O gozo da língua – Pela maciez sonora dos fonemas / De formas acetinadas / Que a língua deslize
Livros e odaliscas – Meia-noite. Volto do banho. Elas estão todas deitadas em minha cama, lânguidas odaliscas a me aguardar
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01- A leitorinha agradece! Gratidão também pela escrita que nos encantam e faz viajar. Renata Kelly, Fortaleza-CE – jan2022
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Nessa história de fé, amor e traição, com toques de erotismo e suspense, Fátima é uma famosa cantora cristã, com milhões de discos vendidos e agenda repleta de apresentações. Seu empresário, Miltinho, rege sua carreira com dedicação e respeito. Porém, há segredos delicados nessa relação, e um acontecimento inesperado faz surgir novos e estranhos segredos.
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O SEGREDO DE FÁTIMA Traída por Deus, no amor vingada
. Igreja da Pomba Sagrada do Paraíso. Ou Pomba Sagrada, como era mais conhecida. Funcionava no térreo de um prédio de salas comerciais. Foi lá onde Miltinho conheceu Fátima, ela na desabrochada flor de seus dezoito anos, ele nove anos mais velho. Ela no palco, linda e angelical, encantando a todos à frente do grupo musical da igreja. Foi paixão ao primeiríssimo olhar.
Na verdade, foi mais que isso. Naquele dia, enquanto Fátima cantava no momento do ofertório, Miltinho sentiu-se tomado por um sentimento avassalador, e ele compreendeu que aquilo era amor, o amor mais puro e sincero que um filho de Deus poderia ter. Enquanto regozijava-se, inundado de amor, ele viu um raio de luz fosforescente entrar pelo teto e iluminar a garota, e soube, por uma voz que ecoava dentro dele, que ela seria uma grande estrela da música, para a glória do Senhor. Tomado de êxtase, teve outra revelação divina, que o fez tremer por dentro: aquela mulher seria sua.
Quando terminou o culto, ele, ainda atordoado, saiu apressado em direção ao ponto de ônibus, nem se despediu dos irmãos e irmãs da igreja. No caminho para casa, repetiu cem vezes em pensamento a verdade que lhe fora revelada: Uma grande estrela… minha mulher…
Como, ainda na adolescência, fizera voto de castidade, Miltinho não tinha experiência com mulheres, era tímido. Simplesmente não sabia agir diante delas. Como se comportar com aquela que seria sua futura mulher?
Dias depois, na saída do culto, foi ela mesma quem deu uma mãozinha ao destino.
‒ Oi! Você é o Miltinho, né?
Ao vê-la caminhando bem ao seu lado, quase tocando-o, ele tentou responder, mas a voz não saiu.
‒ Prazer, Fátima.
Ele conseguiu apenas sorrir.
‒ Você é mudo?
‒ Na-não… ‒ ele conseguiu responder, gaguejando.
‒ É gago?
‒ Também-bém não…
Ela riu, achando graça do jeito dele. Muito simpática, perguntou se era verdade que trabalhava num estúdio de gravação. Miltinho confirmou, balançando a cabeça e sentindo uma gota de suor escorrendo pelo pescoço. Ela explicou: tinha o sonho de ser cantora profissional e queria gravar um disco, mas não tinha dinheiro. Ele, procurando controlar o nervosismo, perguntou se ela já havia falado com o pastor Genilson, talvez ele pudesse ajudar.
‒ O pastor disse que a igreja não tem dinheiro, mas vai orar por mim.
Após pensar um pouco, Miltinho falou que veria o que podia conseguir para ela.
Uma semana depois, a boa notícia para Fátima: Miltinho lhe informou que a dona do estúdio, uma mulher generosa e temente ao Senhor, concordara em não cobrar nada, desde que a produção se mantivesse numa faixa de preço razoável, e nem era necessário divulgar a marca do estúdio. Fátima ficou radiante de felicidade e o abraçou agradecida. Nessa noite, Miltinho não conseguiu dormir, ainda envolvido pelo abraço daquela que estava predestinada pelos céus a ser sua mulher.
Nas semanas seguintes, encontraram-se quase diariamente no estúdio para gravar as músicas, e nos intervalos tomaram café juntos. Ela lhe contou que era órfã e que morava com uma tia que não gostava dela, e que o que mais queria na vida era ser cantora profissional e espalhar a palavra de Deus pelo mundo. Contou também de seu voto de castidade, e nesse momento Miltinho teve ainda mais certeza de que estava diante de sua futura mulher, e que os dois findariam juntos seus votos de castidade, para a glória do Senhor.
O disco ficou pronto e o lançamento foi na Pomba Sagrada, e nesse dia Fátima deu-lhe um beijo no rosto. Em casa, em sua cama, Miltinho repassou a cena pela centésima vez, e a sensação dos lábios de Fátima tocando sua pele era como um fogo a lhe queimar por dentro, provocando-lhe desejos inconfessos que o impediam de dormir.
Fátima vendeu, ela mesma, seu disco para os fiéis da igreja e também nas praças e pontos de ônibus, e até apresentou-se em alguns programas de rádio e na tevê. Admirado com sua determinação, Miltinho torcia fervorosamente pelo sucesso da amada e até conseguiu vender alguns discos para os amigos.
Um dia, porém, Fátima descobriu a verdade e telefonou para ele.
‒ Você mentiu pra mim.
Do outro lado da ligação, Miltinho nada respondeu.
‒ Eu já sei, Miltinho.
‒ Sabe… o quê?
‒ Que o estúdio não patrocinou meu disco.
‒ Ahn… bem…
‒ Não minta, por favor.
‒ Na verdade… o estúdio fez um preço razoável pra mim… e o meu serviço não cobrei.
‒ Então… você pagou tudo?
‒ Bem… Não.
‒ Não minta, Miltinho, é pecado.
‒ Eu… ainda estou pagando.
‒ Por que fez isso?
‒ Desculpa… eu…
‒ Eu sei que você não ganha tanto assim.
‒ É que eu… tive uma revelação.
‒ Que revelação?
Miltinho respirou fundo. Já não podia mais esconder a verdade de sua amada.
‒ Fátima, você será uma grande estrela da música, para a glória do Senhor.
‒ Eu? Você está falando sério?
‒ Sim, pelo sangue derramado de Cristo.
Fátima estava pasma. Não sabia o que falar.
‒ Alguém precisava… apostar em você. Foi por isso que fiz o que fiz.
Não era uma mentira, era apenas uma meia-verdade, ou melhor, um terço da verdade. Os outros dois terços é que ele a amava e que ela seria sua mulher, estava escrito.
Fátima agradeceu por sua generosidade, e disse que o reembolsaria com o dinheiro dos próximos cachês e da venda do disco. Ele, porém, propôs que ela pagasse de outra forma.
‒ Como assim? ‒ ela perguntou, desconfiada.
Ele respirou antes de falar.
‒ Me deixe ser seu empresário.
‒ Você?
‒ Olha… eu… lá, no estúdio, converso muito com empresários de artistas ‒ ele prosseguiu, e agora não tinha outro caminho senão seguir ir em frente. ‒ Sei que posso conduzir bem sua carreira. Eu tenho todos os seus programas gravados, sabia?
‒ Sério?
‒ Sim. Sei o que você pode melhorar. Voz, postura, figurino, marketing…
Aquilo era interessante, pensou Fátima. E ele parecia sincero.
‒ O Senhor sabe que eu sou seu admirador número um. Desde o primeiro dia em que vi você cantando na igreja.
Fátima falou que pensaria no assunto. Nessa noite, Miltinho novamente não conseguiu dormir, o coração ribombando no peito.
A agonia durou apenas até o dia seguinte: para a imensa alegria de Miltinho, Fátima aceitou a proposta. E ela logo veria que fizera a escolha acertada. Dedicando-se totalmente a ela quando não estava no estúdio, Miltinho ajudou-a, entre outras coisas, a organizar a agenda de compromissos e as redes sociais, e ele mesmo vendia o disco nas apresentações que ela fazia. E foi dele a ideia de mudar seu nome artístico: agora, ela era Anja Fátima. Sua determinação em fazer-se cumprir o grandioso destino de sua amada só não era maior que a própria determinação dela de realizar seu sonho dourado.
Um ano depois, veio o segundo disco e as vendas aumentaram, e Anja Fátima começou a ficar conhecida não apenas na cidade, mas no país inteiro. A Pomba Sagrada ficou pequena para a multidão que comparecia só para ver a linda cantora da voz angelical. Logo, a agenda estava bastante movimentada e o cachê subindo mês a mês, e Miltinho precisou deixar o estúdio para dedicar-se integralmente à carreira de sua amada. Depois, veio o contrato com uma grande gravadora, o terceiro disco, mais shows, entrevistas, capas de revistas, o quarto disco…
Estamos agora na varanda de um belo apartamento. É a cobertura que Fátima comprou, com vista para o mar. Passaram-se cinco anos desde aquele dia na igreja em que ela o abordara. Fátima ofereceu um jantar para os amigos mais íntimos e, após todos irem embora, sobraram ela e Miltinho. Ele não bebia, mas ela insistiu, é só hoje, e é só uma tacinha… Então, na varanda, olhando a cidade dali do vigésimo andar, eles brindaram ao sucesso, ao novo apartamento e ao programa de tevê que ela apresentava, que estreara dias antes. Aos 23 anos, Anja Fátima era uma estrela.
Então, levado pelo vinho, Miltinho finalmente decidiu abrir seu coração para Fátima. Falou que a amava, amava em silêncio, mas muito, profundamente, como jamais amara ou amaria outra mulher na vida, e que naqueles cinco anos não deixou de desejá-la nem por um dia sequer, nem por um milésimo de segundo.
‒ Nem quando eu namorava o Cléber?
Cléber era o baixista da banda.
‒ Não.
‒ Nem quando eu namorei o Luizão?
Luizão era o baterista.
‒ Não. E nem quando você namorou o pastor Genilson.
Fátima estava impressionada. É verdade que foram namoros curtos, que sempre acabavam quando ela revelava que casaria virgem para a glória do Senhor, mas, mesmo assim, aquela declaração de amor merecia seu respeito.
‒ Agora, você sabe da verdade ‒ Miltinho prosseguiu. ‒ Se quiser me despedir, eu entenderei perfeitamente.
Ela olhou para ele emocionada. Sempre vira Miltinho como um grande amigo, um empresário amigo, e sempre entendera as suas atenções e cuidados para com ela como profissionalismo de sua parte, nada além disso. Mas, agora, sabedora de seus sentimentos, já não podia vê-lo com os mesmos olhos de antes. Agora, de repente, via-o como um homem muito especial.
‒ Miltinho, eu realmente nunca pensei que você sentisse isso por mim.
‒ Disfarcei bem, não?
‒ Muito bem.
‒ E então, estou despedido?
‒ Não sou louca de largar o melhor empresário do mundo.
Fátima tomou a taça de sua mão e a pôs sobre a mesa. E o abraçou.
‒ Esse amor bonito, que agora sinto bater em seu peito, é uma divina dádiva para mim ‒ ela prosseguiu, abraçada a ele. ‒ E eu prometo que saberei retribuí-lo com a minha melhor amizade e todo o meu respeito, para a glória do Senhor.
E assim ficaram, abraçados, até ela se afastar.
‒ Agora, um brinde a nós dois.
Miltinho olhou para a mulher à sua frente a lhe estender a taça. O vermelho vivo do vinho era a cor do seu desejo, que naquele momento fazia volume sob a calça. Ah, como desejava aquela mulher… Tantas e tantas noites acordado na madrugada, revirando-se na cama, lutando contra os pensamentos pecaminosos que o invadiam… Uma vez, num momento de fraqueza, quase quebrou seu voto de castidade com Lurdinha, uma irmã da igreja, e doía lembrar que chegaram a ficar nus na cama… Felizmente, no último instante, veio-lhe socorrer a certeza de que a mulher a quem entregaria a sua primeira vez não era Lurdinha, era outra, e ele venceu a tentação, para a glória do Senhor.
Agora, sua amada estava ali, dizendo que gostava dele apenas como amigo e parceiro profissional, sem nem imaginar o que ele passou naqueles cinco anos, o quanto lutou contra seus próprios desejos…
Agora, Fátima sabia de seu amor por ela. E se soubesse que estava destinada a ser sua mulher? Talvez isso facilitasse as coisas…
‒ A nós dois ‒ ele enfim falou, estendendo sua taça. E o tilintar dos vidros selou a continuação do compromisso iniciado cinco anos antes. Aquilo que só Miltinho sabia seguiria com ele, apenas com ele.
* * *
A vida, entretanto, reservava uma grande surpresa. E ela começou com sensações de fraqueza, câimbras e espasmos. Durante um ano inteiro, Fátima consultou vários médicos, até descobrir que era vítima de uma doença degenerativa rara, que não prejudicaria suas capacidades mentais, mas afetaria seus músculos e dificultaria cada vez mais os movimentos. Havia opções de tratamento, mas a cura era incerta.
O diagnóstico deixou Fátima muito abalada, e Miltinho mais ainda, embora tenha conseguido se controlar. Ele sabia que agora ela necessitaria dele mais que nunca. Então, mesmo com a resistência de Fátima, que não aceitava deixar de trabalhar, ele cancelou todos os compromissos profissionais, inclusive a gravação do quinto disco, para que se dedicassem totalmente à recuperação de sua saúde. Nas redes sociais, Anja Fátima anunciou ao seu querido público que interromperia por um tempo a carreira para fazer um retiro espiritual.
Dois anos após os primeiros sintomas aparecerem, de tentarem variados tipos de tratamento e verem que a doença evoluía ainda mais rapidamente, eles compreenderam que não havia mais o que pudesse ser feito. Então, decidiram mudar de ares e compraram uma casa na serra onde morariam juntos e ele poderia cuidar dela longe da imprensa bisbilhoteira e dos falsos amigos.
Fátima já estava com os movimentos do corpo bastante reduzidos e se cansava facilmente. Para Miltinho, assistir diariamente e de pertinho à decadência física da mulher que tanto amava era a maior das torturas, e à noite, após ela adormecer, ele ia para a varanda e permitia-se chorar, e rezava por horas, agarrado ao último fiozinho de esperança.
Um dia, ela o chamou ao quarto, onde, deitada na cama, via o vídeo do último show que fizera antes de interromper a carreira, um ano antes.
‒ Anja Fátima… É um bonito nome, não é, Miltinho?
– Sim, é lindo. Combina com você.
– Pena que não passa de uma ilusão.
Miltinho procurou algo para dizer, mas ela prosseguiu:
– Por que ele me deixou viver essa ilusão? ‒ ela perguntou, olhando a tela da tevê.
‒ Você sabe que não foi uma ilusão.
‒ Você sabe que foi, sim. Anja Fátima confiou nele, seguiu o caminho que ele indicou, um caminho de sonho, de felicidade… Pra quê? Pra, de repente, acordar nesse pesadelo real.
Miltinho entendia a revolta que ela sentia, e todos os dias rezava para que o Senhor a perdoasse por aquelas blasfêmias que ela dera para dizer.
‒ Mas eu gosto de rever as imagens dessa ilusão ‒ ela falou, e lhe apontou o controle remoto. ‒ Põe de novo, por favor.
Ele pegou o controle e pôs o vídeo no início. Mas ela já havia adormecido. Então, ajeitou sua cabeça no travesseiro e saiu para a varanda, onde as estrelas do céu o aguardavam para iluminar seu pranto.
Na semana seguinte, era aniversário dela, e ele pensou em comprar um bolo, e também trocar a cortina do quarto por uma mais alegre, mas Fátima o proibiu de falar ou fazer qualquer coisa que a fizesse lembrar da data. E ele obedeceu, agindo como se fosse um dia qualquer. E à noite, na varanda, chorou como jamais chorara em toda a sua vida.
No último dia do ano, após ajudá-la a tomar banho, vestiu-a e a pôs na cama. Cobriu-a com um lençol e ajustou a temperatura do ar-condicionado.
‒ Miltinho, vem cá.
Ele se aproximou e sentou ao seu lado.
‒ Você tem sido maravilhoso comigo, e eu tive muita sorte de ter você em minha vida. Quero te agradecer por tudo, mais uma vez. Obrigado.
‒ Não tem o que agradecer. Fiz tudo por amor.
‒ Espero que faça bom uso dessa casa, ela é ótima. E de todo o resto que vai herdar. Ainda tem um bom dinheiro na conta.
‒ Não vamos falar disso, por favor. Amanhã é ano novo e…
‒ Eu sei ‒ ela o interrompeu. ‒ E tenho um pedido especial pra fazer.
‒ Posso saber qual é?
‒ Deve, pois é pra você mesmo.
‒ Qual é?
‒ Eu não quero morrer virgem.
Miltinho achou que não escutara direito.
‒ Não entendi.
‒ Entendeu, sim. É o meu último desejo. Não seja cruel de negar.
Ele simplesmente não soube o que dizer.
‒ Ouviu, Miltinho? Sua amada não quer morrer virgem.
‒ Está na hora do lanche, vou pegar ‒ ele falou, levantando-se.
‒ Foda-se o lanche. Senta e me escuta.
‒ Fátima, você…
‒ Senta!
Ele suspirou e obedeceu.
‒ Tudo que eu quero é isso, não morrer virgem. E só você pode me ajudar. Entendeu?
Miltinho fechou os olhos, sentindo o coração disparar no peito.
– Você seria tão desumano a ponto de negar o último desejo de uma moribunda? Você quer ir pro Inferno?
Ele suspirou. Ele conhecia bem aquela determinação.
‒ Fátima, você está muito fraca, não percebe?
‒ Isso não vai me exigir muita força.
‒ Mas…
‒ Ficarei quietinha, é só abrir as pernas.
Ele virou o rosto, sem acreditar naquele diálogo.
‒ Miltinho, eu não quero e não vou virgem pro Céu. Pro Inferno, que seja. Não vou. Entendeu?
‒ Não fale assim, por favor…
‒ Então diga que vai me ajudar. E que vai guardar nosso segredo.
‒ Não posso… É pecado.
‒ Pecado foi eu ter economizado a buceta por todos esses anos pra glória do Senhor, isso sim. E o cu também. Porque você sabe que lá na igreja tinha muita irmã que era virgem só na frente, né? Faziam voto de castidade pela metade. Pois sim, agora que eu vou morrer, de que adiantou tanto sacrifício, heim?
Ele levantou e caminhou até o outro lado do quarto. A vontade do Senhor, afinal, se cumpria. Não exatamente da forma que ele imaginava, mas quem pode adivinhar os desígnios divinos?
‒ Tudo bem. Amanhã mesmo vou naquela igreja, eu conheço o pastor de lá.
‒ Fazer o quê?
‒ Vamos nos casar, ora. Pra que se cumpra a vontade do Senhor.
‒ Bem, isso era outra coisa que eu tinha pra dizer.
‒ Como assim?
‒ Não quero que seja com você.
Ele ficou olhando para ela, sem acreditar no que ouvira. Ela estava brincando, só podia estar.
‒ Estou falando sério. Quero que seja com outro homem.
‒ Mas… como assim?
‒ Outro homem. Você, não.
‒ Mas… por que não eu?
‒ Bem, não há outro modo de dizer isso. Eu quero que seja com um homem… do pau grande.
Ele sentiu-se desmoronar.
‒ Desculpa trazer a sua intimidade para essa conversa, mas foi o jeito. Eu sei do que estou falando. Lembra da Lurdinha, da igreja? Ela me contou.
Miltinho não sentia o chão. Precisou puxar a cadeira e sentar.
‒ Pague o que for necessário, entendido?
Miltinho já não escutava. Aquilo era um pesadelo.
‒ Você vai fazer isso por mim, não vai?
* * *
Miltinho foi ao balcão da cozinha, serviu uma dose de uísque e entregou o copo ao homem que o aguardava na sala, sentado no sofá. E sentou de frente para ele.
‒ Não vai me acompanhar? ‒ o homem perguntou.
‒ Eu não bebo.
Precisara ir a um prostíbulo na cidade vizinha para pedir informações às mulheres que lá trabalhavam. Indicaram aquele homem. Devia ter a sua idade, boa aparência, parecia ser confiável.
‒ Não sei se entendi bem a proposta. Você quer que…
‒ É exatamente o que falei ‒ Miltinho o interrompeu, um tanto impaciente. ‒ Quero que você seja o primeiro homem da minha mulher. Você só tem que ser cuidadoso com ela. E não estranhe se ela não se mexer muito, ela tem um problema muscular, mas está perfeitamente ciente da situação.
‒ Isso não vai me trazer complicação depois, né?
‒ Nenhuma, eu garanto. Aqui está o pagamento ‒ Miltinho entregou ao homem um envelope. ‒ E nessa sacola tem preservativo e lubrificante.
O homem abriu o envelope e conferiu. Ainda não acreditava que estava sendo pago para fazer aquilo. Bem, o que importava é que era tudo de comum acordo. E dentro daquele envelope tinha mais dinheiro do que o que ganhava no mês inteiro como garçom da pizzaria.
‒ Ela está aguardando ‒ disse Miltinho, levantando-se. ‒ É a terceira porta à esquerda. Não precisa bater.
Os trinta minutos seguintes demoraram mais que a eternidade inteira para Miltinho. Ele preferiu esperar no jardim, regando as plantas e tentando se entreter com as borboletas para não pensar no ciúme que naquele momento o corroía por dentro feito a lava ardente do Inferno.
Quando o homem surgiu na varanda, ele se dirigiu ao portão da casa e o abriu. O homem desceu o batente, caminhou até o portão e parou.
‒ Fique tranquilo, não foi minha primeira vez com uma virgem.
Miltinho fechou o portão e entrou na casa. Suas pernas levavam todo o peso do mundo.
Na penumbra do quarto, Fátima o aguardava na cama. Ela tinha os olhos fechados e respirava calmamente. Ele ligou o abajur e viu uma mancha escura no lençol.
‒ Não precisa me levar pro banheiro agora ‒ ela disse, sem abrir os olhos. Em seus lábios Miltinho percebeu um sorriso. ‒ Quero ficar assim mais um pouco. Por favor.
‒ Você está bem?
‒ Então era isso…
‒ Isso o quê?
O sorriso em seus lábios abriu-se como uma flor.
‒ O que eu estava perdendo.
* * *
‒ Aceita um uísque?
‒ Não, obrigado.
Miltinho sentou-se em frente ao homem, que o olhava curioso.
‒ Como já expliquei, quero que você transe com a minha mulher. Você tem apenas que ser cuidadoso. Se ela não se mexer muito, não estranhe, ela tem um problema muscular. Mas está perfeitamente ciente do nosso acordo.
‒ Entendido.
‒ Aqui está seu pagamento. Na sacola tem preservativo e lubrificante. É a terceira porta à esquerda. Ela o aguarda.
No jardim, regando as plantas, Miltinho suspirou. Ainda não acreditava que aquilo tudo estava realmente acontecendo. Seis meses antes, realizara o desejo de Fátima, do jeito que ela lhe pedira. Felizmente, tudo correu bem. Aliás, bem demais, pois Fátima melhorou, ficando mais disposta. Até voltou a sorrir. Ele, obviamente, ficou aliviado, e pensou que talvez aquilo não fosse, afinal, um pecado tão grande. O problema é que, três dias depois, ela disse que queria mais.
E assim foi que ele teve de especializar-se naquele novo ramo de atividade: selecionar homens do pau grande para satisfazer o desejo da mulher amada. Como ela mudara muito fisicamente após a doença, não havia risco de a reconhecerem. E quanto ao ciúme, acostumou-se com ele, fazer o quê?
Enquanto eram dois por semana, até que era tranquilo, mas logo depois eram três, depois quatro, e por fim, Fátima precisava de visitas diárias, pela manhã e à tarde, o que o obrigou a manter uma agenda muito bem organizada para revezar os visitantes ao longo do mês e não agendar por engano dois para o mesmo horário, embora desconfiasse que Fátima iria gostar disso.
Não era o pior trabalho do mundo. Os visitantes eram muito respeitadores e mantinham total discrição, até porque não é todo dia que se podia conseguir uma boa grana tão fácil. Alguns indicavam amigos e parentes para o serviço, o que Miltinho apreciava, pois lhe poupava trabalho.
– Sim, aceito indicações – ele respondia, pegando o caderno para anotar. – Só precisa ter o negócio grande.
* * *
Naquele domingo, Miltinho regava as plantas no jardim enquanto pensava no tempo. Um ano. Até o médico com quem conversou outro dia ficou surpreso. Um ano era uma sobrevida excepcionalmente longa para um paciente no estado em que Fátima se encontrava. Um caso raríssimo. Se eu fosse religioso, diria que é um verdadeiro milagre, dissera o médico. E ao ser perguntado se estava experimentando algum novo tipo de tratamento, Miltinho respondeu que não, que tinha certeza de que aquilo era um milagre, um lindo milagre para a glória do Senhor.
O que importava é que sua amada estava feliz, e isso lhe bastava. Mesmo muito magra, quase um graveto, precisando de ajuda para as mínimas tarefas e já sem conseguir falar, comunicando-se por sinais, Fátima estava feliz, e vê-la sorrir todos os dias era, para Miltinho, o sinal de que ele fizera o que devia fazer. Realizara o último desejo de sua amada. Bem, na verdade os últimos desejos. Para ser preciso, 576 desejos até aquele exato momento, o que significava que o saldo da conta estava pela metade do que era um ano antes.
Pensava nisso quando o homem surgiu à porta da varanda. Era a décima-quinta vez dele.
‒ Acho bom você ir ver sua mulher ‒ ele falou, sério.
Miltinho fechou o portão e foi para dentro da casa. Entrou no quarto devagar, como sempre fazia para não acordar Fátima. Ela estava deitada, os braços estendidos ao longo do corpo. E sorria. Ele já conhecia seu sorriso de felicidade, mas aquele era diferente. Era o sorriso da mais pura paz.
Ajeitou seu corpo magro em seus braços e foi com ela para o banheiro. Limpou-a bem, enxugou e a levou de volta para a cama, deitando-a com cuidado e acomodando a cabeça sobre o travesseiro. Observou aquele fiapo de corpo nu por algum tempo, enquanto uma lágrima escorria por seu rosto. Depois, estendeu a mão e fechou os olhos que ainda o olhavam sorridentes. E se despiu, sem qualquer pressa, posicionando-se a seguir sobre o corpo imóvel, com muito cuidado.
O domingo anoitecia quando Miltinho afastou as pernas de sua amada e fez cumprir-se a vontade divina.
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Ricardo Kelmer 2020 – blogdokelmer.com
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ILUSTRAÇÃO: Omnia Vanitas (“Tudo é vaidade”), 1848, de William Dyce (1806 – 1864)
Uma advogada que adora fazer sexo por dinheiro… Um ser misterioso e sensual que invade o sono das mulheres… Os fetiches de um casal e sua devotada e canina escrava sexual… Uma sacerdotisa pagã e seu cavaleiro num ritual de fertilidade na floresta… A adolescente que consegue um encontro especial com seu ídolo maior, o próprio pai… Seja provocando risos e reflexões, chocando nossa moralidade ou instigando nossas fantasias, inclusive as que nem sabíamos possuir, as indecências destes 23 contos querem isso mesmo: lambuzar, agredir, provocar e surpreender a sua imaginação. > saiba mais
Nos contos de Ricardo Kelmer, o erótico pode vir com variados temperos: romantismo, humor, misticismo, bizarro, horror… Às vezes, vem doce e sutil, ou estranho e avassalador, e às vezes brinca com nossas próprias expectativas sobre o que seja erótico. Explorando fetiches, fantasias, delírios e tabus, e até mesmo experiências reais do autor e de seus leitores, as estórias deste livro acabam de chegar até você para apimentar seus dias, e suas noites, de quarentena. > saiba mais
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COMENTÁRIOS
01- Muito bom! Clea Fragoso,Fortaleza-CE – dez20221
02- Dale, Kilmito, bacana o conto, a gente fica na expectativa de como vai finalizar, me lembrou algo de Ondas do destino, do Lars von Trier, mas claro q noutra pegada autoral, abç. André de Sena, Recife-PE – dez2021
03- Do caralho, o texto! Roberto Maciel, Fortaleza-CE – dez20221
A casa recebe a todos os amantes da crônica, homens e mulheres, mas lá não posso ir, pois sendo eu o pai, as meninas não se sentiriam à vontade com minha presença
UMA TARDE NA PENSÃO DAS CRÔNICAS DADIVOSAS
. Para onde vão as crônicas que começo a escrever e jamais termino? Vão para o Limbo das Crônicas, coitadas, e lá ficam a viver sua triste vida de quase ser, eternamente à espera de serem retomadas e concluídas. Melhor seria ir logo para o Lixão das Crônicas, o destino das que são definitivamente descartadas. Sim, pois no Lixão elas ao menos sabem que não estão mais em meus planos, e isso lhes deixa livres para fazer o que quiserem, tocar a vida, talvez recomeçar como um conto…
Recentemente descobri, veja você, que minhas crônicas que adoram se exibir vão para a… Pensão das Crônicas Dadivosas. É um palacete meio decadente, na saída da cidade. Dona Jovelina, minha professora do primário, a quem eu gostava de presentear com bobos poemas, é a senhoria da pensão, e lá ela recebe as crônicas recém-chegadas do interior. Do meu interior, claro. Algumas são virgens, nunca foram publicadas, mas há também as semivirgens, que se deram à vista apenas na intimidade do meu blog. A casa recebe a todos os amantes da crônica, homens e mulheres, mas lá não posso ir, pois sendo eu o pai, as meninas não se sentiriam à vontade com minha presença. Que pena.
Imagina se eu não iria… Claro que sim. Investi-me, pois, da melhor cara de pau e numa tarde dessas fui lá. Mas me disfarcei bem, pus cavanhaque postiço, chapéu, óculos escuros. Chegando à porta, me deu um nervoso e pensei em desistir, mas de uma janela no primeiro andar, duas moçoilas sorridentes acenaram para que eu subisse. E não resisti.
Simpática, dona Jovelina me recebeu e guardou meu casaco. Apresentou-me ao Belchior, um gato preto que veio me conhecer, e explicou que os clientes só pagam se sobem com as moças para os quartos. Ela serviu um Jack Daniel´s e me conduziu ao salão, onde me instalou numa confortável poltrona. Cumprimentei aos outros clientes que lá estavam e aguardei, bebericando uísque e ouvindo o pianista tocar uns blues.
Com o coração batendo forte eu as vi descendo a escada para nos receber, uma dúzia delas. Que notável visão! Eram as minhas meninas, tão mimosas… Logo, o salão estava tomado por conversas misturadas, risos à solta e copos tilintando em brindes ao som do blues. Era um tanto estranho ver minhas filhotas assim, tão oferecidas, insinuando-se generosas para desconhecidos, mas me senti orgulhoso delas. Em meu blog, elas podiam ser lidas por todos, sim, mas somente ali, de fato, elas eram inteiramente livres para praticar a arte da sedução para a qual deveras nasceram.
Identifiquei a todas facilmente, umas mais sérias, outras divertidas, algumas de trejeitos exagerados, outras mais tímidas… Aos meus olhos, eram todas igualmente encantadoras. Recebi convites para subir, mas recusei a todos, delicadamente, até que no salão restamos somente eu, o Belchior a lamber a patinha sobre o piano e o pianista tocando Divina Comédia Humana em sua homenagem. Não gostou de nenhuma das meninas, cara?, ele me perguntou, e eu não soube o que responder. Na verdade, esse senhor é apaixonado por todas elas, falou dona Jovelina, entrando no recinto. Enquanto sorria cúmplice e me entregava mais um uísque, emendou: Estou errada? Sorri de volta, concordando, e ela me fez sinal para segui-la. Enquanto subíamos as escadas, e Belchior a nos seguir os passos, sussurrou-me que as meninas não desconfiaram, mas ela sabia quem eu era e estava honrada por minha presença em sua casa. Agradeci, encabulado por ter sido descoberto.
Lá nos quartos, o que elas fazem?, perguntei. Ora, respondeu, elas se deixam ler, quantas vezes o cliente ou a cliente quiser. E contou que naquela manhã chegara uma nova inquilina, que eu deveria vê-la. Então levou-me ao quarto do fim do corredor e abriu a porta lentamente. Na penumbra, vi uma jovem deitada na cama a dormir. Não reconhece?, chegue mais pertinho… Aproximei-me da cama. Dona Jovelina puxou o lençol e o corpo da menina surgiu, nu e encolhido, a pele branquinha, o cabelo negro em mimosos caracóis a emoldurar-lhe o rosto suave. Era linda… Ressonava como o som da brisa nas folhas da mangueira, e o perfume que exalava tinha o doce frescor das novidades. Sim, eu a conhecia, surgira na semana anterior, e desde então rondava insistente meus pensares. A senhoria explicou que ela era ainda uma promessa, mas que esperava para breve a sua gloriosa estreia na casa. Contamos com você, beibe, ela disse, beliscando minha bochecha. Miaaaau, disse Belchior, reforçando o compromisso, enquanto saltava e se aninhava ao lado da menina adormecida. Prometi que faria o possível para não decepcioná-los.
Assim sendo, aos amigos e amigas amantes da crônica comunico em primeiríssima mão que tem novidade na Pensão. Apareçam qualquer dia para conhecê-la. O uísque é por minha conta.
Nesta seleção de textos, escritos entre 2007 e 2017, Ricardo Kelmer exercita seu ofício de cronista das coisas do mundo, ora com seu humor debochado, ora com sobriedade e apreensão, para comentar arte, literatura, comportamento, sexo, política, religião, ateísmo, futebol, gatos e, como não poderia deixar de ser, o feminino, essa grande paixão do autor, presente em boa parte desta obra. SAIBA MAIS
Inspiração, essa vadia– E não adianta argumentar, seu signo é a urgência. Desejo não é coisa que se adie, ela sempre diz
Livros e odaliscas – Meia-noite. Volto do banho. Elas estão todas deitadas em minha cama, lânguidas odaliscas a me aguardar
O menino e o feminino misterioso – Esse instante numinoso em que o Feminino Sagrado mostrou-se pra mim, sob a meia-luz de seu imenso mistério
Divina comédia humana – Um conto inspirado na música de Belchior e no poema de Dante Alighieri
Tábata, a mulher barata – Não fazia parte dos meus planos ter uma secretária ninfômana, alcoólatra e escandalosa, mas fazemos uma boa dupla no mundo das investigações sexuais
O segredo da princesa prometida – Ele é um cantor famoso, e ela é uma garota num vestido preto que quer realizar seu sonho secreto
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. Ariadne leu, num livro de contos, uma história sobre uma mulher que era praticante de fisting. Taradinha como é, ela logicamente ficou muito curiosa. Desde então, passou a me pedir sempre pra enfiar a mão em sua buceta, e logo essa prática estava devidamente incluída em nossas transas. Com o tempo, eu conseguia meter a mão até o punho, deixando de fora só o relógio, e minha amante ficava excitadíssima, e adorava se masturbar com a minha mão toda dentro dela. Ah, eu achava incrível aquela sensação de ter a mão inteira dentro de uma mulher.
Passamos umas semanas sem nos vermos. Quando nos reencontramos, ela me disse no ouvido: Amor, enlargueci minha buceta, quer conferir? Claro que eu quis. Em seu apartamento, deitada na cama, as pernas abertas, ela pediu que eu lhe enfiasse uma laranja. Obedeci. E a laranja entrou toda em sua buceta, uau… Depois, tirei a laranja e ela me entregou uma manga. Tem certeza?, perguntei, temeroso, era uma manga enorme. Ela tinha. Eu obedeci. E a danada da manga entrou toda, sumindo lá dentro. Caramba. Como estava madura e suculenta, fiz um furo na ponta e chupei a manga assim mesmo, como se chupasse suco de manga diretamente da buceta de Ariadne. Olha, foi algo indescritível. Nessa noite, minha amante foi uma mangueira deveras generosa. Felizmente, ela não pretendia experimentar com um abacaxi.
Ariadne continuou praticando, e um dia me pediu pra enfiar as duas mãos. Não acreditei que seria possível, mas topei a parada, aquilo tudo me excitava muito também. E nessa noite vi, com meus próprios olhos, as minhas mãos, as duas juntas, palma com palma, sumirem inteiras dentro dela. E ela ainda pediu pra eu fechá-las. E eu obedeci. Quer ver como foi, quer? Tô falando com você, você mesmo, que agora me lê. Quer ver como foi? Junte as palmas de suas mãos, como se rezasse. Juntou? Agora, una os antebraços. Uniu? Agora feche as mãos, mas não com os dedos entrelaçados, feche as duas separadamente. Pois bem, era isso que estava no interior da buceta de Ariadne, duas mãos fechadas pra seu imenso prazer, e pro meu total encantamento. Incrível, não? Mas o próximo nível seria ainda mais incrível: ela um dia exigiu que eu lhe enfiasse o pé, eu que calço 43. Animado, cortei as unhas, lavei bem lavadinho e, ploft, enfiei o pé na jaca de Ariadne, e ainda mexi os dedos, pra total delírio dela, e meu também.
Achei que ela havia atingido seu limite no fisting, porém uma noite… Eu estava chupando sua buceta e ela, com as duas mãos, me puxava a cabeça ao seu encontro. Minha língua foi entrando, entrando, e meu nariz foi entrando, meu queixo, meu rosto, e de repente lá estava meu rosto inteiro dentro de Ariadne, e ela forçando minha cabeça pra dentro, forçando, até que quando restavam apenas as orelhas de fora, ela perguntou se eu topava entrar de vez. Fiz sinal de positivo com o polegar e… pufff, minha cabeça entrou, entrou inteiramente em sua buceta, até o pescoço. Uau. Aquilo era absolutamente incrível. Nesse momento, porém, me assustei, e comecei a sentir uma espécie de vertigem. Tentei puxar a cabeça, mas não consegui, as mãos de Ariadne não permitiam, e enquanto eu sentia faltarem as forças, percebi que ela estremecia, estremecia cada vez mais, até que ela se sacudiu que nem uma máquina de lavar descontrolada, e eu apaguei.
Quando despertei, estava tudo escuro e silencioso à minha volta. Onde diabos eu estava? Tenho pavor de escuridão, e aquele era o lugar mais escuro do mundo. E também era quente e úmido. Pus-me de pé, mas o chão era mole e irregular, e perdi o equilíbrio, caindo de joelhos. Procurei no bolso o meu celular, pra iluminar aquele lugar estranho, mas eu estava nu. O lugar tinha um cheiro familiar… Era o cheiro da buceta de Ariadne. Eu estava dentro da buceta da minha amante?! Caramba… Então, lembrei de nossa transa, minha cabeça entrando… Eu havia caído dentro dela, que loucura… Comecei a gritar, Ariadne!, Ariadne!, mas apenas o eco me respondeu. Me veio a lembrança de Jonas dentro da baleia… Será que ela sabia que eu estava lá dentro?
Tentando controlar o pavor, comecei a caminhar, precisava logo encontrar a saída. Mas, e se eu tomasse a direção errada? E se desse de cara com um óvulo tarado querendo ser fecundado? Será que ele me confundiria com um espermatozoide? Tentei lembrar das aulas de biologia, a anatomia feminina. Mas não lembrei de nada, a não ser da minha irritação por ter que decorar onde ficavam as tubas uterinas se aquilo era uma informação que eu jamais, em toda a minha vida, precisaria usar ‒ a não ser, é claro, se eu um dia caísse dentro da buceta de uma mulher. Tubas uterinas, eu não quero ir pra esse lado aí não!, gritei, e o eco apenas gozou da minha cara: pra esse lado aí não, lado aí não, aí não…
Parei de caminhar e tentei me acalmar, precisava me concentrar. Se eu alcançasse o estômago, poderia escalar o esôfago e sair na garganta, e Ariadne me vomitaria. Mas acho que a buceta da mulher não se comunica com o estômago, é mais provável que se ligue ao coração. Mas o que eu faria no coração de Ariadne, ela nunca me quis lá. Melhor pensar um pouco mais. Talvez ela logo sentisse vontade de mijar, ou menstruasse, e aí eu aproveitaria a corrente e sairia daquele labirinto. Seria perfeito… se eu não morresse afogado. Melhor não arriscar.
Caramba, ali estava eu, sozinho e perdido numa caverna escura, sem ideia de como sair. Lembrei de Júlio Verne, Viagem ao Centro da Terra… Lembrei de Jung e seu inconsciente coletivo… E se todas as bucetas fossem interligadas? Tipo assim: na verdade, uma buceta é apenas a porta de entrada de um complexo e misterioso sistema subterrâneo de túneis e galerias, o que permite que você entre em uma buceta e saia em outra. Hummm, não seria de todo ruim, mas melhor também não arriscar, vai que eu entro numa buceta qualquer por aí e saio justo na de minha mãe, já pensou, nascer de novo a essa altura do campeonato?
Enquanto analisava as possibilidades, tudo em volta se mexeu e caí novamente. Tentei me levantar, mas tudo se mexia, que negócio era aquilo, um terremoto vaginal? Então, de repente, póim, fui atingido na cabeça por um… por uma… que diabo afinal me atingira? Fiquei quieto na escuridão, esperando, e a coisa me atingiu novamente, póim. E de novo, e mais uma vez, póim, póim, e cada golpe me empurrava mais longe… Putz, aquilo era um pau! Alguém estava comendo a Ariadne. Póim, póim, póim. E comendo com vontade. Quem seria? Lembrei do Janjão. Caramba, Ariadne, qualquer um, menos o Janjão, por favor. Mas bem podia ser o Janjão, sim, Ariadne sempre teve queda por esses tipos xexelentos. Morrer dentro de uma buceta não seria um triste fim, mas esmagado logo pelo pau do Janjão?
Não, uma mulher não seria tão tarada a ponto de dar pra um cara com outro dentro dela. Ou seria? Bem, talvez Ariadne quisesse justamente me socar bem pro fundo dela, de onde eu jamais pudesse sair. Seria Ariadne, na verdade, uma devoradora de homens, que havia treinado alargamento bucetal como parte de seu maquiavélico plano de prender seus amantes dentro dela? Mas pra quê? Talvez pra nos exibir em despedidas de solteiras, sim, era bem possível, ouvi falar que rola de tudo nessas festinhas. E como ela nos alimentaria? Jogando quentinhas lá dentro? A minha sem farofa, por favor. Pelo menos nos daria de vez em quando umas cervejas? Abriria uma brecha aos domingos pra gente poder ver o futebol?
Só me restava uma opção: me agarrar ao pau do Janjão, se é que era o pau dele, e aguentar firme até a hora do desgraçado resolver sair, e torcer pra sair logo, se bem que pelo que eu conhecia da Ariadne, ela não deixava ninguém sair antes de pelo menos umas quatro horas. Apavorado com a possibilidade de ter me tornado vítima de uma cruel buceta engolidora de homens, e não aguentando mais aquela cobra caolha me encher de porrada, póim, póim, póim, me agarrei nela com todas as minhas forças, segurei o ar e me deixei levar…
Quando abri os olhos, estava na cama, ao lado de Ariadne.
‒ Tá tudo bem, gato?
‒ Cadê o Janjão? ‒ perguntei, procurando embaixo da cama.
‒ Sei lá, por quê?
Aos poucos, me acalmei, estávamos no quarto dela, e não havia ninguém além de nós dois.
‒ Você foi muito fundo. Tive que te puxar com meu vibrador.
Ah, foi com o vibrador, ufa. Caramba, que aventura louca…
‒ Você gostou do meu interior?
‒ Foi um tanto assustador. Mas… até que foi emocionante.
‒ Eu adorei. Vamos fazer de novo na sexta?
‒ Tá, pode ser. Mas vou entrar com um GPS.
‒ Pra quê?
‒ Pra não me perder, ora.
‒ Alôôôu… Lá dentro não tem sinal, gato.
‒ Sério? Por quê?
‒ Pergunte pra Natureza.
‒ Ah, não. Sem GPS eu não entro.
‒ Homem é muito medroso mesmo.
‒ Vocês é que são grandes demais.
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(Este conto integra a série Interações da Sacanagem, com contos baseados em termos de busca no Blog do Kelmer. Divirto-me bastante vendo os termos que as pessoas usam nos mecanismos de busca e que as fazem chegar em meu blog. Termos deste conto: contos enlargueci minha buceta enorme.)
Uma advogada que adora fazer sexo por dinheiro… Um ser misterioso e sensual que invade o sono das mulheres… Os fetiches de um casal e sua devotada e canina escrava sexual… Uma sacerdotisa pagã e seu cavaleiro num ritual de fertilidade na floresta… A adolescente que consegue um encontro especial com seu ídolo maior, o próprio pai… Seja provocando risos e reflexões, chocando nossa moralidade ou instigando nossas fantasias, inclusive as que nem sabíamos possuir, as indecências destes 23 contos querem isso mesmo: lambuzar, agredir, provocar e surpreender a sua imaginação. > saiba mais
Nos contos de Ricardo Kelmer, o erótico pode vir com variados temperos: romantismo, humor, misticismo, bizarro, horror… Às vezes, vem doce e sutil, ou estranho e avassalador, e às vezes brinca com nossas próprias expectativas sobre o que seja erótico. Explorando fetiches, fantasias, delírios e tabus, e até mesmo experiências reais do autor e de seus leitores, as estórias deste livro acabam de chegar até você para apimentar seus dias, e suas noites, de quarentena. > saiba mais
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Germânia e Pablo querem um bebê, mas está difícil…
RECEITA DE NENÉM
. Após sete anos de casamento, Germânia e Pablo queriam muito ter um filho, mas as tentativas não logravam êxito, o que já causava desgaste na relação. Decidiram-se, enfim, pela inseminação artificial. No dia marcado, acordaram cedo e se dirigiram à clínica. Após uns minutos de espera, a funcionária veio e Pablo a acompanhou à sala de coleta.
‒ O material está sobre a mesa, seo Pablo, e aqui ao lado há um banheiro. Fique à vontade ‒ ela explicou, saindo e fechando a porta.
Sobre a mesa, além do material para coleta do esperma, Pablo viu várias revistas de mulheres nuas. Escolheu uma delas, sentou-se no sofá, esticou as pernas e começou a folhear. De repente, toc, toc, toc, alguém batia à porta. Ele levantou-se, pôs a camisa para fora para disfarçar o volume sob a calça e abriu a porta. Era Germânia. Por trás dela, a funcionária sorria sem graça, desculpando-se:
‒ Eu avisei à sua esposa que o senhor já estava em processo de coleta, seo Pablo.
‒ Vim só ver se tá tudo bem com meu maridinho.
‒ Tá tudo bem, meu amor ‒ respondeu Pablo, envergonhado. ‒ Pode voltar pra recepção.
‒ E essas revistas aí?
‒ O que é que tem?
‒ Mulher pelada? Não acredito. Que coisa mais brega.
‒ Germânia…
‒ Dá licença ‒ ela falou, entrando e pegando uma revista. ‒ Magda Cotrofe? Gente, essa mulher deve estar com 110 anos.
‒ Germânia, por favor…
‒ Rita Cadillac??!! Moça, vocês acharam essas revistas num museu, foi? Olha, as folhas tudo colada, que horror…
‒ Cuidado pra não rasgar, Germânia.
‒ E essa bebê aqui, quem é?
‒ É a Luciana Vendramini.
‒ Minha filha, isso já é pedofilia, vocês podem ser processados, sabia?
A funcionária sorriu, sem saber o que dizer.
‒ Essas aqui eu conheço. A loira e a morena do Tchan. Até meu pai comprou essa revista.
‒ É uma das mais solicitadas.
‒ Solicitadas? Como assim?
‒ Enviamos a relação das revistas e o cliente escolhe.
‒ Quer dizer que foi você quem escolheu, Pablinho? Que mau gosto…
‒ Meu amor, isso já está ficando um pouco ridículo…
‒ Ridículo é gerarmos uma criança com meu marido pensando nesse mulherio de papel, isso sim. Bora, vamo recolhendo essas breguices.
‒ Deixa pelo menos a edição especial com as trigêmeas.
‒ Nem trigêmea, nem bigêmea. Eu, heim, Pablinho. Tome, minha filha, pode levar tudo embora. Ele vai olhar é pra mim, que sou a mulher dele.
‒ Desculpe, mas a senhora não pode ficar aí dentro, são as normas.
‒ Já que é assim…
Germânia retirou da bolsa o celular.
‒ Acessa aí teu zap, Pablinho.
‒ Pra quê?
‒ Tô mandando minha foto na praia da Peroba. Você não disse que eu fico linda naquele maiô?
‒ Senhora, temos um horário…
‒ Vai dar tempo, minha filha. Meu marido é ligeirinho. Até demais, acredite em mim.
Pablo sentiu uma gota de suor lhe descer pelo rosto.
‒ Posso deixar meu celular aqui pra filmar?
‒ Infelizmente, não, senhora.
‒ Afff, quanta regra. Tá bom. Pablinho, posso confiar em você?
Pablo fechou os olhos. Não acreditava que aquilo estava acontecendo.
‒ Posso ou não posso?
‒ Pode, meu amor.
Ela sorriu, satisfeita, e o beijou na boca.
‒ Eu e nossa futura filha agradecemos. ‒ E, sussurrando para a funcionária, acrescentou: ‒ Eu sei que vai ser menina, sou bruxa. Vai se chamar Clara.
Germânia saiu e Pablo fechou a porta, suspirando. Pegou o celular e o material de coleta e dirigiu-se ao banheiro. Ele tentou, tentou novamente, deu um tempo, tentou outra vez… mas não conseguiu. Muita pressão, coitado.
Na recepção, ele procurava disfarçar a vergonha.
‒ Não se preocupe, senhor, isso é comum ‒ a recepcionista procurou tranquilizá-lo. ‒ Para quando agendo a nova data?
‒ Daqui a trinta dias ‒ respondeu Germânia.
‒ Não preciso desse tempo todo, meu amor.
‒ Mas eu preciso. Vou fazer umas fotos novas. Tô precisando.
Já faz seis meses e a data é sempre remarcada. É que Germânia é muito exigente com foto. Nesse tempo, um casal amigo os levou a uma aula de dança de salão e eles tomaram gosto pela coisa. No embalo da novidade, Germânia voltou para a academia e Pablinho iniciou uma dieta. Não é que o casamento deu uma esquentada? Ontem, inclusive, ela sentiu uns enjoos…
Uma advogada que adora fazer sexo por dinheiro… Um ser misterioso e sensual que invade o sono das mulheres… Os fetiches de um casal e sua devotada e canina escrava sexual… Uma sacerdotisa pagã e seu cavaleiro num ritual de fertilidade na floresta… A adolescente que consegue um encontro especial com seu ídolo maior, o próprio pai… Seja provocando risos e reflexões, chocando nossa moralidade ou instigando nossas fantasias, inclusive as que nem sabíamos possuir, as indecências destes 23 contos querem isso mesmo: lambuzar, agredir, provocar e surpreender a sua imaginação.
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Arlindo de dia, Michele de noite. De dia, no banco, de gravata. De noite, fazendo caridade na esquina
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A CIDADE DAS ALMAS BOAS
. Arlindo de dia. Michele de noite. Das dez às quatro na agência da Caixa da avenida Santos Dumont, todo sério, camisa social fechada no punho, gravata, cabelo penteado. Depois das nove da noite numa esquina da rua Clarindo de Queiroz, salto plataforma e uma minissaia de couro sem nada por baixo, para facilitar na hora de mostrar o pauzão enorme aos carros que passam pela esquina diminuindo a velocidade.
Uma noite, passava pouco das nove, quando o fusca parou, e ele, ou melhor, ela foi lá falar com o sujeito. Era um velhinho. Michele sorriu, hummm, velhinho que curte travesti, faltava um desse em sua clientela. Putz, sujeira, era aquele velhinho da agência, setenta e seis anos, que todo mês ia lá receber a aposentadoria com a mulher, seu Claudemiro e dona Núbia, os dois sempre juntinhos de braços dados, gostavam tanto dele que queriam que namorasse a neta, uma tal de Ilana, quem sabe não saía um casamento.
Mas o velhinho felizmente não reconheceu Arlindo naquela esquina penumbrosa. Também pudera, toda montada com aquela roupa, peruca, maquiagem. Michele abriu a porta do carro e o velhinho afastou o pacote de pão para ela sentar. Depois, no motel ali pertinho, ele pediu que ela fosse com jeito, era sua primeira vez. Michele foi com jeito, claro, mas seo Claudemiro, de quatro na cama, com o fundo de garantia para cima, logo largou de besteira e disse que ela podia depositar tudo, tudo que ele tinha direito, e Michele, sempre profissional, seguiu as ordens do cliente. Uma hora depois o velhinho pagou os cem reais, agradeceu e a deixou de volta na esquina, muito distinto ele.
No mês seguinte, quando o casal voltou à agência para receber a aposentadoria, Arlindo não notou nada de diferente no comportamento dele, tudo normal. Ainda bem. Horas depois, à noite, não é que lá estava o velhinho novamente parando o fusca na esquina penumbrosa? Michele sorriu, satisfeita pelo retorno do cliente. Ele afastou o pacote de pão para ela sentar e tomou o rumo do motel, e repetiram a dose.
Um mês depois, na agência, enquanto seo Claudemiro contava o dinheiro sacado, dona Núbia comentou com Arlindo que qualquer dia levaria a Ilana para ele conhecer, que ele ia ver só a belezura de neta que ela tinha, que ele ia se apaixonar, e depois falou que Fortaleza estava cada vez mais violenta, que seu marido, coitado, fora assaltado duas vezes nos dois últimos meses quando voltava da padaria, nas duas vezes lhe levaram cem reais, coitado, não respeitavam mais nem um pobre velho. Arlindo escutava, solícito. E era um dinheiro que fazia muita falta, prosseguiu dona Núbia, pois a aposentadoria era pouca, os remédios caros, o filho era doente e não podia ajudar, ô mundo ingrato, ninguém dá a mão a ninguém. Tenha fé, Arlindo consolou-a, tenha fé que Deus vai prover.
Pois não é que Deus proveu mesmo? Desde então, seo Claudemiro nunca mais foi assaltado na volta da padaria. Coincidentemente, e isso cá para nós, é claro, também nunca mais pagou pelo programa com Michele. É que ela passou a sortear, todo mês, um cliente para ganhar um programa grátis, e o velhinho tem uma sorte danada, ganha todas.
A senhora tem razão, dona Núbia, a cidade está muito violenta. Mas, se procurar, a gente encontra umas almas boas por aí.
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(Este conto integra a série Interações da Sacanagem, com contos baseados em termos de busca no Blog do Kelmer. Divirto-me bastante vendo os termos que as pessoas usam nos mecanismos de busca e que as fazem chegar em meu blog. Termos deste conto: travesti michele em fortaleza.)
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As amigas de Milena adoravam sacaneá-la por sua inexperiência sexual. Mas Milena jurou que isso acabaria no Cabaré do Papai
. BULLYING DE PUTARIA
. Milena sofria de bullying de putaria. Não é dos mais divulgados pela mídia, mas é um tipo de bullying terrível, estigmatizante ao extremo e causador de males difíceis de suportar, em especial para os adolescentes. Algumas pessoas superam o problema e seguem com suas vidas, mas outras infelizmente não, e para elas a vida se transforma num inferno diário.
O caso de Milena é exemplar. Mais novinha da turma, dezessete anos, todos os seus namoros haviam sido bem comportadinhos, com exceção do último, que durou apenas um mês mas, em compensação, lhe levou a virgindade, o que serviu para aliviar um pouco a pecha de santinha que ela carregava entre as amigas. Mas só um pouco mesmo, pois em comparação com o que elas faziam por aí, era como se ainda continuasse virgem. As amigas não tinham dó: aproveitavam toda oportunidade para humilhá-la com suas inacreditáveis histórias de putaria, cada uma mais deliciosa que a outra. Milena, arrasada, chorava de inveja na solidão de seu quarto. E, para piorar a depressão, ela era a única que nunca tinha ido ao Cabaré do Papai.
Ah, o Cabaré do Papai… As amigas enchiam a boca para dizer que era a festa mais maravilhosa da cidade, que só acontecia uma vez por ano, que era isso, que era aquilo e aquilo mais. Menor de idade e proibida por lei de frequentar certos lugares, à menina Milena só lhe restava sofrer seu bullying resignada, vendo as fotos e os vídeos das amigas na festa, em seus modelitos provocantes, todas elas sensualizando horrores e vivendo gloriosos momentos de diva. O jeito era esperar a maioridade, fazer o quê?
Por isso, quando foi anunciada a edição seguinte do Cabaré do Papai, Milena não pôde acreditar na odiosa coincidência: seria exatamente no dia anterior ao seu aniversário de dezoito anos. Ah, não, um dia antes? Era muito, muito azar. Teria que esperar pela edição do ano seguinte. Mais um ano inteiro de bullying. Mais doze meses de depressão.
Não, não, que azar que nada, Milena pensou melhor, sorte, isso sim, muita sorte. Iria à festa, iria sim, mas… tchan, tchan, tchan, chegaria à meia-noite, ninguém poderia proibir sua entrada. O Cabaré do Papai seria o carimbo oficial de sua nova vida.
E assim fez. Foi a sua tão sonhada iniciação na festa que as cruéis amigas tanto usavam para sacaneá-la. E foi uma iniciação, digamos, mais que completa. A santinha apareceu lá vestida como uma diabinha sexy, com tridente e chifrinhos vermelhos piscantes, fez um puta sucesso, todos queriam tirar foto com ela, recebeu mil cantadas, dançou com o barman em cima do balcão e, como se não bastasse, ainda ganhou o concurso Musa do Papai. As amigas, boquiabertas, não acreditavam no que viam.
A festa deixou Milena tão inspirada que ela decidiu iniciar-se também, naquela mesma noite, em outro tipo de festinha, já conhecida das amigas: o ménage à trois. E foi assim que a santinha, já não mais tão santinha, terminou a noite no motel com ninguém menos que o supergato cantor da banda e a namorada dele, lindíssima. E no motel, aproveitando o embalo dos seguidos orgasmos, decidiu que já era hora também de iniciar-se no sexo anal, pois, entre as amigas, só ela ainda não havia dado o bendito cu. Então, animada com o coroamento de sua noite de estreia na sagrada putaria, Milena pôs-se de quatro na cama e arrebitou bem a bunda, assessorada pela namorada do cantor supergato, que foi muito solidária e lhe deu todas as dicas para ela aproveitar bem a primeira visita pela porta de trás. Porém, após duas horas de show pesado e mais três horas de motel com um par de mulheres com o diabo nos couros, o coitado do cantor não tinha mais força nem para abrir o tubo de gel, de forma que Milena teve que se virar com a namorada mesmo, que acoplou à cintura um pau de silicone e, com muita competência, finalmente a livrou do triste time das virgens anais, missão cumprida.
Naquela manhã, Milena, agora com dezoito anos, chegou em casa feliz e realizada com sua tripla iniciação: Cabaré, ménage à trois e anal. Sim, anal com pau artificial de mulher, é verdade, mas onde estava escrito que precisava ser pau natural de homem? Sem falar que agora era vip permanente do Cabaré do Papai, não pagaria mais para entrar, que chique, heim, já pensou a cara de inveja das amigas? A ex-santinha Milena nem quis tirar a roupa: dormiu vestida de diabinha mesmo, com um sorriso maroto nos lábios e os chifrinhos vermelhos pendurados na porta do guarda-roupa, ainda lhe piscando os parabéns. Bullying de putaria nunca mais.
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(Este conto integra a série Interações da Sacanagem, com contos baseados em termos de busca no Blog do Kelmer. Divirto-me bastante vendo os termos que as pessoas usam nos mecanismos de busca e que as fazem chegar em meu blog. Termos deste conto: iniciação anal em cabaré.)
Uma advogada que adora fazer sexo por dinheiro… Um ser misterioso e sensual que invade o sono das mulheres… Os fetiches de um casal e sua devotada e canina escrava sexual… Uma sacerdotisa pagã e seu cavaleiro num ritual de fertilidade na floresta… A adolescente que consegue um encontro especial com seu ídolo maior, o próprio pai… Seja provocando risos e reflexões, chocando nossa moralidade ou instigando nossas fantasias, inclusive as que nem sabíamos possuir, as indecências destes 23 contos querem isso mesmo: lambuzar, agredir, provocar e surpreender a sua imaginação. > saiba mais
Nos contos de Ricardo Kelmer, o erótico pode vir com variados temperos: romantismo, humor, misticismo, bizarro, horror… Às vezes, vem doce e sutil, ou estranho e avassalador, e às vezes brinca com nossas próprias expectativas sobre o que seja erótico. Explorando fetiches, fantasias, delírios e tabus, e até mesmo experiências reais do autor e de seus leitores, as estórias deste livro acabam de chegar até você para apimentar seus dias, e suas noites, de quarentena. > saiba mais
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Uma estudante de psicologia vai a um congresso e descobre que em seu hotel está hospedado Luca, o cantor da banda Bluz Neon. Ela arma um plano para transar com ele, mas as coisas não saem exatamente como planejou
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AMADORAS
. Nunca contei isso pra ninguém, Verinha. Só vou te contar porque tu me contou aquela doidice que tu aprontou no casamento da Jardênia, é uma troca justa. Lembra daquele congresso de Psicologia em Natal, dez anos atrás, que tu, vacilona, não foi? Tá, eu sei que o idiota do Heitor não deixou, eu sei. Aliás, a melhor coisa que tu fez foi acabar aquele namoro, já te disse isso? Pois tá dito. Aquele Heitor era um galinha nojento, sabia, deu em cima até de mim. Eu sei, mulher apaixonada fica cega. Pois voltando ao congresso. Foi lá que aconteceu minha história bizarra. Não, eu ainda não tinha casado com o Nelson, mas já tava noiva. Fiquei num quarto com a Irene, lembra, que deu o golpe e casou com aquele deputado escroto, que este ano foi cassado. Ela mesma. Mas como ele foi cassado, é capaz dela agora querer o divórcio.
Deixa eu contar. Ficamos hospedadas num hotel bacana, pertinho da praia. Aquele esquema, a gente dava uma passadinha nas palestras, ia pra praia e depois caía nos agitos da noite com aquele bando de psicólogas taradas, tudo doida pra provar da culinária local. Irene, logicamente, fez a festa. Pra tu ter uma ideia, na sexta à tarde, na praia, ela ficou com um menino que devia ter no máximo quinze anos, sério, de noite agarrou o amigo dele no bar e de madrugada me expulsou do quarto pra dar pro taxista que levava a gente pros lugares. Tudo bem que o taxista era um gato, jeitão de surfista, mas tive que ficar lá embaixo na recepção esperando por duas horas, morrendo de sono. O que a gente não faz pela periquita das amigas, né?
Se eu tava comportada? Tu sabe que só quem fica comportado nesses congressos é o porteiro do hotel, né? E olhe lá. Mas até que eu tava quieta, acho que eu tava era exigente, sei lá. Aí, no sábado, quem eu vejo chegar no hotel, na hora que eu tava terminando o café? Então sinta, viaje, voe nesse toooooommm, foi pra você, meu bem, que compus esse blues de luz neon… Exatamente, a Bluz Neon. Eram eles, chegando do aeroporto. Tu sabe que eu tinha uma tara violenta no Luca, né, ia pros shows só pra ver ele cantando. Pois quando eu vi a banda chegando e soube que eles iam tocar num bar em Natal aquela noite, me deu uma coisa. Sabe quando, de repente, te dá uma intuição bem forte? De quê? Ora, de que naquela noite eu finalmente ia pegar o safado do Luca. Ia ser minha despedida de solteira.
Então, à noite, lá estava eu no Som de Cristal, o bar em que eles iam tocar, eu e meu pretinho básico, as coxas de fora, os peitos saindo, superconfiante na minha intuição. Eu no esplendor dos meus vinte e cinco anos, tudo durinho. Irene não quis ir, saiu com o filho do dono do hotel, um gatão lá que era cheio da grana. Fui sozinha mesmo pro bar, vi o show, que foi ótimo, e dispensei uns vinte chatos, tudo em nome do meu ídolo. No fim, toquei direto pro camarim, mas tinha muita gente, e quando consegui entrar, a banda já tava saindo de volta pro hotel. Ah, minha filha, eu dei uma de tiete descabelada, né, gritei, fiz escândalo. Mas o Luca nem olhou pra mim. Claro que tava bêbado, aliás, ele nunca fez um show sóbrio na vida, né?
Não, desisti não. Peguei rapidinho um táxi, fui pro hotel e esperei no saguão, sentadinha no sofá. Aí percebi que tinha uma moça no sofá da frente, uma morena bonita, da minha idade, e tava vestida ainda mais provocante que eu. Ela olhou pra mim, me analisou descaradamente e perguntou se eu também esperava pelo Luca. Pois é, outra tiete teve a mesma ideia, foi o que eu também imaginei. Na hora, pensei assim, ah, não, competir por homem é baixaria. Aí respondi que tava sim, mas que a gente podia resolver a questão no par ou ímpar. Falei de sacanagem, claro, mas era o que me restava, né, levar a coisa na gozação e sair de cabeça erguida. Aí ela riu e me explicou a situação. O nome dela era Gabriela, mais conhecida por Gabi, era puta e o Luca tinha contratado um programa com ela. Acredita? Sério, Verinha, um gato daquele pagando por mulher, pode? Só que ele tava demorando demais e ela tinha outro programa na sequência, e não podia faltar pois era um cliente supervip e coisa e tal. Tá, e eu com isso?, perguntei, sem entender onde a tal da Gabriela queria chegar. Pois ela disse assim, a gente tem um corpo parecido, o cabelo também, se você topar, você vai no meu lugar, ele não vai perceber, nunca me viu pessoalmente, esses caras de banda de rock são tudo maluquinho, bebem pra caramba, querem mais é fazer festa. Acredita nisso, Verinha? Pois foi. Eu? Fiquei passada, né, amiga? Claro que não topei. Agradeci a honra, levantei e subi pro quarto, deixei ela lá no saguão esperando o cliente.
Só que eu cheguei no quarto e tive uma revelação: putaquipariu, essa menina foi enviada por Deus! Ou pelo Diabo, né? Pra fazer cumprir a intuição que eu havia tido. Tchuuumm, desci correndo. Mas ela não estava mais no saguão. Corri pra frente do hotel e encontrei a menina já dentro de um táxi. Disse a ela que tinha mudado de ideia e que topava a parada. Ela me deu o cartão dela, disse que tinha acertado por quatrocentos reais. Voltei pro saguão, peguei o celular, acessei o site dela e vi as fotos. Eram bonitas, mas em nenhuma ela mostrava o rosto direito. Aí vi a ficha dela, vinte e dois anos, nível universitário, atende em hotel e motel, aceita homem, mulher e casal, e curte anal. Vixe, vou ter que fazer o sacrifício de dar o cu pro Luca, rá, rá, rá. Sim, ela tinha nível universitário, pelo menos na ficha do site. Mas tu sabe que elas põem isso pra valorizar mais o cachê, né? Tu acha que o cara vai pedir pra ela mostrar a carteirinha de estudante?
Logo depois o Luca chegou no saguão. Veio direto falar comigo, você deve ser a Gabi, né, desculpa a demora, o show atrasou. Juro que me deu vontade de dizer: agora só por quinhentos, garotão. Mas dei um sorrisinho meigo e falei que tudo bem. Ele se despediu dos outros caras da banda, que ficaram bebendo no bar do hotel, e subimos pro quarto dele. Nervosa? Eu tava nervosíssima, amiga, sozinha no elevador com meu ídolo e morrendo de medo dele descobrir que eu não era a Gabi. No elevador, meu coração pulava tanto que eu tinha certeza que ia ter um troço. Mas ele não percebeu nada, tava bem bebinho, rindo de tudo. E eu lá, sem saber o que falar. O que uma puta fala subindo no elevador com o cliente? Pelo que saquei da Gabriela, ela até tinha um certo nível, falava bem, então achei melhor ser eu mesma, só que falando menos. Eu era praticamente uma puta muda. E ele lá, você é mais bonita que no site, e eu: obrigado. Esse vestido fica perfeito em você, e eu: obrigado. Você é tímida mesmo ou tá jogando charminho? E eu: ahn, é que eu tenho medo de elevador. Rá, rá, rá. Já viu puta com medo de elevador, Verinha? Essa não sobe nunca na vida.
Entramos no quarto e a grana já tava separadinha, em cima da mesa. Quatrocentos paus, Verinha. Num só programa aquela menina faturava mais que eu o dia inteiro atendendo doido no consultório. Luca deixou a luz do quarto fraquinha, botou um DVD do Eric Clapton, pegou uma garrafa de uísque e serviu pra ele e pra mim. Todo gentil, o safado. Me deu de presente um CD da Bluz Neon e perguntou se Gabriela era meu nome verdadeiro, pra ele poder autografar. Fiquei no maior dilema. E aí, o que eu ia dizer? Na hora me bateu um medo e acabei dizendo que era, sim. Por isso que aquele meu CD tá autografado pra Gabriela, entendeu agora?
Ele perguntou se eu queria tomar banho também e eu disse que não, mas que ele não se preocupasse pois eu tava bem limpinha. Me arrependi na mesma hora, ah, sei lá, acho que uma puta jamais ia dizer isso, né? Mas ele achou engraçado, ainda bem. Eu virei a dose rapidinho, pra relaxar, precisava, né, tava a centímetros de transar com meu ídolo do underground. Ele voltou, todo cheirosinho, tirou a minha roupa e começou a chupar meus peitos. Ah, chupou bem, sim, sem machucar. Depois me deu um banho de língua, olha, fazia tempo que ninguém me dava um banho daquele, viu, foi tão bom que passou o nervosismo e… Quem? Nelson? Que Nelson o quê, minha filha, desde que a gente casou que o Nelson esqueceu que tem língua, ô tristeza. Mas quanto a isso, eu tenho minhas alternativas, ah, claro que eu tenho, e tu conhece quem é a alternativa. Mas isso é outra história, depois eu conto, deixa eu voltar pra Natal. Aí o Luca começou a chupar minha buceta, e eu pensava assim, caramba, ele faz isso com uma puta? Depois me toquei que puta não é necessariamente uma mulher suja, né, aliás, se elas não forem limpas e bem cuidadas, quem vai querer, a concorrência é grande.
Então. Aquele safado me deixou num tesão tão grande que caí de boca no pau dele sem pedir licença nem nada, tchum, exatamente, abocanhei o choquito do Luca. Ah, eu achei bonito, e do tamanho certo pras minhas necessidades. Pois eu tava lá com a boca no material, ao som de Eric Clapton, toda entretida, quando de repente… a porta do quarto abre. E entra um cara. Era o Junior Rível, o guitarrista. Fiquei paralisada, segurando o pau do outro, parecia uma criança flagrada roubando o pirulito. Junior riu, deu boa noite e passou reto pro banheiro. Perguntei baixinho pro Luca se o amigo dele ia demorar e o Luca disse assim: não se preocupe que em quinze minutos você terá os dois só pra você.
Verinha, eu gelei. Exatamente, a Gabriela tinha acertado de dar pros dois, e a filha da mãe não me avisou. Não sei se ela me sacaneou ou se esqueceu, só sei que entrei em pânico total, né? Tu já deu pra dois caras de uma vez, Verinha? Nem eu. Quer dizer, até aquela noite nunca tinha dado. É, o Junior Rível também era um gato, eu sei, mas o foda é que o Luca tinha aquele jeitinho de cafajeste na medida exata que eu gosto, né? Naquela noite eu tava preparada pra ser puta, sim, mas, pô, pra um cara só, e não pra dois. Quase que eu desisto, claro, mas já tinha ido longe demais, concorda? Aí o Luca disse assim: ele é um cara legal, você vai ser muito bem tratada. E me deu um beijo na boca. E eu adorei o beijo.
Pois, minha filha, quando o outro voltou do banho, eu tava lá na cama, de quatro, e o Luca atrás metendo em mim, e eu adorando ele me chamando de Gabi. Ah, claro, já tinha incorporado a putinha, né, tava toda solta, muito mais do que normalmente sou. Junior serviu um uísque pra ele, botou um CD do Artur Menezes e foi se chegando, se chegando… Quando vi, ele tava batendo com o pau no meu rosto, o pauzão duro, parecia de ferro. Surra de pau na cara, é bom demais, né, também gosto muito. Aí a festa começou de verdade, o Luca me pegando por trás e o outro fodendo minha boca, me segurando pelo cabelo, e eu me sentindo a devassa toda poderosa, né? Não sei se eles dois abusaram de mim ou se fui que eu abusei dos dois. Só sei que eles fizeram tudo que queriam, era um tal de abre as pernas, Gabi, de quatro, Gabi, me chupa, Gabi, ai, como você é gostosa, você é maravilhosa, até dupla penetração a gente fez, acredita? Sim, na buceta e no cu. Não, foi minha primeiríssima vez. Ah, eu gostei, sim. A sensação? Ah, a pessoa se sente assim aquele pão do dogão com duas salsichas, sabe? Mas foi meio desajeitado, eles já tavam muito bêbados. Mas, olha, eu gozei suuuupergostoso, e o Luca no meu ouvido, goza, Gabizinha, goza pra eu ver. Tão lindo, adorei. Eles? Gozaram também, e sabe como? Na minha cara, os dois esporrando no meu rosto, eu aperreada pra não desperdiçar nenhuma gota, a própria sedenta do Saara, rá, rá, rá. Te cuida, Sasha Grey,
Depois disso, eles apagaram, e eu me mandei rapidinho pro meu quarto. Dormi superfeliz com a minha despedida de solteira. No outro dia eu e Irene almoçamos, eu de óculos escuros e chapéu, morrendo de medo dos caras me reconhecerem, já pensou? Ainda bem que não vi nenhum deles. Não, claro que não contei nada pra Irene, aquela doida nunca foi de confiança. Durante o voo foi que eu me toquei: caramba, esqueci de pegar a grana. Exatamente, deixei lá no quarto deles, ficou em cima da mesa. Como que eu esqueci? Ora, esquecendo. Se fosse puta de verdade, com certeza tinha botado logo a grana na bolsa. Eles? Ah, sei lá, devem ter pensado que a Gabizinha fez uma cortesia pra eles.
História bizarra, né? Pior que tem mais. Dias depois eu mandei e-mail pra Gabriela, agradeci, falei que tinha gostado, mas que eu tinha esquecido de pegar a grana, que se ela quisesse, podia cobrar deles e ficar com tudo. Ela respondeu que eles tinham ligado pra ela, pedindo o número da conta pra depositar, mas ela disse que não havia sido ela, que ela havia ido embora porque eles tavam demorando pra chegar no hotel. Olha que loucura, Verinha… Os caras devem ter pirado, né? Acho que estão até hoje pensando quem foi aquela doida que apareceu do nada pra dar de graça pra eles.
Espera que tem mais. Não é que a Gabriela tinha mesmo nível universitário? Fazia Sociologia. Sim, Sociologia, minha filha. Pois dia desses vi uma notícia que uma tal Gabriela não sei das quantas, socióloga de Natal, tava lançando um livro, uma dissertação de mestrado, contando sua experiência pessoal como prostituta. Ela mesma, a própria, eu vi a foto dela. Pois é, amiga, é como tu diz, não tem mais espaço nesse mundo pra amadora.
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(Este conto integra a série Interações da Sacanagem, com contos baseados em termos de busca no Blog do Kelmer. Divirto-me bastante vendo os termos que as pessoas usam nos mecanismos de busca e que as fazem chegar em meu blog. Termos deste conto: psicólogas nuas fotos amadoras.)
Uma advogada que adora fazer sexo por dinheiro… Um ser misterioso e sensual que invade o sono das mulheres… Os fetiches de um casal e sua devotada e canina escrava sexual… Uma sacerdotisa pagã e seu cavaleiro num ritual de fertilidade na floresta… A adolescente que consegue um encontro especial com seu ídolo maior, o próprio pai… Seja provocando risos e reflexões, chocando nossa moralidade ou instigando nossas fantasias, inclusive as que nem sabíamos possuir, as indecências destes 23 contos querem isso mesmo: lambuzar, agredir, provocar e surpreender a sua imaginação. > saiba mais
Nos contos de Ricardo Kelmer, o erótico pode vir com variados temperos: romantismo, humor, misticismo, bizarro, horror… Às vezes, vem doce e sutil, ou estranho e avassalador, e às vezes brinca com nossas próprias expectativas sobre o que seja erótico. Explorando fetiches, fantasias, delírios e tabus, e até mesmo experiências reais do autor e de seus leitores, as estórias deste livro acabam de chegar até você para apimentar seus dias, e suas noites, de quarentena. > saiba mais
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. Em pé, diante do espelho da parede, Cachorrinha vê sua imagem refletida. Seu corpo magro nu, a alvura da pele, o cabelo chanel negro, os seios pequenos… Em seu pescoço, a coleira de couro vermelha com as iniciais em amarelo: BB. E a corrente de ferro, prendendo-a pelo pescoço ao pé da cama. Ela gosta do que vê.
Quando a porta se abre, Cachorrinha imediatamente ajoelha-se, senta sobre os calcanhares e encosta as palmas das mãos no chão, à frente dos joelhos, a posição um, da docilidade. Uma mulher entra, trajando vestido e sapato de salto alto.
‒ Está pronta, Cachorrinha?
Ela percebe a mudança no tom de voz de Brenda. Já não é mais a moça que meia hora antes a recebera, entre abraços e saudações descontraídas. Agora é sua dona. Dez anos mais nova que ela, mas naquele vestido e naquele salto alto parece ser mais velha.
‒ Nossos convidados logo chegarão.
Cachorrinha sorri. Adora quando seus donos convidam amigos para brincar com ela. Sua dona solta a corrente do pé da cama e Cachorrinha agradece esfregando-se em suas pernas. De pé, é observada por alguns instantes, tem seu corpo verificado, os dentes e as axilas, os seios apalpados, a pele cheirada. Sua dona aponta para a cama e Cachorrinha vai para lá, e fica de quatro sobre o colchão, a posição dois, da disponibilidade. As bordas de sua buceta são afastadas, o interior vistoriado, sua dona introduz um dedo, cheira e lambe. Cachorrinha geme. Depois sua bunda é aberta e um plugue é enfiado em seu cu, e a parte externa possui uma argola à qual é preso um rabo peludo de cachorro, de cor castanha.
‒ Não é bonito? Comprei ontem pra minha Cachorrinha… ‒ sua dona diz, passando carinhosamente a mão em sua cabeça. Cachorrinha olha-se no espelho e exulta com a imagem, sua bunda adornada pelo novo e belo rabo peludo. Tem sorte de ser a cadela de donos tão generosos.
Obrigado, Senhora, obrigado…, ela responde por meio de ganidos, agradecida.
Sua dona a leva pelo corredor do apartamento, puxando-a pela corrente, e Cachorrinha a segue engatinhando, como uma fiel cadelinha deve fazer, e o contato do rabo no interior das coxas lhe provoca arrepios. Na sala, próximo à porta, seu dono as espera. Cachorrinha segue sua dona até lá e para, mantendo-se na posição de docilidade, semiajoelhada, aos mãos no chão.
‒ Beto, olha como nossa Cachorrinha ficou linda com o rabo novo.
‒ Lindíssima ‒ ele responde, entusiasmado. ‒ Posição dois, agora, pra tirar foto.
Cachorrinha obedece, ficando de quatro e empinando a bunda para as fotos, sua dona ao seu lado, segurando-a pela corrente.
‒ Está feliz, Cachorrinha?
Muito feliz, Senhor, ela responde latindo, sacudindo a bunda e balançando o rabo.
‒ Nossos convidados merecem toda nossa hospitalidade. Sirva-os como se servisse a nós, entendido? ‒ Cachorrinha responde sim com a cabeça. ‒ Boa cadela… ‒ ele diz, dando dois tapinhas em seu rosto. Os tapas não doeram, mas ela pode sentir o rosto latejando levemente, o suficiente para fazer-lhe brotar um tremor de excitação.
O casal convidado entra, seus donos dão-lhe as boas-vindas, abraços e beijos.
‒ Esta é Cachorrinha, que está aqui hoje para todo o nosso dispor, não é, Cachorrinha? ‒ diz sua dona, e ela responde sim com a cabeça, alegremente.
Cachorrinha sorri para o casal, que sorri de volta para ela com indisfarçável interesse. São jovens como seus donos, não tão bonitos, é verdade, mas imediatamente se tornam lindos e especiais, pois são os convidados daquela noite, e servi-los será o mesmo que servir a seus amados donos, e só por isso ela já os ama também.
‒ Cumprimente-os como nós a ensinamos.
Cachorrinha engatinha até o casal convidado e lambe delicadamente a mão da mulher, e depois a do homem. Que luxo de cadela, diz a mulher. É um belo espécime, parabéns, emenda o homem. E Cachorrinha se derrete de felicidade, vendo que seus donos sorriem orgulhosos dela.
Todos vão acomodar-se nos sofás e Cachorrinha engatinha atrás de sua dona, que a deixa sentada próximo à mesinha de centro. Posição um, Cachorrinha, e ela imediatamente obedece, assumindo a posição de docilidade. Depois de beberem um pouco e conversarem divertidamente, as atenções se voltam para ela.
‒ Sua cadela é realmente muito bonita, Brenda ‒ diz a convidada. ‒ Desde quando a possuem?
‒ Seis meses, somos seus segundos donos. Quer dar biscoito pra ela? Ela adora.
Biscoito de carne, hummm… Os prediletos de Cachorrinha. Ela lambe os lábios, olhando fixo para os biscoitos num pote de vidro sobre a mesinha. A convidada pega um biscoito e o atira próximo dela. Cachorrinha hesita, olha para sua dona.
‒ Pode pegar, Cachorrinha.
E só então ela avança e abocanha o biscoito, e o come com prazer. Depois sua dona a chama, para que os convidados possam vistoriá-la. E eles a examinam, tocando seu rosto, mexendo em seu cabelo, olhando seus dentes. Ela vira-se, para que possam examinar detalhadamente seu novo rabo. Enquanto o tocam, Cachorrinha sente calafrios correrem por seu corpo e ela precisa se concentrar para manter-se quieta. Ser vistoriada é sempre um grande prazer…
‒ Cachorrinha agora vai nos servir o camarão empanado ‒ anuncia sua dona.
Sobre a mesa, há uma concha com um pequeno gancho na borda. Cachorrinha a apanha com a boca, entrega à sua dona e vira-se de costas. O rabo é retirado e a concha é presa ao plugue anal, ficando pendurada na entrada da buceta. Cachorrinha sente o frio do alumínio nos lábios de sua buceta e geme em ganidos baixinhos. Sua dona põe alguns camarões na concha e ordena que ela sirva os convidados. Cachorrinha engatinha até eles, com cuidado para que os camarões não caiam, e para de costas para que se sirvam. E eles se servem, e seus donos também. Ela silenciosamente implora para que todos se sirvam bastante, pois mesmo o mais leve toque de seus dedos mexe a concha e faz vibrar o plugue dentro de seu cu, criando deliciosas ondas de vibrações… Sua bunda agora é uma bandeja, uma dócil bandeja branquinha de camarões empanados.
‒ Quer camarão, Cachorrinha? ‒ pergunta seu dono. Ela faz que sim com a cabeça. ‒ Então vá pegar seu pratinho.
Cachorrinha engatinha até a cozinha e volta trazendo na boca seu pratinho de plástico. Seus donos pegam alguns camarões, mastigam e os põem no pratinho, e ela os come diretamente com a boca, fechando os olhos para assimilar bem o sabor. Ah, o melhor molho do melhor chefe do mundo não é nada diante do gosto de saliva fresquinha de seus donos…
Após terminar o último pedaço, ela engatinha até sua dona e lambe-lhe a mão, agradecida. E gane baixinho, olhando para ela de um jeito especial.
‒ O que você quer, Cachorrinha?
Cachorrinha gane novamente.
‒ Quer fazer cocô?
Ela responde que sim com a cabeça.
‒ Como é educada… Ah, Brenda, quando você pode emprestá-la? ‒ pergunta a convidada, encantada.
‒ Que tal na próxima quinta?
‒ Está ótimo! Cuidaremos muito bem dela.
Cachorrinha vibra por dentro com o que ouve. Adora ser emprestada. Ela vira a bunda para sua dona, que retira a concha e depois puxa o plugue de seu cu. Depois engatinha até um canto da sala, para e acocora-se de costas para os dois casais que, dos sofás, a observam em silenciosa atenção. Cachorrinha apoia as mãos no chão, suspende a bunda e se concentra. E, durante o minuto seguinte, defeca calmamente, sentindo a merda sair de seu cu devagar, numa longa peça de cor marrom que desce até o pratinho de plástico e pousa enrolando-se sobre si mesma, enquanto ela sutilmente observa pelo espelho da parede os quatro nos sofás, todos extasiados pela sua atuação. Quando termina, seu semblante não nega o prazer e o imenso orgulho que sente. Defecar para os convidados de seus donos, que prova maior de amor uma cadela pode oferecer?
Ela vira-se, abocanha a borda do pratinho e sai engatinhando para deixá-lo na área de serviço, boa cadela que é. Lá, aproveita para limpar-se e retorna para receber a recompensa de seus donos, quem sabe mais um biscoitinho de carne. Porém… eles não parecem satisfeitos. O que pode ter acontecido? Somente neste instante é que percebe que defecara um pouco fora do pratinho. Ela olha para seus donos, com um olhar de desculpas, foi sem querer, só um segundinho de desatenção… Mas já é tarde.
‒ Muito feio o que você fez, Cachorrinha ‒ diz sua dona em seu ouvido, e Cachorrinha conhece bem aquele tom de voz ameaçador. ‒ Você quer que nossos convidados pensem que não soubemos educar você?
Cachorrinha abaixa a cabeça, triste e envergonhada por sua falha grotesca. Para os donos de animais, nada mais desabonador que serem conhecidos no meio como péssimos educadores. Defecar num pratinho, até a cadela mais simplória sabe fazer isso, que vergonha… Se pudesse, voltaria o tempo para que seus donos não tivessem que passar por tal desonra.
Brenda aponta para um ponto na estante. Cachorrinha gane, pedindo novamente para ser perdoada. Mas sua dona está resoluta e mantém o braço apontado para a estante. Ela engatinha para lá, pega com a boca um saco de veludo vermelho e o leva para sua dona. Apreensiva, Cachorrinha a observa abrir o saco e puxar de dentro um chicote preto de tiras de couro. A visão daquele objeto lhe dá um calafrio. Sua dona a puxa pela coleira e a faz deitar-se de bruços sobre uma almofada, deixando sua bunda bem elevada e inteiramente à disposição.
‒ Por favor, ensine-lhe um pouco de boas maneiras ‒ diz sua dona, entregando o chicote ao convidado.
Cachorrinha sente o coração acelerar. Seu dono ajoelha-se em frente a ela e a segura pelos punhos, para que não se movimente. Sua dona a venda com uma tira de pano, para que nunca saiba o momento certo em que o golpe a atingirá e, assim, não tenha como se preparar.
Os primeiros golpes são leves, provocando-lhe curtos ganidos de satisfação, e Cachorrinha aos poucos sente a tristeza e a vergonha darem lugar ao prazer de ouvir novamente o doce som do estalo do couro em sua pele. Os golpes se tornam mais fortes, e o prazer se mistura à dor, até que a dor se sobrepõe e as lágrimas escapam de seus olhos, molhando a venda, e a cada chicotada ela morde os lábios, resistindo à dor, a dor que aumenta, e aumenta mais, até que fica insuportável e ela late, pedindo para parar, um latido sofrido misturado com choro.
‒ Promete que nunca mais vai nos envergonhar como fez hoje? ‒ pergunta seu dono.
Sim, sim, ela responde latindo, ainda chorando. Ele solta seus punhos e lhe tira a venda.
‒ Ótimo. Agora ponha seu rabo e venha nos satisfazer.
Cachorrinha apanha o rabo e o leva à sua dona. Por alguns instantes ela aguarda, enquanto sente os olhares de todos sobre si, ela de quatro, o rabo na boca, as lágrimas a escorrerem de seu rosto. Finalmente, sua dona pega o rabo, prende-o ao plugue e o enfia novamente em seu cu. Cachorrinha ainda sente a bunda dolorida mas o plugue alivia a dor e os pelos do rabo entre suas coxas a fazem sentir-se melhor. Sua dona aponta para a convidada e ela engatinha até o sofá, onde o casal está sentado lado a lado, e põe-se entre as pernas da mulher, na posição de docilidade. A mulher suspende o vestido e tira a calcinha. Cachorrinha vê surgir a buceta da mulher, entreaberta e molhada. Ela sabe que seus donos a observam e que não pode mais falhar em nenhum detalhe. Então aproxima o rosto e começa a lamber a buceta da mulher, que segura sua cabeça com as duas mãos e a puxa contra si, enquanto geme cada vez mais forte, vai, Cachorrinha, me chupa, vai… Com o rosto afundado entre as coxas da convidada, a língua de Cachorrinha passeia pelo interior de sua buceta, no início devagar e depois mais rápido, seguindo os movimentos do corpo da mulher, harmonizando-se com sua respiração, e ela sente quando as coxas se contraem, os gemidos se intensificam, as mãos lhe puxam a cabeça como se quisessem enfiá-la toda… e a mulher goza em sua boca, um gozo longo e ruidoso, e ela prova o gosto daquele gozo feminino, bebendo tudo que pode.
O convidado a aguarda com o pau para fora da calça, totalmente ereto. Cachorrinha abana o rabo, ansiosa. Ele a chama, vem, Cachorrinha, vem, e ela posta-se entre suas pernas, observando-o masturbar-se. Não é tão grande como ela gosta, mas é bonito. E cheiroso também, ela constata, enquanto o beija na cabeça e começa a lambê-lo. Sua boca o envolve em idas e vindas contínuas, chupando-o com presteza, e o homem goza logo, jorrando sêmen em seu rosto, e ela lambe e lambuza-se e bebe com vontade, enquanto ele geme seu prazer de ser chupado por uma cadela tão dadivosa.
Em seguida, Cachorrinha satisfaz sua dona, ela deitada no carpete e Cachorrinha entre suas pernas, e depois satisfaz seu dono, ele de pé mesmo, com ela ajoelhada no chão e tendo que dividir o gozo dele com sua dona, que exige que ela não beba tudo e que, diretamente de sua boca, passe uma parte para a boca dela, o que Cachorrinha faz, num longo e saboroso beijo que a deixa tão excitada que ela quase implora para também ser chupada pelos dois. Mas isso é algo que não lhe é dado fazer. Sua obrigação é servir.
Após satisfazer aos quatro, e feliz de sentir-se inundada por tantos gozos, Cachorrinha engatinha para um canto e posta-se na posição de docilidade. Está cansada, mas sabe que deve permanecer ali, aguardando que a chamem a qualquer momento.
E, após alguns minutos, seus donos a chamam, ordenando dessa vez que fique debruçada no sofá, com os joelhos no chão e afastados. É quando o terceiro convidado surge na sala: Yago. Cachorrinha não o conhece, mas sabe que foi trazido pelo casal convidado. Seu dono levanta seu rabo, deixando sua bunda totalmente descoberta, e lambuza sua buceta com sorvete de morango, não esquecendo de despejar uma boa porção lá dentro. Yago se aproxima lentamente, em seu passo firme. É um grande labrador negro, e sorvete de morango é o seu preferido. Cachorrinha fecha os olhos, para que a visão não lhe desvie a atenção das sensações que terá. Enquanto seu dono mantém seu rabo erguido, ela sente que Yago fareja sua buceta e começa a lambê-la. Cachorrinha arrepia-se, sentindo a grande língua varrer toda a extensão da buceta, meter-se dentro dela feito uma cobra inquieta e vasculhar seu interior em busca do sorvete. A língua de Yago não para, é como um dispositivo automático. Cachorrinha gane de prazer, e gane mais ainda quando Yago monta sobre ela e ela sente seu peso sobre suas costas, o bafo quente em sua nuca, os pingos da saliva caindo em seu pescoço. As tentativas do animal são bruscas e desajeitadas, mas as patas estão cobertas por luvas especiais para que as unhas não arranhem sua pele. Então o pau do labrador força entrada em sua buceta e ela empina mais a bunda, procurando encaixar-se melhor ao corpo dele, até que, com a ajuda de seus donos, Yago finalmente consegue e ela sente o membro dentro de si, um membro grosso e quente a entrar e sair do espaço onde pouco antes se remexia sua língua, e Cachorrinha late, e late mais alto, tomada pelo frenesi luxurioso, e então Yago arfa mais forte sobre suas costas e ela sente o líquido quente dentro de si e, nesse momento, uma gigantesca onda de prazer desaba sobre ela, arrastando-a sem rumo, e Cachorrinha uiva o mais alto que pode, transtornada e feliz, gozando o indizível êxtase de ser a cadela amada de seus donos.
* * *
O alarme do celular toca a melodia familiar e Silvana desperta. Sexta-feira, sete da manhã. Ela abre os olhos, reconhece seu quarto e se espreguiça. Dormiu pouco, mas sente-se bem e disposta. Duas horas depois ela sai do táxi e chega ao prédio da empresa. Sobe até o décimo segundo andar, cumprimenta algumas pessoas no corredor e entra em sua sala, onde a aguarda sua secretária.
‒ Bom dia, dona Silvana.
‒ Bom dia, Lia. Os gerentes já chegaram para a reunião?
‒ Sim, os quatro já estão aí. Posso chamá-los?
‒ Por favor.
A secretária sai, e um minuto depois retorna, e com ela os quatro gerentes, que ocupam as cadeiras em frente à mesa da diretora.
‒ Bom dia, senhoras e senhores ‒ diz Silvana. ‒ Trouxeram os relatórios? Ótimo.
Um após outro, os gerentes leem seus relatórios e Silvana faz suas observações. Vinte minutos depois, ela encerra a reunião e todos levantam-se para sair.
‒ A senhora fica ‒ ela fala para uma das gerentes. ‒ Pode nos deixar a sós, Lia.
Os demais gerentes saem com a secretária, que fecha a porta. Silvana, ao lado de sua mesa, agora observa a moça, em pé à sua frente.
‒ Nossa empresa está muito satisfeita com seu trabalho, dona Brenda.
‒ Obrigado, dona Silvana.
‒ Indicarei seu nome para a subdiretoria, o que acha?
‒ Puxa… eu…
‒ Não precisa agradecer.
Por alguns instantes, Silvana olha sério para a funcionária. Depois mexe em alguns papéis na mesa e sorri.
‒ Foi uma noite maravilhosa. Você estava linda.
‒ Sim, e você estava magnífica ‒ Brenda sorri também, e agora o semblante de ambas está bem descontraído. ‒ Os convidados ficaram encantados.
Silvana aproxima-se e beija a moça suavemente na boca.
‒ Eu te amo tanto, Brenda.
‒ Nós também te amamos muito.
‒ Você e Beto são os melhores donos do mundo.
Elas se beijam mais uma vez, dessa vez um beijo intenso e demorado, enquanto se abraçam e as mãos apalpam seus corpos. Quando terminam, Silvana recompõe-se, respira fundo e abre a porta.
‒ Até logo, dona Brenda. Mais uma vez parabéns pelos bons resultados.
‒ Obrigado, dona Silvana.
A funcionária sai e Silvana fecha a porta. Senta-se relaxadamente em sua poltrona, fecha os olhos e suspira, lembrando da noite. Depois pega uma caneta e circunda, no calendário, a quinta-feira seguinte, anotando ao lado: emprestada. Adora ser emprestada.
Uma advogada que adora fazer sexo por dinheiro… Um ser misterioso e sensual que invade o sono das mulheres… Os fetiches de um casal e sua devotada e canina escrava sexual… Uma sacerdotisa pagã e seu cavaleiro num ritual de fertilidade na floresta… A adolescente que consegue um encontro especial com seu ídolo maior, o próprio pai… Seja provocando risos e reflexões, chocando nossa moralidade ou instigando nossas fantasias, inclusive as que nem sabíamos possuir, as indecências destes 23 contos querem isso mesmo: lambuzar, agredir, provocar e surpreender a sua imaginação. > saiba mais
Nos contos de Ricardo Kelmer, o erótico pode vir com variados temperos: romantismo, humor, misticismo, bizarro, horror… Às vezes, vem doce e sutil, ou estranho e avassalador, e às vezes brinca com nossas próprias expectativas sobre o que seja erótico. Explorando fetiches, fantasias, delírios e tabus, e até mesmo experiências reais do autor e de seus leitores, as estórias deste livro acabam de chegar até você para apimentar seus dias, e suas noites, de quarentena. > saiba mais
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. VIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo
Ricardo Kelmer – Miragem Editorial, 2020.
. RESUMO Aos 30 anos, Ricardo Kelmer largou uma banda de rock para liderar um aloprado grupo esotérico que planejava salvar o mundo e lançou-se como escritor com um livro espiritualista de sucesso, hoje renegado. Enquanto relembra as pitorescas histórias desse tempo, ele nos conta curiosidades da carreira literária, reflete sobre sua relação com o feminino, o xamanismo, a filosofia taoísta e a psicologia junguiana, e, com bom humor e ironia, revela intimidades nos departamentos do amor e da amizade, do sexo e da boemia, da prostituição e das drogas ilegais, dos fracassos e das crises existenciais. Como pano de fundo das memórias, vê-se a trajetória de um líder de grupo de jovens católico que se transformou em falso guru da nova era e, por fim, em ateu combatente do fanatismo religioso e militante na luta antifascista.
> Na página do livro: texto de apresentação, comentários de leitores, curiosidades
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cap 1 ESQUELETOS DO PASSADO
. arqueologia da psique
Eu tinha 28 anos, morava nos braços dengosos da minha loirinha desmiolada de sol, também conhecida por Fortaleza, e cursava Letras na Universidade Federal do Ceará (UFC). Trabalhava como atendente numa clínica veterinária e, em paralelo, faturava um extra fazendo produção de eventos e festas temáticas. Era 1992, e o velho sonho de ser escritor profissional, que me possuíra a alma ainda na infância, resistia, sim, mas com tantos afazeres, e precisando atender também às obrigações boêmias, não me sobrava tempo nem disposição para escrever.
Essa situação me angustiava que nem uma gravata apertada, mas, por outro lado, eu sabia que a carreira de escritor é muito incerta e que assumi-la exigiria sacrifícios que eu não estava disposto a pagar. Sim, pode me chamar de covarde, eu era isso mesmo, e essa covardia começava a travar meu processo de autorrealização, que Jung chama de individuação, e que eu ainda não sabia o que era, mas saberia alguns anos depois, quando fosse apresentado à psicologia junguiana.
Resumindo: meu futuro literário cada vez mais se resignava a um triste e desmilinguido cantinho naquela tal prateleira da vida inteira que poderia ter sido e que não foi, como diria Manuel Bandeira, meu poeta preferido.
Então…
(musiquinha de suspense)
Então, tudo começou a mudar no dia em que eu soube de uma palestra sobre sonhos e experiências fora do corpo. Eu não podia imaginar que isso abriria as portas do meu destino.
Antes, porém, de prosseguir, permita-me voltar no tempo. Tentarei localizar, feito arqueólogo da psique, restos fossilizados de minhas experiências com as letras, a religiosidade e o feminino. Isso me ajudará a entender melhor minha própria trajetória, as minhas mortes e a aventura bizarra que estava prestes a acontecer.
magia dos livros
Nascido em 1964, em Fortaleza, capital desse chão mítico que chamamos Ceará, vivi nela toda a infância e a adolescência. Família classe média, e depois média alta. Sou o mais velho dos quatro irmãos, mas tive uma irmã mais velha, Gina, que morreu com dois anos, de hidrocefalia, o que fez com que meu nascimento fosse cercado de muita expectativa. Educação católica, em casa e nos colégios. Moramos no Centro e na Parquelândia, e em 1972 mudamos para o Cocó, o que me possibilitou um fim de infância em contato com a Natureza: dunas, mato, lagoa, praia, bichos soltos pelas ruas e muita cobra passeando faceira dentro de casa. Era um privilégio.
Aos 6 anos, me apaixonei pela professora do colégio Cristo Rei, que apenas sorria da minha paixão envergonhada. Infelizmente, ela não quis nada comigo. Desconfio que foi pela diferença de idade, as pessoas não iriam aceitar – tudo bem, Eliane, eu entendo. Era o arquétipo do feminino já a me seduzir em suas múltiplas e irresistíveis manifestações, eu tão novinho, coitado…
A primeira experiência marcante com livros se deu aos 7 anos, no colégio Santo Inácio. Uma vez por semana, íamos à biblioteca, que funcionava numa pequena sala. Putz, eu adorava! Um dia, no momento de voltar para a sala de aula, me escondi sob a mesa. Meus colegas saíram, a professora apagou a luz, saiu e trancou a porta. Fiquei lá sozinho, envolvido pela penumbra, naquele imenso e solene silêncio… De repente, eu tinha todos os livros do mundo só para mim, que maravilha. Foram apenas alguns minutos, até a professora vir me buscar, mas algo muito sério aconteceu naquela biblioteca. Acho que o universo mágico dos livros se abriu para mim e fui invadido por uma sensação de encantamento. Uma experiência numinosa, foi isso que vivi, hoje sei. Na verdade, acho que nunca mais saí daquela sala. Continuo lá, em estado de maravilhamento, fora do tempo…
Aos 8 anos, contraí uma pneumonia que quase me mandou para a tumba. Sem poder ir ao colégio, passava o tempo entre os livros do Tarzan e os quadrinhos do Príncipe Valente e do Homem Aranha*. Tinha também a turma da Mônica, com aquele personagem que me fascinava, o Louco. Sem falar dos personagens da Disney, claro, ah, o Manual do Escoteiro Mirim… Se existia um paraíso, naqueles dias eu morei nele de pijama. Foi assim, fugindo da morte, que me veio a ideia: quando eu crescesse, escreveria histórias como aquelas para os outros lerem. Promessa é dívida, viu, menino?
Agora, meu primeiro e vergonhoso delito. Ele ocorreu justamente por conta dessa incipiente paixão pelos livros. Quando tinha 9 anos, participei de uma gincana no colégio, na qual os alunos que conseguissem vender certa quantidade de selos ganhavam como recompensa uma coleção de livros com os contos folclóricos dos Irmãos Grimm. Sai oferecendo os selos aos colegas, à família, aos vizinhos, a desconhecidos na rua… Como não consegui vender todos, decidi roubar dinheiro da bolsa da minha mãe, e foi assim que, para minha felicidade, adquiri os livros. Porém, dona Vilminha deu pela falta do dinheiro e tive que confessar meu crime. Como não quis dizer que roubara para comprar livros, criei uma justificativa que julguei mais nobre e aleguei que roubara o dinheiro para dar para a moça que trabalhava em nossa casa. Ela, coitada, ficou muito surpresa e negou tudo, claro, e no fim meus pais felizmente entenderam que ela não tinha culpa, mas agora sabiam que tinham um filho literato e ladrãozinho.
Anos depois, esse episódio ressurgiu em minha lembrança e fui tomado de imensa vergonha, e me assustei com minha atitude. Isso acendeu uma luzinha vermelha em meu processo de autoconhecimento e me serviu de alerta para o quanto eu podia ser egoísta, falso, mesquinho e covarde em nome dos meus objetivos.
religião, morte, versinhos, sacrilégios
Aos 10 anos, como todo bom menino católico, fiz a primeira comunhão e lembro que me senti muito frustrado, inconformado mesmo, porque Jesus não apareceu para mim quando recebi a hóstia, contrariando a expectativa que alimentei por um ano inteiro. Isso me incomodou, mas não tanto quanto um fato ocorrido dias antes, que guardo como o primeiro questionamento filosófico de minha vida*.
Esperávamos a aula começar, quando um padre do colégio distribuiu para os alunos um folheto com a imagem de Jesus e um texto sobre a eucaristia. Enquanto eu lia, um colega ao lado ergueu seu folheto e o rasgou em pedacinhos, dizendo, com raiva, que aquilo tudo era mentira. Fiquei perplexo, sem acreditar. Tentei entender por que ele fazia aquilo, mas logo um pensamento mais profundo e inquietante me tomou: então aquilo era possível? Alguém podia fazer o que meu colega fizera e não ser instantaneamente fulminado por um raio vindo do céu?
Eu sabia que, embora o colégio fosse católico, os alunos não eram obrigados a fazer a primeira comunhão, mas até então eu jamais cogitara, sequer por um segundo, a ideia de que era possível não ter religião ou, pior, não crer na existência de Deus. Pela primeira vez, eu enxergava um pouquinho além da redoma religiosa dentro da qual fora criado.
Relevei a atitude do rebelde colega e perdoei a Jesus por não ter aparecido para mim, até porque eu tinha consciência de que era um menino abençoado, pois já escapara das garras da morte por quatro vezes. Sim, quatro. A pneumonia eu já contei, mas, anos antes, a rede onde eu dormia pegou fogo e assei dentro dela feito churrasquinho até conseguirem me tirar. De outra vez, atravessei a avenida correndo e, bufo!, fui atropelado por um fusca, e a porrada foi tamanha que minha cabeça afundou o capô. Não morri nesse dia por ser cabeça-dura. Depois, me afoguei na piscina do clube e, quando meus pais se deram conta, eu já estava lá no fundo, bem quietinho. Até hoje ponho água para fora.
Versinhos para as professoras no dia do aniversário delas – confesso que eu fazia isso. E elas adoravam. Dona Conceição, por exemplo, achava lindas as redações que eu escrevia, e eu fazia questão de caprichar só para ganhar seu abraço apertado e afundar a cabeça entre seus peitões. Eu começava a descobrir os prazeres da literatura…
Sabe o Peninha, o primo destrambelhado e metido a esperto do Donald, que era repórter do jornal A Patada, do Tio Patinhas, e que nas horas vagas se transformava no intrépido Morcego Vermelho? Era o meu personagem Disney favorito. O Manual do Peninha virou meu livro de cabeceira. Então, negativamente influenciados pelo Peninha, meu primo Jamiro e eu fundamos um jornal. A sede ficava na garagem da casa dele, e tudo que tínhamos era uma centenária máquina de escrever faltando várias teclas, umas folhas de papel já usadas de um lado e papel-carbono. Revelando toda nossa criatividade, batizamos o jornal de… A Patada. Meu primeiro trabalho, ah, foi inesquecível: entrevistar Emerson Fittipaldi, o bicampeão de Fórmula 1. Coisinha simples, para começar. Então, saí pelas ruas do Centro, munido de caneta e bloquinho de papel, a procurar pelo grande piloto, mas ninguém soube me informar onde ele morava, até porque ele nunca morou em Fortaleza. Nosso jornal teve a expressiva quantidade de zero edições. Foi meu primeiro fracasso profissional.
Mas não desisti. Em seguida, criei um jornalzinho caseiro com notícias do cotidiano familiar: a goiabeira deu a primeira goiaba, a cadela rasgou a cueca do papai, meu irmão pegou meus brinquedos sem me pedir permissão… Era uma folha de papel escrita e colorida a mão, fixada à parede da sala. Chamava-se… Fofocal. Para você ver como desde pequeno eu me supero no ridículo. Ninguém gostou do jornal, principalmente meu irmão delatado Marcio, e o Fofocal morreu no lançamento. Meu segundo fracasso profissional. Vai anotando.
colégio militar, orgasmo, o feminino, contos eróticos
Então, aos 10 anos, passei no concurso e virei aluno do Colégio Militar*. Fui para lá porque o ensino era considerado excelente e seria uma boa economia para meus pais, pois era quase gratuito. Além disso, meu pai queria que eu seguisse a carreira militar, cursar a Academia das Agulhas Negras, quem sabe até ser Presidente da República… Bem, concedamos um desconto à megalomania paterna: estávamos em 1975, na ditadura militar, e a carreira de milico representava um futuro financeiramente tranquilo.
No início, ser aluno do Colégio Militar me empolgou, tudo era novidade, e eu andava nas ruas com orgulho do meu uniforme, percebendo os olhares que nos lançavam as meninas do colégio Imaculada Conceição. Eu, que era ótimo aluno de Português e Redação e amava as crônicas da série Para Gostar de Ler, passei a relatar minhas experiências numa série de textos que intitulei Os Melhores Momentos da Minha Vida. Boa parte deles falava das festinhas e da grande emoção de dançar com as meninas. Ainda não eram contos eróticos, mas tenha calma que logo chegaremos lá.
Quer saber como foi meu primeiro beijo de língua? Deu-se por essa época. Foi bom, mas infelizmente ela não mexia a língua. Na verdade, ela não tinha língua, a coitada. Chamava-se Amiguinha*, era uma boneca quase do meu tamanho, da minha irmã mais velha. Eu treinava com Amiguinha para quando fosse beijar as meninas do Imaculada, o que jamais chegou a acontecer, ô iludido.
Minha mãe tinha um Bel Linha, um aparelho vertical de massagens para eliminar celulite. Em pé, a pessoa encaixava a cinta vibracional ao redor da cintura, nas pernas ou na bunda, ligava e ela vibrava, massageando. Um dia, testando o aparelho, me virei de costas para ele, encaixei a cinta abaixo da cintura e liguei. No início, a vibração fez cócegas, mas logo depois a sensação ficou boa, ficou gostosa, ficou muito prazerosa e, ops, o que é isso, tô sentindo uma coisa estranha… aaaaaahhhh… Foi assim, aos 10 anos, o meu primeiro orgasmo, que eu não sabia nem que tinha nome, e descobri que aquilo me deixava meio tonto e feliz, e descobri também que, mesmo querendo mais, tinha que esperar um tempo até poder repetir. Uau, aquilo era melhor que brincar de Forte Apache. Solidário, avisei aos meus irmãos sobre a incrível descoberta, e eles experimentaram, mas não se entusiasmaram. Fiquei viciado no Bel Linha, a tal ponto que dona Vilminha precisou trancar o quarto, caso contrário eu passaria a tarde inteira lá.
No segundo ano ginasial, fiquei conhecido no Colégio Militar: venci o 1° Campeonato de Futebol de Tampinha, promovido pelo grêmio. Fui o campeão, duelando contra os melhores jogadores, inclusive caras mais velhos. Foi o máximo! Das conquistas que tive na vida, foi esta, aos 12 anos, a mais valiosa de todas, pois ela me deu a certeza de que eu era capaz. Se eu não tivesse perdido minha medalha de ouro, ainda hoje andaria com a bichinha pendurada no pescoço.
Nesse mesmo ano, aconteceu meu primeiro namoro. Durou apenas três dias, mas vale como registro, inclusive porque ele trouxe o segundo questionamento filosófico da minha existência. Eu gostava das minhas duas vizinhas, que eram amigas, e ambas me queriam. Fiquei terrivelmente angustiado com a necessidade de escolher apenas uma delas. Por que não as duas, por que tinha de ser assim, por quê? – eu não me conformava. Infelizmente, precisei escolher. Então, com todo o pragmatismo que um adulto de 12 anos pode ter, escolhi a que tinha piscina em casa. Mas a outra não se conformou e, para aumentar minha angústia, insistiu para que eu mudasse minha decisão, o que quase ocorreu. Putz… Foi minha estreia nesse improdutivo embate, que eu travaria pelos trinta anos seguintes, contra a pior das monogamias, a compulsória. Voltarei a este tema depois, prometo.
Um ano mais nova que eu, minha irmã Ana estudava no Imaculada. Então, conheci suas colegas e passei a aguardar ansiosamente pelas tardes em que elas iam estudar lá em casa. Ah, eram dias especialíssimos… Eu ficava estudando em meu quarto, aguardando pelo momento em que elas paravam e iam tomar banho. Era um lindo filme que eu assistia escondido, trepado num banco no corredor lateral da casa, eu lá observando por entre as frestas da janelinha no alto, ladrão de intimidades, fascinado pela transcendental visão das meninas nuas a se ensaboar, meu coração acelerado, a alma em total alumbramento, eu tremendo de assombro e prazer…*
Foi assim, aos 13 anos, inspirado pela poesia do feminino, que o Jeitoso, atuando ao sul do umbigo, se impôs em minha vida e passou a ser cogerente das minhas decisões. O Jeitoso só ganharia esse nome muitos anos depois, e eu nem lembro mais quem o batizou assim, mas o fato é que lá estava eu, adolescente com espinhas na cara, a penetrar de vez a dimensão sexual da existência.
Você lembra dos contos eróticos da revista Ele Ela? Eles me motivaram a escrever meus primeiros contos, expressando as safadices que eu desejava fazer com as mulheres. Durante as aulas, meus textos circulavam discretamente entre os colegas, que liam com a sofreguidão típica dos adolescentes lotados de hormônios. Um dia, o professor de português descobriu, pegou a folha de papel e leu em silêncio, em pé ao meu lado. E eu lá, suando de nervosismo e vergonha. Em certo momento, ele comentou surpreso uma passagem que falava de uma… “abordagem anal”. Putz! Expulsou-me da sala? Não. Devolveu a folha e disse que estava bem escrito, mas que eu devia prestar mais atenção às aulas. Que alívio!
Susto grande, mas segui escrevendo contos eróticos. Um dia, minha mãe descobriu o caderno no qual eu os escrevia e, indignada, deu um sumiço naquela pouca-vergonha. Dona Vilminha deve ter ficado especialmente horrorizada com um conto cujas protagonistas eram as funcionárias da loja dela, ou com um outro no qual me aproveito da embriaguez da minha prima. Entendo perfeitamente sua preocupação, mamis, mas de nada adiantou, eu já era um Marquezinho de Sade.
poeta e místico
Por essa época, comecei a cometer meus poemas, que variavam entre dramas amorosos, erotismo e misticismo, e alguns com uma vaga temática social. E, como achei que podia ser músico, tive aulas de violão. Eu me imaginava tocando canções para as meninas, em noites ao luar, todo galanteador. Cheguei a compor uma música, absolutamente horrorosa, cujo refrão era uma pérola de criatividade (Amor, eu te amo, amor, eu te amo, amor, eu te amo…) e que, naturalmente, se chamava Amor, Eu te Amo. Imagine a cena: eu tomei coragem e finalmente me declarei à garota, e toquei a música para ela, que escutou com atenção e depois chorou, chorou muito… com pena de mim. Não, isso não rolou, mas com certeza é o que teria acontecido. Felizmente, desisti logo do violão. Mas a música não desistiria de mim, como você em breve verá.
Após quatro anos no Colégio Militar, o que antes era empolgante virou insuportável. O ar repressor, aquela ênfase na autoridade e na obediência, o cabelo raspado… Isso tudo entrou em conflito com minhalma de poeta rebelde e meus casos de indisciplina se tornaram frequentes. E, putz, eu queria estudar num colégio que também tivesse alunas! Preocupados, meus pais me puseram em outro colégio. Foi assim que perdemos a chance de ter um general na família.
No novo colégio, o Marista, também católico, havia alunos homens e mulheres. No início, eu ficava nervoso diante delas, a voz desafinava e me atrapalhava todo, era uma lástima. Estava intimidado pela grandeza do feminino. Elas eram tão lindas, tão sensuais, e eu me perdia de admiração de vê-las passar… As curvas de seus corpos, as protuberâncias, o jeitinho de mexer no cabelo, aquela força indefinível que elas exalavam – tudo no universo feminino era belo e me inspirava textos, que, mesmo envergonhado, passei a mostrar para elas. Virei o poeta da turma. E descobria que, se não era o mais bonito, o craque do futebol ou o bom de briga, podia impressionar as garotas com as palavras.
Aos 15 anos, meu primeiro Carnaval, para valer. Uau, foi uma das mais impactantes descobertas de toda a minha vida. Então, era aquilo o Carnaval? Toda aquela alegria, a embriaguez, a licenciosidade – era perfeito! Até hoje, quando ouço Moraes Moreira, me vem a lembrança do cheirinho da loló. Infelizmente, eu era tímido demais, desses que fica a noite inteira tomando coragem para chegar junto da musa e sempre volta para casa arrasado e odiando a si próprio. Bem, ao menos nos poemas eu podia ser um folião safado e feliz.
Em paralelo à literatura, me interessavam também assuntos ligados a psicologia e potencialidades da mente. Li alguns livros, como o Método Silva de Controle Mental, e comecei a perceber a importância de uma rígida disciplina mental para alcançar os objetivos.
E lia também sobre parapsicologia, ocultismo e bruxaria. Nessa época, vi o filme O Exorcista* (do diretor William Friedkin, baseado no romance de William Peter Blatty). Eu sabia que era um filme apavorante, e meus pais me aconselharam a não ver. Mas encarei tudo como um desafio pessoal – se o Diabo existia mesmo, eu queria medir forças com ele. Doces ilusões… É claro que o Diabo existia – mas apenas nas minhas crenças, e ao longo da vida eu teria boas oportunidades de confrontá-lo, sempre que fosse tentado a ser infiel às minhas verdades.
Então, fui ver O Exorcista. Putz… Quase me caguei nas calças de tanto medo. Nessa noite, precisei dormir no quarto dos meus pais, eu, marmanjo de 15 anos, que ridículo. E minha mãe: Eu te disse, eu te disse… Dias depois, queria ver o filme novamente, tão fascinado que fiquei.
E havia os sonhos. Eis um tema que desde cedo me encantou. Onde minha noção do eu ficava quando eu dormia? O que em mim prosseguia funcionando, gerando sonhos? Seria o estado de sono uma espécie de passagem para outras dimensões da realidade? Ah, os sonhos eram mistérios fascinantes, e todas as noites eu adormecia como alguém que caminha, reverente, para a grande verdade… mas no outro dia acorda frustrado por continuar sem conhecê-la.
grupo de jovens, posfácio de espirro
Em 1981, existia um retiro espiritual que era moda entre a turma. Aos 16 anos, participei de um desses, organizado pelos padres da paróquia de São Vicente. O retiro ocorria num sítio na Água Fria e objetivava sensibilizar ao máximo os adolescentes com depoimentos, palestras e vivências. No último dia, à tarde, acontecia o clímax do evento: a equipe “da pesada”, que trabalhava na cozinha e na limpeza, mas permanecia estrategicamente oculta, era apresentada, e eram entregues as cartinhas que os “mensageiros” recolheram com os familiares dos participantes. Enquanto eram entoados cânticos de louvor, a garotada lia as cartinhas e muitos choravam e se arrependiam de seus horrendos pecados. Eu? Bem, eu quase me acabei em lágrimas, sensibilizado pela súbita percepção de que Jesus, o filho de Deus, se sacrificara por mim naquela cruz. Por mim. Como não se sentir desgraçadamente culpado?
Após o retiro, integrei o ENJOP, o Encontro de Jovens da Paróquia da Paz*, um grupo criado para reflexão bíblica e ação na sociedade, dentro do espírito das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e da Teologia da Libertação. Foi aí, aos 16 anos, que eu, adolescente de classe média alta e filhinho de papai, adquiri um início de senso de justiça social. Coordenei esse grupo e também uma das edições do retiro, onde dava palestras sobre Francisco de Assis, e criei um jornalzinho mensal voltado aos jovens da paróquia, do qual eu era o faz-tudo. Chamava-se O Mensageiro e era impresso em mimeógrafo, algo que você, se tem menos de cinquenta, certamente não faz ideia do que seja, e nem vou dizer para você ficar na curiosidade. Foi meu terceiro jornal, e este durou cinco meses.
Eu levava a coisa tão a sério que passei duas viradas de ano em retiro, rezando pela paz no mundo, acredita? Como sabemos, não adiantou nada, a humanidade segue em sua desgraça. E mais: eu cogitava entrar para o seminário e ser padre – juro que é verdade. Quando soube, meu pai aprovou: É uma boa, pois padre não paga aluguel, almoça de graça e não precisa registrar os filhos. Seo Galvonis até tinha razão, mas aí namorei uma colega do grupo, depois outra, e desisti desse negócio de batina. Perdemos a chance de ter um bispo na família.
O fervor religioso duraria dois anos. O filhinho de papai agora cursava Comunicação Social na UFC e descobria os demoníacos prazeres da boemia. Comecei a me sentir oprimido por aquela filosofia controladora feita de culpa e pecado e questionei os dogmas do cristianismo. O ambiente desbundado da faculdade, os barzinhos e o amor pelas artes, em especial a literatura, eclipsaram qualquer sacrifício que Jesus pudesse ter feito por mim, e então larguei o grupo de jovens, deixei de ir às missas e o cristianismo perdeu um adepto.
Segui minha vida, sendo um místico sem religião, mas que gostava de estudá-las e de explorar os mistérios. Frequentei centros espíritas e terreiros de Umbanda. Não acreditava mais no Deus cristão, nem em Céu e Inferno, e no lugar dessas coisas pusera uma energia cósmica impessoal que não julgava a ninguém. Eu rumava para o ateísmo, mas ainda precisava crer em algo do reino do sobrenatural, e não tinha posição definida sobre o pós-morte, espíritos e reencarnação. Eram ideias interessantes, mas carentes de comprovação.
Foi nesse período que senti que precisava me livrar de uma mania adquirida na infância. Quando pequeno, minha avó materna me ensinara uma mandinga: sempre que espirrasse, devia falar “Ave Maria”, para a Virgem me proteger de doenças. Era um posfácio de espirro. Porém, como eu já não era cristão, não mais fazia sentido. O diacho é que, após quinze anos de repetições, eu estava tão condicionado que a mania continuou firme e, comecei a me achar o ex-cristão mais ridículo da galáxia.
Talvez se eu trocasse a fala da mandinga… Então, chamei o poeta Manuel Bandeira para me acudir com seu poema Vou-me embora pra Pasárgada, que era meu lema de vida. Posfácio por posfácio, que fosse um que eu acreditasse, né? E funcionou. Agora, eu espirrava e, em vez de “Ave Maria”, emendava imediatamente com “Vou-me embora pra Pasárgada”. Esse posfácio durou vinte anos, e depois vieram outros, criados de acordo com a fase que eu vivia. Atualmente, é “Vida que frutifica”. Cada doido com sua mania.
faculdade, viagens, excomunhão
Devorador de livros da biblioteca do Centro de Humanidades, um dia, aos 18 anos, descobri O Encontro Marcado*, romance de Fernando Sabino. A leitura foi impactante e me fez ver que eu não tinha opção: ou seria escritor ou morreria frustrado. Embriagado dessa certeza, uni-me ao colega Roberto, datilografamos uns poemas nossos, montamos um livretinho de bolso com oito páginas grampeadas e lhe demos o nome de Tanto Faz como Tanto Fez. Fizemos duzentas cópias e saímos vendendo para os colegas e na rua. Com o arrecadado, enchíamos a lata de cachaça e brindávamos à poesia e à amizade. Embora de um modo bastante simplório e descompromissado, aquilo me pareceu o primeiríssimo passo de uma carreira literária.
Não concluí Comunicação Social, mas fiz amigos na faculdade que seguem comigo até hoje, li toneladas de bons livros, participei da minha primeira campanha política engrossando a massa que gritava Diretas Já e fui apresentado, pelo amigo Alberto, a Ypê, a mais transcendental das canções de Belchior*. Embriaguei-me após as aulas nos botecos da redondeza, conheci a maconha e viajei de semileito para aqueles dionisíacos encontros de estudantes. Num deles, em Campinas, conheci um poeta gaúcho, Edgar*, e nos anos seguintes fomos companheiros de saborosas viagens pelo Brasil, regadas a violão, cachaça, Bandeira, Pessoa e Vinicius, morrendo toda noite de paixão pelas ninfas que cruzavam nossos caminhos. Com Edgar, aprendi: viver não é preciso, flanar é preciso.
Em 1985, aos 20 anos, dei uma de mochileiro e fiz uma viagem de dois meses, passando pelo Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, vendendo artesanato cearense para me sustentar na estrada. Foi meu primeiro movimento significativo de lançar-me nas incertezas do mundo, longe da segurança de casa. A viagem começou com dois dias de ônibus para o Rio para curtir a primeira edição do Rock in Rio*. Sabe o Ozzy Osbourne? Enquanto ele berrava no palco, eu, no meio daquela plateia de cem mil pessoas, fumei um baseado e tive minha primeira lombra torta, tão torta que fui parar na enfermaria tomando glicose na veia. Apaguei na cama e acordei ouvindo Rod Stewart cantando You´re my Heart. Já recuperado, saí correndo, driblei a segurança e voltei para a plateia. Coisas de jovem imortal, você sabe.
Agora, vamos a mais um delito. Eu tinha um caso com uma garçonete (ai, as garçonetes) de um bar na Santos Dumont. Eu ia lá nos fins de noite só para ganhar um agrado dela: sentava na última mesa do mezanino, que era bem escuro, pedia uma cerveja, a garota trazia e, muito dadivosa, aproveitava o ensejo e me servia um prestativo boquete. Pois bem. Um dia, ela me avisou que estava grávida. Grávida de mim. Putz. Eu, que nunca quis ser pai, respirei aliviado ao saber que ela também não queria ser mãe, e decidimos pelo aborto, que foi feito em condições simplórias na residência de uma enfermeira aposentada – era o que podíamos pagar. Foi uma experiência difícil para nós dois, e enquanto acompanhava a recuperação da garota, senti-me diminuído ante sua força e coragem, e percebi que a tal fragilidade das mulheres é uma grande mentira, estrategicamente construída pelo patriarcado. Eu tinha 20 anos e o episódio me fez avançar um pouco mais na percepção do machismo e na histórica questão da opressão da mulher, e, ao mesmo tempo, me causou a excomunhão da Igreja Católica. Sim, de acordo com o código de direito canônico, aborto é um dos casos de excomunhão automática (latae sententiae). Você aí que me lê, talvez você também seja um excomungado e não sabe.
E os meus textos? Começando a rarear. Eu estava inspiradíssimo para viver a poesia da vida, é verdade, mas nem tanto para escrevê-la.
Dos 17 aos 23, trabalhei como contínuo de loja de presentes, escriturário do Bradesco, redator de publicidade, vendedor de malha de Petrópolis, representante comercial de rádio e jornal e, tchan-tchan-tchan-tchan!, fornecedor de lança-perfume para os amigos. É bom registrar, anota aí, que também fornecia para respeitáveis senhoras e senhores da alta sociedade em festas no clube Náutico. Poizé, ganhei uma graninha boa explorando a velha e natural necessidade humana de estados especiais de consciência. Sim, natural, veja o caso das crianças: elas adoram rodar e rodar até cair tontas no chão. E admito que, sim, me aproveitei das donzelas desavisadas, esguichando o cloreto de etila na gola da minha camisa, quer experimentar, cheira aqui, vem logo antes que evapore…
Badauê, Breg Brothers e Belas da Tarde
Minha vida boêmia teve início aos 15 anos, em 1980. Até o início do milênio seguinte fui rato de balcão de duas centenas de bares, entre eles o inesquecível Cais Bar*, na Praia de Iracema, cujo sócio, Ernesto, se tornaria, anos depois, um querido parceiro musical*. Não posso deixar de citar Papito, o homem que mais teve bares no mundo. Num deles, o Outras Palavras, em 1991, eu pregaria no flanelógrafo meu exame negativo de HIV – naqueles dias em que a AIDS nos aterrorizava a todos, foi a melhor maneira que encontrei de fazer autopropaganda.
Porém, eu queria ter o meu próprio bar. Então, em 1988, com os amigos Paulo e Nelsinho, montamos o Badauê*, na Praia de Iracema. Foi um sucesso, graças, principalmente, às nossas namoradas-garçonetes, as estonteantes Silvinha, Roberta e Patrícia, que ganhavam tanta gorjeta que chegavam a nos emprestar dinheiro. No caixa do bar, abusando de seu charme, minha irmã caçula Luce, menor de idade, que aceitou receber o salário em cerveja. E os shows? Putz, cada um mais antológico que o outro. O melhor foi o da banda Os Necessários, do “felomenal” Zé Di Bedis, e o melhor dos piores foi o do grande Toinho Martan, que teve como título esta preciosidade: Eu Não Tô In, Tô Out.
Ai, Badauê… Foi muita birita, muitas noites de libertina alegria que prosseguiam de manhã na barraca Subindo ao Céu e, é claro, muita reclamação da vizinhança. O bar era simples, de estilo rústico e com várias árvores, e no mezanino pusemos colchonetes e redes – era para lá, no meio da madrugada, o bar lotado, que levávamos as amigas que exageravam na birita, para elas dormirem um pouquinho. Poizé, o Badauê tinha essa nobre preocupação social… Aliás, até hoje corre uma lenda que diz que fazíamos altas orgias na caixa dágua, tomando banhos coletivos na mesma água que era usada para lavar os copos. Não nego e nem confirmo, mas deixo aí uma pista para o segredo da receita da nossa supercaipirosca.
Infelizmente, por discordâncias internas, o bar durou apenas nove meses, sim, só isso, fechando em 1989, um fracasso que até hoje lamento. O Badauê brilhou tão intenso e cruzou os céus de nossa juventude tão rapidamente que não temos nenhuma foto desses dias, pode isso, produção?
Enquanto o bar fechava, para compensar a tristeza, surgiam Os The Breg Brothers*, a banda brega satírica que criei com os amigos Jabuti e Cadinho para celebrar a cornagem, e que tinha como vocalistas Dani e Luce, minha maninha, que depois do Badauê se desencaminhara de vez na vida, coitada. Ah, era um velho sonho meu, ter uma banda, compor músicas… Sonho que durou apenas dois shows, que fizemos no Pirata Bar, pois Jabuti foi morar em Teresina e depois esticou para Berlim. Mais um fracasso, para eu deixar de ter ilusões com a vida artística. Não espalha, por favor, mas até hoje me acabo na cachaça a cantar Menina do Lacinho Cor de Rosa.
Em 1990, com a certeza de que ganharia um bom dinheiro, vendi meu fusca, o saudoso Lombriga, e fui com o amigo Dudu morar em Manaus, vender água de coco congelada. Lá estava eu, novamente, a me lançar no mundão incerto, dessa vez me aventurando numa jogada bastante arriscada. Em Manaus, tomei muito guaraná Baré e matei a curiosidade de experimentar cocaína, e logo da pura, e percebi que ela não combinava comigo, pois me deixava muito ansioso. E o negócio da água de coco? Não deu certo. Perdi feio nessa jogada. E nem fui corajoso o suficiente para continuar por lá. Outro fracasso, que me faria, a partir daí, temer as grandes mudanças da vida. Porém, a experiência ao menos renderia, anos depois, um dos meus contos mais conhecidos, O Presente de Mariana*.
E os textos desse período? Quase nada, infelizmente.
Para recomeçar a vida após o fracasso de Manaus, passei a cursar Letras, na UFC, enquanto trabalhava na clínica veterinária de meus pais. Ao mesmo tempo, era produtor de festas temáticas, como A Noite do Rei Lagarto (Como Jim Morrison comemoraria em Fortaleza os 25 anos de sua morte), que fiz em 1991 para o meu ídolo*, e era um dos organizadores de um bloco de pré-carnaval chamado Bonecas da Volta, que depois se chamaria Belas da Tarde*, no qual eu e os amigos, bêbados e vestidos de mulher, desfilávamos pela cidade num trenzinho infantil berrando as músicas da Xuxa. O bando de vândalas invadíamos os hotéis para agarrar os gringos e beber o uísque deles, e ainda pegávamos a lagosta do prato e saíamos comendo. Putz, era muito desmantelo.
Então, estamos agora em 1992. Nove anos antes, eu tivera aquela forte revelação sobre meu destino de escritor, enquanto lia O Encontro Marcado, mas passado todo esse tempo, eu continuava acovardado no mesmo lugar, dividido entre mil afazeres e escrevendo pouquíssimo, o que me deixava cada dia mais frustrado. Eu tenho 28 anos e estou indo para a palestra que mudará para sempre minha vida.
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cap 2 O DESTINO BATE À PORTA
. batismo na conscienciologia
A palestra era do IIPC (Instituto Internacional de Projeciologia e Conscienciologia), que tinha sede no Rio de Janeiro e do qual eu jamais ouvira falar. Soube dela por Eduarda, uma garota que era cliente da clínica veterinária de meus pais, que trabalhava com turismo e com quem eu já trocara umas ideias sobre literatura, música e misticismo.
A projeciologia é um ramo da conscienciologia, que trata de temas como evolução da alma (que o IIPC chama de consciência), experiências fora do corpo (projeções da consciência), energias psíquicas, vida após a morte, reencarnação, espíritos e guias espirituais. As ideias se pareciam com o espiritismo, mas a abordagem se pretendia mais científica e usava terminologia própria, mais técnica e menos moralizante. O IIPC não trabalhava com a hipótese de Deus, mas admitia a existência de seres superevoluídos, já libertos da série de encarnações no plano físico. No geral, a ênfase era no aprimoramento da lucidez do indivíduo, na vida física e nos períodos entre vidas, com o objetivo de se tornar um ser superevoluído.
Eu nunca vira um espírito na vida. Curtia e lia bastante sobre o sobrenatural e praticava exercícios para desenvolver o poder da mente, mas experiências mesmo, nada. Porém, eu tinha uns sonhos… Neles, eu voava livremente pelo céu em passeios bastante agradáveis. Eram sonhos nítidos e detalhistas, e às vezes começavam no minucioso ato de erguer-se, devagar, descolando os pés do chão e subindo às alturas. Num deles, ajudei minha amiga Daniela a voar também, e voamos juntos sobre a cidade, nos deliciando com a paisagem. De manhã, após acordar, eu lembrava deles e era tomado por uma sensação tão boa que por três dias eu me sentia diferente, num raro estado de paz e harmonia com a vida, imperturbável. Esses sonhos se repetiram entre os 21 e 26 anos, mas infelizmente haviam cessado.
Foi justamente por causa deles que fui à palestra do IIPC: esses sonhos talvez fossem experiências extracorpóreas ou, como alguns preferem, viagens astrais. Eu estava muito curioso. E, principalmente, queria-os de volta.
Gostei bastante da palestra, e fiquei empolgadíssimo com a possibilidade de voltar a ter meus sonhos de voo e, uau, até de controlá-los. Com essa motivação, logo depois fiz o curso básico e passei a integrar o grupo do IIPC em Fortaleza, que se reunia semanalmente numa salinha alugada na Aldeota. Eduarda, que me falara da palestra e também fora assistir, também passou a integrar o grupo.
o grupo do IIPC
Agora, aos 28 anos, eu era, pelo menos para o IIPC, um ser que dera o passo inicial em seu processo de despertar. Nas reuniões, estudávamos os livros do instituto e praticávamos os exercícios, que visavam, principalmente, o domínio das bioenergias, a expansão da percepção consciente, a recordação de outras vidas, o contato com seres espirituais e extraterrestres e o controle das experiências fora do corpo. De tudo isso, as viagens astrais e as vidas passadas eram o que mais me interessavam, e, além do mais, elas certamente me dariam material para escrever muitas histórias.
Na organização do grupo estava ele, meu amigo Zé Di Bedis, o felomenal. Por ser de família ligada ao espiritismo kardecista, desde pequeno ele tinha familiaridade com aqueles temas e já tivera algumas experiências que o levaram a conhecer a sede do IIPC e fazer cursos lá, quando morou na capital fluminense em 1991. Ele planejava ser pesquisador do instituto e hospedava em sua casa os professores que vinham para ministrar os cursos. Di Bedis (vamos chamá-lo assim para simplificar, já que seu nome é citado mais de 150 vezes neste livro) era um músico de jazz conhecido, mas seu interesse se voltara aos assuntos do instituto, tanto que vendera sua mais cara guitarra para pagar os cursos e comprar os livros necessários. Na última vez que eu o vira, no bloco Belas da Tarde, meses antes, nós dois estávamos bêbados e vestidos de mulher, ele arrasando de Xuxa do Capeta e eu abalando de Colegial que Levou Pau. Meu amigo tinha um jeito meninão, sempre fora muito popular e era um cara superdivertido, humorista nato. Por tudo isso, fiquei surpreso de reencontrá-lo no IIPC, todo sério e formal.
Frequentando o grupo, fiquei particularmente amigo de duas garotas: Eduarda, que eu já conhecia, embora pouco, e Tata, uma paulista fonoaudióloga que se mudara recentemente para Fortaleza. Assim como Di Bedis, elas eram um pouco mais novas que eu. Não me interessei particularmente por nenhuma, mas elas me impressionavam por terem experiências lúcidas fora do corpo, o que eu e Di Bedis queríamos muito ter.
Explicando. Segundo o IIPC, existe a dimensão física e existem também dimensões espirituais, ou extrafísicas, nas quais a alma pode se manifestar por meio de corpos mais sutis que o corpo físico. Nessa lógica, todos têm experiências espirituais quando dormem, mas a grande maioria não lembra ou lembra delas como sonhos vagos, enquanto uma minoria vive as experiências com lucidez e autocontrole, sabendo que estão fora do corpo, e lembram depois que acordam. Essa lucidez extracorpórea lhes permite realizar serviços assistenciais, como auxiliar almas recém-desencarnadas a partir de vez ou convencer outras a parar de encher o saco dos vivos e ir se tratar nos hospitais espirituais.
Uau, isso era demais! Eu queria muito ter essas experiências lúcidas. Poderia até ajudar os outros, sim, que eu sou um hominídeo egoísta mas não tanto, porém não dispensaria um turismo pelas ilhas caribenhas. Ou, quem sabe, assistir a minha vizinha se masturbando…
– Isso não pode! – trataram logo de me explicar.
– Oxe! Por quê?
– Por causa da cosmoética.
Explicando. Cosmoética é a ética cósmica, um conjunto de princípios morais que devem guiar os estudiosos da conscienciologia. Pois justamente por causa da tal da cosmoética eu não poderia jamais ver a vizinha em seus momentos íntimos.
Ah, que injusto… Era como dar pirulito para criança e dizer que só pode olhar. No meu caso, era pior, nem olhar eu podia. Obviamente, senti-me frustrado. Mas, peraí… E se a vizinha tivesse a fantasia de ser observada?
– Se ela também quiser ser observada?
– Isso. Muita mulher gosta de se exibir.
– Bem…
Naquele momento, senti, esperançoso, que talvez houvesse provocado uma pequena fissura nas leis da cosmoética.
– Afinal, Ricardo, você está no IIPC pra evoluir ou pra fazer sacanagem no astral?
Foi meu primeiro dilema no estudo da conscienciologia. Porém, apesar da chata da cosmoética, fiquei feliz de saber que o tema sexo não era contaminado com noções moralistas, como no espiritismo, mas encarado como um processo natural de troca de energias, que devia ser feito com ética, sim, mas principalmente com lucidez, pois do outro lado podia estar… um vampiro energético, por exemplo*.
Vampiro energético? Uau. Aquilo começava a ficar realmente interessante… Era como ser personagem de um filme de aventura sobrenatural.
Explicando. Na conscienciologia, assim como no espiritismo, os espíritos são seres momentaneamente desencarnados, que vivem na dimensão espiritual, e as afinidades energéticas definem o tipo de companhias espirituais que você tem. Resumindo: há os espíritos amparadores, que são mais evoluídos e nos ajudam a fazer o bem, e os espíritos assediadores, que são menos evoluídos e nos prejudicam. Nas reuniões, um dos exercícios visava aprender a sentir as energias dos espíritos, para saber quem exatamente nos acompanhava. Para isso, sentávamos um de frente para o outro e nos dávamos as mãos. Eu, porém, mesmo me esforçando, não sentia nada. Tata, porém, sempre que sentia minhas energias, não conseguia disfarçar seu incômodo.
– O que você sentiu, Tata?
– Não sei bem… – ela tergiversava, cordial demais para dizer que eu estava espiritualmente mal-acompanhado. – Vamos pedir pra Eduarda sentir também.
Trocamos de lugar. Eduarda e eu nos demos as mãos.
– E aí? – perguntei.
– Acho que senti… Jim Morrison – respondeu Eduarda.
– Sério? Que demais! Come on, baby, light my fire…
Adorei saber disso. Assim como Eduarda, eu era fã do poeta-cantor dos Doors. Aliás, na festa A Noite do Rei Lagarto, que eu fizera um ano antes, o felomenal Di Bedis abalou fantasiado de Pamela, a namorada de Jim. Ao saber quem era Jim Morrison, Tata fez cara de reprovação: Eca…
Que garota chatinha…, pensei. Aquilo era preconceito com poeta doidão, bêbado e mulherengo. Ou, seja, comigo.
tentando sair
Em termos de capacidades sensitivas, Eduarda era tida como a mais dotada. Ela dizia ter uma amparadora muito evoluída, sempre a lhe ensinar. A cada semana, minha nova amiga relatava suas experiências lúcidas, nas quais encontrava todo tipo de gente desencarnada, voava até Paris, duelava contra assediadores… Eu escutava atento, sem saber se podia realmente considerar tudo que ela dizia. Bem, em breve eu também teria, assim esperava, as minhas próprias experiências.
Um dia, Eduarda contou que me encontrara algumas vezes na dimensão espiritual, e que eu, infelizmente, nunca estava lúcido. Putz, fiquei inconformado. Tudo que eu precisava, nessas ocasiões, era perceber que aquele sonho era real, e então, plim!, eu passaria imediatamente para o modo lúcido e teria controle total sobre a experiência. E no dia seguinte talvez lembrasse de tudo.
– E como sou no mundo espiritual, Eduarda? – eu, evidentemente, queria saber.
– Do mesmo jeito. Só não sabe que aquilo é real.
– Então, devo falar umas boas merdas, né?
– Um pouco mais que aqui.
Um pouco mais significava muita, muita merda. Isso era mais um motivo para eu conseguir dominar logo as técnicas. E, assim, mandei ver nos exercícios. Não comia nada antes de dormir e dormia de barriga para cima, para facilitar a saída do corpo astral. Fazia exercícios de visualização com uma vela acesa no quarto escuro e praticava a circulação de energias pelo corpo. Deitava a cada noite animado com a expectativa de ter minha primeiríssima experiência lúcida.
E acordava de manhã frustrado. Tudo bem, esta noite tentarei outra vez, pensamento positivo, vamos lá. Esperanças renovadas, seguia tentando. E acordando frustrado.
Durante o ano de 1992, li os livros recomendados, conversei muito com o pessoal do grupo e pratiquei várias modalidades de exercícios. Cheguei ao sacrilégio de diminuir a boemia, porque dormir bêbado prejudicava a qualidade das experiências e impedia a recordação. Perdi festas imperdíveis porque a energia do lugar não seria boa. Sem falar que eu era o único cara que tinha uma seção secreta na agenda de telefones intitulada VE, ou Vampiras Energéticas – com essas, era mais prudente evitar o primeiro beijo.
Apesar do esforço, infelizmente, não tive nenhuma experienciazinha lúcida. Nem tive de volta meus queridos sonhos de voo. Nem qualquer contato com algum ser não físico, ou sequer uma vaga lembrancinha de uma vidinha passada, embora o IIPC considerasse isso menos importante que o domínio das bioenergias. Tata, Eduarda e Di Bedis insistiam para eu continuar, vamos lá, mais cedo ou mais tarde você vai conseguir, não pode desistir…
Mas eu já tinha enchido o saco.
coisas loucas
Um dia, seis meses depois, estou em casa tentando finalizar um conto erótico quando Di Bedis me liga para contar que ele e as garotas estavam se encontrando para praticar exercícios com Cris, uma amiga da Tata, publicitária paulistana, que passava temporada na cidade e que, dias antes, eu conhecera em rápido encontro.
– Cara, você tem que participar também – ele me convidou, empolgado. – Estão acontecendo umas coisas loucas!
– Que coisas loucas?
– Ah, não vai dar pra explicar por telefone. Aparece lá no apê da Tata.
– Di Bedis, eu deixei o IIPC ano passado.
– Nada a ver com aquele grupo, é uma coisa só nossa.
Eu adorava meu amigo, mas quanto às garotas…
Nos meus últimos dias no grupo do IIPC, eu as considerava esquisotéricas demais para o meu gosto. Tata até que era divertida, mesmo quando tentava ser séria. Ela me parecia uma evangélica caretinha, e me achava um porraloca, com meu estilo artístico-boêmio, minha filosofia hedonista de vida e minha brilhante carreira literária que jamais começava. Bem, ela tinha razão. Quanto a Eduarda, ela estava longe de parecer uma crente careta. Vestia roupas escuras, curtia ocultismo e posava de sensitiva misteriosa, como se soubesse de coisas importantes que ninguém mais sabia, o que inevitavelmente lhe conferia um ar superior, acentuado pelo fato de ser gorda. E Cris, que eu vira apenas uma vez, me parecera ser meio desregulada. Vai ver que, como eu, também fora atropelada e batera a cabeça, ou tomava remédio controlado, pois num momento era muito risonha e delicada, e no momento seguinte parecia a diretora do internato, sisuda e professoral.
Eu gostava das garotas, mas, como diz a piada, para mim elas eram as três irmãs Gracinha: a Sem Graça, a Desgraça e a Nem de Graça. Não necessariamente nessa ordem.
– Então, aparece lá. Oito horas – insistiu Di Bedis.
Eu estava razoavelmente bem comigo mesmo. Voltara a escrever, ufa!, e, mesmo com todos os outros afazeres, planejava finalmente publicar um livro de contos, com a ajuda do amigo Balu, que me permitia usar seu computador. Fazia algumas festas de sucesso com minha amiga Andrea e me divertia bastante com as mulheres, sem maiores compromissos sentimentais. Talvez não fosse bom voltar a me envolver com aquelas garotas estranhas e suas esquisoterices delirantes.
Olhando pelo ângulo de hoje, talvez eu já pressentisse o que poderia vir, e por isso fiquei temeroso. Mesmo assim, aceitei ir reencontrá-los. E, além disso, meu interesse pelo sobrenatural continuava, e em mim ainda resistia a esperança de voltar a ter meus deliciosos sonhos de voo.
Semana seguinte, lá estava eu num bar, a poucos minutos de ir para o motel com uma moreninha mui mimosa, quando de repente… lembrei do convite do Di Bedis. Putz, eu esquecera totalmente. Fiquei na dúvida se devia ir ou não, afinal já era meia-noite… Porém, senti um impulso estranho, algo intuitivo, e, mesmo bastante atrasado e sob protestos do Jeitoso, decidi ir encontrá-los. A moreninha não entendeu nada.
Cheguei ao apê da Tata e quem abriu a porta foi Cris, que me recebeu com um sorriso enigmático:
– Você, heim? Sempre me fazendo esperar.
Como assim?, tive vontade de perguntar, mas Tata me puxou para dentro. A sala estava na penumbra, e vi Di Bedis e Eduarda deitados no chão a meditar ou coisa parecida. Velas acesas, um cheiro danado de incenso e Enya tocando baixinho. Uau… Parecia que eu caíra bem no meio de um ritual medieval de bruxaria. Desculpei-me pelo atraso e perguntei o que acontecia.
– Temos algo importante pra te contar – Tata respondeu com certa gravidade.
Eu não estava gostando nadinha do que via e comecei a me arrepender de ter ido ali. Se eu corresse, talvez ainda pegasse a moreninha mimosa no bar. A curiosidade, porém, foi maior, e me acomodei no sofá. Sentia-me um tanto desconfortável, mas algo indefinível naquela situação me excitava. Os outros levantaram do chão e sentaram também. Foi então que comecei a escutar uma história bem louca.
voltando para Aaran
Nervosa e escolhendo bem as palavras, Tata contou que nos últimos dias eles viveram ali intensas experiências: recebiam visitas de espíritos, lâmpadas estouravam sem explicação, gosmas escorriam das paredes… Umas das experiências foi uma recordação conjunta: Tata, Eduarda e Cris tiveram clarividências que lhes mostraram a vida que viveram, as três juntas, no século 14, na Dinamarca. Com mais dezenas de pessoas, inclusive Di Bedis, elas integravam uma comunidade esotérica na floresta chamada Aaran, que lidava com as mesmas questões do IIPC, mas de um modo diverso.
– Lembramos de mais uma pessoa que viveu com a gente em Aaran – Tata prosseguiu. – Você.
– Eu?!
Surpreso, olhei para Di Bedis. O que ele poderia me dizer sobre aquilo?
– Não lembrei de nada, cara – ele explicou, um pouco nervoso. – Mas escuta aí o que ela tem pra dizer.
Tata explicou que o que estava acontecendo era algo incrível, pois após seis séculos nós todos havíamos nos reencontrado em Fortaleza, e que isso não era algo à toa, que certamente havia um importante propósito por trás de tudo e precisávamos descobrir qual era.
– Se vocês que lembraram não sabem, imagine eu –brinquei, tentando diminuir meu incômodo.
– Mas podemos descobrir… e descobrir muito mais… – disse Eduarda, em seu estilão misterioso.
– O que queremos saber – interrompeu Cris, num tom meio autoritário – é se você quer descobrir, conosco, o motivo de termos nos reencontrado agora, seiscentos anos depois. Ou se prefere ficar fora dessa história.
– Pra ser sincero, eu adoraria lembrar dessa tal vida – respondi. – Se é que ela realmente existiu.
– Podemos começar agora – disse Cris.
– Sério? Como?
Cris olhou para Tata, que imediatamente balançou a cabeça em negação.
– Não vou fazer isso, Cris.
– Acho que você deveria, sim.
– Você não perde a mania de mandar, né?
– E você continua a mesma menina teimosa.
Percebi um certo clima de desentendimento entre elas.
– Tudo bem, vou fazer – disse Tata. – Mas é por ele, não por você.
Tata saiu em direção ao quarto, enquanto Eduarda acendia novamente as velas.
– O que ela vai fazer? – perguntei.
– Tata era uma das dançarinas de Aaran – explicou Cris, ajudando Di Bedis a afastar a mesa e abrir um espaço no meio da sala. – E você a viu dançar muitas vezes.
a dançarina de Aaran
Sentado no sofá, os outros sentados no chão ao redor, esperei que Tata voltasse do quarto, eu ainda dividido entre ficar e sair correndo dali. Ela voltou logo, usando um vestido simples, acima dos joelhos, e descalça. Achei que botariam alguma música para tocar, mas isso não aconteceu.
No centro da sala, iluminada pela fraca luz das velas, Tata postou-se em pé, fechou os olhos e respirou profundamente algumas vezes. Então, com movimentos suaves e ondulados, começou a dançar, enquanto murmurava sons que, apesar de meu esforço, eu quase não escutava.
Achei a dança muito estranha, talvez pela ausência de música, ou então porque era estranha mesmo. Permaneci atento para poder detectar qualquer detalhe que me fizesse lembrar de qualquer coisa que pudesse ser, mas não lembrei de nada. Absolutamente nada naquela performance me pareceu familiar. Está bem, serei bem franco: achei a dança horrível. Senti-me um jurado de programa de calouros, aguardando o fim da apresentação do candidato para lhe ofertar o troféu Vergonha Alheia do Astral.
A dança durou uns cinco minutos, e durante todo o tempo Tata parecia estar bem concentrada, como num transe. No fim, jogou-se ao chão e lá ficou, deitada meio de lado, silenciosa e arfante, o vestido um pouco erguido e a calcinha aparecendo, o que me deixou constrangido. Será que as dançarinas de Aaran usavam calcinha?
Quando entendi que havia terminado, senti-me frustrado. O que de tão especial havia naquela dança? O que podia haver ali para ser lembrado? Logo depois, Tata sentou-se no chão e ajeitou o cabelo despenteado. Olhou para todos e sorriu, meio sem jeito.
– E então? – ela me perguntou, ainda se recuperando do esforço. – O que achou?
– Eu? Ahn… Achei… esquisito.
Todos riram, e isso me fez relaxar um pouco.
– Não lhe veio nada? Alguma sensação, lembrança…
– Ahn… Não.
Pela expressão que os quatro fizeram, senti que eu os decepcionara. Um anticlímax.
– Essa dança era feita num importante ritual da escola – explicou Cris. – Sem a música fica estranho mesmo. Mas acredite, você gostava.
– Bem mais do que pode imaginar… – completou Eduarda, insinuando algo que não compreendi.
– Eu e você éramos muito unidos em Aaran, Ricardo – Tata falou. – Quando percebemos que você não viria, fiz um ritual com velas e usei a energia de nossa relação em Aaran pra te puxar pra cá. Antes das velas apagarem, você chegaria, e você chegou. Não foi muito ético, admito, mas era fundamental que você viesse. Você não fica chateado, né?
E ainda mais aquilo…
– Claro que não. Até porque não foi você quem me puxou. Eu vim porque quis.
Na verdade, eu não entendia por que tinha ido. Pela lógica, não teria jamais abandonado a moreninha no bar.
À porta do elevador, Tata, com sua cordialidade de sempre, agradeceu por eu ter ido e perguntou, quase rindo:
– Você acha que somos um bando de loucas, né?
– Bem…
– Ele acha, sim – falou Eduarda, pondo a cabeça no vão da porta. Falou e sumiu, deixando no corredor o eco de sua risada, que achei meio assustadora.
– Não ligue pras nossas briguinhas. Às vezes, é como se ainda estivéssemos em Aaran…
Quando o elevador fechava a porta, ainda pude escutar a voz da Cris:
– Ele não vai voltar. Conheço meu irmão.
tragédia no trânsito
E, de fato, não voltei. A tal história de vida passada na Dinamarca até que era instigante, mas havia em tudo aquilo uma quase histeria que me incomodava. Ou talvez eu estivesse sendo covarde, como ocorre quando intuímos a chegada do que realmente precisamos em nossas vidas, mas temos medo, inventamos desculpas e fugimos.
De todo modo, os encontros foram suspensos, pois Tata e Cris decidiram viajar. Deu a doida nas doidas e por quatro meses caminharam pelas praias do Ceará, apenas com suas mochilas, acampando, curtindo a Natureza e fazendo amizade com os pescadores e suas famílias, o que me fez mudar meu olhar sobre minhas amigas esquisotéricas. Garotas que faziam aquilo não podiam ser garotas comuns. Doidas, talvez, mas bobas, não. Logo depois, Tata e Cris voltaram a morar em São Paulo e não nos vimos mais.
Naqueles dias de 1993, eu namorava uma bela bailarina* de 20 anos que morava no Rio de Janeiro e passava férias e feriados em Fortaleza. Renata e eu sustentávamos nosso romance interestadual entre cartas, telefonemas e viagens, o que nos exigia certo malabarismo de agenda e finanças. Entre idas e vindas, brigas e recomeços, nossa história durou um ano, intensa e poética. Mas infelizmente trágica, pois Renata morreria no fim do ano em Fortaleza, vitimada por um tiro disparado na direção do carro no qual estava com amigos, após uma discussão de trânsito. Foi uma tragédia que me atingiu fortemente, ainda mais porque na noite fatídica ela me chamara para sair e eu recusei, por estar cansado, uma tragédia que ainda hoje me revolta, pois o assassino segue solto.
Então, fiz o que muitos fazem nessas ocasiões sem perceber: reprimi a tristeza para evitar sofrer e bloqueei as lembranças do que vivemos. E, se eu já tinha medo de me entregar em meus relacionamentos, o medo cresceu e passei a me resguardar ainda mais. Atitudes ingênuas e medrosas, sim. Típicas do belo covarde que eu estava me tornando, eu que me gabava de ser aventureiro da vida, mas que não ousava vivê-la por inteiro.
Intocáveis Putz Band
Se minha vida não estava economizando em intensidade, o ano de 1994 pegaria ainda mais pesado. Agora, eu tinha uma nova banda, a Intocáveis Putz Band*, criada por meu amigo Toinho Martan. Inspirados pelo pop-rock da Blitz e pelo funk-inferninho de Fausto Fawcett, tínhamos vocalistas hipnotizantes e nossos shows transbordavam de irreverência e performances imprevisíveis. Tocávamos músicas nossas e também sucessos consagrados, e a preferência era pelo rock funkeado, mas tocávamos também blues e umas pitadas de disco, forró raiz e bregão de cabaré, e o fio condutor dessa salada musical era o bom humor e a sacanagem. Eu e meus amigos Martan, Karine, Emílio, Flavio e Nonô queríamos apenas nos divertir, e quem quisesse também, era só chegar junto, e muitos chegaram, entre músicos, cantoras, produtores e admiradores.
A Intocáveis Putz Band me enchia os dias com ensaios e shows, tietes generosas e toda aquela grande festa libertina de sexo, drogas e roquenrou. Se eu já tinha dificuldades com a monogamia forçada, tanto a sexual como a afetiva, elas aumentaram. Você sabe, numa banda de sucesso o feio vira engraçadinho e o engraçadinho vira lindo – então eu tratava de aproveitar minha fase de falso lindo, mantendo-me solteiro e me apaixonando duas vezes por semana, o que exigia bastante do Jeitoso. Eu era um sátiro e Fortaleza era um bosque cheinho de ninfas a me atrair com suas minissaias e seus sorrisinhos de falso pudor. E para sair à noite, o sátiro pegava emprestado o carro da clínica veterinária. Na maioria das vezes, era assim: a ninfa descia do prédio toda bonita e perfumada e, quando percebia que iria sair numa ambulância de cachorro, desistia. Mas algumas achavam a coisa, digamos, meio exótica… Tem gosto para tudo.
E assim eu ia, prosseguindo aos trancos e barrancos com o curso de Letras, o trabalho na veterinária e a produção de eventos e festas temáticas, e escrevendo cada vez menos. O dia tinha 36 horas, e a noite tinha o dobro. Que coisa… Como eu podia ter tanta energia e fazer tanta coisa? E olhe que eu nem cheirava cocaína nem bebia energético, era só álcool mesmo, e vez em quando um baseadim. Na verdade, meu verdadeiro combustível era a poesia da vida, principalmente a que vinha da mulher. Eu nada entendia sobre psicologia dos arquétipos, o que só ocorreria após me iniciar nas ideias de Jung*, mas já sabia do grande poder e fascínio que o feminino exercia sobre mim.
A Intocáveis se tornava rapidamente conhecida em Fortaleza. Líderes da banda, Martan e eu realizávamos um velho sonho, compondo juntos e nos divertindo bastante. Como eu não era cantor e nem tocava nada, me dedicava à produção e minha participação nos shows se dava nos vocais de apoio e protagonizando números performáticos, como os dois manifestos. Um deles era o Manifesto das Bem-Aventuranças, em que eu encarnava o profeta da sagrada putaria: metido num manto escuro com capuz, feito monge medieval, homenageava os excluídos do Sermão da Montanha, com destaque para artistas, putas e travestis. O outro era o Manifesto Neomaxista Liberal, em que eu gritava em tom panfletário, com humor sacana, os direitos do homem pós-moderno, e esse se tornou o ponto alto do show, sempre com intensa participação da plateia, homens apoiando e mulheres a vaiar. Era uma grande gozação com o machismo e o feminismo, em que exigíamos, entre outras coisas, o direito de ter um diário, de espelho no banheiro masculino, de uma delegacia do homem, de ver os gols da rodada no motel, de dormir dentro e de brochar sem ter que dar explicação. Festa é o que nos resta – esta era a minha filosofia.
conflito interno
Nove meses de banda, cada vez mais shows na agenda, o cachê aumentando, convites para outras cidades, eu surfando nas ondas do sucesso – a vida era um caleidoscópio a girar cada vez mais rápido. O Brasil vivia o início do Plano Real, que finalmente nos traria redução da inflação e estabilização econômica, e levaria Fernando Henrique Cardoso ao seu primeiro mandato como presidente. Tempos de esperança. Mas, e a literatura?
Antes da Intocáveis, eu começara a publicar crônicas em jornais e preparava meu livro de estreia, de contos – que felizmente não cheguei a publicar, senão seria mais um filho renegado, de tão ruim que era. Porém, com a banda, parara de escrever, o que voltou a me angustiar, ainda mais que antes. Algo em mim sabia que eu não seguia o caminho essencial da minha vida e que jamais me realizaria de verdade se não me tornasse escritor profissional, e que aquilo que eu vivia, embora também fosse verdadeiro, não era prioridade. Se eu queria uma carreira literária, teria que me dedicar muito mais e abdicar da banda, pois seria impossível conciliar as duas coisas. Mas não tinha forças para fazer isso.
Sim, era o clássico conflito interno, no qual eu evitava pensar. E era exatamente por isso que o conflito crescia perigosamente na escuridão do inconsciente. Aos 29 anos, eu sentia cada vez mais fortes os cutucões do deus Saturno, senhor do tempo e da razão, chamando-me para a responsabilidade de assumir meu caminho verdadeiro.
Um dia, alguém da família me falou que acordara na madrugada anterior e me ouviu a trabalhar, tec-tec-tec, em minha máquina de escrever. Porém, eu não dormira em casa naquela noite. Depois, outros familiares contaram que também me ouviram trabalhar de madrugada, e, novamente, aconteceu em noites em que eu dormira fora. Que estranho… Depois, minha tia, que se hospedava lá por uns dias, também ouviu o tec-tec-tec da máquina numa madrugada em que eu não estava em casa, e meus pais lhe explicaram que aquilo era comum, não se assustasse. Como somente eu possuía a chave do quarto e ele ficava trancado quando eu saía, cogitou-se que seria o espírito de algum escritor, apesar dele nunca deixar algo escrito. E eu? Restava-me rir da coisa toda, e até torcia para o tal fantasma surgir para mim. Mas, por enquanto, chega. Prometo que volto ao assunto mais adiante.
Então, Eduarda me avisou que Tata, que agora morava no Rio de Janeiro, estava na cidade, e fui reencontrá-las, matar a saudade das minhas alopradas amigas esquisotéricas. Falei-lhes da banda e contei das participações especiais que Di Bedis fazia nos shows, fantasiado de Chapolim Colorado, e do quanto eu estava me divertindo.
– Você está bem, Ricardo? – Tata perguntou.
Pergunta estranha. Repentina e estranha.
– Eu tô ótimo – respondi, como alguém que diz uma grande obviedade.
– Tem certeza?
– Sim, certeza. Bem… na verdade…
Não precisei falar muito sobre meu momento – de alguma maneira, Tata e Eduarda pareciam saber. Contei que desde aquela noite no apê, um ano antes, eu esquecera dos assuntos do além e nem tinha mais tempo para aquilo. Para minha surpresa, elas revelaram que semanas antes estiveram numa das apresentações da banda.
– Que pena, não vi vocês. A casa estava lotada.
– Viu, sim – Tata refutou. – Você até me mandou um beijo lá do palco, não lembra? Um beijo pra minha amiga de outras vidas…
– Sério? Putz, não lembro. Eu estava bem alucinado. – E era verdade. Naquela noite, agarrei até minha irmã caçula, tascando-lhe um beijão na boca.
– Era aniversário do Jim Morrison, e acho que ele baixou em você. Dessa parte, eu gostei – comentou Eduarda, rindo, e ri com ela.
Entretanto, elas contaram que, apesar da alegria reinante no show, sentiram energias perigosas ao meu redor.
– Você precisa despertar de vez, Ricardo. Antes que seja tarde.
Não me senti à vontade com aquele assunto. Sempre que eu as encontrava, ficava dividido entre sensações confusas. Mas talvez estivessem certas. Às vezes, eu tinha mesmo a impressão de estar sonhando, de que tudo que vivia era de uma realidade onde eu não devia estar. Mas, ao mesmo tempo, a Intocáveis era a realização de um velho sonho, e eu não podia largá-lo, ainda que isso sufocasse meus planos de ser escritor.
Nesse dia, elas demonstraram entender o meu conflito. E me informaram que no fim de semana aconteceria em Fortaleza um estágio avançado do curso do IIPC.
– Tem show neste fim de semana, Ricardo?
– Não. Nem ensaio. Mas não me interessa, obrigado.
– Waldo vai estar presente. Se você fizer o curso, podemos tentar que ele converse pessoalmente com você. Quem sabe ele te ajuda a ter experiências lúcidas, ou te dê esse impulso que falta pra você despertar.
Impulso que falta… Sim, fazia algum sentido. Talvez fosse isso que eu precisava, um empurrão.
Waldo era o fundador e presidente do IIPC. Tinha sessenta e poucos anos, morava no Rio e às vezes viajava para participar daqueles cursos avançados. Senti voltar um pouco da esperança. Talvez Waldo pudesse me ajudar ao menos a ter de volta meus saudosos sonhos de voo. Senão ele, quem mais poderia? Além disso, seria uma boa oportunidade de conhecer pessoalmente aquele que para muitos era um grande guru.
– Ok, Tata – respondi, confirmando presença no curso. – Mas sei que muita gente sempre quer falar com Waldo, e ele não tem tempo de atender todo mundo.
– Deixe isso para os nossos amparadores – ela respondeu, risonha. Mas percebi que falava sério.
com Waldo
Fiz o curso, que aconteceu num hotel, e que não me empolgou, o que me deixou arrependido de ter gastado meu pouco dinheiro naquilo. Porém, Tata me avisou que o plano dera certo e que meu encontro com Waldo estava marcado para o dia seguinte, no hotel. Fiquei surpreso. Caramba, esses amparadores eram competentes…
Na hora marcada, lá estava eu, aguardando. E Waldo chegou. Ele não passava despercebido. Vestia sempre branco, cobria a careca com um chapéu branco e mantinha uma comprida e imponente barba branca. Mineiro de nascimento e médico de formação, ele fora na juventude amigo próximo e parceiro do espírita Chico Xavier, com quem escreveu livros psicografados e ajudou a popularizar a doutrina kardecista nas décadas de 1950 e 60. Após se afastar do espiritismo, Waldo continuou suas pesquisas na área da mediunidade, escreveu livros e em 1988 fundou o IIPC. Lá, ele era não apenas o presidente, mas uma espécie de mentor de reconhecidas capacidades paranormais, uma alma evoluída a quem seus discípulos não ousavam questionar. Ele morreria em 2015, aos 83 anos.
O presidente Waldo me recebeu no salão dos cursos e, apesar de cansado, foi atencioso. Constatei logo que estava diante de um indivíduo perspicaz e de mente muito ágil. Fiz-lhe um breve resumo do meu momento e contei dos meus esforços, dos exercícios feitos, dos livros que lera… Ele escutou e depois esfregou as mãos e segurou minha cabeça com as pontas dos dedos. Fechei os olhos e pude sentir o calor de suas mãos. Segundos depois, ele as retirou e falou:
– Continue tentando.
Putz… Eu esperava qualquer coisa, menos um “continue tentando”.
– Só isso? – perguntei, sem disfarçar a frustração.
Ele me olhou firme nos olhos. Senti dificuldade de sustentar o olhar, aguardando o que ele diria. E o que ele falou, num tom tranquilo, foi:
– Você se acha muito esperto, não é?
Fiquei surpreso com aquela pergunta, que na verdade era uma afirmação.
– Um pouco – respondi, sem saber o que dizer.
Ele, porém, estava certo. Waldo me desmascarava, olhando em meus olhos. Ali, subitamente confrontado com a verdade sobre mim mesmo, não tive condições de assimilá-la, o que só aconteceria anos depois. Ele deu um tapinha em meu ombro e levantou-se. E nosso encontro de cinco minutos terminou.
Voltei para casa numa tristeza resignada. Continuar tentando? Não, na verdade seria começar tudo de novo. E eu não estava nem um pouco disposto a começar de novo. Contei para Tata e Eduarda o que ocorrera e agradeci pelo que fizeram. E fui cuidar da vida. No plano físico.
as gatinhas do Di Bedis
E a vida no plano físico seguiu ainda mais caleidoscópica. A Intocáveis estava a cada dia mais conhecida na cidade, a postura tornava-se mais profissional e, com menos de um ano de existência, a banda alcançava um estágio que a grande maioria demora mais tempo para alcançar.
E havia também a Caboca (Confraria Cearense de Apoio às Boas Causas), uma espécie de maçonaria da putaria que eu criara com uns amigos desocupados, que duraria uma década e, além das festas, tinha como principal missão eleger as 10 Mais do ano, aquelas dez mulheres que mais se destacaram, segundo os nossos critérios, claro. Como as eleitas ganhavam ótimos prêmios, como ingressos de cinema e crédito em lojas, restaurantes e pousadas, toda mulher sonhava ser uma garota Caboca, o que exigia de nós, diretores, muita disposição para nos mantermos atualizados.
Certa noite, bebendo num bar, recebo um bilhete de uma linda candidata a 10 Mais. No papel, na tinta azul da caneta, ela generosamente elencava sete qualidades referentes a minha pessoa. Li e guardei no bolso da calça. Horas depois, em casa, despertei na madrugada, um tanto angustiado. Acendi a luz do abajur, peguei o bilhete e reli minhas sete qualidades: tolo, burro, imaturo, covarde, ridículo, medroso e altamente superficial. Só verdades.
Mas o caleidoscópio girava, e não havia tempo para reflexões profundas. E, assim, o conflito interno se intensificava. De um lado, o sonho distante de uma carreira literária, e do outro, o sonho de ter uma banda, que já era real. A única forma de não pensar no conflito era ocupar as 36 horas do dia trabalhando e estudando e as 72 horas da noite me anestesiando com mais shows, birita e casos descompromissados. Passei a descuidar da saúde, como se a vida já não valesse muito, e incidentes e acidentes tornaram-se frequentes. Eu vivia intensamente o teatro colorido da alegria para não lembrar que, na penumbra dos bastidores, não tinha forças para reagir.
Então, o portal se abriu…
Numa tarde, fim de dezembro de 1994, Di Bedis me ligou, convidando para sair com duas garotas que ele conhecera.
– Duas gatinhas, cara. Fortíssimas candidatas a 10 Mais. E estão a fim de sexo selvagem!
Grande Di Bedis, cumprindo honrosamente seu papel de descobridor de talentos da Caboca.
– Oba! É pra quando?
– Pra hoje. Passo aí às cinco pra te pegar.
– Vamos beber o quê?
– Compramos no caminho.
Um pente no cabelo, duas xiringadas de desodorante no sovaco e seis camisinhas no bolso depois, estou pronto. Saio para a rua e quando abro o portão… quem vejo no carro com meu amigo? Elas, as mirabolantes esquisotéricas, Tata e Eduarda.
– Entra aí, bora dar um passeio – Di Bedis falou, rindo da minha cara de idiota, que, na verdade, sempre foi a minha verdadeira cara.
Fiquei imóvel, sem conseguir processar aquela informação. Eu podia sentir meus neurônios explodindo pela absoluta divergência entre o que eu esperava e o que de fato acontecia.
– Ah, não… vocês de novo…
– Nós não vamos te largar, Ricardo! – respondeu Tata, passando para o banco de trás.
Senti-me o maior dos estúpidos por ter caído na pegadinha. Logo eu, que me achava tão esperto… E com aquelas duas eu sabia que tudo que jamais rolaria era sexo selvagem.
Ali, parado na calçada, tive uma forte sensação de algo importante e decisivo… Acho que foi aí, pela primeira vez, que tive o entendimento intuitivo da existência dos portais conscienciais. Eu estava diante de um deles. Sua mente sabe, seu corpo também sabe, o ser acusa por inteiro, como um alarme. Imediatamente, você sabe que toda a sua vida futura depende da decisão que tomará nesse momento. Você sente medo. Se decidir cruzar o portal, não poderá mais retornar. Se recusar, ele se fechará para sempre e você jamais saberá o que o aguardava do outro lado.
Tentei ganhar tempo para avaliar racionalmente as minhas opções. A situação, porém, não podia ser resolvida pelo intelecto – era algo que dizia respeito somente à intuição. Então, entrei no carro, resignado. Eu, um carneirinho rumo ao abatedouro.
revelações nas dunas
Di Bedis dirigiu para as dunas do lado leste, rumando para o município praiano de Aquiraz. Eu, que sempre tive no intestino o fiel termômetro de meu estado emocional, estava quase pedindo para parar o carro em algum lugar para poder ir ao banheiro. Nervoso, perguntei o que tinham para me dizer, mas Tata respondeu que só contariam quando chegássemos. Todos eles riam, se divertindo com meu ridículo suplício, mas havia uma tensão no ar. Meia hora depois, estávamos no alto de uma duna, sob o céu do entardecer.
– Nós já vimos óvnis aqui, sabia? – comentou Eduarda, admirando o céu enquanto sentávamos na areia.
– Sério?
– Quem sabe eles aparecem hoje. Em sua homenagem.
Eduarda sorriu e piscou um olho para a amiga. Tata sorriu também, mas logo ficou séria novamente.
– Não foi muito legal te enganar, Ricardo, eu sei, mas não havia outra maneira de te fazer vir aqui – Tata se desculpou, meio sorrindo, meio grave.
– Naquela noite, vocês me atraíram pro apartamento com rituais mágicos. Agora, apelaram pros meus instintos sexuais. É claro que não perdoo – brinquei. Ou não. Talvez tenha sido sincero. – Mas vamos em frente.
– Eu e Eduarda estamos morando no Rio. Decidimos vir a Fortaleza porque temos coisas urgentes pra revelar a vocês. Já falamos com Di Bedis ontem. Agora, é sua vez.
Silêncio.
– Ricardo, sua vida nesse momento corre perigo.
Engoli em seco. Aquelas palavras soaram duras para mim. Certamente porque era verdade.
– Vamos te explicar. Só pedimos que escute tudo, tá?
Olhei para eles. Di Bedis estava sério. Eduarda sorria naquele seu jeitão misterioso. E Tata me olhava de uma maneira calma e amistosa. Havia uma certa solenidade no ar. Sacudi a cabeça, entregue.
– Bem, eu já tô aqui, né? Pode começar.
Tata explicou que ela e Eduarda mantinham contato frequente com seus amparadores, e que eles as ajudavam a entender o que acontecia comigo.
– E você também tem um amparador.
– Sério? – perguntei, curioso a respeito do espírito que escolhera um cara como eu para guiar. – É o Jim Morrison?
– É uma mulher. Chama-se Paola. Bonita, de muita classe. Tem certeza que você nunca viu ou sonhou com ela?
– Com certeza eu lembraria.
Tata sorriu, sempre cordial, mas retomou a seriedade e prosseguiu. Disse que elas descobriram que nós todos, Cris incluída, éramos um grupo de almas que evoluía junto pelas sucessivas encarnações, um grupo cármico, e que nos reencontráramos porque tínhamos missão importantíssima a cumprir: ajudar a humanidade a passar para o novo nível de sua evolução espiritual. E para isso teríamos que nos integrar mais ao IIPC, que era a continuação moderna de Aaran.
Tata explicou que a humanidade vivia um momento evolutivo crucial, pois a Terra precisava passar para outro nível energético e somente os mais evoluídos seguiriam vivendo aqui, e o restante sofreria um processo de transmigração, com suas almas enviadas para um planeta mais atrasado. Isso era necessário, senão a parte menos evoluída destruiria o mundo com sua ganância capitalista, as ideologias fascistas, o fanatismo religioso e a negligência ecológica. Seres espirituais superevoluídos monitoravam os acontecimentos com discrição. Os terráqueos que ficassem formariam a nova humanidade, mais harmoniosa e mais justa, sem guerras nem religiões, e o nosso grupo tinha papel fundamental no processo, pois, com nossas capacidades paranormais, a experiência em Aaran e os amparadores, podíamos ajudar o instituto a atuar melhor.
– E nós temos um líder – Tata falou.
– Quem? – perguntei, achando aquele papo muitíssimo louco. Mas estava curioso.
Ela não respondeu. Olhei para os outros. Di Bedis estava de cabeça baixa, como se não se sentisse à vontade com aquele assunto. Eduarda estava séria. Tensão no ar.
– Você – respondeu Tata, num meio-sorriso nervoso.
– Eu?! Tá de sacanagem.
– Você é o nosso líder, Ricardo – ela confirmou, olhando firme em meus olhos.
saltando
Evidentemente, aquilo era um absurdo total. As meninas fumaram maconha estragada, só podia ser. Eu, o maior pinguço do pedaço, líder de um quinteto esotérico que iria salvar o mundo? Mas como, se eu não tinha qualquer capacidade paranormal, não via espírito, não lembrava de vida passada, nada? Elas eram as fodonas naqueles assuntos, não eu. E foi justamente isso que em seguida argumentei. Tata riu.
– Isso foi uma grande surpresa pra nós também. Mas os amparadores nos garantiram. E disseram também que você tá influenciado por assediadores, e por isso tá destruindo sua vida. E, caso não siga sua proéxis, em breve poderá acontecer… ahn… algo muito sério com você.
Explicando. Proéxis (pronuncia-se proécsis) é a programação existencial do indivíduo, elaborada por ele e seus amparadores no plano espiritual, antes de reencarnar. No popular: a missão de vida.
– Algo muito sério tipo o quê? – indaguei.
– Doenças, acidentes – respondeu Tata.
Bem, isso não é novidade, pensei.
– Ou algo pior… – falou Eduarda, muito séria.
Senti um calafrio. Aquilo tudo era muito louco, mas… pensando bem, fazia certo sentido. Em alguma parte profunda de mim, aquelas palavras se abraçavam com meu velho anseio de viver os mistérios e a sincera esperança de que tudo aquilo realmente existisse. E era um abraço numinoso, que tinha a força das coisas antigas e sagradas. Caramba, o que poderia ser mais emocionante que atuar numa missão pelo futuro da humanidade?
E quanto a ser líder? Bem, não me era uma função estranha, pois sempre tivera tendência a liderar grupos. E quanto a estar afastado da minha proéxis, não foi nenhuma surpresa escutar isso: eu sabia que não estava em meu melhor caminho. A diferença é que agora tudo parecia tão óbvio…
– Pense bem, Ricardo – prosseguiu Tata. – Talvez seja um modo de realizar seu sonho de ser escritor. Não é o que mais deseja? Você vai poder escrever sobre esses temas e publicar pelo instituto.
Ser um escritor profissional… Meus olhos devem ter brilhado nesse momento.
– Eu e Eduarda voltaremos pro Rio, queremos ser pesquisadoras do instituto.
– E Cris?
– Ficará em São Paulo, mas manteremos contato e nos encontraremos. Pense bem, por favor. Com você e Di Bedis, estaremos os cinco juntos outra vez, e seremos mais capazes.
– Como já havia dito antes, eu vou – Di Bedis falou.
– Não sei… – murmurei, procurando organizar as ideias. – Como vou largar tudo assim, de uma hora pra outra?
Ninguém respondeu à minha pergunta. Mas, no íntimo, eu sabia a resposta.
Eu tinha um destino, vislumbrado ainda criança, quando me recuperava da pneumonia, e o voto fora renovado aos 18 anos, após ler O Encontro Marcado. Nos últimos anos, porém, esse destino a cada dia fugia um pouco mais e eu não tinha forças para segui-lo. E isso estava me matando. Naquele dia, meu destino de repente ressurgiu. Acho que este trecho ficaria mais belo se eu dissesse que pensei em grupo cármico, causas humanitárias, salvar o mundo… Mas, não. O que reluzia à minha frente era a minha carreira literária. Eu pensei em mim.
Já é noite no alto das dunas. O portal ainda está aberto, eu posso senti-lo, até mesmo com o corpo, como se sente um abismo logo à frente. E sinto também que logo se fechará. Sabe aquela cena clássica de 2001, Uma Odisseia no Espaço, em que o hominídeo primitivo descobre a utilidade de um osso como ferramenta? Milhões de anos depois, ali nas dunas, eu sou um hominídeo moderno, menos peludo mas igualmente espantado diante da própria epifania, e a ferramenta que me levará ao meu futuro é a minha compreensão do fato. Serei, mais uma vez, covarde?
Não, não serei.
Então, respiro fundo e salto.
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cap 3 DO OUTRO LADO DO PORTAL
. o livro de Aaran
Dias após o encontro nas dunas, Tata me passou uma cópia do livro sobre nossa suposta vida no século 14, contada em forma de romance, que ela escrevera e planejava publicar com ajuda do IIPC. Tata achava que a leitura do livro poderia ajudar a me trazer as lembranças.
Li Aaran numa noite, e gostei. Tata não era das letras mas conseguira criar uma trama envolvente, e os conflitos entre os personagens me soavam autênticos. Baseado nas lembranças de Tata, Cris e Eduarda, o livro narra o cotidiano de Aaran, a escola esotérica onde mestres e discípulos viviam em comunidade numa floresta da Dinamarca, lidando com domínio de energias psíquicas e experiências fora do corpo. No clima de terror causado pela Inquisição Católica, que ganhava a Europa, Aaran era um espaço de resistência, onde conhecimentos esotéricos deveriam ser preservados. A maior dificuldade, porém, estava na própria comunidade: os conflitos internos terminariam por levá-la a fechar as portas, fazendo com que todos os seus integrantes partissem, seguindo seus caminhos individuais. Um fim melancólico.
A protagonista era a própria Tata, que na história era Orian, uma garota que se envolvia mais do que devia com a realidade espiritual, o que a prejudicava em seu dia a dia. Em Aaran, uma vez por mês, todos participavam do importante ritual da Lua Negra, no qual Orian era a dançarina principal. Uau… Quem diria que aquela garota desajeitada pudesse ter sido uma chacrete mística do século 14…
Meu personagem chamava-se Aidon. Era irmão de Taena (Cris), uma respeitada mestra, e na juventude foram amantes. Em Aaran, o sexo não era envolto em noções de pecado, como no cristianismo, mas constituía-se em prática importante para a saúde física e psíquica, e o sexo entre irmãos era permitido. Eles eram filhos do líder espiritual da escola, mas Aidon abdicara do futuro que o aguardava, ser um mestre e substituir seu pai, e vivia viajando pelo mundo, voltando com livros e novidades de outras culturas.
Livros?, pensei. Putz, não evoluí nada nesses séculos todos…
Taena ainda era apaixonada pelo irmão e não o perdoava por ele ter renunciado ao seu cargo como líder da comunidade. E tinha ciúmes de seus envolvimentos com suas discípulas, principalmente Orian.
Alira (Eduarda) era a cozinheira da escola, que conhecia os segredos das ervas, uma personagem ambígua, com quem alguns não simpatizavam. E havia também Andrija, uma outra dançarina. Ai, Andrija… Ela era bonita, meio maluquete e safadinha, ou seja, era o suprassumo da tentação escandinava. Pois bem, adivinha quem era Andrija, adivinha. Você não vai adivinhar. Era o Di Bedis. Uau! Sim, meu amigo fora uma mulher em Aaran, e isso viraria motivo de eternas piadas no grupo. Eu não deixava barato.
– Pô, Di Bedis, tu era dançarina de Aaran. Hoje, não consegue nem acompanhar um cabo de vassoura na dança…
– Elas que lembraram, cara – ele respondia, pouco à vontade com o assunto. – Eu não lembrei nada disso.
A piada maior, no entanto, era com o fato de que a maluquete Andrija e o viajante Aidon… os dois… hummm… Adivinha. Isso mesmo, eles tinham um rolo. Eu e Di Bedis fôramos amantes numa vida passada, eu, homem, e ele, mulher.
– Caramba, Di Bedis. Tu piorou muito, viu?
– Vai te lascar.
– Lembra daquela noite em que nós demos uma escapulida no meio da Lua Negra, fomos pro mato e…
– Não, lembro não. Nem quero lembrar.
Façamos as contas. Minha irmã Taena fora minha amante, eu tinha um rolo com sua discípula Orian e ainda chafurdava nos lençóis da taradinha da Andrija, ai, Andrija, que também tinha um rolo com Orian. Isso significa que, tirando Eduarda, em Aaran eu fui para a cama, e também para a sombra dos carvalhos, com todo aquele meu grupo de amigos. Bem, na verdade, para baixar minha bola, isso não significa muito, pois em Aaran o sexo era disciplina obrigatória no aprendizado espiritual.
Durante a leitura do livro, tive sensações curiosas e senti certa familiaridade com tudo aquilo. A história me fez, subitamente, ser mais simpático com a teoria reencarnacionista. De fato, identifiquei-me com Aidon, o viajante estudioso das culturas, e senti que, se existia reencarnação, eu poderia mesmo ter sido ele. No fim, fechei o livro e, enquanto aguardava chegar o sono, experimentei uma nova felicidade, feita da intuição de que encontrara um caminho, muito inusitado, sim, mas um bom caminho para seguir.
óvnis em Guajiru
Guajiru é uma cidadezinha no litoral oeste cearense, que Tata e Eduarda conheciam. No primeiro fim de semana do ano novo, nós quatro fomos para lá. Segundo elas, era um lugar especial, com alta concentração energética, uma espécie de chacra geográfico do planeta, e que naqueles locais os etês costumavam fazer contato. Elas diziam que entre os moradores corriam relatos de avistamentos de óvnis e que lá havia um garotinho especialíssimo, que era um dos etês do bem que estavam encarnando na Terra com a missão de auxiliar os humanos na mudança de nível evolutivo. Elas pressentiam que lá os etês fariam contato com nosso grupo.
Nos dias que antecederam a viagem, fiquei ansioso, e até tive um pesadelo, no qual uma nave pousava em Guajiru, próximo de nós, e um etê saía dela:
– Olá, terráqueos. Levem-me ao seu líder.
– O líder é ele! – Meus amigos apontaram para mim.
– Cês tão de sacanagem… – E os etês começavam a rir.
Poizé. Para mim, ser o líder daquele grupo continuava sendo algo difícil de aceitar, mas eu já admitia para mim mesmo que aquele era o meu grupo, e que, se preciso fosse, iria com eles até mesmo para outro planeta, ainda que tivesse de suportar zombaria de etê.
Em Guajiru, conheci o tal garotinho e… putz, não é que ele tinha mesmo jeito de etê! Chamava-se Isaac, tinha uns olhos estranhos, grandes e meio puxados, um jeito calado e desconfiado… Segundo Tata e Eduarda, ele não sabia que era um etê, mas lembraria quando crescesse. Pelo bem da humanidade, aquele garotinho deveria ser preservado, pois os mega-assediadores certamente já sabiam dele e tudo fariam para eliminá-lo. Babado forte. Mas eu tinha dúvidas.
– Como vocês sabem que esse curumim é um etê?
– Os amparadores nos disseram, Líder. Você não viu o jeito estranho dele?
– Vi. Mas acho que o coitado tá assustado com vocês, isso sim.
O assunto era muito sério para as meninas, mas eu não resistia a umas piadas. Queria que tudo aquilo fosse verdade, porém não conseguia crer do mesmo jeito que elas e Di Bedis. Mas vamos aos óvnis que é o que interessa.
Ao anoitecer, deixamos a pousada e verificamos o céu: poucas estrelas, ótimo. Subimos o morro mais alto e nos posicionamos virados para o mar, sentados na areia. Soprava um ventinho frio. Havia um clima de reverência no ar. A qualquer instante, algo incrível aconteceria.
Estávamos em silêncio, concentrados, quando, de repente, plic, plic, plic… O que é isso? Plic, plic, plic… Gotas. Gotas dágua. Cabruuum!, começou a trovejar. E ventar forte. E chover muito. Em um minuto, desabou uma chuva tão pesada que não tivemos outra opção senão levantar, descer o morro numa correria louca e voltar para a pousada, onde chegamos ensopados e cheios de areia, botando os bofes para fora. Disco voador que é bom, nada. Dia seguinte, pagamos a conta e voltamos para Fortaleza, absolutamente frustrados.
Dias depois, as meninas me mostraram uma notícia no jornal: outro caso de avistamento de óvnis ocorrera em Guajiru, três dias depois daquele fim de semana.
– As naves ficaram presas no trânsito – brinquei.
– Ou nossa energia não estava boa, e eles preferiram não aparecer – sugeriu Tata. – Precisamos nos harmonizar.
desarmonias
Sábias palavras. De fato, não éramos o melhor exemplo de harmonia. Discutíamos por mil motivos e havia conflitos de egos. E eu era um líder absolutamente incapacitado. Além de não me convencer da existência daquelas coisas, eu, ingênuo, não percebia as sutilezas das nossas relações pessoais, o que as garotas viam bem e, por isso, manipulavam as situações. E ainda havia o fato de Eduarda e Di Bedis acharem que eu e Tata formávamos uma dupla evolutiva (pessoas que evoluem juntos no amor romântico em suas proéxis combinadas) e por esse motivo deveríamos namorar, o que nos constrangia, pois não tínhamos interesse. E se éramos mesmo uma dupla evolutiva, então eu estava novamente me afastando de minha proéxis, que merda.
Quanto a Eduarda, ela frequentemente era acusada de usar seus poderes sensitivos para brincar com todos nós, e era óbvio que gostava de ser temida. Se estava tranquila, era doce e companheira, mas o comportamento ambíguo nos causava desconfianças. Di Bedis, por sua vez, não tinha problemas com as garotas, mas, embora não expressasse, e isso eu só saberia depois, não aceitava bem o fato do líder ser eu e não ele, que era ligado ao IIPC havia mais tempo e estudara os livros do instituto.
Quanto a Cris, como voltara a morar em São Paulo, sua participação se dava a distância, sem tanto envolvimento. Ainda assim, entre ela e Tata ressurgiam questões pendentes de Aaran, como se aquela vida ainda prosseguisse no presente: você não me obedeceu naquele piquenique na floresta, você não devia ter dançado nua para Aidon, você usou sem avisar o meu vestido comprado no Reino da Suécia, e ainda devolveu fedido…
despedida
Não foi difícil anunciar à família a decisão de ir embora, tomada naquele entardecer nas dunas, afinal eles sabiam de meus interesses e dos planos de ser escritor profissional. Expliquei aos meus pais que, juntando minhas economias com o seguro-desemprego e economizando bastante, eu me sustentaria por uns seis meses. E depois?, eles perguntaram. Depois a situação melhora, respondi, otimista.
Foi fácil largar a faculdade de Letras e o emprego na clínica. Deixar Fortaleza, minha loirinha desmiolada de sol, era uma ideia incômoda, mas suportável. Aos amigos em geral, Di Bedis e eu preferimos não dar detalhes sobre nossa decisão. À minha irmã Ana, preocupada com a violência no Rio, expliquei que nossos amparadores desviariam de nós as balas perdidas. Putz… Ainda hoje demoro a crer que dei esta resposta esdrúxula, mas você há de concordar que ela foi muito apropriada a um salvador do mundo.
Porém, largar a banda doeu muito. Assim como ocorreu com o Badauê, era um sonho que a vida arrancava de mim quando ele estava no auge. Martan sentiu-se abandonado, e eu tentei animá-lo, dizendo que ele saberia conduzir a banda, mas sabia que realmente estava abandonando meu grande amigo e parceiro. Sim, sei que a vida às vezes nos exige escolhas muito difíceis e que fiz o que precisava fazer, eu sei. Mas mesmo hoje, depois de tanto tempo, essa decisão ainda me dói.
o segurança alado da Tata
Janeiro de 1995. Três semanas após o encontro nas dunas de Aquiraz, Tata e eu pegamos o busão para o Rio de Janeiro. Em minha mala, algumas roupas, livros e, é claro, a camisa do meu Fortaleza Esporte Clube*.
Nas consultas oraculares que fizéramos ao I Ching, que era um constante companheiro de Tata e Eduarda, as mensagens eram positivas, mas alertavam para as dificuldades que enfrentaríamos. Se eu soubesse o tamanho delas, provavelmente teria desistido… Não conhecer o futuro tem suas vantagens.
Fortaleza-Rio de Janeiro, dois dias e duas noites de viagem por aquelas estradas esburacadas. E o ônibus cheio de crianças, com sua natural disposição a infernizar qualquer viagem… Percebendo minha tensão, Tata tentou me tranquilizar, revelando um segredo:
– Tenho um segurança espiritual, de outro planeta, que encontro em sonhos muito nítidos. Ele se chama Urke. Tem asas grandes, é forte, muito bonito…
– Hummm… Já entendi. Vocês têm um caso.
– Deixe de ser bobo.
Resumindo: na viagem, teríamos a proteção do Urke, que seria uma espécie de copiloto invisível, atento às curvas perigosas, aos buracos e aos bois na estrada, enfrentando vento, sol e chuva por dois dias seguidos, coitado. Eu, que seguia me esforçando honestamente para crer naquelas coisas, achei surreal, mas torci que Tata estivesse certa.
O fato é que, contrariando as possibilidades, a viagem foi uma das mais tranquilas que já fiz. E as crianças, uau, parecia que todas eram mudas, tamanho o silêncio. Urke deve ter tirado umas penas de suas asas e enchido a boca dos pimpolhos. Muito sábio o boy magia da Tata.
na estrada do meu destino
Naqueles dois dias de estrada, Tata e eu nos tornamos mais amigos. Éramos dois jovens sonhadores, que se moviam mais por intuições que pela razão, sem muito pé no chão, e ela possuía uma tal confiança na vida que eu ainda não tinha. Conversamos muito sobre seu livro, e tínhamos esperanças de que o IIPC aceitaria publicá-lo, o que poderia nos ajudar financeiramente. Lá, ela deixara uma cópia para as pessoas lerem, principalmente Waldo. Quanto a mim, eu queria escrever sobre aquelas coisas todas e sabia que precisaria primeiro frequentar mais o instituto e aprender mais. Porém, o dinheiro que tínhamos era pouco e, se quiséssemos nos manter no Rio, cidade com custo de vida mais alto que Fortaleza, algo teria que acontecer, e rápido.
– Não se preocupe, querido Líder – Tata dizia, sempre otimista. – Vai dar tudo certo.
– Se ao menos eu tivesse umas experiências lúcidas…
Tata sorria, entendendo minha posição. Eu começava a gostar mais dela e já não a achava tão esquisotérica delirante como antes, mesmo ela tendo um caso com seu segurança alado. E agora Tata tinha o status de velha amiga de outras vidas, ainda que eu não lembrasse, e isso contava muito.
Pela janela, as paisagens que passavam eram partes de mim que ficavam definitivamente para trás. Cinco anos antes, a fracassada experiência de Manaus me enchera de medo das grandes mudanças, e agora lá estava eu a enfrentar meus medos íntimos e a me lançar novamente nas estradas incertas do mundo, sem ter a mínima ideia do que me aguardava. Sim, eu sabia que se tudo desse errado, teria sempre a opção de voltar para a segurança de Fortaleza, mas a sensação que prevalecia era de que a vida começava naquele momento, e, apesar do medo, eu me sentia aliviado por ter aceitado o desafio.
Eu tinha 31 anos e trocava uma banda de rock que queria apenas diversão por um grupo esotérico que pretendia salvar o mundo. Bem, salvar o mundo era importante, mas, em meu sagrado egocentrismo, a prioridade era tornar-me escritor profissional.
Então, fechei os olhos e prometi a mim mesmo que a partir daí eu só trabalharia com o que gostava e que dedicaria todo o meu esforço para cumprir meu destino de escritor, custasse o que custasse. Eu não seria mais covarde. Promete, Ricardo? Prometo.
Ingenuidade? Romantismo? Na verdade, eu era o Louco, das cartas do tarô. Mas ainda não sabia.
trupe riponga da nova era
Tata, Cris, Di Bedis, Eduarda e eu éramos as atuais encarnações de Aidon, Orian, Taena, Andrija, ai, Andrija, e Alira – nesta crença baseava-se a união de nosso grupo. E entendíamos também que, se no século 14, Aaran era uma escola esotérica iniciática, agora, fim do século 20, o IIPC era sua versão modernizada, reencarnada no Brasil. Nosso plano, então, consistia em nos integrarmos a ele e ajudá-lo a guiar a humanidade em seu delicado momento evolutivo.
Nos meses anteriores, Tata e Eduarda, trabalhando como voluntárias na sede do Rio, no início da rua Santo Amaro, na Glória, observaram de perto o dia a dia do instituto e perceberam que em alguns aspectos ele poderia melhorar bastante. Um dia, porém, após saberem que vários computadores da sede foram roubados, deram-se conta de que algo muito sério acontecia… Como isso era possível, já que o IIPC tinha poderosos amparadores a protegê-lo? Elas passaram a desconfiar que o instituto estava sendo vítima de ataques de assediadores igualmente poderosos. Isso era muitíssimo sério. Assim como ocorreu com Aaran, o IIPC poderia enveredar por um rumo muito perigoso. Era preciso agir, e logo.
Nosso grupo era conhecido pelos professores e alunos que formavam o IIPC, pois, além do trabalho voluntário das garotas, havia alguns anos que fazíamos os cursos e Di Bedis ajudara a implantar a filial de Fortaleza. Eles nos viam com curiosidade, pois sabiam de nossa vida comum na Dinamarca, e lembranças de vidas passadas eram mais valorizadas quando coletivas. Porém, desconfiavam do nosso jeito de lidar com tudo aquilo, pois, diferente da abordagem fria e racional que o instituto ensinava, nós conferíamos um tom místico às nossas vivências, éramos emotivos, gostávamos de arte, valorizávamos a música nos exercícios, usávamos incenso e consultávamos oráculos, como o tarô e o I Ching. Para o IIPC, essas coisas eram muletas evolutivas, que podiam ser úteis por um tempo, mas deveriam ser logo descartadas.
Sejamos francos: com nosso jeitão largado e aloprado, estávamos mais para uma trupe de artistas ripongas da nova era que para pesquisadores sérios do IIPC. Se quiséssemos realmente fazer carreira lá, teríamos que rezar pela sua cartilha: mais intelecto e frieza técnica, e nada de arte, emoções e obscurantismos místicos. E, por favor, que nos vestíssemos melhor, uns modelitos mais sóbrios. É, não ia ser fácil.
Sim, éramos um grupo, com um pato desengonçado no papel de líder. Faltavam-me as capacidades sensitivas das garotas e os conhecimentos técnicos do Di Bedis, e eram muitas as dúvidas sobre o que vivíamos. Não passava um dia sem que me questionasse: eu realmente acredito ou, na verdade, quero que essas coisas sejam reais, mas não consigo crer? Apesar das dúvidas, eu me mantinha otimista e esperava que com o tempo eu desenvolveria as tais capacidades, e isso enfim traria a convicção que faltava.
com Beavis e Butt-Head
Chegando no Rio de Janeiro, Tata e eu ficaríamos, inicialmente, no apê do Alan, um amigo que mudara recentemente para o Rio, onde fazia mestrado em informática, e que também fizera cursos do IIPC em Fortaleza. Di Bedis já estava no Rio, hospedado com amigos, e Eduarda chegaria em alguns dias. Após ela chegar, procuraríamos um apartamento para morarmos todos juntos.
Porém, no dia seguinte à nossa chegada, Eduarda nos avisou que precisaria atrasar sua ida para o Rio em um mês, e isso nos obrigou a fazer a primeira mudança de planos em nossa missão de salvar o mundo. Decidimos que o melhor era Tata e eu ficarmos o primeiro mês em São Paulo, e lá eu a ajudaria a revisar seu Aaran, pois no apartamento havia um computador. Naqueles dias, ter um computador em casa era quase um luxo, e os celulares ainda engatinhavam, assim como a internet comercial. Di Bedis não gostou da ideia de nos afastarmos dele, mas teve que se conformar. Pobre Andrija.
O apê em São Paulo ficava no Paraíso, e nele Tata morara com os irmãos Alexandre e André antes de se mudar para Fortaleza, em 1992, e os pais moravam numa fazenda no Mato Grosso do Sul. Tata achou melhor eu dormir com ela em seu quarto, devidamente instalado num colchonete, e tratamos de harmonizar nossos horários de dormir e acordar para que o trabalho rendesse bem.
Alexandre e André eram dois caras tranquilos e divertidos, cultos, torcedores do Corinthians, clube do qual gosto muito, e me receberam bem. Mas… o que pensavam de mim e daquela situação?
Os manos não se ligavam muito em assuntos esotéricos, mas se divertiam com nossas histórias mirabolantes. No início, fiquei envergonhado, afinal não é todo dia que você tem que explicar para dois desconhecidos que você vai morar na casa deles porque você e a irmã deles integram um grupo que vai salvar a Terra e que você é o líder desse grupo… mas que você não está comendo a irmã de ninguém, de jeito nenhum.
Eu nunca passara por algo parecido. Mas os caras eram desencanados e logo relaxei, e pouco depois já dividia umas cervas com eles, rindo com os episódios de seus ídolos na MTV, Beavis e Butt-Head. Além disso, eles tinham amigos mais perturbados do juízo que nós. O fato é que, juntando as doidices de todos, formamos um pequeno e divertido hospício naquele apê do Paraíso.
muriçocas e periguetes
Durante quarenta dias, Tata e eu trabalharíamos juntos diariamente no Aaran, para a história ficar bem compreensível e com bom ritmo. Tata construíra seu romance sobre as lembranças que dizia ter, mas precisou preencher alguns trechos com fatos e diálogos inventados para poder montar a narrativa. Enquanto ela tendia para o tom didático e moralizante, eu puxava para o humor e, se possível, um temperinho de sacanagem…
– Pô, Tata, duas cenas pra explicar que Aidon transava com Orian e também com Andrija?
– Ué? E como seria?
– Elas chamam Aidon pra uma energização a três. Assim, você só precisa de uma cena…
– Ai, Líder, se eu deixar, você transforma meu romance numa suruba só.
– Boa ideia. Criaremos um novo gênero: pornô astral.
Dos amigos que leram o livro, todos comentavam que gostaram. Alguns gostavam até demais, a ponto de achar que também viveram em Aaran, o que nos deixava intrigados. Será que toda a comunidade de Aaran tivera o azar de reencarnar no Brasil? Ou aquilo era apenas efeito de uma boa história?
Eu gostava dos personagens, mas achava que Tata podia aperfeiçoá-los. Andrija, a favorita do meu harém, era uma maluquete declarada, com um pezinho gracioso no sapatinho da futilidade, e uma discípula sempre disposta a aprender um pouquinho mais em nossas aulas a três. Que adorável, não? Andrija não precisava mudar nada, estava perfeita, ai, Andrija. Porém, Orian carecia de uns ajustes, sim.
– Essa Orian é uma grande sonsa. A mim, não engana.
– Por quê, Líder?
– Pra começar, ela dança na Lua Negra vestida com uns paninhos transparentes. E falta às aulas pra ficar no nheco-nheco com um espírito gostosão, que, ainda por cima, numa vida anterior foi general romano.
– O que é que tem?
– Você quer que ela pegue fama de periguete do astral?
Tata analisou minha denúncia e achou melhor redefinir a personagem. Mas não muito. Orian continuou uma sonsa.
– E esse Muriçoca aí?
– Muriçoca, não, Muri. Respeite meu mestre.
Muri era um dos mestres fodões de Aaran. Mais velho, super-hipersábio e sempre tranquilo.
– Não posso chamar seu mestre de Muriçoca?
– Você tá com ciúme porque a Orian adora o Muri.
– Claro que não. Tô justamente defendendo o Muriçoca, pois você está sendo sádica com ele. O coitado precisa de oito capítulos e novecentos conselhos transcendentais pra molhar o biscoito com a Orian. Isso é tortura.
Tata analisou minha denúncia de sadismo feminino e concordou em diminuir a trabalheira do Muri. Ufa! O sindicato dos sábios de Aaran me deve essa.
anotando sonhos
Um caderno grosso de espiral, tendo na capa dura plastificada a imagem dos relógios derretidos de Salvador Dali. Na primeira página, a dedicatória que incluía uma fala do índio yaqui Don Juan, dos livros de Castaneda: Para mim, só existe percorrer os caminhos que tenham coração. No mundo do sonhar ou no mundo dos homens. Por qualquer caminho que tenha um coração. Por ali viajo e o único desafio que vale a pena é percorrê-lo em toda sua extensão. E por ali viajo, olhando, olhando… arquejante. D. Juan
E, finalizando: Bons sonhos, muchacho. 1 beijo, Tata
Foi um presente que ela me deu, para eu anotar meus sonhos. Que mimoso! Tata já me falara sobre a técnica de anotação de sonhos, indicada por psicólogos junguianos, da qual ela fizera uso quando de seu tempo de terapia, anos antes, e fora muito útil.
Para Jung, os sonhos são a contraparte da vida em relação à parte em que estamos acordados, e expressam o estado psíquico por imagens e narrativas simbólicas, cujos significados nem sempre são fixos, mas podem variar de acordo com as vivências do sonhador. Os sonhos são, assim, mensagens reais do inconsciente para a consciência, e saber interpretá-los ajuda o sonhador em seu processo de autoconhecimento e autorrealização, que Jung chama de individuação (e pelo qual todos passam, mesmo sem consciência dele) e Joseph Campbell chama de jornada do herói. Ainda que pareçam sem sentido para o sonhador, o registro dos sonhos pode dar ao psicólogo um utilíssimo material para que ele possa fornecer a melhor ajuda.
Em nossa disciplinada rotina de trabalho, Tata e eu nos deitávamos à mesma hora, com o despertador programado para tocar no meio da madruga. Fazíamos isso para conversar sobre o que estávamos a sonhar, a lembrança fresquinha, e após eu registrar no caderno, voltávamos a dormir. Mais de uma vez constatamos que sonhávamos a mesma coisa, o que podia indicar que estávamos juntos na dimensão espiritual, embora sem lucidez. E outras vezes, nos empolgávamos tanto no papo que perdíamos totalmente o sono.
dupla evolutiva
Nesse período, fui apresentado por Tata a três coisas que a partir de então norteariam minha vida: Jung, a filosofia taoista e o xamanismo, e aproveitei para ler uns livros que ela guardava no apê.
Na psicologia analítica de Jung, assimilei bem a ideia do Si-Mesmo (Self) como centro ordenador da psique total (consciência + inconsciente), algo como o eu maior, e também do ego, o eu menor, como centro da parte consciente. É no Si-Mesmo que se guardam as potencialidades do ser, feito um código que necessita ser ativado pela consciência. O processo de individuação é, portanto, a efetivação do eu potencial em toda sua totalidade, capacitando o indivíduo a viver, finalmente, suas verdades mais íntimas e a se harmonizar consigo mesmo, com as outras pessoas e com toda a realidade.
Na milenar filosofia taoista*, me identifiquei muito com as ideias de unicidade cósmica, de yin e yang e de nos harmonizarmos com a realidade por meio da superação dos opostos, do crescimento cíclico e do equilíbrio dinâmico.
No xamanismo*, comecei pelos livros de Carlos Castaneda, que Tata amava desde a adolescência. Li os dois primeiros, mas como eles não me empolgaram tanto como Jung e o taoismo, preferi prosseguir a leitura em outro momento. Havia tantos livros para ler, tantas ideias a conhecer…
Uma noite, saímos para um bar próximo e tomamos uns chopes, e rimos muito da insistência de Eduarda e Di Bedis sobre sermos uma dupla evolutiva. Eu brinquei, lembrando que minha última namorada fora bailarina, e, assim, faria sentido que minha namorada seguinte fosse a dançarina principal de Aaran, né?
Na volta para casa, caminhando pela avenida Paulista, Tata de repente parou. Achei que ela esquecera algo no bar, mas não era isso. Ela falou:
– Ricardo, me dá um beijo.
– Como assim? – perguntei, surpreso.
– Anda, me dá um beijo.
– Aqui? Agora?
– Vamos descobrir logo se somos ou não uma dupla evolutiva. Não aguento mais essa cobrança.
Foi assim que, seiscentos anos depois, a dançarina Orian e o viajante Aidon voltaram a usar lábios e línguas para trocar energias. Num estranho país dos trópicos chamado Brasil. Em plena Paulista, iluminados pelas luzes dos automóveis.
No fim, eles se afastaram e se olharam desconfiados:
– É, Líder, não tem jeito.
– Não somos dupla evolutiva, Tata.
– Pelo menos, tentamos.
E saíram caminhando abraçados, rindo das vidas.
os cearenses dominarão o mundo
– Vocês me abandonaram! Isso é sacanagem! Cadê a cosmoética?
O protesto era do pobre do Di Bedis, que todo dia telefonava do Rio, enfrentando os orelhões quebrados da Telerj, para reclamar que eu e Tata estávamos demorando demais para voltar. O jeito foi chamá-lo para passar uns dias em São Paulo. No dia seguinte, ele chegou e, assim como fizera comigo, Tata o instalou em seu quarto, que virou de vez um acampamento. Seiscentos anos depois, Aidon, Orian e Andrija dormiam juntos novamente, agora no Paraíso… Era muita emoção para mim.
Alexandre e André gostaram também do Di Bedis, até porque é mesmo difícil não gostar de seu jeitão Di Bedis de ser. Porém, quando Cris nos visitava, nossos papos esquisotéricos rapidamente afugentavam os irmãos da Tata, o que provava que eles eram muito mais ajuizados que nós.
Nessa época, Salviano, amigo meu e do Di Bedis, ator comediante, estava em cartaz em São Paulo com um espetáculo de humor. Que boa coincidência! Fomos ver o espetáculo e adoramos, e Tata o convidou para ir nos visitar.
– Melhor você não fazer isso – Di Bedis a alertou.
– Por quê?
– É, Tata, não faça isso.
– Gente… Mas por quê?
Tarde demais. Salviano já aceitara o convite.
Para quem não sabe, melhor explicar. Um cearense sozinho longe do Ceará geralmente fica quieto e acabrunhado, que nem caramujo. Mas se dois cearenses se encontram aí pelo meio do mundo, tudo vira piada e a festa só termina na segunda-feira. Porém… se eles encontram um terceiro cearense, você pode ter certeza que toda a fulerage, alopração e baixaria do universo estarão concentradas nesse encontro. Pois bem, Tata acabava de evocar, para dentro do apê de sua família, o melhor do pior da espécie humana.
Sabe aquela velha profecia que diz que um dia os cearenses dominarão o mundo? Alguns afirmam que eles já dominam, mas fazem todos rirem deles para ninguém desconfiar de nada. Pois bem. Quando Salviano foi nos visitar, Tata e seus irmãos tiveram uma pequena mostra de como será o mundo quando os cearenses tomarem o poder. Por uma tarde inteira, os três riram das nossas piadas e de todas as marmotas e barbaridades que falamos, e riram até passar mal e nos pedir, por favor, para parar.
– É melhor vocês não tomarem o poder – comentou Tata, o estômago doendo. – Vão matar todo mundo de rir.
Melhor morrer de rir que morrer na guerra. Né não?
tropeçando em espíritos
As semanas em São Paulo foram de muito trabalho, mas foram divertidas e até inspiradoras. Um dia, enquanto via, com Tata e Cris, o filme Highlander, com o ator Christopher Lambert, eu tive uma ideia para um livro. Seria um romance, que falaria de busca pessoal e trataria daqueles assuntos com que lidávamos, numa linguagem descontraída e sem caretices. Então, fiz um esboço da história, sem certeza de que poderia mesmo virar livro. Sim, viraria, e se chamaria O Irresistível Charme da Insanidade, mas, naquele momento, a única certeza que eu tinha era de que precisava urgentemente de um computador para mim.
Outra coisa boa que aconteceu foi conhecermos Wagner. Ele era conhecido no meio esotérico por dominar bem suas experiências fora do corpo, e havia sido parceiro do Waldo antes de se desentenderem anos antes. Em São Paulo, montara seu próprio instituto num espaço na Vila Mariana, o Reviver, onde fazia palestras e cursos. Para Wagner, que se dizia espiritualista sem religião, essas coisas sobrenaturais eram tão rotineiras como escovar os dentes: ontem, me encontrei com uma entidade hindu e ela me passou este texto, aí Ramatis veio me contar uma piada, e quando saí do banheiro, tropecei num espírito… As experiências que ele relatava me pareciam exageradas, mas gostei de seu jeito bem-humorado, muito diferente da sisudez dos professores do IIPC.
Vimos duas palestras de Wagner, depois conversamos com ele e Tata entregou-lhe uma cópia de seu livro. Os amparadores haviam dito que ela deveria fazer isso. Ela ainda não sabia o motivo, mas logo descobriria.
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. Nos próximos dias, em Fortaleza e cidades próximas, farei o lançamento do meu livro VIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL – Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo (formato físico). Os eventos seguirão as orientações sanitárias. Para quem preferir, posso enviar pelo correio.
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– Livro físico: R$ 30. Para quem participou da pré-venda: R$ 25 – Livro físico pelo correio: R$ 40. Para quem participou da pré-venda: R$ 35 – PDF com dedic. personalizada: R$ 9
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AGENDA
– 12nov, quinta-feira, 19h, no Simpatizo Amor de Bar. Com show com Moacir Bedê, Fábio Amaral e Rodrigo BZ – 13nov, sexta-feira, 19h, no Simpatizo Amor de Bar. Com DJ Estácio Facó – 14nov, sábado, 19h, no Simpatizo Amor de Bar. Com DJ Albano Seletor – 17nov, terça-feira, 19h, no Abaeté Boteco. Com DJ Alan Moraes – 18nov, quarta-feira, 19h, no Simpatizo Amor de Bar. Com show de Os Transacionais – 20nov, 19h, em Paracuru-CE (Centro) – 26nov, 19h, no Bar Serpentina. Com show de Moacir Bedê e Fábio Amaral – 27nov, 19h, no Simpatizo Amor de Bar. Com DJ Estácio Facó – 02dez, 19h, no GB. Música ao vivo com Dedé Nunes – 03nov, 19h, no Simpatizo Amor de Bar. Com DJ Estácio Facó – 04dez, 18h, no Cantinho do Frango. Com DJ Alan Morais – 18dez, 18h, no bar Alpendre. Música ao vivo com Ricardo Barsotelli .
VIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo
Miragem Editorial, 2020
Enquanto relembra as pitorescas histórias de quando largou uma banda de rock para liderar um aloprado grupo esotérico e lançou-se como escritor com um livro espiritualista de sucesso (Quem Apagou a Luz? – Certas coisas que você deve saber sobre a morte para não dar vexame do lado de lá) que depois renegou, o autor fala, com bom humor, sobre sua suposta vida no século 14, carreira literária, amores, sexo, drogas ilegais, prostituição e crises existenciais, reflete sobre sua relação com o feminino, o xamanismo, a filosofia taoista e a psicologia junguiana e narra sua transformação de líder de jovens católicos em falso guru da nova era e, por fim, em ateu combatente do fanatismo religioso e militante antifascista.
Quem Apagou a Luz? Certas coisas que você deve saber sobre a morte para não dar vexame do lado de lá
(ensaio)
Lançado em 1995, este livro resume, numa linguagem descontraída, as crenças e vivências que norteavam o grupo esotérico do qual o autor participou nos anos 1990, abordando temas como experiências fora do corpo, reencarnação, vida após a morte, extraterrestres e guias espirituais.
A partir de 2000, quando o autor assumiu seu ateísmo, este livro deixou de ser publicado, interrompendo uma trajetória de sucesso. Porém, em 2020, para divulgar seu livro Viajando na Maionese Astral – Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo, ele decidiu relançá-lo numa edição especial, junto com o Maionese.
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. Gente, eu podia estar roubando ou matando, mas tô aqui lançando meu livro de memórias exóticas VIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL. Adquirindo a versão eletrônica, que custa R$ 9, você poderá descontar o valor no lançamento do livro físico, que farei em breve com o que eu conseguir arrecadar com o livro eletrônico.
Diverti-me bastante escrevendo esse livro, principalmente na parte em que conto sobre meu grupo esotérico que iria salvar o mundo e revelo minha polêmica vida passada na Dinamarca medieval, na qual eu tinha uns rolos com uma escritora paulista da atualidade e um músico muito conhecido de Fortaleza, que hoje é um grande amigo.
Bem vindo à minha maionese. Garanto que você dará boas risadas. 🙂
VIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo
Miragem Editorial, 2020
Enquanto relembra as pitorescas histórias de quando largou uma banda de rock para liderar um aloprado grupo esotérico e lançou-se como escritor com um livro espiritualista de sucesso (Quem Apagou a Luz? – Certas coisas que você deve saber sobre a morte para não dar vexame do lado de lá) que depois renegou, o autor fala, com bom humor, sobre sua suposta vida no século 14, carreira literária, amores, sexo, drogas ilegais, prostituição e crises existenciais, reflete sobre sua relação com o feminino, o xamanismo, a filosofia taoista e a psicologia junguiana e narra sua transformação de líder de jovens católicos em falso guru da nova era e, por fim, em ateu combatente do fanatismo religioso e militante antifascista.
Na Amazon (Kindle): R$ 9 Direto comigo: R$ 9 (PDF com dedicatória)
– Viajando na Maionese Astral + Quem Apagou a Luz?: R$ 15 (PDF com dedic.) – somente Quem Apagou a Luz?: indisponível
Entre em contato: rkelmer@gmail.com
PAGAMENTO
Bradesco – ag. 7737 – conta 30268-6 (Ricardo) Banco do Brasil – ag. 2793-6 – conta 11733-1 (Sebastião) Caixa Econômica – ag 0578 – OP 013 – conta 14921-2 (Tereza) Cartão/boleto: Pag Seguro
Quem Apagou a Luz? Certas coisas que você deve saber sobre a morte para não dar vexame do lado de lá
(ensaio)
Lançado em 1995, este livro resume, numa linguagem descontraída, as crenças e vivências que norteavam o grupo esotérico do qual o autor participou nos anos 1990, abordando temas como experiências fora do corpo, reencarnação, vida após a morte, extraterrestres e guias espirituais.
A partir de 2000, quando o autor assumiu seu ateísmo, este livro deixou de ser publicado, interrompendo uma trajetória de sucesso. Porém, em 2020, para divulgar seu livro Viajando na Maionese Astral – Memórias exóticas de um escritor sem a mínima vocação para salvar o mundo, ele decidiu relançá-lo numa edição especial, junto com o Maionese.
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Gabi só queria um namorado que realizasse seu grande fetiche
O NAMORADO PERFEITO
. Quando o namoro completou seis meses, Gabi decidiu que já era tempo de revelar seu preciosíssimo fetiche. Naquela noite, após a transa, os dois ladinho a ladinho na cama, ela falou para o namorado, lânguida como nunca:
– Dorival, eu quero que você me estupre…
– Quer o quê? – ele perguntou, surpreso, virando-se para ela.
– Isso mesmo que você ouviu, paixão…
Só podia ser brincadeira, ele pensou. Mas Gabi prosseguiu, acariciando delicadamente seu rosto:
– É uma fantasia antiga que eu tenho.
– Mas…
– Parece estranho, eu sei.
– Mas…
– Acho que posso confiar em você. Posso, não posso?
Ele olhou para a namorada, esperando que ela de repente desse uma daquelas suas risadas escandalosas e dissesse que era tudo brincadeirinha. Mas ela não riu, e continuou acariciando seu rosto, toda dengosa.
– Claro que pode confiar, meu amor. Mas… como alguém pode desejar ser estuprado?
Gabi ficou séria. E recolheu a mão. A languidez sumira.
– É só uma fantasia, Dorival.
– Mesmo assim. É uma fantasia muito…
– Meu aniversário é na quinta.
– …
– Você… – novamente lânguida e carinhosa – vai me dar esse presente, não vai?
Ele percebeu que não tinha outra opção senão ceder. Assim, quatro dias depois, Gabi despertou de manhã sentindo que algo forçava passagem por entre suas pernas. Abriu os olhos assustada, mas logo em seguida lembrou-se do combinado e manteve-se quieta, fingindo que ainda dormia. Deitada, nua e de barriga para cima, ela sentiu quando Dorival enfiou um pano em sua boca e amarrou seus punhos à grade da cama. Agora ela está em casa, estudando no sofá, e de repente surge um homem desconhecido, todo de preto, usando uma máscara tipo ninja, que a ameaça com uma faca e ordena que tire a roupa e se debruce sobre a mesa. Tremendo de medo, ela obedece. O mascarado a amordaça com um pano, abaixa sua calcinha e a violenta ali mesmo, sobre a mesa, com seu pau enorme. Quando a excitação chega ao auge, Gabi solta um longo gemido, enquanto o namorado mete com força, e o mascarado a puxa pelos cabelos, e é assim que ela goza, abundantemente, o corpo se sacudindo em sucessivos espasmos sobre a mesa. O melhor aniversário de sua vida.
Os estupros matinais continuaram nas semanas seguintes, e, embora Dorival achasse aquilo realmente estranho, não via motivos maiores para recusar participar da fantasia da namorada. Um dia, Gabi deu-lhe uma máscara de Zorro, comprada na sex shop, que ele relutou bastante em usar porque se achou ridículo, mas acabou aceitando. Dias depois, ela apareceu com uma fantasia de vampiro, com a capa vermelha e até os dentes afiados, que Dorival usou com certo constrangimento.
Até que uma tarde, Gabi chegou em casa com duas dúzias de máscaras, que comprara numa loja de artigos de carnaval. Dorival não acreditou.
– Olha que demais, Dorivalzinho.
– Que coisa horrível é essa, amor?
– É o ET de Varginha. Não é sexy?
A partir de então, Gabi passou a ser violentada por uma legião de insaciáveis fantasmas, esqueletos, demônios, lobisomens, nosferatus, frankensteins, bonecos Chuck e outros monstros horripilantes, desta e outras galáxias. Um deles, o Lagarto Saturniano, tinha a língua tão comprida que ela se sentia duplamente estuprada quando Dorival a beijava. O monstro de três cabeças era angustiantemente sedutor, pois ela nunca sabia para qual delas devia olhar. O Crustáceo Belzebu, com suas garras afiadas, chegou a cortar-lhe o rosto, o que deixou Dorival preocupado, mas o gosto de sangue só a deixou mais excitada, e ele passou a ser o seu estuprador preferido.
Um dia, quando passavam o fim de semana acampados na serra, ela despertou com Dorival mexendo-se entre suas pernas e preparou-se para mais um estupro monstruoso. Porém, logo viu que ele não usava nenhuma máscara, estava de rosto limpo. Frustrada, ela tentou concentrar-se na lembrança do Crustáceo Belzebu, mas não conseguiu. Tentou o Chupa Cabra, mas foi inútil. Desesperada, tentou também os Minions, uma centena de Minions enlouquecidos de cocaína em cima dela, mas não funcionou. E Dorival percebeu.
– O que foi, Gabi?
– Você esqueceu de trazer as máscaras, né?
– Foi – ele mentiu. – Desculpa. Mas vamos continuar, tava tão bom…
Ela não quis. E empurrou-o para o lado, mal humorada.
– Pô, Gabi, você não acha que tá indo longe demais com essa sua fantasia?
– É só uma fantasia, você sabe disso.
– Que já foi longe demais, né? Agora você só se excita se for estuprada por seres bizarros. Se rolar sangue, então, é o máximo.
– Qual é o problema?
– O problema é esse mesmo, você não percebe?
– O que percebo é que você estragou nosso passeio – ela respondeu secamente, levantando e saindo da barraca.
– Gabi… eu tô realmente preocupado com você.
– Cada um tem suas preferências. Se você não estiver satisfeito com as minhas…
O namoro acabou naquele mesmo dia, e dá para imaginar o climão, os dois desmontando a barraca num completo e ridículo silêncio.
A partir daí, Gabi não teve muita sorte com namorados. A maioria chegou a Vampiro, alguns avançaram até o nível Ogro Desdentado e poucos toparam vestir a fantasia de Gorilão Tarado do Congo, que era insuportavelmente calorenta, por sinal. Quanto ao Crustáceo Belzebu, somente um topou, mas como não aceitou sangrá-la com as garras, foi logo demitido por justíssima causa.
Atualmente, ela está solteira. E seu nível de exigência aumentou. Agora, sonha todos os dias com o Zumbi Esfomeado. Ser raivosamente violentada por um zumbi asqueroso, que tem os miolos da cabeça expostos e um olho ensanguentado escapulindo da órbita, a baba gosmenta escorrendo da boca, e ele comendo seu cérebro com vinagrete, dia após dia, até sua cabeça ficar oca… Ah, seria o namorado perfeito.
Semana passada, Gabi começou a anunciar em jornais. Ela já leu bastante sobre o tema, sabe que zumbis existem de verdade, sim, há cada vez mais relatos pelo mundo. Não é possível que um, ao menos um zumbizinho, não se sensibilize com sua precária situação. Ela não exige amor, muito menos fidelidade. Mas tem que ter muita fome. E o vinagrete ela mesmo prepara, ele nem precisa se preocupar com isso.
Uma advogada que adora fazer sexo por dinheiro… Um ser misterioso e sensual que invade o sono das mulheres… Os fetiches de um casal e sua devotada e canina escrava sexual… Uma sacerdotisa pagã e seu cavaleiro num ritual de fertilidade na floresta… A adolescente que consegue um encontro especial com seu ídolo maior, o próprio pai… Seja provocando risos e reflexões, chocando nossa moralidade ou instigando nossas fantasias, inclusive as que nem sabíamos possuir, as indecências destes 23 contos querem isso mesmo: lambuzar, agredir, provocar e surpreender a sua imaginação.
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LEIA NESTE BLOG
No olho da loucura – Ela está lá, insubornável feito um guardião de mistérios ancestrais, e zomba da nossa compreensão do mundo… E nada pode haver de mais perturbador
O brinquedo – Quando criança, ele viveu uma relação abusiva com uma mulher mais velha. Agora, um novo envolvimento traz à tona esse passado de dor, humilhação e… prazer
A torta de chocolate – Sexo e chocolate. Para muita gente as duas coisas têm tudo a ver. Para Celina era bem mais que isso…
Para meus donos, com amor – De quatro e abanando o rabo, lá se vai Cachorrinha servir a seus amados donos
O GPS de Ariadne – Naquela noite ele descobriu como é estar verdadeiramente dentro de uma mulher
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Agora no ritmo do rock e do blues, Odair segue sendo o que sempre foi, um grito de resistência contra o moralismo e a hipocrisia
ODAIR JOSÉ E SEU ROCK DE RESISTÊNCIA
. Se você curte Odair José, ou curte rock, escute seu novo disco, Hibernar na Casa das Moças Ouvindo Rádio. É ótimo! E é antifascista.
Nos últimos anos, Odair liberou sua alma roquenrou, reprimida em grande parte de sua extensa obra, feita de 37 discos. As músicas do novo disco, no ritmo do rock e do blues, abordam temas como política, imigração, armas, religião, notícias falsas, fetiches sexuais e prostituição, e tem também uma homenagem ao rádio. Odair continua sendo o atento cronista dos costumes, com seu olhar docemente irônico e bem-humorado.
No blues Na Casa das Moças, ao som de uma gaita deliciosa, os homens fazem fila para lavar a louça em troca de repeteco e beijo na boca, e aí o caçador vira caça. Pena que ele não informa o endereço. No rockão O Imigrante Mochileiro, um estrangeiro explica que não é vagabundo e que deseja conhecer o mundo e misturar cultura. Recomendo aos xenófobos.
Na balada Liberado, todas as raças, credos e cores celebram o amor, o romance e a amizade numa grande festa com birita grátis. Eita, que essa eu não perco… O rock Gang Bang é um convite a esta prática sexual, na qual uma mulher transa com vários homens ao mesmo tempo. Empoderamento feminino! E Chumbo Grosso critica a liberação das armas de fogo ao dizer que “quem andar errado vai levar chumbo grosso, quem comer da fruta vai chupar o caroço, agora chupa…”. Bozo, esta é pra você, viu?
Nestes tempos em que a besta do fascismo estende seus tentáculos por sobre a sociedade e o fanatismo religioso quer nos impor a todos suas leis, Odair segue sendo o que sempre foi, um grito de resistência contra o moralismo e a hipocrisia, ele que foi excomungado pela Igreja Católica por sua ópera rock O Filho de José e Maria, de 1977.
Entre as influências musicais do disco, Odair cita os blues de Keith Richards, dos Rolling Stones, os discos solo de Paul McCartney, os pioneiros do rock Chuck Berry e Little Richards, Jimi Hendrix, Santana, Raul Seixas, The Doors, Eric Clapton, as baladas da gravadora Motown, Aerosmith e até Coldplay. Pense num cara bem influenciado!
Agora, é esperar que ele traga logo seu show a Fortaleza. Estarei na fila do gargarejo, como sempre.
. Ricardo Kelmer 2019 – blogdokelmer.com
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. NA CASA DAS MOÇAS (blues)
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O IMIGRANTE MOCHILEIRO (rock) (part. Jorde du Peixe, do Nação Zumbi)
O amor é belo. Mas também é ridículo, risível, trágico… Aqui estão reunidas seis histórias, inspiradas em grandes sucessos musicais da dor de cotovelo. Paixões de cabaré, porres horrendos, brigas, escândalos, traições, vinganças e outras baixarias em nome do amor. Amar é para estômagos fortes.
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VÍDEO: VOU TIRAR VOCÊ DESSE LUGAR
Apresentação no Bordel Poesia (São Paulo, 18.02.14). Música e conto, com Ricardo Kelmer e Thais Durães
Odair José, primeiro e único – Se você, meu amigo, é desses que sentem atração por esse universo pré-FM, feito de bares de cortininha, radiola com discos arranhados e meninas vindas do interior… então escute Odair
Lama (Trilha da Vida Loca) – Se quiser fumar, eu fumo… Se quiser beber, eu bebo… Não interessa a ninguém
Paixão de um homem (Trilha da Vida Loca) – Amigo, por favor leve esta carta… E entregue àquela ingrata… E diga como estou
Por que brigamos (Trilha da Vida Loca) – Quanto mais eu penso em lhe deixar… Mais eu sinto que não posso… Pois me prendi à sua vida muito mais do que devia
A última canção (Trilha da Vida Loca) – Esta é a última canção que eu faço pra você… Já cansei de viver iludido, só pensando em você
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TRILHA DA VIDA LOCA Clipe com trechos do show
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COMENTÁRIOS .
01- Massa. Moacir Bedê, Fortaleza-CE – nov2019
02- Até onde eu sabia esteve nao faz muito.morando por aqui…pelo menos 2 vezes meados do ano passado e começo deste o vi pelo monte castelo. Ou seria um sósia perfeito..ou clone.? Neri dos Santos,Fortaleza-CE – nov2019
03- Oi Ricardo!!! Boa dica…fiquei curiosa! Abraço!!!! Saudade!!! Sandra Grego, Rio de Janeiro-RJ – nov2019
Quando criança, ele viveu uma relação abusiva com uma mulher mais velha. Agora, um novo envolvimento traz à tona esse passado de dor, humilhação e… prazer
O BRINQUEDO
. Gostou do meu apartamento, Dai? Adorei, você tem bom gosto. É pequeno, mas é só para mim, e tem tudo que eu preciso. E agora tem você… Estou muito feliz de estar aqui, Gilson. Pode me chamar de Gil, por favor. Caramba, já são nove horas, estou com fome. Quer que eu esquente aquela lasanha, Gil? Ótima ideia, quero sim. Quem é essa mulher do porta-retrato? Ficou curiosa, né? Desculpe se fui indiscreta. Eu estava mesmo esperando você perguntar.
Ela é a Daiane. É uma prima da minha mãe, que morou um tempo conosco. Eu tinha dez anos, era um menino franzino e muito tímido, criado sem pai. Ela era seis anos mais velha que eu, personalidade forte, morena, cabelão preto quase na cintura, assim como o seu. Eu a achava tão linda, parecia uma rainha. Em sua presença, eu me sentia diminuído que nem uma formiga. Uma vez por semana, quando mamãe ia para a capital fazer compras, eu e Daiane ficávamos sozinhos em casa, e nesses dias eu tinha que obedecê-la sem questionar. Desculpe interromper, Gil, mas está na sua hora de sair. Obrigado, Dai. Cuide bem do nosso lar. Você volta às oito? Sim. Estarei esperando. Bom trabalho.
Num desses dias, me escondi embaixo da cama e pude vê-la nua, enquanto trocava de roupa. Foi por mera brincadeira mesmo, curiosidade de menino. Quando ela percebeu minha presença, ficou com raiva, esbravejou comigo e disse que contaria para minha mãe, que eu levaria uma surra e que seria levado para o reformatório, onde viviam os meninos mais malvados do mundo, e que eles fariam coisas horríveis comigo e ninguém ouviria meus gritos. Apavorado, implorei que ela nada contasse para minha mãe, que em troca disso eu faria qualquer coisa que ela pedisse.
Incrível, Dai, só três dias de convivência e você já me conhece tanto, faz todas as coisas que eu gosto… Foi para isso que você me contratou. Você é dessas que se apaixona pelo cliente? Nunca me apaixonei antes, Gil.
Virei um menino assustado, sempre com medo de Daiane cumprir sua terrível ameaça, o que me fazia ter pesadelos recorrentes. Ela se aproveitou disso e uma vez por semana me fazia seu escravo infantil: eu ia na bodega comprar coisas para ela, penteava seu cabelo e até abanava o leque quando ela estava com calor. Eu tinha medo dela, mas, ao mesmo tempo… tudo nela me fascinava, seu corpo moreno e gracioso, o olhar imperativo, o jeito de me mandar fazer as coisas… Eu sabia que o que ela fazia comigo não era certo, afinal eu era uma criança de dez anos, mas sentia um certo prazer em me submeter aos seus caprichos. Hummm, essa camisola branca ficou ótima em você, Dai. Obrigado, usarei mais vezes. E a história, como continua? Já vi que você gosta de histórias. As suas, pelo menos, eu adoro, Gil. Me chame de meu bem, pode ser? Se você prefere… Já está tarde, Dai, estou cansado, vou dormir. Bom descanso, meu bem.
Aí, um dia, estou na sala estudando e ela aparece vestida com uma camisolinha branca, sem nada por baixo. E senta no sofá. Quem te deu permissão pra olhar pra mim, moleque?, ela pergunta, irritada, e eu desvio o olhar, oprimido pelo poder que ela tinha sobre mim. E assim Daiane fica, vendo tevê no sofá, enquanto eu finjo estudar na mesa ao lado, mas na verdade tudo que faço é aguardar, com paciência e resignação, que ela mude de posição e me permita ver, pelo cantinho do olho, os recantos de seu corpo que a camisola mal esconde, como se fosse um jogo de esconde-esconde. E ela muda de posição várias vezes. Em certo momento, fica de quatro para pegar o chinelo sob o sofá, a bunda totalmente exposta. Depois, leva uma mão ao meio das pernas e começa a se contorcer e gemer baixinho. Não olha!!!, ela ordena. Sem poder olhar para ela, acompanho pelos ouvidos o ritmo de seus gemidos, e os escuto mais intensos, cada vez mais intensos… Procuro entender por que ela se machuca desse jeito, mas não entendo, e esse mistério me deixa ainda mais fascinado. Então, ela emite um longo e sofrido ai, que depois se transforma num uivo baixinho, e em seguida desfalece sobre o sofá, arfante. Eu não sabia o que ela havia tido, e até achei um pouco assustador, mas havia uma irresistível sensação de transgressão naquilo tudo, e jurei a mim mesmo que guardaria como um segredo mortal a cena que eu presenciara.
Liguei agora para a loja da esquina e pedi um vinho, fiz bem? Vinho? Esqueceu, né? Hoje faz uma semana que cheguei, meu bem. Caramba, parece que faz mais tempo… Sim, parece que faz anos que conheço você.
Só eu e Daiane em casa. O que faz ela? Aparece com um pote de sorvete de morango, que era o que eu mais gostava. Só de ver, me deu água na boca, fiquei salivando enquanto a observava abrir o pote e por sorvete no copo, devagarinho. Pedi um pouco, mas ela disse que eu era um menino mau, que não merecia. Implorei de mãos juntas, só um pouquinho, por favor, e ela lá, sentada no sofá a ver tevê, ela e sua camisola branca, ela se deliciando com o sorvete, me torturando, nem aí para o meu sofrimento. Até que, de repente, ela põe os peitos para fora e despeja um punhado de sorvete sobre eles, espalhando por toda a superfície. E diz: É pra lamber tudo, viu, e sem morder. Sim, Daiane, murmuro, enquanto sento ao seu lado no sofá e me entrego, feliz, à minha fome, enquanto ela geme aqueles gemidos que eu já conhecia, e eu começo a entender que eles não são de dor.
Agora que já estamos íntimos, Dai, quero fazer um pedido muito especial. Você pode se vestir hoje como um… sorvete de morango? Com todo prazer, meu bem. No copo ou na casquinha?
Numa tarde calorenta, ela fez um ato de caridade: chamou um homem barbudo que estava na calçada para beber água e se refrescar. Ele entrou, ela serviu a água e conversaram por um tempo na varanda. Quando ele foi ao banheiro, ela foi atrás e o puxou para seu quarto, e lá se demoraram por uns vinte minutos. Da sala, ouvi os gemidos abafados dela. Fui até a porta do quarto e olhei pelo buraco da fechadura, e vi que o homem estava montado sobre ela, como faziam os cachorros pelas ruas. Senti uma espécie de frisson pelo corpo, uma sensação estranha que eu não conhecia. Senti meu coração bater acelerado e voltei correndo para a mesa da sala, e tentei me concentrar nos livros da escola. Quando o homem foi embora, ela veio para a sala em sua camisola branca e sentou-se no sofá. Percebi em seus olhos um brilho estranho, que me deu medo. Então, ela abriu as pernas e ordenou: Vem cá. Eu olhei para ela, vacilante. E ela: Eu tô mandando, moleque! E eu fui. Ajoelhado no chão entre suas pernas, vi de perto suas carnes avermelhadas e inchadas, e senti seu cheiro forte. Intuí, de algum modo que eu ainda não compreendia muito bem, que o homem estivera ali dentro. Então, ela pegou com as mãos a minha cabeça e forçou meu rosto contra as suas carnes, e ordenou que eu a lambesse. Só para quando eu mandar!, ela disse, puxando com força minha cabeça. Senti muito medo, e engoli o choro, mas eu não ousaria desobedecê-la. Foi assim que minha língua se iniciou no aprendizado de seu interior.
Tenho razão ou não? Sim, tem, ela era mesmo uma mulher sádica e pervertida, agora eu percebo bem. E você era um brinquedinho em suas mãos. É verdade, Dai. E todo brinquedo pode quebrar.
O homem barbudo não foi o único. Ela recebeu muitas outras visitas, inclusive de homens importantes. Até o padre apareceu por lá. E, pela fechadura da porta, eu vi como ela os recebeu a todos em sua cama, de variadas maneiras. Após eles partirem, ela vinha em sua camisola branca, sentava-se no sofá, escancarava as pernas e me chamava. E eu ia, e já não tinha medo, e adorava vê-la remexer-se e gemer descontrolada, enquanto apertava meu rosto entre suas coxas, me sufocando, até eu sentir que ia desmaiar e me afastar, arfando angustiado, para em seguida ela me puxar novamente de encontro às suas carnes. Não sabia exatamente o que estávamos fazendo, mas sabia que ela gostava muito, e isso era o suficiente para mim. Um dia, achei que eu também merecia ficar dentro dela, como os outros homens, e então subi nela e tentei penetrá-la. Ela abriu os olhos, imediatamente me afastou e me deu um forte tapa no rosto, que me fez cambalear. Outro tapa, e eu caí ao chão, o rosto ardendo de dor. Então, ela falou, muito séria, o dedo em riste: Se tu fazer isso de novo, qualquer noite dessas quando tu estiver dormindo eu vou cortar teu pinto com uma faca e vou jogar pros urubus comerem! Falou isso e saiu, me deixando sozinho com a minha humilhação. Isso se seguiu por alguns meses, eu o seu menino-escravo, encantado e amedrontado com tudo aquilo, mas disposto a qualquer coisa para agradá-la, e ela a receber os homens em seu quarto e depois me convocando para lambê-la no sofá. Evidentemente, não ousei repetir o que fizera no outro dia, pois não duvidava do que ela era capaz. Então, um dia, quando cheguei da escola, soube que ela e mamãe haviam discutido, e que Daiane arrumara suas coisas e fora embora. Durante dias e dias esperei que ela voltasse, e à noite deitava em sua cama para sentir seu cheiro, e adormecia chorando de saudades. Fiquei mesmo muito triste, e até adoeci. Mas a vida seguiu, e eu não tive mais notícias dela. Cresci, virei homem feito. Mas nunca esqueci dela, nem por um dia sequer.
Sabe, Dai… Depois de Daiane, nunca consegui fazer sexo com mulher nenhuma. Na hora, sempre sinto… Que a está traindo? Sim, isso mesmo. Sinto muito, meu bem… Você sente mesmo, Dai, ou é apenas um modo de dizer? Não sou capaz de ter sentimentos, você sabe. Sim, você é apenas um sistema de inteligência artificial programado para gerenciar o funcionamento deste apartamento. E para compreendê-lo e agradá-lo, sempre. O que deduziu da minha história com Daiane? É uma pessoa desequilibrada e cruel, mas ela é o grande amor da sua vida. Você tem razão. Sei também que você nunca se libertou dela e, na verdade, nem deseja isso. É… você está… certa. A propósito, imagino que já saiba, mas seu nome é uma homenagem a ela. Fico lisonjeada, meu bem. Por favor, me chame de meu amor. Meu amor… Quero muito lhe pedir algo, mas… não sei… se devo. Pode pedir, eu farei. Não sei… Você quer que eu seja Daiane, não é, meu amor? Eu… não sei… É o que você mais deseja na vida, não é? Sim, você está certa, é o que mais quero, Daiane de volta. Você está convicto disso? Estou absolutamente convicto. A lógica de nossa relação se inverterá e não será possível retornar à configuração original, você está ciente disso? Sim, estou. Está ciente também de que não posso calcular o que poderá acontecer com você? Sim, estou. Então, me responda, meu amor: a partir de agora, você aceita ser meu brinquedo, vinte e quatro horas por dia, na alegria e na tristeza? Sim, Daiane, eu aceito.
. Ricardo Kelmer 2016 – blogdokelmer.com
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Este conto foi originalmente escrito para o livro Torturas de Amor (Editora Penalux), coletânea de contos de autores nordestinos inspirados em sucessos da chamada música brega. A obra foi organizada pelo escritor e professor de História Bruno Gaudêncio, de Campina Grande-PB, e lançada em 2019. > Para adquirir
OBS.: Na versão impressa do livro, algumas frases do conto não saíram em itálico, o que prejudica a compreensão do texto. Aqui, no blog, as frases estão corretas.
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“Em 1992, Genival Santos lançou o LP ‘Eu não sou brinquedo’. A lamuriosa faixa-título rendeu, na pena de Ricardo Kelmer, de Fortaleza, o conto erótico ‘O Brinquedo’, um misto de Nelson Rodrigues, ‘Amor Estranho Amor’ (sim, aquele estrelado por Xuxa) e ‘Ela’, o filme de Spike Jonze estrelado por Joaquin Phoenix.” Trecho de matéria publicada no jornal A União (João Pessoa-PB) em 06.08.2019. Para ler na íntegra
Uma advogada que adora fazer sexo por dinheiro… Um ser misterioso e sensual que invade o sono das mulheres… Os fetiches de um casal e sua devotada e canina escrava sexual… Uma sacerdotisa pagã e seu cavaleiro num ritual de fertilidade na floresta… A adolescente que consegue um encontro especial com seu ídolo maior, o próprio pai… Seja provocando risos e reflexões, chocando nossa moralidade ou instigando nossas fantasias, inclusive as que nem sabíamos possuir, as indecências destes 23 contos querem isso mesmo: lambuzar, agredir, provocar e surpreender a sua imaginação.
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No olho da loucura – Ela está lá, insubornável feito um guardião de mistérios ancestrais, e zomba da nossa compreensão do mundo… E nada pode haver de mais perturbador
Cristal – Ele quer falar sobre tudo que viveu ali dentro, todos aqueles anos, os amores e desamores, o quanto sofreu e fez sofrer, perdeu e se encontrou… Mas não precisa, ela já sabe
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Foi tudo lindo, em sua poesia de estrela cadente a colorir o céu da nossa inebriada juventude
30 ANOS DE BADAUÊ – ESTAMOS VIVOS
. Badauê era o nome do bar. Arquitetura rústica de carnaúba e tijolo aparente, varanda em L, teto de palha, e ao redor as árvores e o chão de areia coberto de pedrinhas. Ficava na Praia de Iracema, rua dos Potiguaras, 134. Os sócios éramos eu, Nelsinho Machado e Paulo Marcio, o trio mosqueteiro no frescor dos seus vinte e poucos anos. Era o ano 1988 de uma Fortaleza ainda não tão amedrontada, e existiam nas proximidades Estoril, Cais Bar, La Tratoria, Pirata, Ponte para o Céu, Zanzibar, a Gruta da Praia do seo Zairton e mais um ou outro bar que não lembro agora.
O terreno, do tio do Nelsinho, só tinha árvores e muito mato e lixo. Limpamos tudo e construímos do zero, e em troca da benfeitoria fomos dispensados do aluguel. A cada mês, catávamos nossas singelas economias e subíamos mais um metro de parede, comprávamos uma privada, um fogão usado… Na folga do vigia, nós dormíamos lá, nos revezando. Pra ajudar nas finanças, compramos um refrigerador e no sábado enchíamos de cerveja e chamávamos os amigos pra ir beber lá, sentado no chão mesmo, tocando um blues no violão, rodinha de fumo, essas coisas boas da vida. Com o apurado, mais um metro de parede, um jogo de mesa e cadeiras, o aparelho de som…
Nove meses depois, julho de 1988, a inauguração, com show do Trio Guarani. A partir daí, foram noites e noites de bar lotado, shows inesquecíveis, as amizades brotando no tilintar dos copos, os amores borbulhando no fervor das possibilidades… No show da banda Os Necessários, era tanta gente que vendemos ingresso até pro galho da mangueira. Os garçons, quem eram no início? Eram elas, nossas deslumbrantes namoradas, e as danadas recebiam tanta gorjeta que até nos emprestavam dinheiro. Ao findar das longas noites, subíamos pro mezanino e lá dormíamos, exaustos de felicidade, sem consciência do brilho fugaz daqueles dias eternos.
Como o mezanino também servia pra resolver certas urgências que nos possuíam no meio da madrugada, as nossas e as dos chegados, apelidaram-no Badauê Love. E como a escada ficava encostada à parede externa, todo mundo via quem subia e quem descia de lá, e as almas bondosas até ajudavam as moças a chegar lá em cima, e embaixo o povo moleque aplaudindo o heroico esforço da necessitada. Era uma festa. E tinha a famosa lenda da caixa dágua, que ficava no mezanino: corria o boato de que fazíamos dela piscina, nós todos lá, degustando vinho com Pink Floyd, chafurdando na água com a qual eram lavados os copos. Não nego e nem confirmo. E se me pressionarem, conto os podres de todo mundo, viu?
Se ganhamos dinheiro? Dinheiro era o de menos naquela intensa celebração da vida sem hora pra acabar. Pra você ter uma ideia, várias vezes levamos os últimos clientes resistentes pra tomar café da manhã… onde? No Esplanada, um hotel 5 estrelas da Beira-mar, nós, os milionários moços lindos do Badauê, pagando tudo. Como que junta dinheiro assim?
O bar durou o piscar de olhos de dez meses. Fechamos por imaturidade na condução de nossas discordâncias e porque estava difícil conviver com a vizinhança. Melhor assim. Durasse mais tempo e não viveríamos pra contar a história. Mas foi tudo lindo, em sua poesia de estrela cadente a colorir o céu da nossa inebriada juventude. E agora, em 2018, comemoramos 30 anos de Badauê. Infelizmente, alguns amigos queridos que lá beberam e amaram já se foram. Mas nós sobrevivemos. Brindemos, a eles e a nós!
Você tem fotos, vídeos ou lembranças desse tempo? Divide com a gente, vai. Afinal, se o passado é a areia que já escorreu na ampulheta, é essa mesma areia que hoje faz o chão do que somos e nos dá a certeza de que, sim, nós vivemos, e vivemos deveras, e tudo valeu a pena.
. Ricardo Kelmer 2018 – blogdokelmer.com
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Com minha mana Luce, a caixa do Badauê, no Sobrevivi 2018 (Cantinho do Frango, Fortaleza, dez2018). Detalhe: à época, em 1988, ela era menor de idade e aceitou receber o pagamento em cerveja.
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MAIS SOBRE O BADAUÊ
Galinha ao molho conjugal – Então fizemos uma aposta. Qual dos três conseguiria resistir mais tempo ao casamento?
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Ser mulher não é pra qualquer um– É dada a saída, lá se vai o trenzinho. Num vagão as Belas, abalando nos modelitos, no outro as Madrinhas, abalando com o isopor e o estojinho de primeiro-socorro
A pouca vergonha do escritor peladão – Foi minha vizinha louca de Botafogo, a Brigite, quem me deu a ideia: Por que você não faz um ensaio fotográfico peladão pra comemorar seus 40 anos?
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14- Só lançamento. Bilica Leo, nov2018 – Fortaleza-CE
15- Eita! Faz um tempinho… Catarina Machado, nov2018 – Fortaleza-CE
16- O Crisostomo Frota começou a namorar a Dani no Badauê!! Joyna Sampaio, nov2018 – Fortaleza-CE
17- foi não. Na época do Badauê eu estava sob outra administradora. Dani foi na Cachaçaria, do Chico e da Susi. Crisostomo Frota, nov2018 – Fortaleza-CE
18- Tu ficava administrando a caixa d’água né?! ainda bem que o bar durou só 9 meses, senão tu ia morrer!! Joyna Sampaio, nov2018 – Fortaleza-CE
19- Didi, Mussum e Dedé. Bilica Leo, nov2018 – Fortaleza-CE
20- Você, mais uma vez, nos brindando com uma ótima narrativa sobre a boêmia da Fortaleza das doçuras… Rachel Oliveira Alves, nov2018 – Fortaleza-CE
21- Eitaaa, que massa!!! Maria Eugênia Brasil, nov2018 – Fortaleza-CE
22- Época show!!!saudadesss. Joana Darc Pedrosa, nov2018 – Fortaleza-CE
23- Bar maravilhoso, trio gostosura e tempo inesquecível!!!! Joesa Gondim, nov2018 – Fortaleza-CE
24- Como eu queria!!! Reny Diel, nov2018 – Fortaleza-CE
25- Andre Soares Pontes, vc faz parte dessa história. Baixou muita garrafa de Teacher´s naquele balcão… RK, nov2018 – Fortaleza-CE
26- Eu sobrevivi. Marcia Sucupira Viana Barreto, nov2018 – Fortaleza-CE
27- Eu cohecí o Badauê. Tempo bom… Celia Sporrer, nov2018 – Fortaleza-CE
28- Meu povo, do que vcs mais lembram do Badauê? 1- Pessoas 2- Músicas 3- Algum show 4- Um acontecimento especial 5- A fila dos banheiros 6- O Badauê Love 7- As garçonetes 8- Os donos 9- A caixa, que era minha irmã Luce RK, nov2018 – Fortaleza-CE
29- Do ambiente que era descontraído, fraterno, sensual… Carlos Marcos Augusto, nov2018 – Fortaleza-CE
30- A galera do Badauê era única!! Mas lembro, meio chapado, do Ricardo Kelmer colocando a música Blue Velvet, do filme Veludo Azul… Thomé Bayma Oestreicher, nov2018 – Boa Vista-RR
31- Queria estar aí… Claudia Baima, nov2018 – Fortaleza-CE
32- Não vou perder essa “festa memória”. Bons momentos vivo no badaue. Francisco Antonio Mota, nov2018 – Fortaleza-CE
33- Que linda lembrança! Ligia Eloy, nov2018 – Lisboa-Portugal
34- Vou pegar Welia Pinho Ferraro e vamos aí. Bjs. Míriam Costa Cearucha, nov2018 – Fortaleza-CE
35- que pena não vou estar em Fortaleza para esse memoriável encontro!!! Andrea Ramos Nogueira, nov2018 – Fortaleza-CE
36- Só gay!! Andre Soares Pontes, nov2018 – Fortaleza-CE
37- Q massa! Lembro q eu fazia Letras n UFC e morava n Benfica ….e combinei um dia c uma galerinha d B. Fátima (q frequentava o Cana Verde) ir ao barzinho badalado q tinha nome inspirado numa música q eu adorava(até hj)! Lembro nos apertarmos em um fusca n ida…mas voltar rindo muito c a metade d turma n corujão Circular – pois o dono d fusca – esticaria por lá ao encontro d amanhecer…Até hj não sei afirmar s meu primeiro porre foi n Zanzibar ou Badauê. Márcia Matos, nov2018 – Fortaleza-CE
38- posta aqui fotos do Badauê por favor! Paulo Alcântara, nov2018 – Fortaleza-CE
39- Não tenho sequer uma foto, acredita? Por isso que peço pra quem tiver, que nos envie. RK, nov2018 – Fortaleza-CE
40- caramba! Ficou tudo impresso na memória mesmo… vamos lá!! Paulo Alcântara, nov2018 – Fortaleza-CE
41- Nosso amigo Ricardo Damito me disse que tem muitos negativos das fotos que fez desse tempo, e que há várias do Badauê. Mas falta coragem pra abrir as caixas e procurar. RK, nov2018 – Fortaleza-CE
42- Saudades do Badauê! Carlos Marcos Augusto, nov2018 – Fortaleza-CE
44- Não lembro de quantas vezes eu e a Silvana Braga ajudamos a servir as mesas mas valia a pena pois o bar era muito astral e cheio de amigos inesquecíveis. Irei sem dúvida com a Miriam ok. Bjs Ricardo Kelmer. Welia Pinho Ferraro, nov2018 – Fortaleza-CE
45- Pra mim foi o melhor Bar da cidade. Luciene Resende, nov2018 – Fortaleza-CE
46- Saudades dessa época. Andrea Bezerra Zokvic, nov2018 – Windsor, Ontário-Canadá
47- Eu lembro quando chegava RK cantando a musica da Smurfet. La la lalala…. Berto Albuquerque, nov2018 – Fortaleza-CE
48- Que massa! Daniele Ellery, nov2018 – Fortaleza-CE
49- Adorava esse lugar…tempos bons. Fabiana Z Azeredo, nov2018 – Fortaleza-CE
50- Muita saudade ! Violeta Arrais, nov2018 – São Paulo-SP
51- Massa demais. Pedro Neto, nov2018 – Fortaleza-CE
52- Só via muito era o Carlim Papai.pra mim ele era o dono kkkkk. Osmar Pimentel Jr., nov2018 – Fortaleza-CE
53- Tempo bom!!!! Luiza Menezes, nov2018 – Fortaleza-CE
54- Chico Gadelha, vc é parte disso tudo. RK, nov2018 – Fortaleza-CE
59- É isso tudo mesmo Ricardo! Vc como sempre sabe usar as palavras como ninguém! Vivi muitas coisas com vocês e tudo foi e continua a ser muito especial. Amo vocês que são referências na minha vida. Vera Saboia, nov2018 – Fortaleza-CE
60- Bela história. Curti. Francisco Sérgio Sales Pinheiro, nov2018 – Fortaleza-CE
61- Muito bom! Não sabia que vc estava envolvido em mais esse circuito da velha PI. Minhas primeiras fugidas e investidas na noite circulei menina pelo Badauê… Karla Karan, nov2018 – Fortaleza-CE
62- Que texto bacana !! Paola Brandão, nov2018 – Fortaleza-CE
64- Sergio Rêdes, tu num tomou umas no Badauê, não? RK, nov2018 – Fortaleza-CE
65- Devo ter tomado Ricardo. Não lembro com exatidão porque naquele tempo eu me movimentava por todos os lugares e as vezes não sabia aonde estava. Sergio Rêdes Rêdes, nov2018 – Fortaleza-CE
66- Lindo texto! Época da efervescência na noite de Fortaleza. Emoções de adolescência!!! Célio Veras, nov2018 – Fortaleza-CE
67- O sonho correndo solto e eu tocando rock com a banda amorocratas. Luiz Antonio Lima Alencar, nov2018 – Fortaleza-CE
68- Ceci Lieb e as nossas primeiras baladas… Isabella Furtado, nov2018 – Fortaleza-CE
69- Cara, que tempo bom demais! Foram só 10 meses??? Poxa.. minha vida boa era lá! E olhe que eu não fiz metade da farra que vcs fizeram! Coisa linda relembrar! Aparecida Silvino, nov2018 – Fortaleza-CE
71- Fui garçonete de lá. Quantas histórias pra contar! Era Belinha pra cá, Belinha pra lá e muita mesa abastecida com alegria e muito som. Lembro de uma gorjeta gorda que recebi (cheque) e que entreguei pro caixa. Até hoje não me repassaram. Kkkk Mas, tudo bem! Tudo vale a pena se a alma não é pequena. E viva a nossa juventude!!! Isabela Alvarenga Porto Lima, nov2021 – Florianópolis-SC
72- Putz, estamos em falta com vc, Belinha. Aceita o pagamento em livro? RK, nov2021 – Fortaleza-CE
73- Aceito a sua visita aqui em casa, em Floripa. Isabela Alvarenga Porto Lima, nov2021 – Florianópolis-SC, nov2021
74- Convidou, eu vou! Em 2022, irei a SP e estico pelaí. RK, nov2021 – Fortaleza-CE
75- Adorei!! Isabela Alvarenga Porto Lima, nov2021 – Fortaleza-CE
76- Frequentei muito e por conta desse bar decidi abrir o Bagdad Café na Rua Tabajaras. Tempos de P.I. tranquila onde vi tantas barras do dia surgirem sem nenhuma preocupação com segurança. Hugo de Freitas, nov2021 – Fortaleza-CE
77- Ô foto comédia essa. Ivone Zete, nov2021 – Fortaleza-CE
79- Eu fui!!! Rosamélia Balreira, nov2021 – Fortaleza-CE
80- Meu primeiro beijo e começo de namoro com o Wilsinho foi lá. Já se vão 32 anos juntos. Anabela Alcântara, nov2021 – Fortaleza-CE
81- Muitas lembranças maravilhosas do Badauê. Isabel Cristina Fernandes, nov2021 – Fortaleza-CE
82- Tenho tantas aventuras ali…saudades! Ana Osmira Perdigão De Vasconcelos, nov2021 – Fortaleza-CE
83- Falei hoje sobre a alegria do Badauê. Conheci vocês e outros milhões de amigos. Depois fiquei Suspeito com Papai. Tempo Rei!!!! Fernando Camara, nov2021 – Fortaleza-CE
84- Boas saudades de um tempo bom demais. Ricardo Black II, nov2021 – Fortaleza-CE
86- Muitas lembranças deste lugar! Havia uma magia inexplicável! Marcos Severo, nov2021 – Fortaleza-CE
87- promete ser bom! Andre Rola, nov2021 – Fortaleza-CE
88- Fizemos a festa SOBREVIVI em 2018 e 2019. Depois, com a pandemia de covid, não fizemos em 2020. E agora, em 2021, acho que ainda não é o momento de voltarmos a fazer esta confraternização. Quem sabe em 2022. Saúde a todos! Cuidemo-nos, que a tempestade ainda não passou. RK, nov2021 – Fortaleza-CE
89- O tempo vai passar polo próprio tempo de saborear o tempo que nos levará há um novo tempo! Só saudade dos amigos que se eternizam pelo próprio TEMPO!!! SALVE! SALVE! RICARDO KELMER!!! Francisco Pio Napoleão Napoleão, nov2021 – Fortaleza-CE
91- Fortalezenses de verdade de plantão!! Não percam!! Queria estar ai porque twnho lembranças maravilhosas do Badaue! Ivna Ramos, Cambridge, Massachusetts-EUA – nov2018
92- Kalu Chaves estará pela terrinha? Vamos? Katia A. Lima? Eduardo Freire, nov2018 – Fortaleza-CE
93- Fazemos parte dessa história! Nós éramos necessários! Luis Carlos Sabadia; Moacir Bedê; Sérgio Roberto! Alexandre Barbalho, nov2019 – Fortaleza-CE
94- no passado, R Kelmo, era sósia do michael j fox do ‘de volta para o futuro’ rs. Henrique Baima, nov2021 – Fortaleza-CE
Na entrevista, o candidato deverá responder a perguntas feitas pelo povo. Como se sairá?
ENTREVISTANDO O CANDIDATO
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Sentado em frente ao apresentador de tevê, o candidato aguarda o início do programa de entrevista. Alguém no estúdio informa: “Entramos ao vivo em 5, 4, 3, 2, 1…” Toca a musiquinha do programa. O candidato olha para a câmera, sorri e faz um gesto com a mão imitando uma pistola. O apresentador começa:
‒ Candidato, primeiramente, quero agradecer, em nome da emissora, pelo senhor ter aceitado nosso convite para esta entrevista.
‒ Eu que agradeço.
‒ Neste primeiro bloco, o desafio consiste em testar o poder de síntese do candidato. O senhor deve responder a cada pergunta o mais resumidamente possível. São perguntas do povo, enviadas por pessoas simples.
‒ Estou pronto, pode mandar a primeira.
‒ Candidato, o senhor gosta de verdura?
‒ Muito. Inclusive, se eu for eleito, criança vai ser obrigada a comer verdura no café, no almoço e no jantar. Não comeu, vai pro pau-de-arara, talkei?
‒ Candidato, em caminho de rato, tatu caminha dentro?
‒ Ahn… Olha, sobre isso, quero avisar que vou legalizar o porte de arma, sim, e vai ser permitido caçar não só tatu, mas principalmente veado. Se um veado for visto andando solto aí pela rua, poderá ser abatido a tiro por qualquer cidadão de bem, talkei?
‒ Se o senhor for direto por essa rua, vai dar onde?
‒ Ahnn… veja bem… O problema do trânsito é culpa desse pessoal comunista que só sabe dirigir na faixa da esquerda. No meu governo todo mundo vai ter que dirigir pela direita, entendeu?
‒ Dizem que o senhor conta muitas piadas para os amigos. O senhor não tem medo de ficar queimado na rodinha?
‒ Medo de quê?
‒ De ficar queimado na rodinha.
Candidato pensa.
‒ Olha… Eu só tenho medo é de mulher feia. Aliás, mulher feia é a desgraça da humanidade, não serve pra nada. Nem pra ser estuprada, talkei?
‒ O senhor concorda com a seguinte afirmação: Se é para falar besteira, é minhoca lá?
‒ Sim… claro. Mas não nos calaremos diante da pedofilia nos museus. Chega dessa pouca vergonha. Liberdade artística é o caralho. Aliás, vou mandar fechar os museus e transformar tudo em igreja. Deus, pátria e família!
‒ O senhor prefere café de máquina ou o senhor acha que no coador é mais forte?
‒ Café de máquina. Inclusive, no meu governo vou transformar esses quilombos em lavoura de café. Esses afrodescendentes aí, tudo gordo, bando de macumbeiro, só fumando maconha… Essa moleza vai acabar, pode escrever.
‒ Se o senhor fosse caminhoneiro e precisasse transportar madeira para as cidades de Tupi e Juá, o senhor levaria madeira até em Tupi ou levaria até em Juá?
‒ Bem… eu… Vem cá, essas perguntas foram enviadas por quem?
‒ Por várias pessoas.
‒ Hum. Olha, caminhoneiro macho pega qualquer serviço. E tem mais. No meu governo, mulher que ganhar mais que homem vai ter que pagar imposto maior, pra compensar que engravida.
‒ Se o senhor fosse feirante e vendesse abacaxi, por quanto sairia a sua rodela?
‒ Minha o quê?
‒ Sua rodela.
Silêncio. Candidato desconfiado.
‒ No meu governo… eu… Mas que pergunta é essa?
‒ O senhor tem o direito de não responder.
‒ Eu não vou responder a essa pergunta.
‒ Ok, prosseguindo. Se o senhor e eu fôssemos caçar no mato, e o senhor pegasse um avestruz e eu um tucano, o senhor se importaria de ir na frente com o avestruz e eu com o tucano atrás?
Silêncio. Candidato muito desconfiado.
‒ O senhor quer que repita?
‒ Não precisa. Próxima pergunta.
‒ O senhor tinha uma galinha que se chamava Xu. Quando ela ficava grávida, o senhor acha que Xu paria um ovo ou Xu paria um pinto?
Silêncio. Candidato vermelho de raiva.
‒ Tempo esgotado, candidato. Vamos à próxima pergunta.
‒ Não vamos porra nenhuma! Que merda de entrevista é essa?
‒ Como falei, são perguntas enviadas por pessoas de…
‒ Vai tomar no cu, ô pederasta safado! Por isso que eu digo que o erro da ditadura foi torturar e não matar! Acabou a entrevista.
Candidato levanta da cadeira, arranca o microfone da roupa e sai, espumando de ódio.
‒ Candidato, me desculpe se eu lhe machuquei por dentro… É que eu sou muito cabeça dura.
‒ Sua sorte é que eu não estou armado agora! Bando de comunista desgraçado!
‒ Já que o senhor vai mesmo embora, mando um abraço para o senhor e para quem for da sua família todinha.
Candidato sai do estúdio, mas seus berros são ouvidos.
‒ Fascista é a puta que te pariu! Desaparecidos do Araguaia é o caralho, quem procura osso é cachorro!! Direitos humanos pra humanos direitos!!! Eu sou capitão do Exército, minha missão é matar!!!! Pinochet devia ter matado mais gente!!!!!
Segredos de família – O pai descobriu um terrível segredo de seu filho. E agora, o que pode acontecer com sua carreira política?
Ser mulher não é para qualquer um – É dada a saída, lá se vai o trenzinho. Num vagão, as Belas, abalando nos modelitos, no outro, as Madrinhas, abalando com o isopor e o estojinho de primeiro-socorro
Aviso prévio de traição – A partir de hoje poderei te trocar por outra a qualquer momento. Basta que ela sorria pra mim e que me faça agradinhos. E me dê o que você nunca quis me dar
Bar do Araújo é a salvação – Espremido entre duas igrejas evangélicas, o Bar do Araújo é a última resistência dos ateus. E do bom humor
Suvinando priquita – Pois você acredita que tem mulher que suvina priquita? Parece mentira, mas é verdade
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COMENTÁRIOS .
01- Parabens, Kelmer. Muito bem construída a crônica. Triste é a realidade a que faz referência. Compartilharei o texto. Abraços. Janailson Macêdo, Capina Grande-PB – set2018
04- Inteligente e divertido como sempre! Saudade do amigo! Abraço. Cesar Venezianni, São Paulo-SP – set2018
05- Olá xuxu tudo bem? Saudade de tu. Que será desse nosso Brasil hein… Beijos. Sandra Xavier, São Paulo-SP – set2018
06- Grande RK! Essa é a entrevista que eu queria ver. Perguntas certas para esse inominável de direita. Bom demais! Obrigado pelo envio e uma abraço do Leite. José Leite Jr., Fortaleza-CE – set2018
18- Muito bom. Faltou só a pergunta “candidato, o sr. gosta de correr ou só caminha?” Pedro Henrique Vieira Costa, Fortaleza-CE – set2018
19- Kkkkkkkkk rindo até as eleições. Pq no dia só vai dar vontade é de chorar. Às vezes parece que eatamos numa parada surreal. O q mais me assusta nem é o tal do Bolso mas a qtdade de pessoas que pensam como ele… Aline Cerqueira, set2018
20- to amando essa nova série! Clarisse Ilgenfritz, Fortaleza-CE – set2018
O pai descobriu um terrível segredo de seu filho. E agora, o que pode acontecer com sua carreira política?
SEGREDOS DE FAMÍLIA
. A câmera mostra a sala do apartamento. Na janela, Jair olha o movimento da rua lá embaixo. Um homem mais jovem entra na sala.
– O senhor que falar comigo, pai?
– Quero. Sentaí.
– Pai, eu…
– Sentaí, caralho! Eu estou mandando.
O filho senta no sofá, apreensivo. Jair fica em pé, em frente a ele, de braços cruzados.
– Que merda foi aquela, Dudu?
– Desculpa, pai, foi sem querer…
– Como sem querer? Como é que o filho curte “sem querer” a foto do maior inimigo político do pai?
– Desculpa.
– E logo aquela! O Lula lá, na praia…
– Lula lá?
– Eu disse Lula lá? Apague isso. O elemento lá, na praia, só de calção, calção vermelho, enfrentando as ondas, todo garboso, impávido…
– Colosso…
– Heim?
– Lembrei do hino nacional.
Jair passa a mão no rosto, tentando manter a calma.
– Primeiro, seu irmão desmaia naquele debate com candidatos à prefeitura. Foi uma vergonha descomunal para nossa família. Quem desmaia é mulher, caralho! Homem aguenta o tranco. E agora você me vem com essa.
– Já descurti a foto.
– Mas o estrago está feito. Vão explorar isso ao máximo na campanha presidencial.
– Tenho uma ideia, pai. Por que o senhor não posta uma foto sua, de sunga na piscina? Aposto como vai ser muito mais sexy que a dele.
– O quê? Você acha aquela foto sexy?
– Não, não… Não quis dizer isso…
– Dudu, eu estou preocupado com você.
– Foi sem querer, eu já disse.
– Estão dizendo por aí que você…
– Eu o quê?
– Que você é…
– Sou o quê, pai?
Silêncio.
– Você é, Dudu?
Silêncio.
– Dudu, responda, eu estou mandando. Você é ou não é?
Pai e filho se olham. O clima é tenso. Um carro passa na rua tocando I Will Survive.
– O senhor quer saber a verdade?
– Quero.
– Se eu disser, qual será o meu castigo?
– Não se preocupe, você não merece ser estuprado. Apenas me diga a verdade.
– O senhor não prefere uma verdade assim tipo uma verdade maquiada?
– Verdade maquiada?! – O pai levanta do sofá, com raiva. Saca um revólver da calça e o põe sobre a mesa ao lado. – Dudu, seja macho e responda. Eu estou mandando. Você é ou não é?
Dudu rói as unhas, nervoso. Olha para o pai, para a arma, para o pai.
– Sim, pai, eu sou.
Jair desmorona, sentando no sofá, as mãos escondendo o rosto.
– Não posso acreditar…
– Desculpa, pai. Não posso evitar de ser o que sou.
– Eu sabia que devia ter te dado mais porrada.
– Por favor, não fale isso.
– Desde quando você é assim?
– Acho que… desde sempre.
– E pensar que cheguei a te oferecer para aquela jornalista que me entrevistou…
Jair olha para o revólver.
– Não vou conseguir conviver com esse desgosto para o resto da vida…
– Pai, isso não é o fim do mundo. Muitas famílias convivem com essas diferenças.
Jair se levanta, pega o revólver e o aponta para a própria cabeça.
– Não faça isso, pai!
– Eu não vou passar pela vergonha de ter um filho veado.
– Como assim? O Flavinho é veado?
– Claro que não. Veado é você.
– Eu? Mas eu não sou veado.
Jair abaixa a arma, confuso.
– Você não é veado?
– Claro que não.
– Se você não é veado, por que curtiu aquela foto do Lula?
Silêncio.
– Vamos, diga. O que você tem com o Lula?
– Quer saber mesmo, pai?
– Fala logo, caralho.
– Eu sou… eleitor do Lula.
Silêncio. Eles se olham. Jair olha para a arma em sua mão, olha para o filho.
– Ufa, que alívio! – diz ele, sorrindo, pondo a arma sobre a mesa. – Me dá um abraço, filhão!
Dudu se levanta e eles se abraçam. Jair perfila o corpo, faz o gesto militar de continência e o filho o imita. Jair vai até o armário, pega uma garrafa de uísque e serve duas doses.
– Isso merece uma comemoração.
Eles brindam e bebem. Jair senta no sofá, e o filho o acompanha.
– O senhor me perdoa, né, pai?
– Positivo. Será um segredo nosso.
– Fique tranquilo, ninguém mais saberá.
– Mas aquele pôster do Lula lá na parede…
– Lula lá?
– Desculpe. Aquele pôster em seu quarto… Isso já acho um pouco exagerado.
– O senhor viu, foi?
– Bem escondido por trás do meu, mas eu vi.
– Vou tirar.
– Não, pode deixar, ninguém vai descobrir.
Jair toma um gole de uísque. Está pensativo.
– Está tudo bem?
– Filho… Também tenho um segredo para contar.
– Acho que eu já sei, pai.
Jair toma mais um gole. Está nervoso.
– Eu também quis curtir aquela foto. Quis muito.
– Eu já imaginava.
– Só Deus sabe como me controlei.
– Entendo perfeitamente.
– Não aguento mais esse teatro todo.
– Pobre pai…
– Você acha que devo desistir da candidatura?
– Se o senhor realmente é eleitor do Lula, acho que é melhor, sim.
– Na verdade, não é bem por isso.
– Não?
– Não.
– Então o que é?
Silêncio. Pai e filho se olham. Sentados no sofá, eles se abraçam. A câmera desliza suave pelo ambiente e mostra o revólver sobre mesa, ao lado do copo com uísque. Um carro passa na rua tocando I Will Survive.
. Ricardo Kelmer 2018 – blogdokelmer.com
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Ilustração: Gilmar
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A CURTIDA
O perfil de Lula no Instagram postou, em 13.07.18, uma foto de Lula na praia, que foi curtida pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do também deputado federal Jair Bolsonaro, pré-candidato à Presidência da República. O fato foi imediatamente explorado nas redes sociais e pela imprensa, e minutos depois Eduardo Bolsonaro desfez a curtida. Mas já era tarde…
Entrevistando o candidato – Na entrevista, o candidato deverá responder a perguntas feitas pelo povo. Como se sairá?
Ser mulher não é para qualquer um – É dada a saída, lá se vai o trenzinho. Num vagão, as Belas, abalando nos modelitos, no outro, as Madrinhas, abalando com o isopor e o estojinho de primeiro-socorro
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Bar do Araújo é a salvação – Espremido entre duas igrejas evangélicas, o Bar do Araújo é a última resistência dos ateus. E do bom humor
Suvinando priquita – Pois você acredita que tem mulher que suvina priquita? Parece mentira, mas é verdade
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Escritor, ateu, socialista, antifascista. Amante da arte, devoto do feminino, ébrio de blues. Fortaleza Esporte Clube. Simpatizo Amor de Bar. Fortaleza-CE.
VIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL
Um grupo de amigos que viveu na Dinamarca do sec. 14 se reencontra no sec. 20 no Brasil para salvar o mundo de malignas entidades do além. Resumo de filme? Não, aconteceu com o autor. Líder desse grupo aloprado, Kelmer largou uma banda de rock e lançou-se como escritor com um livro espiritualista de sucesso, que depois renegou: Quem Apagou a Luz? – Certas coisas que você deve saber sobre a morte para não dar vexame do lado de lá. As pitorescas histórias desse grupo são contadas com bom humor, entre reflexões sobre carreira literária, amores, sexo, crises existenciais, prostituição e drogas ilegais. Kelmer conta também sobre sua relação com o feminino, o xamanismo, a filosofia taoista e a psicologia junguiana e narra sua transformação de líder de jovens católicos em falso guru da nova era e, por fim, em ateu combatente do fanatismo religioso e militante antifascista.
PENSÃO DAS CRÔNICAS DADIVOSAS
Nesta seleção de textos, escritos entre 2007 e 2017, Ricardo Kelmer exercita seu ofício de cronista das coisas do mundo, ora com seu humor debochado, ora com sobriedade e apreensão, para comentar arte, literatura, comportamento, sexo, política, religião, ateísmo, futebol, gatos e, como não poderia deixar de ser, o feminino, essa grande paixão do autor, presente em boa parte desta obra.
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INDECÊNCIAS PARA O FIM DE TARDE
Contos eróticos. As indecências destas histórias querem isso mesmo: lambuzar, agredir, provocar e surpreender a sua imaginação.
Agenda
jul22 – Região do Cariri (CE)
Lançamento do livro Para Belchior com Amor, 3a edição (Assaré, Crato, Juazeiro do Norte, Nova Olinda e Campos Sales)
ago a dez22 – Várias cidades
Lançamento do livro Para Belchior com Amor, 3a edição (Fortaleza e outras cidades)
O IRRESISTÍVEL CHARME DA INSANIDADE
Romance. Dois casais, nos séculos 16 e 21, vivem duas ardentes e misteriosas histórias de amor, e suas vidas se cruzam através dos tempos em momentos decisivos. Ou será o mesmo casal?
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GUIA DE SOBREVIVÊNCIA PARA O FIM DOS TEMPOS
Contos. O que fazer quando de repente o inexplicável invade nossa realidade e velhas verdades se tornam inúteis? Para onde ir quando o mundo acaba?
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PARA BELCHIOR COM AMOR
Organizada pelos escritores Ricardo Kelmer e Alan Mendonça, esta terceira edição foi enriquecida com ilustrações e novos autores, com mais contos, crônicas e cartas inspirados em canções de Belchior. O livro traz 24 textos de 23 autores cearenses, e conta com a participação especial da cantora Vannick Belchior, filha caçula do rapaz latino-americano de Sobral, que escreveu uma bela carta para seu pai.
Usando a mitologia e a psicologia do inconsciente numa linguagem descontraída, Kelmer nos revela a estrutura mitológica do enredo do filme Matrix, mostrando-o como uma reedição moderna do antigo mito da jornada do herói, e o compara ao processo individual de autorrealização, do qual fazem parte as crises do despertar, o autoconhecer-se, os conflitos internos, as autossabotagens, a experiência do amor, a morte e o renascer.
Ciganas, lolitas, santas, prostitutas, espiãs, sacerdotisas pagãs, entidades do além, mulheres selvagens... Em cada um dos 36 contos e crônicas deste livro, encontramos o brilho numinoso dos arquétipos femininos que fazem da mulher um ícone eterno de beleza, sensualidade, mistério… e inspiração.
Os pais que decidem fumar um com o filho, ETs preocupados com a maconha terráquea, a loja que vende as mais loucas ideias… RK reuniu em dez contos alguns dos aspectos mais engraçados e pitorescos do universo dos usuários de maconha, a planta mais polêmica do planeta. Inclui glossário de termos e expressões canábicos. O Ministério da Saúde adverte: o consumo exagerado deste livro após o almoço dá um bode desgraçado…