Quem tem a droga tem o poder

14jul2008

Quem ganha e quem perde com a proibição das drogas?

QUEM TEM A DROGA TEM O PODER

(1a parte da trilogia Rio Droga de Janeiro)

“A gente não torce mais para a polícia acabar com as quadrilhas, pois a gente sabe que isso é impossível. A gente agora torce é para que apenas uma quadrilha se estabeleça no lugar onde a gente mora, pois é só assim que a gente tem um pouco de paz. De preferência a quadrilha que tem apoio da polícia.”

Quem disse isso foi uma amiga minha que mora no Morro do Vidigal, favela carioca da zona sul, um dos lugares com a vista mais deslumbrante do Rio de Janeiro. Ela lamentava a guerra entre quadrilhas de traficantes que há meses violenta o dia a dia de sua comunidade e obriga os moradores a conviver com tiros e explosões na madrugada, enfrentamento de quadrilha com quadrilha e quadrilha com polícia, mortes, toque de recolher imposto pelos bandidos…

Quem tem a droga tem o poder ‒ esta é a lógica cruel do Rio de Janeiro atual. Junte-se a isso pobreza, despreparo das forças de segurança, descaso dos governantes, indiferença das elites, interesses comerciais, corrupção em todos os poderes e, também, é claro, a existência de um ávido mercado consumidor e, pronto, você terá um poder paralelo capaz de se infiltrar em todos os níveis da sociedade, corroer suas bases, estabelecer suas próprias leis e tornar a vida do cidadão um inferno.

Os criminosos querem poder, muito poder, quanto mais melhor. Para isso, precisam de muito dinheiro. Droga é um negócio perigoso, mas é bastante lucrativo pois há muitos consumidores, inexiste fiscalização e não se paga imposto. Os maiores pontos de venda ficam nas favelas porque lá o Estado se recusa a ir. Lá as quadrilhas são o Estado: elas fazem as leis, fiscalizam seu cumprimento e punem os faltosos. Antigamente o traficante do morro era nascido no morro e era um romântico, pois atuava como um benfeitor da comunidade abandonada pelo Estado, usando seu poder para amenizar as dificuldades de sua gente. Hoje não é mais assim. O negócio da droga é para profissionais e não para Robin Hoods românticos. Os chefões não estão interessados em melhorar a vida de ninguém, mas em obter mais poder e se defender das outras quadrilhas que cobiçam seu território. E o cidadão? Este fica lá, impotente e apavorado no meio do fogo, sem ter a quem recorrer.

Se o problema ficasse restrito às favelas, as elites não estariam nem um pouco preocupadas. Mas a violência gerada pela bandidagem desceu o morro e alcançou a classe média e os ricos. Não há mais onde se esconder. Carro blindado, vidro escuro, condomínio fechado, cerca elétrica, câmeras de vigilância ‒ a sociedade gasta fortunas para se proteger, mas um dia a violência descobre uma brecha e ataca, nos transformando em mais um número das estatísticas. As quadrilhas, cada vez mais ousadas, exibem seu poder à luz do dia, decapitando o inimigo, tocando fogo no corpo e largando-o nas ruas, perto do metrô, para que todos entendam de uma vez quem é que manda no pedaço.

Minha amiga não quer guerra onde ela mora. Ninguém quer. O Estado deveria proteger os cidadãos, mas entra ano e sai ano, entra década e sai década, e isso não acontece. O que sobra ao cidadão? Apenas torcer para que a quadrilha que manda no bairro não seja atacada por outra quadrilha. A coisa chegou a tal ponto que é melhor viver na paz do tráfico que na guerra do tráfico, veja só o absurdo. Já que o narcotráfico não vai acabar nunca, melhor se entender com quem realmente manda no pedaço. E esse alguém não é a polícia. Nem o governador.

E por que diabos as forças de segurança não agem? Arrá! Chegamos a um segundo nível da questão. A polícia é incapaz de conter a força dos traficantes não exatamente porque são muitos e bem armados, mas porque os bandidos possuem conexões com a própria polícia, as forças armadas, políticos, juízes e governantes. Até mesmo com empresários e igrejas. Como derrotar algo tão poderoso?

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Ricardo Kelmer 2005 – blogdokelmer.com

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> Esta crônica integra o livro Blues da Vida Crônica

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..figdrogaspsicotropicusoutdoor

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Foto 1: Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Foto 2: Psicotropicus

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Textos da trilogia Rio Droga de Janeiro

> Quem tem a droga tem o poder
> Os discretos sócios do narcotráfico
> Guerras às drogas não, antiproibicionismo sim

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Comentarios01COMENTÁRIOS
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7 Responses to Quem tem a droga tem o poder

  1. Isabel Belém disse:

    “Como derrotar algo tão poderoso?”
    SENHORES USUARIO DE DROGAS…PAREM DE USAR …DROGAS….
    ASSIM ACABA COM O TRAFICO…O TRAFICANTE …AS FUTURAS GERAÇÕES DE NOVOS USUÁRIOS…E A VIOLENCIA DE UM MODO GERAL.
    E O PIOR É QUE UM “MONTE DE VICIADOS ,SEM-VERGONHA….RECLAMAM DA VIOLÊNCIA E VIVEM PEDINDO …PAZ…DE CAMISETA BRANCA EM PASSEATA E TUDO.

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    • ricardokelmer disse:

      > Não é tão simples assim, Isabel. Pra começo de conversa, a sociedade quer a droga, as pessoas querem experimentar estados especiais de consciência. Por que uma criança brinca de girar sobre si mesma, como se fosse um pião, até ficar tonta e cair? Porque estados especiais de consciência nos atraem desde pequenos, sempre nos atrairão.

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  2. Paula Izabela disse:

    Sabe o q é q uma profa. de Literatura faz qdo tem q ficar em casa de molho por ordens médicas? Fuça os textos dos amigos p roubar uns p as próximas aulas. Tô sequestrando mais esse, tio prof! Obrigada! Como é q alguém tão excêntrico, tão sem-noção, pode ser tão antenado? Era isso q o Ri-Carlinhos discutia comigo aqui em casa. Amizade à parte, vc devia pagar imposto por escrever tão bem. Aff! Claro… Se escrever desse dinheiro no país dos “banguelas”. PS: Detesto discordar dos outros – até pq creio q “cada ponto de vista é a vista de um ponto” – mas querer um mundo sem usuários de drogas é muito utópico. E quem não for viciado em nada q atire a primeira pedra.

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  3. fernando disse:

    as drogas estão cada vez mais dificeis derrotalas a policia tem de fazer a mesma coisa que fizeram la no complexo do alemão.

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    • ricardokelmer disse:

      > Não se derrota a droga, Fernando. Simplesmente porque a sociedade a deseja, as pessoas desejam estados especiais de consciência. Se há procura, haverá oferta. O ideal é que essa oferta não estivesse sob controle de bandidos.

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  4. Heraldo disse:

    NOTA: onde se lê “Estados Especias de Consciência” leia-se “Brisa”, hehehe.

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