
– 27nov, 19h, no Simpatizo Amor de Bar. Com DJ Estácio Facó
– 02dez, 19h, no GB. Música ao vivo com Dedé Nunes
– 03nov, 19h, no Simpatizo Amor de Bar. Com DJ Estácio Facó
– 04dez, 18h, no Cantinho do Frango. Com DJ Alan Morais
– 18dez, 18h, no bar Alpendre. Música ao vivo com Ricardo Barsotelli
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VIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL
Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo
Miragem Editorial, 2020

Enquanto relembra as pitorescas histórias de quando largou uma banda de rock para liderar um aloprado grupo esotérico e lançou-se como escritor com um livro espiritualista de sucesso (Quem Apagou a Luz? – Certas coisas que você deve saber sobre a morte para não dar vexame do lado de lá) que depois renegou, o autor fala, com bom humor, sobre sua suposta vida no século 14, carreira literária, amores, sexo, drogas ilegais, prostituição e crises existenciais, reflete sobre sua relação com o feminino, o xamanismo, a filosofia taoista e a psicologia junguiana e narra sua transformação de líder de jovens católicos em falso guru da nova era e, por fim, em ateu combatente do fanatismo religioso e militante antifascista.

> SAIBA MAIS – LEIA COMENTÁRIOS

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Ricardo Kelmer 2020 – blogdokelmer.com

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Quem Apagou a Luz?
Certas coisas que você deve saber sobre a morte para não dar vexame do lado de lá
(ensaio)

Lançado em 1995, este livro resume, numa linguagem descontraída, as crenças e vivências que norteavam o grupo esotérico do qual o autor participou nos anos 1990, abordando temas como experiências fora do corpo, reencarnação, vida após a morte, extraterrestres e guias espirituais.

A partir de 2000, quando o autor assumiu seu ateísmo, este livro deixou de ser publicado, interrompendo uma trajetória de sucesso. Porém, em 2020, para divulgar seu livro Viajando na Maionese Astral – Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo, ele decidiu relançá-lo numa edição especial, junto com o Maionese.

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Nasceu a minha Maionese

05/08/2020

05ago2020

Meu livro de memórias exóticas 

NASCEU A MINHA MAIONESE

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Gente, eu podia estar roubando ou matando, mas tô aqui lançando meu livro de memórias exóticas VIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL. Adquirindo a versão eletrônica, que custa R$ 9, você poderá descontar o valor no lançamento do livro físico, que farei em breve com o que eu conseguir arrecadar com o livro eletrônico.

Diverti-me bastante escrevendo esse livro, principalmente na parte em que conto sobre meu grupo esotérico que iria salvar o mundo e revelo minha polêmica vida passada na Dinamarca medieval, na qual eu tinha uns rolos com uma escritora paulista da atualidade e um músico muito conhecido de Fortaleza, que hoje é um grande amigo.

Bem vindo à minha maionese. Garanto que você dará boas risadas. 🙂

VIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL
Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo
Miragem Editorial, 2020

Enquanto relembra as pitorescas histórias de quando largou uma banda de rock para liderar um aloprado grupo esotérico e lançou-se como escritor com um livro espiritualista de sucesso (Quem Apagou a Luz? – Certas coisas que você deve saber sobre a morte para não dar vexame do lado de lá) que depois renegou, o autor fala, com bom humor, sobre sua suposta vida no século 14, carreira literária, amores, sexo, drogas ilegais, prostituição e crises existenciais, reflete sobre sua relação com o feminino, o xamanismo, a filosofia taoista e a psicologia junguiana e narra sua transformação de líder de jovens católicos em falso guru da nova era e, por fim, em ateu combatente do fanatismo religioso e militante antifascista.

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OPÇÕES

Na Amazon (Kindle): R$ 9
Direto comigo: R$ 9 (PDF com dedicatória)

– Viajando na Maionese Astral + Quem Apagou a Luz?: R$ 15 (PDF com dedic.)
– somente Quem Apagou a Luz?: indisponível

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PAGAMENTO

Bradesco – ag. 7737 – conta 30268-6 (Ricardo)
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Cartão/boleto: Pag Seguro

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Ricardo Kelmer 2020 – blogdokelmer.com

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Quem Apagou a Luz?
Certas coisas que você deve saber sobre a morte para não dar vexame do lado de lá
(ensaio)

Lançado em 1995, este livro resume, numa linguagem descontraída, as crenças e vivências que norteavam o grupo esotérico do qual o autor participou nos anos 1990, abordando temas como experiências fora do corpo, reencarnação, vida após a morte, extraterrestres e guias espirituais.

A partir de 2000, quando o autor assumiu seu ateísmo, este livro deixou de ser publicado, interrompendo uma trajetória de sucesso. Porém, em 2020, para divulgar seu livro Viajando na Maionese Astral – Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo, ele decidiu relançá-lo numa edição especial, junto com o Maionese.

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Amor de bar

15/01/2020

15jan2020

Uma homenagem aos bares que amamos

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AMOR DE BAR
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Putz… Depois de ler todas essas crônicas, a vontade que me deu foi de ir em cada um dos amados bares que João e Alexandre tão bem homenagearam e tomar uma em cada um deles.

Uma ou duas, né, que às vezes só uma não dá tempo de sentir o ambiente e de se deixar levar por tudo que ele evoca, e olhe que tem bar que evoca até o passado que não se tem. Uma ou duas dúzias, sim, porque tem bar que, já na primeira sentada, ele mexe de um jeito esquisito na peçoa umana bebedora, você já percebeu?, poizé, parece que a pessoa já esteve ali antes, ou dali nunca saiu.

Helano, Tocantins, Disney Lanches… Qual é o segredo dos bares que amamos? Taí uma questão que pode render infinitas saideiras. Tem bar que nos seduz pela cerveja inacreditavelmente sempre gelada, o que não é pouca coisa. Ou por aquela transcendental moela ao molho que nos faz salivar um litro só de passar em frente. Às vezes, o segredo é a distância: dobrou duas esquinas, chegou no bar, e voltou duas esquinas, já tá em casa, o que permite beber o que se gastaria com o uber. Às vezes é o atendimento, aquela presteza infalível, aquela captação silenciosa e imediata dos nossos mais puros desejos, um milagre que se reedita a cada ida ao bar: “Seo Papito, me traga…” “Aquela farofa de ovo com sardinha, tomate e a cebola bem fritinha, é pra já.” “Eita, como é que o senhor sabe?”.

Bares são como amantes possessivos: quando nos damos conta, não conseguimos deixá-los, por pior que seja a relação. Veja a história de Micaela. Ela bebia havia anos no mesmo bar, mas o trocou por outro que abrira no outro lado da rua. Uma noite, bebendo com as amigas em seu novo bar predileto, Micaela olhou para o antigo amor e, percebendo vazias as mesas, foi tomada de um sentimento de culpa avassalador. A partir daí, viu-se obrigada a beber nos dois bares, na mesma noite, num ritual que fazia rir as amigas, que ficavam no segundo bar, aguardando que ela tomasse uma no primeiro, sozinha no balcão, trágica penitente etílica.

O Roque Santeiro, no Mucuripe, era uma bodega que dona Orestina e seo Moacir montaram na parte da frente de sua casa e que abria às cinco da manhã. Durante 20 anos, frequentei o Roque, pra ressuscitar da noitada com um caldo quentinho e depois tomar a saideira, que se replicava em outras saideiras até o meio-dia, ao som de Odair José, Núbia Lafayette e Roberto Carlos. Pois bem. Sempre que eu começava um novo caso, ia com a garota no Roque só pra saber a opinião de dona Orestina. Quando a garota ia ao banheiro, ela vinha e me dava seu veredicto: “Onde foi que tu arrumou essa matraca, ô menina pra falar!”, ou “Coitada, ela acha que te fisgou só por causa daqueles peitões…” Como você pode ver, além de ser a segunda casa, às vezes é no bar que conhecemos nossa segunda mãe.

Longa vida aos bares que amamos!

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Ricardo Kelmer 2019 – blogdokelmer.com

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Esta crônica foi escrita para o posfácio do livro Saideiras (Radiadora, 2020), de Alexandre Greco e João Ernesto, um livro de crônicas afetivas sobre alguns bares de Fortaleza, com edição e prefácio de Alan Mendonça e ilustrações de Jadiel Lima.

O livro é um convite por outros olhares a esses lugares que, quando forjados na arquitetura do encontro, são parte dos quintais dos homens, um bailado de trégua com a vida.
Alexandre e João passeiam pela geografia etílica de Fortaleza com a afetividade própria aos múltiplos, aos corações subversivos dos vagabundos, que perambulam imensamente compromissados com o inútil… e expõem as sutilezas do essencial das horas anteriores à obediência ao sol.

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LEIA NESTE BLOG

Roque Santeiro, o meu bar do coração – Em Fortaleza tem um bar / Que é boteco companheiro / Não tem nada similar / Já pesquisei o mundo inteiro / Por isso escrevo essa carta / Pra matar a saudade ingrata / Do meu bom Roque Santeiro

30 anos de Badauê – Estamos vivos – Foi tudo lindo, em sua poesia de estrela cadente a colorir o céu da nossa inebriada juventude

Galinha ao molho conjugal – Então fizemos uma aposta. Qual dos três conseguiria resistir mais tempo ao casamento?

A celebração da putchéuris – A história fuleragem da Intocáveis Putz Band

Breg Brothers com fígado acebolado – Encher a cara, curtir dor de cotovelo e brindar a todas as vezes em que fomos cornos…

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COMENTÁRIOS
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01- Muito bom, Ricardo Kelmer! Tayane Cristine, Campina Grande-PB – jan2014

02- Realmente um lugar pra ser feliz!!! Lucinha Simões, Fortaleza-CE – ago2014