O dia em que o chinlone me pegou

02fev2014

Assim como o chinlone, na vida é fundamental harmonizar-se com o mundo ao redor pra que o jogo fique bonito de se ver

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O DIA EM QUE O CHILONE ME PEGOU

Ou a arte zen de sair por aí à toa e encontrar o que se precisa
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E lá eu ia caminhando pela Visconde de Pirajá, seis da tarde. Apesar das pessoas apressadas e dos automóveis barulhentos, eu seguia leve e tranquilo. Na verdade, até me sentia meio em harmonia com toda aquela zorra. Levava uns exemplares do meu livro Baseado Nisso e uma missão ultrassecreta: deixá-los na La Cucaracha, uma loja em Ipanema que vende uns baratos ligados a cultura alternativa: roupas, livros, revistas, CDs e, é claro, sedinha para enrolar o baseado, maquininha de debulhar, essas coisas. Melhor lugar para vender meu livro só mesmo na passeata da legalização.

Na loja, meu livro ficou, mui honradamente, ao lado do sensacional Capitão Presença, livro do desenhista Arnaldo Branco. O Presença é o único super-herói que realmente salva. E foi inspirado no dono da loja, Matias Maxx, uma figuraça. Aí entraram dois caras e um deles foi direto no meu livro. Era simplesmente… o Arnaldo Branco. Uau! E o outro era o Allan Sieber, outro monstro dos quadrinhos. Fiquei tão abobalhado diante dos meus ídolos que depois de dez minutos é que consegui dizer algo além de dâââ…

Cessada a fase monga, troquei nossos contatos, combinei uma entrevista e nos despedimos. E segui caminhando de volta para casa, exercitando minhas pernas e admirando as das ipanemenses. Eis porém que, numa banca de revista, reconheço uma senhora… É Alzira, uma amiga recente, que dia desses me levou para ver uma peça sobre o Torquato Neto, que foi seu amigo. Você por aqui, que coisa boa, abraço, beijo. Ela me pegou pelo braço e saímos, ela comentando sobre um conto meu que havia lido. Depois falou que eu precisava conhecer o Álvaro, dono da Pororoca, uma famosa livraria especializada em misticismo. Mal fecha a boca, Álvaro se materializa bem à nossa frente. O susto foi tão grande que quase saí correndo.

O Álvaro é um cara simples, cinquentão com cara e jeito de garoto. Conversamos sobre livros e mercado editorial, ele disse que lembrava de meu primeiro livro e marcamos de continuar o papo outro dia em sua loja. E seguimos eu e Alzira, eu satisfeito com tantos bons encontros. Ela então me levou a uma galeria para conhecer o Estação Ipanema, com suas duas salas de cinema que eu, vergonhosamente, ainda não conhecia. Alzira me deu um puxão de orelha e subimos para conhecer.

No momento em que olhávamos a programação do Festival do Rio, um desconhecido chegou e… me ofereceu um ingresso de presente. Um ingresso para Mystic Ball, um filme do festival, última oportunidade de ver. Perguntei a Alzira se ela ficaria chateada se eu aceitasse aquele inesperado presente. Claro que não, aproveita que hoje você tá iluminado… Dei um abraço nela, depois te conto do filme, tchau, peguei o ingresso e entrei na sala escura, nem lembrava a última vez que eu fora ao cinema sem saber qual era o filme.

Tchan, tchan, tchan, tchan…. Que surpresa! Desde o instante em que sentei até o fim do filme, eu fiquei hipnotizado pelas imagens, fascinado, torcendo para não acabar. Como pude viver quarenta e dois anos sem saber que existia aquilo? O documentário conta a história de um canadense que se tornou o primeiro ocidental a praticar o chinlone ao lado dos mestres. E agora se dedica a divulgá-lo pelo mundo. Poizé, mas que diabo é chinlone?

Ronaldinho Gaúcho. Você certamente já o viu brincar com a bola, sem deixar cair no chão. Pois o chinlone é parecido. É um esporte tradicional de Mianmar, sudeste da Ásia, e existe há mil e quinhentos anos. Seis jogadores, homens ou mulheres, formam uma pequena roda e, usando apenas pés e pernas, passam a bola entre si, revezando-se como solista no meio da roda. A bola é oca, feita de feixes entrelaçados de ratan com espaços vazios formando pequenos buracos. Sem finalidade competitiva, o chinlone está mais para exibição artística, pois não basta não deixar a bola cair no chão – é preciso que as jogadas sejam plasticamente belas. Então o que se vê é uma espécie de dança coletiva regida pela própria bola, onde os movimentos combinam a graça delicada e sutil das danças do oriente com a rapidez e a precisão das artes marciais. Ou seja: Ronaldinho não daria nem para o começo.

O chinlone requer atenção aguda e permanente ao movimento da bola e dos outros jogadores. Requer também alto grau de leveza e elasticidade corporal. Mas, sobretudo, é indispensável que o grupo esteja totalmente harmonizado em torno da bola e funcione como uma única entidade feita de uma bola e doze pernas em contínua movimentação. O chinlone prioriza ao mesmo tempo a noção de grupo e o talento individual. E esses talentos não têm sexo ou idade: entre os melhores jogadores há garotas e velhinhos de setenta anos. Certas jogadas são tão curiosas e rápidas que só em câmera lenta pode-se entender como aconteceram. A habilidade dos jogadores é impressionante, e suas improváveis piruetas levam a pensar sobre onde afinal estão os limites da capacidade humana. Depois de ler os créditos finais, demorei a me levantar da poltrona ‒ estava inteiramente apaixonado pelo que acabara de conhecer. E louco de vontade de escrever a respeito. O mundo precisava conhecer aquilo.

Saí da sala com um sentimento de gratidão por uma noite tão generosa. Tantos encontros e surpresas incríveis… Mas ainda havia um último encontro a me esperar. E ele estava à minha frente, na saída da sala, segurando uma bola… de chinlone. Era Greg Hamilton, diretor e personagem principal do filme. Reconheci-o de imediato e, ignorando a timidez, fui falar com ele. Parabenizei-o, peguei a bola, fiz perguntas tolas em meu inglês capenga, ele me falou sobre o chinlone e ganhei um postal do filme. E fui embora para casa feliz, pensando… Assim como o chinlone, na vida é fundamental harmonizar-se com o mundo ao redor para que o jogo fique bonito de se ver. Não basta viver, é preciso encontrar-se.

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Ricardo Kelmer 2006 – blogdokelmer.com

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> Esta crônica integra o livro Blues da Vida Crônica

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DOCUMENTÁRIO (em português)
Narração: Gilberto Gil

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CHINLONE, THE MYSTIC BALL

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DICA DE LIVRO

ICI2011Capa-01dO Irresistível Charme da Insanidade
Ricardo Kelmer – romance

Dois casais, nos séculos 16 e 21, vivem duas ardentes e misteriosas histórias de amor, e suas vidas se cruzam através dos tempos em momentos decisivos. Ou será o mesmo casal? Nesta história, repleta de suspense e reviravoltas, Luca é um músico obcecado pelo controle da vida, e Isadora uma viajante taoísta em busca de seu mestre e amante do século 16. A uni-los e desafiá-los, o amor que distorce a lógica do tempo e descortina as mais loucas possibilidades do ser.

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