.O Cabaré Soçaite foi criado por mim em 2002, quando morava em Fortaleza e era diretor da Caboca (Confraria de Apoio às Boas Causas), um clube de cultura e entretenimento. Com edições realizadas em Fortaleza e São Paulo, o Cabaré Soçaite é uma festa temática cabaret com elementos de programa de auditório, que celebra a sensualidade e o erotismo num delicioso clima Moulin Rouge, sempre de maneira artística e divertida.
. EU E MINHA PRIMA HELGA sempre parecemos duas irmãs, de tão unidas. A mesma idade, os mesmos gostos. Na escola, sentávamos lado a lado e corríamos de mãos dadas pelo pátio, alegres como dois passarinhos. Na verdade, Helga foi a única amiga que tive.
Foi o melhor tempo de minha vida. Éramos crianças e o mundo inteiro o cenário de uma grande brincadeira. Depois éramos quase adolescentes e o mundo passou a ser a fonte inesgotável de deslumbramento, nós duas encantadas e amedrontadas com as possibilidades que a vida descortinava à nossa frente. E tínhamos uma à outra para nos proteger e confiar nossos segredos.
Nos fins de semana ela costumava dormir lá em casa e nossas noites eram recheadas de papos sem fim, nossas músicas preferidas, os diários compartilhados. Quando começamos a nos interessar pelos garotos, treinávamos, uma com a outra, os beijos que daríamos neles. E no escuro do meu quarto nós nos ensinávamos mutuamente sobre os prazeres que nossos corpos podiam nos oferecer.
Helga era um sentido. O único.
Uma noite mostrei-lhe uma foto do amanhecer, uma foto muito bonita na página de uma revista. Perguntei-lhe se ela já havia visto o nascer do sol. Helga me respondeu que não, mas que sabia de um segredo. E perguntou se eu poderia guardar uma informação ultrassecreta por toda a vida. Eu disse que sim, que ela podia confiar em mim.
– Então promete que nunca vai me trair.
– Prometo que nunca vou te trair – respondi, e toda a solenidade do momento nos envolvia feito música.
– Nunca jamais.
– Prometo que nunca jamais vou te trair – reforcei, beijando meus dedos em cruz.
Ela então trancou a porta do meu quarto e me fez sentar ao seu lado na cama. E falou baixinho em meu ouvido que do outro lado da noite não havia crianças, que era por isso que os adultos não as deixavam ficar acordadas para ver o amanhecer. Mas um dia, quando nós fôssemos adultas, cruzaríamos a noite, juntas, sem medo, e veríamos o amanhecer. Era o segredo. E sua promessa.
Abracei-a, confiante em suas palavras, e nessa noite dormimos juntinhas, num só abraço, protegidas de todo o mal e cúmplices para toda a vida de um segredo e de uma promessa que nos unia ainda mais.
Um dia, sua família precisou mudar de cidade. E Helga foi embora. Choramos bastante, lamentando nossa triste sina. Beijei-a com toda a doçura e disse-lhe que a amava. Ela enxugou minhas lágrimas, disse que me amava também e que tudo faria para que em breve nos reencontrássemos.
Mas a vida não seria tão simples quanto nossos planos infantis. As cidades eram distantes e nossas famílias não eram ricas. Não pudemos nos ver nas férias seguintes e tivemos de nos contentar com nossas cartas quase diárias, já que os poucos minutos de que dispúnhamos ao telefone eram um nada diante das tantas coisas que tínhamos para falar. Aos poucos, porém, as cartas de Helga passaram a demorar uma semana, depois um mês, depois meses… E um dia, não chegaram mais. Entristecida de saudade, eu insisti, escrevendo ainda mais. Mas ela nunca voltou a responder. Chorei minhas mágoas com mamãe e ela me consolou dizendo que havia outras meninas legais e que eu faria outras amizades.
Infelizmente, mamãe estava errada.
Um dia, quatro anos e vinte e cinco dias depois de nossa despedida, eu soube que Helga estava na cidade e iria lá em casa jantar conosco. Vibrei de alegria. Limpei e arrumei o quarto, troquei a cortina e pus lençóis e cobertores novos na cama.
Quando a porta abriu, tive duas surpresas. Helga estava diferente, havia crescido, era uma mulher. Estava ainda mais bonita. A outra surpresa foi o rapaz que estava com ela. Era seu namorado. Ela não havia falado dele. Eu não sabia. Apesar de simpático, não me senti à vontade com sua presença. Ela não deveria tê-lo levado lá em casa.
Helga me abraçou e beijou com carinho, disse que estava com saudade. Perguntei por que não respondera às minhas cartas e ela disse que não tinha tempo para escrever, mas que lia todas. Perguntei se as guardara. Ela riu, olhou para minha mãe e respondeu que sim.
Jantamos todos juntos e Helga contou as novidades, falou dos meus tios e que no fim do ano faria vestibular para Física, queria ser cientista. Eu não conseguia deixar de olhar para ela. Como estava linda!
Depois do jantar, fomos à sala ver televisão. Sentei-me entre Helga e seu namorado, assim evitaria que ele a beijasse. Quando ficou tarde, mamãe sugeriu que ela ficasse para dormir. Para minha alegria, Helga aceitou. Então ela despediu-se do namorado, combinando a hora que ele passaria para pegá-la no dia seguinte. Ele saiu e eu tranquei a porta.
Reservei minha cama para Helga, enquanto eu dormiria na rede. Quando ficamos a sós no quarto, puxei de baixo da cama o baú. Abri e mostrei-lhe meu maior tesouro: nossos antigos CDs, nossas fotos, meus diários, todas as suas cartas e os bilhetinhos que trocávamos durante as aulas.
Ela olhou tudo surpresa, não acreditando que eu realmente guardara aquilo durante tanto tempo. Segurou curiosa duas mechas de cabelo presas numa fita amarela e eu disse que eram nossos, ou ela não lembrava que cortávamos juntas nossos cabelos? Helga leu trechos de meu diário onde eu narrava meu sofrimento por estar distante dela e, nesse momento, sua voz parecia uma doce canção que falava de saudade. Perguntei-lhe se ainda me amava.
Ela parou de ler e olhou para mim. E me chamou para perto dela, na cama. Sentei a seu lado. Ela ajeitou meu cabelo e disse que gostava muito de mim, que jamais esqueceria nossa amizade. Perguntei se ela ainda sabia beijar. Ela riu e disse que sim. Então beijei sua boca. Ela correspondeu por alguns segundos, mas depois afastou-se. Perguntei se não havia gostado. Ela então falou que o que havia acontecido entre nós era coisa de crianças, que agora éramos adolescentes, quase adultas, que em breve estaríamos na faculdade.
Respondi que ela estava enganada, que nosso amor não era coisa de criança, que eu não a esquecera nem por um só minuto e que ela ainda era a coisa mais importante do mundo para mim. Ela me olhou carinhosamente e me abraçou. Disse que jamais esqueceria o que vivêramos, que lembrava de tudo com muita ternura e que, apesar do tempo e da distância, eu continuava sendo sua prima preferida. Insisti: ainda me amava? Sim, ela respondeu, mas que agora devíamos deixar aquelas lembranças guardadas numa caixinha e cuidar da vida, seguir em frente.
Ela juntou tudo e pôs de volta no baú. Trancou e me entregou a chave. Tentei entender o que ela fazia, mas estava confusa. Ela disse que já estava tarde, precisava dormir, no outro dia tinha que acordar cedo.
Helga dormiu. Eu não. Fiquei a noite inteira sentada no chão, ao lado da cama, vigiando seu sono para que nada de ruim lhe acontecesse. Tão bonita ela dormindo, parecia um anjo. A réstia de claridade que vinha da janela acariciava seu rosto… A Lua, invejosa, também queria beijá-la. Como eu beijei.
Em certo momento, olhei para a janela e vi que estava… amanhecendo! Levantei e fui até lá. Afastei a cortina e abri a janela. O céu já não era um breu. Por trás dos prédios ele começava a mudar de cor. A escuridão cedia espaço a bonitas nuvens alaranjadas e alguns raios pareciam furá-las e lançar-se mais acima. Era o amanhecer, o primeiro que eu presenciava em toda a minha vida.
Sorri, sentindo uma estranheza, uma sensação misturada de vitória e desconforto. E de medo. O amanhecer era bonito, mas ao mesmo tempo que admirava, eu estava com medo. Então era aquele o mundo do qual falara minha prima, o mundo para o qual um dia ela prometeu que iríamos juntas… Mas eu não sabia se queria ir, não me agradava a ideia de um mundo sem crianças. Estava bastante confusa.
Olhei para Helga, que dormia na cama. E a visão de seu rosto me encheu de coragem. Então me ajoelhei ao lado e a chamei, com ela eu não teria medo de ir. Chamei-a para que cumpríssemos o que ela uma vez prometera, que entraríamos juntas no mundo dos adultos.
Ela se mexeu na cama, sussurrou algo e voltou a dormir. Chamei-a novamente, ela tinha que levantar, tínhamos que entrar juntas, eu não iria sem ela. Mas ela disse que era cedo, que precisava dormir, que eu fosse dormir também. Chamei-a de novo. Ela então me olhou com raiva e disse que se eu não fosse para minha rede, chamaria minha mãe.
Afastei-me, surpresa. Helga jamais havia falado comigo naquele tom. Fiquei ali olhando para ela, tentando entender. Por que ela não queria ir comigo? Não fazia sentido. Eu não iria sozinha. Sem Helga, o que eu faria no mundo dos adultos?
Então, entendi. Ela preferia ficar em nosso mundo, o mundo das crianças, que ficava do lado de cá da noite. O nosso mundo, onde estaríamos protegidas para sempre de todo mal. Aliviada por ter finalmente entendido tudo, fechei a janela e deitei na rede.
Quando estava quase dormindo escutei algo que chamou minha atenção. Era um som de galope, pareciam cavalos se aproximando. Olhei para a janela. Era de lá que vinha o som. Levantei e fui até lá. E vi. As criaturas malignas.
Eram muitas, nem sei dizer quantas. Vinham montadas em seus cavalos bufantes, o galope alvoroçado. Gritavam e urravam e gargalhavam feito loucas. Empunhavam foices e lanças e as brandiam sobre as cabeças. Eram cadáveres humanos, esqueletos com restos de carne ainda pendurados. Criaturas semimortas, grotescas, horríveis. Pareciam saídas de seus caixões. A coisa mais pavorosa que eu já vira e haveria de ver em toda a vida.
Elas estavam logo à frente, expelindo ódio e crueldade pelos olhos vermelhos. E olhavam todas para minha janela, para onde eu estava, todos aqueles horríveis olhos vermelhos olhando para mim. Na imensidão da cidade, no meio dos prédios, as criaturas sabiam exatamente onde eu estava. Olhavam fixo para minha janela, para mim, e se aproximavam em seu galope enlouquecido e barulhento.
O desespero subiu pela minha garganta, e quando eu tentei chamar Helga, minha voz simplesmente não saiu. Elas estavam chegando e eu não podia gritar. Quis correr, mas minhas pernas não se mexeram e ali continuei, parada na janela. Elas se aproximavam e o barulho era cada vez maior. Como Helga podia continuar dormindo com aquele som ensurdecedor?
Enfim, chegaram. Pararam diante da janela. Eu escutava seus cavalos alvoroçados, bufando, prontos para invadir o quarto. Pude sentir aquele horrível cheiro de coisa podre, de animal morto, insuportável…
Então, juntei todas as minhas forças e, tão rápido quanto pude, saltei e joguei-me na cama, colando-me ao corpo de minha prima. Puxei o cobertor e me cobri dos pés à cabeça. Ela acordou e perguntou o que eu estava fazendo ali. Não consegui falar nada. De olhos fechados, tremia de terror.
Helga explicou que eu tivera um pesadelo, que estava tudo bem, que eu podia dormir com ela. Eu tremia, encolhida sobre mim mesma, apertando os olhos, petrificada de pavor. Helga me abraçou, tentando me acalmar. Mas era inútil. Elas estavam na janela e entrariam no instante seguinte.
Helga pediu que eu abrisse os olhos. Não abri. Ela insistiu, pediu que eu abrisse, que era ela quem estava ali, estava ao meu lado, sua prima querida. Não abri, não podia. Apenas tremia e tremia.
Ela então pegou minha mão, apertou-a na sua e pôs algo entre meus dedos. Era a nossa mecha de cabelo, que ficara fora do baú. Helga disse que aquilo era um amuleto, que eu não deveria mais ter medo, que o amuleto me protegeria todas as noites. Era só segurá-lo que o pesadelo iria embora.
Segurei a mecha de cabelo em minha mão, apertando-a com toda a força que pude. Então, aos poucos percebi que as criaturas se afastavam. O amuleto funcionava mesmo. Continuei segurando e apertando. E as criaturas se foram. Aos poucos, parei de tremer, e chorei de alívio e agradecimento. Abracei minha prima amada e assim adormecemos, juntinhas. Protegidas. Como nos velhos tempos. Como nunca deveria ter deixado de ser.
Quando despertei, porém, estava sozinha. Minha prima já havia saído. Olhei para a janela e o céu estava azul. Abri a mão e lá estava o amuleto. .
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TENHO ATUALMENTE 21 ANOS. Saí de casa, vim cursar faculdade em outra cidade. Meus pais alugaram um pequeno apartamento, que é onde moro, junto com Ramin, meu gato persa. Ele é castrado e nunca sai do apartamento, assim me faz companhia.
Sempre cuidei de estar em casa antes do amanhecer para não ter o desprazer de rever aquela cena horrível. Por conta disso recusei muitos convites para passeios, pois temia não estar em minha cama, protegida, quando as criaturas malignas chegassem, vindas do mundo onde não há crianças. Sim, eu ainda tinha o amuleto. Mas ele era algo muito sagrado para que eu o usasse por aí em qualquer lugar.
Nunca falei das criaturas com quem fosse, nem com meus pais, nem amigas, nem ninguém. Era meu segredo, meu e de Helga. Um dia, porém, num momento de fraqueza, cedi e acabei contando para Luiz. Já namorávamos havia alguns meses, e ele sempre indagava sobre minha relutância em ver o amanhecer. Gostava dele e achei que entenderia, por isso que contei. Num momento de fraqueza quebrei nosso segredo.
Perguntei a Luiz se ele não as via, as criaturas horrendas, quando amanhecia. Perguntei se não escutava o barulho ensandecido dos galopes quando surgiam os primeiros raios do dia. Se não sentia o cheiro insuportável de bicho morto. Ele era uma pessoa sensível, certamente entenderia. Falei que muitos anos atrás Helga havia me alertado sobre o outro lado da noite, que havia me contado o segredo do amanhecer e que um dia eu finalmente vira com meus próprios olhos. Falei do amuleto que eu usava, que minha prima me dera especialmente para me proteger, que era por isso que eu sempre o usava num cordão no pescoço quando dormia.
Terminei de falar e fiquei aguardando, nervosa. Nesse instante, lembrei de Helga e senti todo o peso da quebra de um pacto valioso. O que ela pensaria? Será que me entenderia? Se ela conhecesse Luiz, certamente entenderia sim, ele era uma pessoa boa, gostava de mim.
Luiz escutou tudo e ficou muito sério. Perguntou se eu não estava brincando e respondi que não. Tornou a perguntar e tornei a negar. Perguntou uma terceira vez, e pela terceira vez neguei. Compreendi nesse exato momento que não devia ter contado.
Depois daí, Luiz mudou. Passou a me tratar de um modo mais frio. E, pior, tentou me convencer que aquilo tudo era invenção minha, que as criaturas malignas não existiam, que eu devia ver o amanhecer sem o amuleto para constatar o que ele dizia.
Eu deveria ter terminado o namoro aí mesmo. Senti muita raiva por ele me tratar como uma louca. Sei que não sou louca, eu vi as criaturas. Escutei o galope atropelado e os uivos alucinados, pude sentir o mau cheiro tomando conta do ar e por pouco suas garras não tocaram meu pescoço.
Ainda namoramos mais algumas semanas, apesar dele continuar tentando me convencer. Volta e meia tocava no assunto, mas eu não queria escutar, não queria mais falar sobre isso, sabia que não adiantava. Terminamos o namoro porque um dia ele fez algo que não pude aceitar.
Foi numa noite em que dormimos juntos. Acordei de repente, assustada. Ele me chamava. Apontava para a janela do meu quarto e pedia que eu olhasse, dizia que nada havia lá fora, havia apenas o amanhecer.
Olhei para a janela, ainda zonza de sono, e quase desmaiei do susto que tomei. Lá estavam as criaturas chegando, elas e sua correria alucinada. Já vinham perto, eu podia escutá-las como se estivessem dentro do apartamento.
Olhei para sua mão e vi o amuleto. Luiz o tirara de meu pescoço enquanto eu dormia, o idiota. Nesse instante, fui tomada por um ódio que nunca imaginei que pudesse ter. Ver o amuleto nas mãos daquele estúpido me deixou absolutamente enfurecida. Ele não podia ter feito aquilo.
Então o empurrei para fora da cama, gritando desesperada que ele não tinha o direito. Eu tentava recuperar o amuleto, mas ele não deixava, e dizia que eu olhasse lá para fora, que estava tudo normal, não havia nenhuma criatura maligna…
Eu poderia tê-lo matado, sinceramente que poderia. Luiz me tratava como se eu fosse uma louca. De fato, fiquei tomada pelo desespero, fiquei sim. Mas quem não ficaria vendo-as tão próximo?
Empurrei-o violentamente para o corredor e de lá para a sala. Ele tentava me conter, pedia calma, dizia que eu precisava de tratamento, que gostava muito de mim e queria me ajudar. Eu não queria ouvir e gritava que ele fosse embora. De um canto da sala, Ramin, despertado pelos gritos, via a tudo assustado. Eu estava mesmo desesperada. Não tinha tempo. Luiz me entregava à morte e não percebia isso.
Não sei onde arrumei tanta força, afinal Luiz é bem mais forte que eu, mas abri a porta da sala e o atirei longe. Ele caiu de costas no chão e foi rolando pelos degraus da escada. Apanhei o amuleto no chão e gritei, antes de bater a porta, que nunca mais queria vê-lo. E corri para o quarto, atirando-me à cama e me cobrindo com o cobertor.
Vivi tudo de novo, o inferno que eu jurara que jamais viveria novamente. Elas chegaram como da outra vez. Olharam pela janela e… entraram. Puseram-se em volta de minha cama, observando-me, todos aqueles cadáveres nojentos. Não, ninguém pode imaginar o que seja isso…
Enquanto eu, embaixo do cobertor, tremia e apertava em minhas mãos o amuleto, podia sentir seus olhares queimando feito brasa em minha pele, o bafo quente, o odor putrefato, meu corpo a um palmo de suas garras asquerosas… Não, ninguém pode imaginar.
Então, aos poucos, elas começaram a se afastar, foram saindo. Sabiam que nada podiam contra mim se eu estivesse com o amuleto.
No mesmo dia, Luiz me ligou, mas não atendi. Mandou-me mensagens que não li. Farta dele, desliguei o celular. No dia seguinte, peguei o ônibus para a cidade onde Helga morava, precisava lhe contar o que fizera. Eu não fora digna de seu segredo. Precisava que me perdoasse.
Cheguei à tarde. Da rodoviária, peguei outro ônibus até a casa dela. Cheguei, toquei a campainha. E perguntei por minha prima. Foi então que soube que Helga havia morrido. Naquela manhã.
A princípio, não acreditei. A voz no interfone perguntou quem eu era. Mas eu não consegui dizer mais nada. Uma mulher abriu o portão. Estava vestida de preto, o semblante triste. Ela falou algo sobre um acidente e explicou onde era o velório, estavam todos lá. Ela perguntou se eu entendera. Não lembro o que respondi, mas eu entendi sim. Entendi tudo. .
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AGORA, NESTE EXATO INSTANTE, são cinco e dez da manhã. Estou de volta ao meu apartamento, aqui na sala, sentada nesta poltrona, de frente para a grande janela de vidro. O sol surge às minhas costas, do lado oposto – eu tivera o cuidado de escolher um apartamento virado para o poente –, mas já posso ver o céu deste lado começando a clarear. Em poucos minutos será dia.
Trouxe da cozinha mais uma xícara de café. Quero estar bem desperta para o que vai acontecer.
Já ouço o barulho, sinto o mau cheiro… Tento manter-me calma. Mas o peito está para explodir.
Já posso vê-las, as criaturas e seus semblantes enlouquecidos. E os berros, meu Deus, os berros… Não sei como os vizinhos não acordam com todo esse barulho. E minha vizinha, que reclama de qualquer coisinha, como pode não escutar?
Deixei no pratinho de Ramin ração suficiente para uns cinco dias. Espero que alguém se dê conta antes que o bichinho morra de fome.
Elas estão chegando, já me viram. A horda inteira me observa, com seus olhos vermelhos, as expressões de ódio. E a correria faz o apartamento tremer. Como podem não escutar, meu Deus? Os vasos caem, tudo treme! Até Ramin, de sono tão pesado, já veio ver o que está acontecendo…
Elas já estão aqui. Caminham sádicas ao redor da poltrona e o som de seus passos ecoa pela sala. Deus, como são repugnantes! E o cheiro, é impossível respirar… Ramin ficou apavorado com o que viu: arrepiou-se todo e saiu numa carreira pelo corredor, deve ter-se metido embaixo do armário, coitado. Eu bem que poderia tê-lo poupado disso.
Uma delas passa a mão em meu cabelo, a mão ossuda, restos de pele pendurada… O cheiro é insuportável. O asco me sobe à garganta e reprimo o vômito. Estou imóvel, não respiro, olho fixo para frente. Uma delas empunha uma foice. Por que não faz logo o que veio fazer?
Estão todas na sala e riem de mim às gargalhadas. Tento manter um mínimo de dignidade, mas estou tão nervosa que meu queixo treme sem parar… Só queria que tudo acabasse logo.
Então, uma das criaturas puxa meu cabelo e reclina minha cabeça para trás, expondo inteiramente meu pescoço. Sinto meu coração acelerado. Ela aproxima seu rosto do meu e percebo que sua boca espuma, posso sentir o bafo quente. A que empunha a foice se aproxima. Evito seus olhares fechando os olhos, e assim os mantenho.
A criatura puxa meu cabelo um pouco mais. A baba de sua boca pinga sobre meus lábios cerrados e escorre pelos cantos… Eu me esforço para controlar a repulsa. Percebo que suas unhas afiadas tocam meu pescoço. Meu queixo ainda treme. Todas elas tocam meu pescoço, deslizando lentamente suas unhas como se saboreassem um aperitivo.
Duas imagens surgem em minha mente. A primeira é o amuleto enterrado no jardim da praça, a porção de terra a cobri-lo, nossas mechas de cabelo unidas para sempre. A segunda imagem é de Helga, olhando para mim, seus olhos tristes e decepcionados…
As lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto. Minha cabeça continua inclinada para trás, meu pescoço exposto. Sem suportar mais o olhar de Helga, eu choro. Choro de olhos fechados e rezo para que tudo termine logo.
Então, num movimento brusco, a criatura faz o que deve fazer.
O que fazer quando de repente o inexplicável invade nossa realidade e velhas verdades se tornam inúteis? Para onde ir quando o mundo acaba? Nos nove contos que formam este livro, onde o mistério e o sobrenatural estão sempre presentes, as pessoas são surpreendidas por acontecimentos que abalam sua compreensão da realidade e de si mesmas e deflagram crises tão intensas que viram uma questão de sobrevivência. Um livro sobre apocalipses coletivos e pessoais.
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CRIMES DE PAIXÃO
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Todos os frequentadores do Quais Bar pararam surpresos quando chegaram no sábado e descobriram que o Olimar não aparecera para trabalhar. Afinal de contas, além de se tratar do garçom mais folclórico do boemíssimo bairro da Praia de Iracema, ele era conhecido por Penalidade, alcunha que lhe botaram os clientes por ter faltado ao trabalho uma única vez em vinte anos de profissão – justamente por ter, no dia, defendido de forma magistral uma penalidade máxima na final da Liga de Futebol do Quintino Cunha. A comemoração foi tamanha que à noite não teve condições de trabalhar. Olimar, o Penalidade.
E agora o homem faltava pela segunda vez. Era um acontecimento quase tão histórico quanto o da primeira. Gente se gabava de ter estado no bar na noite em que o Penalidade faltara. Roger Gaciano Jr., o renomado jornalista e frequentador da praia, procurando alguém para ilustrar sua matéria sobre a boemia do bairro, entrevistou quem? O garçom Penalidade, claro. E a entrevista até hoje está lá na parede do bar, plastificada para todo mundo ler.
– O Olimar não veio trabalhar?! Será que defendeu outro pênalti?
– Proponho realizarmos uma assembleia pra mudar seu nome pra Dupla Penalidade…
Especulações correram soltas por toda a noite. Apostas foram abertas, um mês de birita grátis para quem acertasse o motivo da segunda falta do Olimar. Tão carismático o homem que até mesmo sua ausência era uma festa.
Porém, no domingo à noitinha, quando a mulher do Olimar chegou ao bar perguntando pelo marido, começou-se a desconfiar de algo mais sério. Dona Cândida, aflita, menino novo no braço, dizia que ele saíra sábado à tarde e desde então não teve mais notícia. Carlitos, dono do Quais Bar, sensibilizado com a aflição da mulher, propôs organizarem uma comissão para ir atrás de notícia do seu melhor garçom. Dona Cândida não se preocupasse, fosse para casa, ele mandaria um táxi deixá-la e logo estaria tudo bem, o Olimar ia aparecer.
O mistério continuou até segunda pela manhã quando o corpo do garçom Penalidade deu à praia da Barra, já em decomposição. O laudo apontaria afogamento. Ele não sabia nadar, portanto jamais se arriscaria no mar. E o mais esquisito é que estava de roupa – teria caído do píer? Dinheiro e documentos no bolso. No corpo, marca nenhuma de violência. O que poderia ter acontecido?
Penalidade foi enterrado no fim da tarde. Consternação geral. Quase todos os seus clientes se fizeram presentes, inclusive os ocasionais e até mesmo os que lhe deviam e ultimamente evitavam aparecer. A viúva recebeu ofertas de auxílio e pôde constatar como era querido o finado. Um turbilhão de flores acompanhou a descida do caixão e alguém puxou um violão para cantar “Beira-Mar”, de Ednardo, música favorita do Olimar.
No meio do chororô ninguém escutou o Jeová, vulgo Profeta, de dentro de seu casacão preto que havia muito não via sabão, dizer com seu jeito grave e o olhar fixo no caixão que descia:
– Lá se vai o segundo mártir.
Ou se alguém escutou, fez que não ouviu. Já não era fácil aguentar o Profeta nos bares com seus discursos sobre profecias apocalípticas, imagine em enterro.
– Mas o fim não se fez. Ainda restam três…
Apesar de muitos evitarem tocar no assunto, por uma lua inteira não se falou de outra coisa nas mesas dos bares da Praia de Iracema. Os mais inconformados fizeram abstinência etílica de três dias in memoriam. Outros beberam sem parar durante três dias.
Entretanto, ninguém, ninguém se deteve a relacionar a morte do garçom Penalidade com outra ocorrida três meses antes no Le Bombom, um motelzinho humilde frequentado pelas putinhas e travecas de fim de noite. A vítima fora seo Neném, dono do estabelecimento, gentil e pacato senhor de idade. Foi encontrado morto num dos quartos, estirado na cama. Estava nu e com a boca entupida com papel de bombons finos, coisa mais desumana. .
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O detetive Eládio Vieira, como gosta de ser chamado (porém conhecido no submundo do crime por Eládio Ratoeira), trinta e nove de idade e quarenta de baralho, que sempre se gabou de ser um detetive de nível, acordou naquela manhã numa ressaca federal. Não dormira mais que duas horas. Tomou um banho rápido e pegou um táxi para a favela Verdes Mares. Daquela vez exageraram: o pôquer terminara às seis da manhã. E ainda pagou o equivalente a um mês de trabalho ao filho-duma-égua sortudo do Mardônio.
O detetive Eládio Ratoeira (ele que nos desculpe, mas certos apelidos já fazem parte da pessoa) nunca trabalhava nas manhãs de quarta-feira. Naqueles anos todos nenhum caso foi tão importante que justificasse sua falta ao velho pôquer das terças nem ao sagrado sono da manhã seguinte. Porém, ele conhecia dona Iza, a cigarreira, era seu cliente fazia tempo. E não teve como não se sentir abalado quando soube pelo telefone de sua morte naquela madrugada.
Quando terminou de fazer suas perguntas a vizinhos, parentes e amigos da vítima, o detetive Ratoeira rumou para seu escritório, no centro da cidade. Sentado em sua mesa com vista para a Catedral, comparou as informações que tinha e montou sua reconstituição. Dona Iza chega em casa, um pequeno barraco de madeira na favela Verdes Mares, aproximadamente às quatro da manhã. Vem da Praia de Iracema, onde trabalha como vendedora ambulante de balas e cigarros. Meia hora depois o marido sai para a fábrica, deixando mulher e filho no barraco. As primeiras chamas são avistadas logo depois por três homens que jogam sinuca num bar distante cinquenta metros. Socorrem o menino que dormia e retiram o corpo de dona Iza, já carbonizado, que jaz no chão da cozinha.
Ninguém da favela viu nada suspeito, nenhum fato estranho. Apesar de tudo indicar acidente, Ratoeira coçava a nuca sem entender por qual motivo a vítima não conseguira sair do pequeno barraco a tempo.
À noite, foi à Praia de Iracema. Escutou garçons, taxistas e vendedores ambulantes – todos unânimes em afirmar que se tratava de pessoa querida, simpática e generosa, não cultivava inimizade. Às onze, fechou o caderninho e encerrou as atividades. Mas antes de ir para casa deu uma passadinha no Quais Bar, o bar do finado garçom Penalidade, só para molhar o bico numa cachacinha. Reconstituiu as conversas da noite, uma a uma. A mulher não devia a ninguém, não gostava de confusão, era fiel ao marido. Nem crime passional, nem latrocínio e nem vingança. Restava acidente.
Ratoeira coçou a nuca com a ponta do polegar. Alguma coisa lhe dizia que tinha cachorro naquele mato. E sua intuição nunca lhe pregava peças. Por isso lhe botaram o Ratoeira no nome. Por mais que se esforçasse, não conseguira tirar o apelido. Apelido ridículo, dizia ele, Ratoeira é para investigador de polícia, corrupto e camisa manchada de suor. Ele não, ele tinha nível. Trabalhava de detetive porque sempre gostara de investigar, mas era formado em Engenharia. Dava aulas em cursinho pré-vestibular mas seu negócio era desvendar casos. Era tão bom no que fazia que muitas vezes a própria polícia lhe solicitava auxílio. Aliás, foram eles que lhe botaram o ingrato apelido: Eládio Vieira é nome de professor, diziam. Então ficou Ratoeira. Até algumas madames, sempre preocupadas com as saidinhas dos maridos, conheciam-no pelo apelido: Dessa vez eu tenho certeza que ele está me traindo, seo Ratoeira…
Então tomou um gole e olhou para o mar iluminado da Praia de Iracema, descansando a vista. Os vendedores disso e daquilo, os carrinhos de pipoca e as luzes fortes dos postes faziam aquela parte do bairro parecer um parque. Como o bairro pudera mudar tanto em tão pouco tempo? Alguns anos antes, os bares eram meia dúzia e conviviam pacificamente com os moradores. Agora, eram mais de cem, e de pouco adiantavam os esforços da associação de moradores para garantir mais tranquilidade e respeito às famílias que ainda insistiam em morar ali.
De uns moradores, em depoimentos que recolhera, escutou repetidas queixas quanto ao inferno em que se transformara a vida no bairro. Alguns chegaram a dizer que a morte da vendedora podia ter sido fruto da luta por pontos de venda, já não duvidavam de mais nada, os bares haviam trazido muitas pessoas de fora, e com elas, a violência.
Ratoeira já fora assíduo frequentador do bairro e conhecia sua história. Sabia que procedia a queixa dos moradores. Mas sabia também que a vocação boêmia do bairro vinha de longe e que a proliferação dos bares era difícil de ser controlada por envolver muitos aspectos, entre eles a geração de empregos e o turismo cada vez mais forte.
Ele praticamente deixara de frequentar o bairro depois da massificação. Antes, podia-se caminhar pelas ruas à noite, tranquilamente. Podia-se namorar olhando o mar sem medo de assalto, e os frequentadores conheciam-se uns aos outros e mantinham certa cordialidade para com os moradores. Era comum encontrar uma roda de violão na calçada. A boemia continha em si uma boa dose de poesia e amizade.
Mas agora, não. Em lugar de músicos, artistas, poetas e intelectuais, a Praia de Iracema via desfilar por suas ruas bandos barulhentos de mauricinhos e patricinhas, jovens obcecados pela potência do som de seus carros e a etiqueta de suas roupas. Com eles, vieram assaltos, roubos de carro, brigas nos bares, mortes. Traficantes de drogas e jovens brigões de academia também descobriram o filão. Então vieram os turistas, ávidos por consumo. Depois chegaram as prostitutas, por que não haveria um pedaço também para elas? A Praia de Iracema é de todos! – alardeava o slogan da campanha turística.
O detetive voltou para sua quitinete com muitos pensamentos e uma pulga atrás da orelha. Embora se esforçasse para não levá-lo a sério, não conseguia esquecer do Profeta, o maluco que encontrara no Quais Bar aquela noite. Conhecia-o de vista dali dos bares. Era o mesmo bêbado cabeludo de vinte anos atrás, o mesmo casacão fedorento, a mania de rimar as frases, não mudara nada. Ele sentara-se à sua mesa sem pedir licença:
– Sua intuição está certa, seo detetive. O que aconteceu com dona Iza não foi acidente. Mas não adianta um culpado perseguir, pois a profecia vai se cumprir.
Na hora, não atinou para o fato, mas depois sim: como é que ele podia saber a respeito de sua intuição se não falara dela para ninguém? Era só o que me faltava, pensou intrigado, um maluco lendo meus pensamentos. Bem, concluiu, virando-se na cama para dormir, até mesmo os malucos acertam uma de vez em quando…
Dias depois, o laudo do IML saiu com uma conclusão curiosa: não havia indícios de fumaça nos pulmões da vítima. Isso significava que ela morrera antes de começar o incêndio. Mas não concluía sobre a causa. Para isso seria preciso mais alguns dias.
Ratoeira coçou a nuca com o polegar: quer dizer então que dona Iza já estava morta? Teria sido queda ou algo assim? Ou alguém a matara? .
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‒ Ô Garçom, duas cachaças, por favor.
– A minha é dupla.
– Muito bem, seo Jeová. O que o senhor sabe a respeito da morte de dona Iza?
Jeová, vulgo Profeta, de dentro de seu velho e endurecido casacão preto, olhou para o homem à sua frente com um misto de simpatia e desdém.
– O que eu sei é o que está escrito, seo detetive…
Naquela noite, uma semana após a morte de dona Iza, Eládio Ratoeira reencontrara o Profeta pelas ruas da Praia de Iracema e o convidou a tomar um aperitivo, por sua conta. Talvez o maluco tivesse algo de interessante a contar, ele que vivia dia e noite a realidade do bairro. O diabo era ter de aguentar o fedor daquele casaco…
O garçom chegou com as bebidas. O Profeta tomou a sua cachaça de dois goles e então pôs-se a falar da noite, da magia da praia e dos segredos dos bares. Contou histórias do bairro, lendas dos antigos moradores da área, personagens que já não existiam mais. Eládio Ratoeira escutava com atenção, surpreso com a própria paciência. O Profeta andava por ali desde o início da ocupação da praia pelos bares, ele e seu casaco, o cabelo sujo, os dentes estragados e todas as suas histórias esquisitas. Diziam que fora fotógrafo de jornal. Diziam que tivera uma banda de rock nos anos 1970, Punk Froid ou algo assim. Diziam que endoidara por causa de mulher. Não havia quem não o conhecesse, quem já não lhe tivesse pago uma dose de cana.
– Não duvide da realidade, seo detetive. Isso é importante pra sua profissão. Por exemplo, se eu disser que tem alguém sentado nesta mesa com a gente, alguém que veio com o senhor, o senhor duvidaria, né?
Eládio Ratoeira olhou automaticamente para o lado. Quando deu-se conta, irritou-se consigo mesmo e entendeu que já escutara demais, meia hora ouvindo maluquices, onde andava com a cabeça? Então respirou fundo e, botando um pouco de autoridade na voz, falou que já estava tarde e que se o outro não tivesse nada de mais concreto para dizer, então fosse desculpando que ele tinha trabalho amanhã cedo. E pediu a conta.
O Profeta sorriu um sorriso curto de resignação.
– Vou falar na língua que o senhor conhece, seo detetive. Me diga uma coisa. Se o senhor não sabe que eu tenho nas mãos uma quadra de damas, então essa quadra não existe pro senhor, não é mesmo? Não existe porque o senhor não sabe que eu tenho, não é isso? Pois ela existe sim, independente do senhor saber.
O detetive Eládio Ratoeira, quarenta anos de baralho, encarou o Profeta e sentiu um calafrio lhe percorrer a espinha. O maluco sabia que ele jogava pôquer? Então lia mesmo pensamentos?
Por alguns segundos, manteve o olhar fixo nos olhos do homem, procurando alguma pista que indicasse qualquer coisa… Mas a expressão do outro não mudou, permaneceu impassível, o olhar manso e desarmado, tipo do sujeito incapaz de mal algum.
De repente, um gato preto entrou pela porta do bar e aproximou-se da mesa, miando para o Profeta. Ele o pegou nos braços e pôs no colo, acariciando-lhe o pelo.
– O senhor está investigando somente o caso de dona Iza, não é? Pois vou ampliar um pouco mais seu horizonte. É só porque simpatizei com a sua honestidade.
Eládio Ratoeira esperou. Dos braços do Profeta, o gato preto o observava com seus olhos amarelos.
– Olhe, a morte de dona Iza tem dois precedentes. Um é seo Neném, dono do motel, que morreu cinco meses atrás. O outro é o garçom Penalidade, morto faz dois meses. Eu sei que o senhor sabe, eu sei. Mas ainda não ligou os fatos. Os três eram personagens conhecidos na praia, faziam parte da paisagem. Atente pra ironia, homem: o dono do motel, que vendia sexo, morreu na cama. O garçom, que vendia bebida, morreu afogado. E a cigarreira morreu queimada.
– Morreu antes de ser queimada – interrompeu Ratoeira, dando-se conta, um segundo depois, que revelava um segredo de trabalho.
– É o simbolismo que vale. A noite está morrendo por meio de seus personagens. A profecia é desumana, mas é real.
– Que profecia?
– O senhor conhece. Um dia, a noite da Praia de Iracema vai morrer.
Eládio Ratoeira perdeu de vez a paciência. Pagou a conta e levantou-se.
– Pelo que me consta, seo Profeta, e talvez não conste ao senhor, é que foi uma mulher loira, bonita e aparentando vinte e poucos anos, trajando vestido preto, que foi vista na companhia de seo Neném poucos minutos antes dele ser encontrado morto. Nada de símbolo. Foi assassinato e vou provar.
– Então, homem? Pra que melhor simbolismo? Uma loira bonita e cruel, vestida de preto… A cool girl will kill you in a darkened room… O senhor conhece essa música?
Pronto, o maluco sabe inglês, pensou Ratoeira, coçando a nuca.
– O senhor está tão obcecado em descobrir o assassino que não consegue ver o óbvio.
Ratoeira caminhou para a calçada e, enquanto acenava para o táxi, pôde ouvir o Profeta lá na mesa, ainda com o gato preto nos braços:
– Toinho, Tereza, Tarzan… Quem é o próximo de amanhã? .
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Durante os dias que seguiram, o detetive Eládio Ratoeira aguardou com expectativa o segundo laudo sobre a morte de dona Iza. Finalmente, obteve uma informação: os legistas não conseguiam descobrir a causa mortis. Simplesmente, não sabiam.
A segunda conversa com o Profeta repercutia insistente em sua cabeça. Aquela história da profecia sobre a morte da Praia de Iracema era antiga, mas era apenas mais uma das histórias malucas sobre o bairro. O povo ficava fumando maconha nos becos e inventando aquelas coisas. A verdade verdadeira era que seo Neném morrera de ataque cardíaco e a mulher loira fora realmente vista na noite do crime por duas testemunhas. O garçom Olimar morrera afogado e não havia suspeitos. O caso de dona Iza é que era o mais misterioso. As mortes, porém, não tinham ligação entre si, como supunha o Profeta.
De qualquer modo, os casos do garçom e do dono do motel não eram da sua conta. O garçom certamente caíra sozinho do píer, embriagado. E a loira suspeita de matar seo Neném estava sendo procurada pela polícia. Seu problema era a cigarreira, descobrir por que ela não conseguira escapar do incêndio.
Eládio Ratoeira ligou o chuveiro e meteu-se debaixo da água fria. O que precisava era de um bom banho e de uma mesinha de pôquer divertida. Quadra de damas… Quem sabe não seria uma dica para a mesa daquela noite? Bem que podia ser. Descontar o que o Mardônio lhe ganhara da última vez.
Após o banho, vestiu-se rapidamente e foi encontrar o resto do pessoal no Papagaio, o único bar que aceitava receber aquela mesa de pôquer, uma mesa no depósito do primeiro andar, é verdade, mas aceitava. Mesa de cinco, uma garrafa de conhaque, pratinho de amendoim. Do lado de suas fichas, uma foto da Danusa pelada, secretária do escritório vizinho ao seu, era para dar sorte, patuá antigo, ela até já casara. O cacife vale vinte, primeira pausa à meia-noite, mexeu no patuá do outro vale uma advertência, o prêmio é um, dois e quatro cacifes, vamos jogar que o jogo é jogado e tomem cuidado que hoje eu tô invocado…
Ratoeira tentava se concentrar no jogo, mas não podia aparecer uma dama na mesa que logo lembrava da conversa do outro. Como o maluco podia saber que ele jogava pôquer? Será que era por isso que o chamavam de Profeta, tinha o dom de adivinhar coisas?
As três cartas da mesa começaram a ser abertas. Uma dama de espadas surgiu. Precisava se concentrar no jogo.
Toinho, Tereza, Tarzan… Mas até o Tarzan estava metido naquela história? Ratoeira achou engraçado e riu. Precisava se concentrar, estava muito disperso.
A segunda carta da mesa: dama de paus.
Toinho, Tereza, Tarzan… Todos começavam com T. Será que o maluco queria dizer que o nome do próximo a morrer começava com T?
Então, a dama de copas apareceu na mesa. Trinca de damas! Uma exclamação geral percorreu a mesa. Todos se entreolharam, sorrindo maliciosos. Quem tivesse a dama de ouro faria a quadra. Se alguém tinha, sorriu para disfarçar a felicidade. E quem não tinha, sorriu para esconder o medo.
Ratoeira sentia o coração pulando dentro do peito. Ergueu o olhar e, do outro lado da mesa, deu de cara com os olhos desconfiados do Mardônio por trás da fumaça do baseado. Voltou às suas cartas. Ou se concentrava ou então o demônio do Mardônio lhe adivinharia o jogo.
Já havia visto a primeira de suas duas cartas. Era um dois de paus. A outra estava por trás. Faria um pequeno suspense para si próprio. Então, num impulso, dobrou a aposta, ainda sem saber qual era sua segunda carta, uma jogada no escuro. Claro que era arriscado. Não costumava fazer aquilo, mas era o tipo da coisa que podia funcionar como um bom golpe psicológico nos outros jogadores. Tomou um gole do conhaque. Tinha de aparentar calma.
Então Mardônio pôs várias fichas sobre a mesa, dobrando a aposta mais uma vez. E tornou a encará-lo. Os outros jogadores desistiram e sobraram eles dois. Ratoeira, ainda sem ver a segunda carta, pagou a aposta. Alguém assobiou, surpreso.
Ratoeira tentou manter-se tranquilo. A coisa estava ficando séria. Respirou longamente e decidiu finalmente ver a segunda carta. Seu próximo lance dependia dela. Se fosse a dama de ouros, iria com a aposta até o fim do mundo. Tinha que ser a dama. Tinha que ser a quadra. A quadra do Profeta.
Ratoeira deslizou os dedos lentamente, fazendo a pressão exata para que a carta de trás não surgisse de todo. Fazia suspense para os outros e para si próprio. Podia sentir que Mardônio o observava atentamente, pronto para interpretar qualquer mínimo gesto seu. Os outros não ousavam falar nada. Era a maior aposta da noite.
Ratoeira deslizou os dedos mais um pouco. Descobrindo o lado inferior esquerdo, percebeu pelo desenho que a carta era uma figura, não era um número. O coração disparou. Tinha uma trinca de damas já certa e agora aquela carta podia ser a outra dama que faltava. Ou era um rei ou um valete ou uma dama. Tinha de ser a dama de ouros.
Continuando o suspense, descobriu um pouco da parte superior esquerda e a letra começou a aparecer, em cor vermelha, aos poucos, devagarinho, a cor vermelha…
Ratoeira, quarenta anos de baralho, não acreditou no que viu. Por alguns segundos, não conseguiu pensar em qualquer coisa. Depois, imaginou que alguém aprontara alguma brincadeira idiota para cima dele. Mas ninguém ria. Estavam todos sérios aguardando sua decisão.
Ratoeira engoliu seco. Em sua mão estava uma carta que não era rei, nem valete e nem dama. Em sua mão estava um macabro esqueleto sobre um cavalo, empunhando uma foice. E a letra, no canto superior da carta, era um T. Um T vermelho como sangue. .
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Tânia Mara parou em frente ao espelho do banheiro e enxugou os longos cabelos negros. Passou uma escova e jogou-os para trás. E parou para se olhar. Sua experiência como loira durara apenas seis meses, não foi muito proveitosa, poucos aprovaram. Até mesmo Rian, seu gato, estranhou a mudança. Ficava olhando para ela com seus olhos amarelos, olhando como se não reconhecesse aquela mulher loira. Agora seus cabelos eram negros novamente, a cor do seu gato e das roupas que usava, e era confortável reencontrar a velha imagem.
Vivia um bom momento. Os shows estavam acontecendo. Os rapazes da nova banda eram músicos competentes, e juntos faziam um bom trabalho. A noite aos poucos tomava conhecimento de Tânia Mara. Ah, a vida devia ser sempre assim, ela falou para a imagem no espelho, cantar blues e viver as emoções. De preferência, bem fortes, meu bem.
Deu uma última olhada no corpo nu refletido, o corpo que assumidamente usava como arma, nos palcos e na vida. Pôs duas gotas de perfume nas mãos e passou na nuca e no colo. Apalpou os seios. Olhou-os de perfil. E vestiu uma camiseta preta, que lhe desceu até metade das coxas. No espelho, viu seu rosto ao lado do de Jim Morrison, refletido do pôster da parede de trás. Antes de deixar o banheiro e dirigir-se ao quarto, beijou-o na boca pelo espelho.
– Você não me engana, cara. Sei que está vivo. Um dia a gente se encontra.
No toca-disco da sala, era ele, o Rei Lagarto, quem cantava: If you give this man a ride, sweet family will die… Killer on the road… Tânia Mara fechou os olhos, escutou a música e respirou fundo. Mordeu o lábio. Eu resisto a tudo, meu bem, menos às tentações… No quarto, pegou a garrafa de Jack Daniel´s na mesinha de cabeceira e foi para a sala. Parou na porta, segurando a garrafa e olhando para o homem sentado no chão encostado no sofá. O relógio da parede lhe dizia que demorara vinte minutos no banho. Vinte minutos para o que ele terá é pouco…, ela pensou, sorrindo.
– Tim-tim… – ela brindou, após servir os copos.
– A você. Desumana Tânia.
– A mim.
Enquanto Jim cantava a mortal carona na estrada, Tânia Mara bebeu um pouco do uísque e olhou para o homem à sua frente. Conhecera-o por ocasião de um show, uma semana antes. Logo que chegou ao bar seus olhares se cruzaram de um modo estranho, e durante o show pôde perceber como ele a olhava com desejo. Cantou o tempo todo excitada, sentindo a calcinha molhada. E fez seu melhor show. Quando saiu do camarim passou pela mesa para chamar sua atenção. A isca funcionou: ele a convidou para um drinque e ela aceitou. Ele elogiou sua voz e as músicas, principalmente “Desumano blues”. Ela gostou do jeito dele, misterioso. Além do mais, ele falou: Você tem o jeito da noite… E isso ficou em sua cabeça, não esqueceu. O jeito da noite.
Rian surgiu de repente, vindo da cozinha, e foi enroscar-se em suas pernas. Ela pôs o gato preto em seus braços.
– Escapou, né, safado? Vem, vamos voltar. Hoje você não pode ficar comigo, entenda…
Ela saiu em direção à cozinha e voltou logo depois.
– Quem é você, Tânia?
– Uma garotinha sortuda sob os holofotes da noite.
– Ou só mais um anjo perdido na noite da cidade?
Ela imitou uma garotinha tímida e desprotegida, brincando com os dedos. Então foi até a estante botar novamente o disco para tocar. Podia sentir o olhar dele em suas costas, deslizando pelos seus contornos. Ele agora vai levantar e vir até aqui…
– Também gosta de Jim Morrison? – perguntou ela, pousando a agulha novamente na última música.
– Gosto mais de Tânia Mara.
A voz dele bem atrás, podia senti-la em seu pescoço.
– Por que você diz que eu tenho o jeito da noite?
– Porque a noite é desumana.
Desumana…, pensou ela, saboreando o que escutara.
– Nada que eu possa evitar, meu bem…
– Você tem futuro, Tânia Mara.
– Eu sei.
– Comigo.
– Com você? Essa parte do roteiro não recebi.
– Se quiser, posso levá-la daqui, exibir sua voz pelo mundo, vivermos uma tórrida paixão. No fim, morreremos de amor em Paris. Na banheira de um quarto de hotel.
– Tentador… Mas os lagartos não morrem em Paris, querido.
Primeiro, foi o braço dele em sua cintura, puxando-a com força. Em seguida, foi a sua boca invadindo a dele, as línguas sem cerimônia. Depois as mãos, a camiseta subindo, rasgando, as mãos em suas costas, em seu pescoço, nos seios, seu corpo nu nos braços dele, no meio da sala. Depois foi o sofá, depois as roupas dele, a urgência, o suor. Depois as estrelas, as estrelas… E os teclados gotejantes de um blues morrendo aos poucos, sob a chuva. Depois, o silêncio. Desumano silêncio.
Meu bem, esta cidade ensurdece E você esquece do que eu tenho pra dizer Meu bem, a noite é desumana Fumando e bebendo sozinha em meu apê…
(Tânia Mara – Desumano Blues) .
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Foi o tenente Trindade, amigo informante na polícia, quem avisou Eládio Ratoeira. Imediatamente, ele pegou um táxi e conseguiu chegar ao apartamento da vítima antes da imprensa, quando a polícia ainda recolhia material e fazia as fotos. Ratoeira conferiu o estrago com os próprios olhos. Viu o corpo nu da cantora, belo e ensanguentado, estirado de bruços no tapete, as pernas abertas, o pescoço rasgado. A polícia já havia recolhido alguns objetos para análise pericial, entre eles dois copos e um disco de vinil partido ao meio com restos de sangue.
– Conhece, Ratoeira? – perguntou o tenente Trindade, mostrando o disco partido.
– “L. A. Woman”. Um crime quebrar um vinil desse.
Ratoeira caminhou pelos aposentos. No mural do quarto viu fotos, bilhetinhos, cartazes de show… De repente, um gato preto surgiu correndo e foi meter-se debaixo do guarda-roupa. Pela ração na cozinha, Ratoeira deduziu que morava com a moça. Tentou pegá-lo, mas o gato saltou e em dois tempos estava no parapeito da janela, olhando para ele. Por um instante, passou-lhe pela cabeça que o bichano podia estar tentando dizer algo, gatos são meio bruxos. Fixou o olhar nos olhos do animal e perguntou:
– Quem foi? Eu sei que você sabe.
O gato, imóvel no parapeito, continuou olhando para ele. E miou.
– Então é este seu método, Ratoeira… Interrogação felina.
Ele virou-se e viu o tenente, parado na porta.
– A vizinha disse que o nome dele é Rian. Em francês quer dizer…
– Nada.
– Exatamente. Ou seja: ele não sabe nada.
Enquanto o tenente Trindade ria, Ratoeira pegou o gato nos braços e o acariciou.
– Não se deve duvidar da realidade… Né, Rian? .
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Eládio Ratoeira sentou no sofá da sala de sua quitinete. Ligou a tevê, mas não prestou atenção. Seu pensamento estava na Praia de Iracema…
Tânia Mara, o nome da moça. Bonita. Vinte e três anos, cantora de blues. Tinha uma banda e os frequentadores dos bares a conheciam. Estava na cidade havia um ano, morava sozinha. Fizera um show na noite de terça e depois não foi mais vista. Quem descobriu o corpo foi o gaitista da banda, dois dias depois. Como ela não havia comparecido ao ensaio nem atendia ao telefone, ele fora até seu apartamento. A porta não estava trancada e ele entrou, encontrando o corpo estendido no tapete.
Tânia Mara… O T da charada, pensou Ratoeira. Cantora da noite. Morreu com o pescoço rasgado por um disco. Indícios de luta corporal, ela certamente resistiu. Mas o assassino era mais forte e a derrubou. Virou-a de costas no tapete da sala, deitando sobre ela. Tapou-lhe a boca com um lenço para que não gritasse. Quebrou o disco ao meio e rasgou-lhe o pescoço. Enquanto a hemorragia a enfraquecia, ele a sodomizou ao som de “Riders on the Storm”…
– Miaaauuu…
Ratoeira despertou com o miado do gato aos seus pés.
– Tá com fome, Rian?
Levantou-se e pôs mais ração no pratinho. Depois, ainda com a cena do crime em sua mente, pegou caneta e papel. E escreveu o nome de todas as vítimas. Primeiro, o dono do motel, que morreu na cama. Três meses depois, o garçom, que morreu afogado. Dois meses depois, a cigarreira, que morreu queimada. Um mês depois, a cantora, morta com o pescoço rasgado por um disco. Nenhum latrocínio. Nem crime passional, nem vingança. Em seis meses, quatro crimes sem sentido. Mas simbolicamente coerentes, como dizia o Profeta. Ratoeira coçava a nuca, pensando se a polícia estaria a par daquela suposta relação entre os crimes. Coincidência ou não, ele já não conseguia deixar de relacioná-los.
Mas como o Profeta sabia que a próxima vítima começaria pela letra T? Ou teria sido apenas um palpite? Ratoeira escreveu o nome das vítimas no papel. Neném, Penalidade, Iza e Tânia, em sequência cronológica. N, P, I e T. Não formavam nada lógico à primeira vista. Tentou algumas combinações, mas nada lhe chamou a atenção. Então percebeu que os dois primeiros eram apelidos. O nome verdadeiro do seo Neném era Nilton, a mesma inicial. Mas o nome do garçom era Olimar.
Substituiu a letra P de Penalidade pela letra O de Olimar. Tinha agora N, O, I e T.
Um relâmpago cruzou o interior de sua mente. Um arrepio percorreu-lhe o corpo de cima a baixo. Ratoeira ficou olhando para o papel, sem acreditar.
A profecia. .
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– Eu sabia que você viria. Quer sentar?
Jeová, o profeta da praia, ele e seu casacão preto e imundo.
– Uma dose de cana pro Profeta – pediu Ratoeira ao garçom.
– Tripla – acrescentou Jeová, grave como sempre. – A moça merece.
– Como você sabia que seria ela?
– Tudo que sei é o que está escrito.
– E o que está escrito?
– Que chegou o fim dos tempos.
– Que mais?
– Que a noite desta praia está condenada.
– Condenada por quem?
O garçom chegou com a bebida. Eládio Ratoeira observou o Profeta erguer o copo cheio de cachaça à altura do nariz, fechar os olhos e cheirar. Ia repetir a pergunta quando o outro abriu os olhos.
– As pessoas dizem que eu sou louco. O que o senhor acha?
– Não acho nada. Quem está tentando matar a noite?
– A noite está morrendo… – prosseguiu o Profeta, entre um e outro gole. – Mas a morte sempre vem, seo detetive. Ninguém sai vivo daqui. A noite dessa praia morre quando abrem um novo bar, por mais estranho que pareça. A noite morre quando esses boyzinhos vêm desfilar suas grifes por aqui, quando as barraquinhas na rua vendem bebida aos menores, quando os próprios garçons fornecem cocaína aos clientes e os taxistas e donos de motéis fazem vista grossa pros turistas e suas menininhas de doze anos.
Ratoeira escutava, seus olhos nos olhos vermelhos do Profeta.
– A noite morre toda vez que alguém é assaltado na esquina escura, quando um carro é roubado, quando brigam os garotões valentes de academia. A noite morre quando a mãe se exaspera ao ouvir o choro do bebê que não consegue dormir por causa do som alto do bar vizinho. A noite morre nas músicas dos carros, nas churrascarias que trazem gente de bairros distantes e que não entende a brisa da praia. A noite morre porque esse é o destino de todos. E a culpa não é de ninguém. Por isso não adianta o senhor procurar o culpado.
– O que fazer então?
– Os dias estranhos nos alcançaram, seo detetive. Seguiram nosso rastro e destruíram nossas alegrias mais simples. Nada a fazer.
– Tem de haver um assassino.
– A Praia de Iracema é de todos… – O Profeta sorriu tristemente, olhando o mar pela janela do bar: – Todos têm direito a uma cota de seu linchamento.
– E você, não tem pena dela? Ou das vítimas?
– Lamento pelos filhos da praia, que tentam perpetuar o que já é passado. Esses amam a noite e morrem com ela. Muitos nem nasceram aqui, mas são feitos da mesma maresia. É ruim se apegar demais ao que vai morrer. Koi-guera.
Ratoeira escutou com atenção. Dessa vez as palavras do Profeta, por mais loucas que fossem, pareciam ter alguma coerência. Ou será que sempre tiveram e ninguém nunca percebera?
– Quem será o próximo?
– O senhor ainda não desconfia?
– A letra E é de Eládio?
– O que o senhor acha?
– Faria sentido. O assassino matou o sexo, a diversão, a droga e a música. Não falta mais nada. Matar quem quer desmascará-lo seria o último passo. O grand finale.
O Profeta escutava, sério.
– Quem matou a cantora foi um homem, eu sei que foi, o mesmo que esteve com ela depois do show, bebendo no bar. Se vários foram os assassinos, então eles estão obedecendo à sequência “noite” nas mortes. Ele ou eles trabalham pra quem?
– O senhor não entende. Quem matou os quatro foram os mesmos que matam a Praia de Iracema, a cada noite, a cada violência. E eles não têm consciência disso, matam por ignorância. Pensando bem, talvez seja melhor acabar de vez com sua agonia. Matar antes que ela morra. Matar por amor – acrescentou o Profeta, bebendo o resto da cachaça e levantando-se da mesa.
– O que vai acontecer quando morrer a letra E?
– Cumpre-se a profecia.
– Como assim?
– Pensei que o senhor já tivesse entendido… É a parte mais óbvia da história, seo detetive.
Sempre que pensava na profecia, Ratoeira sentia-se meio ridículo. Mas já não podia evitar.
– A noite morre… – repetiu o Profeta, saindo em direção à porta. – Nada lhe ocorre?
Enquanto pensava nas palavras do Profeta, Ratoeira puxou a carteira para pagar a conta. Foi quando percebeu que o copo de cachaça do Profeta continuava cheio, do jeito que chegara. Mas ele não havia bebido tudo? .
.
Eládio Ratoeira entrou em casa, foi direto ao quarto e deitou-se, os olhos pesando de tanto sono. Precisava de uma noite bem dormida.
Mas… algo estranho estava acontecendo…
Acendeu o abajur e viu Rian, deitado na cama, olhando para ele. Então percebeu que Rian na verdade era uma gata. E estava parindo, exatamente naquele momento, estava tendo gatinhos em sua cama, vários gatinhos saindo sem parar, vários, muitos…
Ratoeira abriu os olhos. A luz do quarto estava acesa. Passou a mão no rosto suado, compreendendo que sonhara. Se as coisas continuassem daquele jeito terminaria precisando de um tratamento. No pôquer do mês anterior vira uma carta com a figura da morte, um esqueleto montado num cavalo, a letra T, que loucura. Terminou jogando as cartas na mesa, indignado com o que pensava ser uma brincadeira idiota dos amigos. Teve que pedir para sair, tão abalado que ficou com a visão da carta. Depois viu o copo cheio de cachaça do Profeta quando, na verdade, vira-o bebendo tudo bem à sua frente. E agora tinha pesadelo com uma gata parindo em sua própria cama.
Tomou um banho frio e depois pegou um pedaço de pizza na geladeira. Comeu sem esquentar. A tevê exibia o clipe da Intocáveis Putz Band tocando o “Manifesto das bem-aventuranças”, todos vestidos feito monges, capuzes, o clima sombrio… Ratoeira desligou, irritado. Aquelas mortes estavam inspirando até mesmo as bandas da cidade.
Olhou para Rian, dormindo no sofá. Estaria sentindo falta da antiga dona? Lembrou do sonho, a gata parindo. O que podia significar? Parto… nascimento… algo importante que virá… Mas o quê? Quando? .
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“No dia 28 de dezembro completam-se nove meses da primeira morte.”
Eládio Ratoeira olhou para a frase que escrevera, pensando em quanto aquilo era estranho. Deixaria um depoimento escrito a respeito de tudo que sabia sobre as mortes, caso algo viesse a acontecer com ele. Na carta, admitia que podia muito bem estar fantasiando mas não podia desprezar o simbolismo de que falava o Profeta.
Podia muito bem dar o caso de dona Iza por encerrado: os legistas finalmente admitiram que havia sim vestígios de fumaça nos pulmões da vítima e, portanto, ela morrera asfixiada, fora um acidente. Mas isso lhe parecera algum tipo de armação, talvez os legistas realmente não tivessem descoberto a causa da morte. E como se tratava de gente pobre e não havia nenhum interesse maior no caso, inventaram tal conclusão.
As outras mortes continuavam sem culpados. A polícia concluíra que o garçom realmente se afogara. Quanto a seo Neném, nenhuma pista sobre a tal loira de preto. Nem sobre o assassino da cantora.
Mas as estranhas mortes viraram assunto indispensável, e frequentavam as mesas da Praia de Iracema todo tipo de suposições, desde as que acusavam ser tudo obra para desviar a atenção das eleições às que denunciavam maquiavélicos planos de empresários dispostos a substituir os bares por hotéis de luxo.
E havia os que reiteravam o que dizia o Profeta: faltava apenas uma morte para que a profecia se cumprisse e a noite da Praia de Iracema morresse de vez. Por isso era preciso aproveitar o que ainda restava, as noites estavam no fim. Bandas compunham músicas sobre as mortes. Nas mesas, os poetas vendiam cordéis de terror. Nas ruas, as camisetas circulavam com os dizeres “Esta pode ser a última noite. Aproveite. Comigo.” Bares pegavam carona na onda e faziam promoções. “ApocaLIP-se!” – assim convocava seus clientes o Lip Bar. Alguns mais supersticiosos vendiam barato seus pontos para evitar prejuízo maior: se não haverá noite, quem irá aos bares?
A noite, porém, ainda estava viva. E naquele 28 de dezembro, exatos nove meses após a morte de seo Neném, Ellen Star faria na Boate Circus a sexta apresentação de seu macabro espetáculo transformista “Mate-me que eu já te matei”, que tratava exatamente de todas aquelas mortes. E era lá que Eládio Ratoeira estaria.
“Nove meses que tudo começou. Sinto que hoje o mistério será decifrado. Tenho que estar lá. Se estou fantasiando, nada acontecerá, e os crimes seguirão sem solução. Mas se estou certo, então alguém morrerá. E talvez eu descubra quem é o assassino.” .
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Era quase meia-noite quando Eládio Ratoeira chegou à boate Circus e sentou-se numa mesa mais ao fundo. Pediu uma cachaça e foi ao banheiro. Aproveitou para observar o ambiente, balcão, cozinha, corredores. A boate não era grande, cabiam ali umas vinte mesas. No canto havia um pequeno palco. Em caso de confusão, a porta principal seria estreita demais para evacuação rápida.
Todas as mesas estavam cheias quando as luzes se apagaram.
– Estão todos aí? – uma voz cavernosa ecoou pela boate. – O espetáculo vai começar.
A cortina se abriu para o primeiro ato. Uma voz feminina cantando ao som de um piano. Você me olha desse jeito… Pensa que eu não sei que você quer me comprar… O cenário de um quarto de motel. Um homem deitado na cama. Uma mulher loira num vestido negro com uma generosa fenda lateral, exibindo suas belas pernas. Mas eu não estou à venda, meu bem… A mulher caminhando devagar até a cama. Ratoeira ajeitou-se na cadeira, impressionado com a beleza da atriz. O que está à venda é seu sonho de ter o que você pode pagar…
Ellen Star foi a loira amante do dono do motel que morria de ataque cardíaco durante um orgasmo. Depois, foi o garçom que se encontrou no píer com o amante de sua mulher, que o empurrou ao mar. Ratoeira demorou a acreditar que Ellen também era o ator que interpretava o garçom. Como alguém podia ser tão convincente como mulher e também como homem?
Em todas as cenas Ellen dublava músicas especialmente escolhidas. Na terceira, ela era um garoto que tentou roubar dinheiro do barraco da cigarreira e causou o incêndio que a vitimou.
– Ellen é ela ou ele? – perguntou Ratoeira ao garçom.
– É um mistério. Mais uma cachaça?
A cena da cantora começou com Ellen Star dublando “Little girl blue”, um blues muito triste na voz de Janis Joplin, e Ratoeira pôde observar como as pessoas estavam bastante absortas no espetáculo, algumas visivelmente emocionadas. Havia no ar um clima de comoção, mas também de suspense. No momento em que a cantora chegava em casa radiante de felicidade por ter feito o melhor show de sua vida, Ratoeira escutou um miado. Procurou no palco, mas não viu gato algum. Então escutou novamente, dessa vez mais forte, e viu as cabeças se virando, todos procurando saber de onde vinha o som.
Vinha do lado da entrada. Ratoeira virou-se, e na penumbra percebeu um homem em pé, encostado na parede, de frente para o palco, vestido num sobretudo preto. Olhando melhor, percebeu que seu rosto estava pintado, lembrando o de um gato. Faria parte do show? No palco, a cantora rasgava com um disco de vinil a própria garganta, morrendo feliz e realizada. Quando Ratoeira olhou novamente, o homem havia sumido.
Ratoeira coçou a nuca, cada vez mais nervoso. Algo o inquietava. Havia algum mau presságio no ar, ele podia senti-lo.
A quinta cena começara e Ellen Star representava uma travesti batendo seu ponto na esquina, sob a luz fraca de um poste. Saia branca curtíssima, meias pretas, salto alto, o cabelo ruivo chanel revelando o pescoço fino. Os olhos sombreados e os lábios vermelhos. Os carros passavam e ela, insinuante, fazia trejeitos e jogava piadinhas aos motoristas. Tocava um envolvente bolero chamado “Lupiscínica”, de onde vinha a frase-título do espetáculo.
Vamos adiar essa briga, amor…
De repente, um automóvel parou mais à frente. Ellen sorriu. A luz traseira acendeu-se e o carro voltou de ré. Ellen ajeitou a saia e assumiu posição de espera.
Na madrugada, sonolento, de bolero em bolero…
O carro parou ao lado e o vidro fumê baixou, surgindo os rostos de uma garota e de um garoto. A travesti aproximou-se pelo lado da garota, debruçou-se na janela e sorriu, os seios como se numa bandeja.
A tua boca guarda segredos de mim…
– Boa noite, jovens.
– Oi – respondeu a garota.
– Ontem vocês passaram por aqui, não passaram?
– Você é boa observadora.
– Sou boa também em outras coisas…
E hoje sinto ciúmes até da tua falta…
– Você é homem ou mulher?
– Sou o que você e ele quiserem, meu bem.
– Quanto custa desvendar o mistério?
– Pra vocês faço por cem.
Mas não vou mais matar ninguém por tua causa…
– Você é muito bonita.
– E vocês são uma gracinha.
– Bonito, teu peito…
– Quer pegar? – perguntou a travesti, levando a mão da garota até seu seio. – Concorrência desumana, né, querida?
– Outra noite a gente vem com mais calma – disse o garoto.
– Mas não demora, viu? Posso não estar aqui.
– Vai mudar de ponto?
– Eu sou a noite, meu bem. A noite sempre chega ao fim.
Mate-me que eu já te matei…
Um homem. Vestido num sobretudo preto. Rosto pintado como um gato. Surgiu de algum lugar da escuridão da rua. Tão silencioso que de repente ele já estava lá, na calçada. Aproximou-se.
No momento em que a travesti virou-se, ele desferiu-lhe um violento soco no rosto. Ela caiu no chão, sobre o meio-fio, quase no asfalto.
Assustada, Ellen passou a mão no canto da boca e percebeu que sangrava. O homem continuava em pé. O automóvel arrancara. E o bolero havia terminado. Ele meteu a mão sob a roupa e puxou um revólver.
Ratoeira sentiu o coração gelar. O único som era o dos automóveis passando pela avenida. Ratoeira viu Ellen Star levantar-se e encarar com altivez o sujeito à sua frente. Foi ela quem gritou, a mão sobre os lábios feridos:
– Você tinha que estragar tudo, né?
Quando o homem empunhou a arma e apontou para ela, Ratoeira não ousou piscar os olhos. Estava petrificado, a respiração presa, toda a sua atenção concentrada nos dois, a travesti que encarava o homem e o homem que atiraria na travesti.
O tempo parecia ter parado. Ratoeira não mexia um único músculo. Alguma coisa iria acontecer no próximo instante e ele não fazia ideia do que seria.
Um pensamento lhe veio rápido à mente: e aqueles carros passando, aqueles prédios todos ao redor? Ninguém via nada? Ninguém para gritar, impedir um crime? Aquelas janelas todas, centenas, milhares de janelas… A noite da cidade tinha tantos olhos e, no entanto, ninguém via nada…
Ellen Star moveu-se rapidamente e de dentro da bolsa sacou um revólver, apontando-o com as duas mãos para o homem. A arma disparou. Um grande estrondo, o eco permanecendo no ar por longos segundos, a fumaça subindo do cano…
Ratoeira viu Ellen afastar-se para trás, cambalear sobre os saltos altos, perder o equilíbrio e chocar-se contra o poste feito um triste boneco desengonçado. Depois escorregou para o chão e ficou lá, inerte, enquanto os faróis seguiam indiferentes pela avenida. E as janelas nada viam.
O homem do sobretudo, ainda segurando o revólver, avançou. Ele agachou-se sobre o corpo de Ellen, passou a mão levemente por seu rosto e falou baixinho:
– Meu amor…
Então ergueu-se e saiu caminhando devagar pela calçada. E atravessou a avenida, num passo tranquilo, sem olhar para os lados. Um carro freou bruscamente para não atropelá-lo e quase provocou um acidente com outros carros. Na confusão, os passantes perceberam o corpo na calçada e se ajuntaram ao redor.
Eládio Ratoeira também foi para lá, abrindo caminho entre a multidão. Dirigiu-se até o corpo caído. Viu o sangue espalhado pela roupa, escorrendo para o chão. Suspendeu a cabeça de Ellen enquanto ela abria os olhos devagar. No meio de sua expressão serena surgiu um doce sorriso:
– Aquela cartomante me paga…
– Como? – indagou Ratoeira.
– Ela me garantiu que… ai…. eu morreria em Paris…
– Aguente mais um pouco, Ellen.
– É o fim, meu belo amigo. O fim das doces mentiras… das noites em que tentamos morrer…
– Não fale. O socorro está chegando.
– Você… ai, como dói… faz parte deste teatro ridículo?
– Ahnn… sim… – ele respondeu, sem saber o que dizia.
– Acho que minha participação termina aqui… Você gostou?
Ratoeira virou-se para as pessoas ao redor, elas e seus rostos impassíveis.
– Quem é ele, Ellen? Um cliente seu?
– Ele não tem culpa…
Ratoeira percebeu que ela respirava com cada vez mais dificuldade.
– Por que ele atirou em você?
– A profecia. Tem que ser cumprida.
Ratoeira desgrudou o cabelo ensanguentado da boca de Ellen e, olhando para aquele rosto bonito, lembrou-se do que ela dissera ao casal do carro: Eu sou a noite…
– O que vai acontecer agora?
– Acabou a peça, meu bem. As luzes se acendem.
Então ela fechou os olhos. E sua cabeça tombou para o lado no momento em que as luzes se acendiam. Ratoeira olhou para o corpo imóvel em seus braços, o belo corpo de Ellen. Percebeu que um seio estava de fora, um seio bonito. Olhou para as pernas. Lentamente estendeu o braço e tocou o sexo de Ellen, apalpando-o…
– Essa técnica eu não conhecia, Ratoeira.
Ele virou-se rápido, retirando a mão. Reconheceu o tenente Trindade, em pé, a viatura parada atrás. Pousou a cabeça de Ellen no chão e ficou de pé, a roupa encharcada de sangue.
Ratoeira olhou o relógio: uma da manhã. Foi então que percebeu que a claridade não vinha dos faróis de carro algum. Nem vinha dos prédios ao redor. Estava clara a noite da Praia de Iracema. Estranhamente clara.
Desumanamente clara, diria o outro.
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Ricardo Kelmer 1994 – blogdokelmer.com
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TRILHA SONORA DESTA HISTÓRIA
Flor púrpura (Ricardo Kelmer e Joaquim Ernesto) – Um tango para cortar os pulsos da angústia
Beira-mar (Ednardo) – E um gosto de você que foi ficando… e a noite enfim findando… igual a todas as demais
O que fazer quando de repente o inexplicável invade nossa realidade e velhas verdades se tornam inúteis? Para onde ir quando o mundo acaba? Nos nove contos que formam este livro, onde o mistério e o sobrenatural estão sempre presentes, as pessoas são surpreendidas por acontecimentos que abalam sua compreensão da realidade e de si mesmas e deflagram crises tão intensas que viram uma questão de sobrevivência. Um livro sobre apocalipses coletivos e pessoais. > Mais
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COMENTÁRIOS
. 01- Massa. Jose Leite Netto, Fortaleza-CE – mai2015
02- Muito bom,li só o trecho mas já gostei . Vou ler tudo qndo meu computador sarar. Samuel Araujo, Vilhena-RO – mai2015
03- Eita! crimes passionais sempre são comoventes, afinal são motivados (na maioria das vezes) pelo amor que adoeceu… E como há amores doentes perambulando pelas curvas da nossa velha Iracema! Valeu pela indicação de leitura amigo! Lílian Martins, Fortaleza-CE – mai2015
Esta festa é a união de duas festas de sucesso em Fortaleza: O Cabaré Soçaite e a Farra na Casa Alheia.
O Cabaré Soçaite foi criado por mim em 2003, quando morava em Fortaleza e era diretor da Caboca (Confraria de Apoio às Boas Causas), um clube de cultura e entretenimento. A idéia é brincar com o tema da sensualidade e do erotismo de uma forma divertida, homenageando os antigos cabarés através das músicas, das imagens no telão, da decoração e da participação das pessoas com suas performances e suas vestimentas. A primeira edição da festa foi na boate do hotel Vila Galé (Praia do Futuro), em nov2003, com show do cantor Rossé Sabadia. Cristina Cabral fez a produção junto comigo. A segunda edição aconteceu em mar2008, no Buoni Amici´s, com a co-produção de Franciscus Galba.
A Farra na Casa Alheia integra a programação fixa do Amici´s desde 2003, sempre às sextas-feiras. Os DJs Marquinhos e Guga de Castro comandam o som e a produção é de Franciscus Galba. A música brasileira, em toda sua diversidade, é o mote da festa: samba, samba-rock, funk, soul e black-music compõem o cardápio musical. A própria longevidade da Farra (5 anos) por si só é um atestado da qualidade e do sucesso do evento.
Farra no Cabaré Alheio é a mistura das duas festas, mantendo os DJs da Farra e acrescentando o DJ RKBaré. A proposta é unir o melhor das duas propostas, alegria com sensualidade, música brasileira e internacional, música pra dançar e sofazinho pra namorar, oferecendo assim um supra-sumo de dois grandes sucessos da noite da cidade.
E em dezembro tem mais uma edição do Cabaré Soçaite (Amici´s, 18dez), com show da Baby Dolls e um instigante concurso masculino e feminino. Aguarde…
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IMAGENS DA FESTA
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PRÓXIMA FESTA
CABARÉ SOÇAITE (Amici´s, 18dez), com show da banda Baby Dolls e um instigante concurso masculino e feminino.
>> Concorra a ingressos no Orkut (comunidade Amicis). Link em breve.
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19set2008
Amici´s (Centro Dragão do Mar – Fortaleza)
Produção: Franciscus Galba e Ricardo Kelmer
DJs: Marquinhos, Guga de Castro e RKBaré
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Esta festa é a união de duas festas de sucesso em Fortaleza: O Cabaré Soçaite e a Farra na Casa Alheia.
O Cabaré Soçaite (veja fotos e vídeos das edições) foi criado por mim em 2003, quando morava em Fortaleza e era diretor da Caboca (Confraria de Apoio às Boas Causas), um clube de cultura e entretenimento. É uma festa temática cabaret com elementos de programa de auditório, que celebra a sensualidade e o erotismo num delicioso clima Moulin Rouge, sempre de maneira artística e divertida. A primeira edição da festa foi na boate do hotel Vila Galé (Praia do Futuro), em nov2003, com show do cantor Rossé Sabadia e coprodução de Cristina Cabral. A segunda edição aconteceu em mar2008, no Buoni Amici´s, com coprodução de Franciscus Galba.
A Farra na Casa Alheia integra a programação fixa do Amici´s desde 2003, sempre às sextas-feiras. Os DJs Marquinhos e Guga de Castro comandam o som e a produção é de Franciscus Galba. A música brasileira, em toda sua diversidade, é o mote da festa: samba, samba-rock, funk, soul e black-music compõem o cardápio musical. A própria longevidade da Farra (5 anos) por si só é um atestado da qualidade e do sucesso do evento.
Farra no Cabaré Alheio é a mistura das duas festas, mantendo os DJs da Farra e acrescentando o DJ RKBaré. A proposta é unir o melhor das duas propostas, alegria com sensualidade, música brasileira e internacional, música pra dançar e sofazinho pra namorar, oferecendo assim um suprassumo de dois grandes sucessos da noite da cidade.
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O amor insano. O amor desafiador do tempo. O amor que descortina as mais absurdas possibilidades do ser. .
Dois casais, nos séculos 16 e 21, vivem duas ardentes e misteriosas histórias de amor, e suas vidas se cruzam através dos tempos em momentos decisivos. Ou será o mesmo casal? Nesta história, repleta de suspense e reviravoltas, Luca é um músico obcecado pelo controle da vida, e Isadora uma viajante taoista em busca de seu mestre e amante do século 16. A uni-los e desafiá-los, o amor que distorce a lógica do tempo e descortina as mais loucas possibilidades do ser.
> Para adquirir: rkelmer@gmail.com – Instagram: @ricardo_kelmer
A AGENDA DA SEMANA estava animada. Na quinta a Bluz Neon faria um show no Papalégua, barzinho famoso no bairro da boêmia Praia de Iracema. Na sexta seria o aniversário do Balu, o tecladista da banda. E no sábado a Bluz Neon tocaria num festival de rock na praia do Cumbuco, a meia hora da cidade. Para Luca seriam boas oportunidades para se refugiar sob o manto generoso da noite e esquecer que o dia o aguardava do outro lado.
– Tenho a honra de apresentar… – Carlito, o dono do Papalégua, anunciou. – Junior na guitarra, Ranieri no baixo, Balu nos teclados, Ninon na bateria, Luca na voz e no violão.
– E no uísque! – alguém gritou da plateia.
– Com vocês, a nossa atração de toda quinta… Bluz Neon!
Todos no palco, Luca cumpriu o velho ritual: virou uma dose de uísque e depois cumprimentou o público.
– Boa noite. Festa é o que nos resta.
Fizeram, como sempre, um show bastante alegre, tocando as músicas próprias e alguns clássicos do rock e do blues. Luca homenageou a Praia de Iracema, falou de suas meninas bonitas, dos personagens folclóricos do bairro e da magia que se espalhava pelas ruas feito maresia. Desceu do palco e cantou sentado numa mesa de garotas, bebendo no copo delas. No fim anunciou que estava à venda o CD demo, gravado durante um show em Canoa Quebrada. Encerraram, como sempre faziam, com o Umbigo Blues, quando chamavam para o palco as meninas que estivessem com o umbigo à mostra e todos dançavam numa divertida mistura de blues com baião. Festa é o que nos resta.
Depois do show, voltando do camarim, Luca estacionou no balcão e pediu um uísque duplo. Tomou um gole e cantarolou o rock que andava compondo.
. No balcão há um lugar Pra quem não sabe aonde ir .
Nesse momento lembrou de Isadora… Isadora e seus beijos, seus peitos, sua loucura. Aqueles papos de Tao, sonhos, abismos, vidas passadas… Três dias com ela e agora três semanas sem ideia de onde pudesse estar. Será que ainda a veria outra vez?
– Oi, Luca.
Ele tomou um susto e virou-se, buscando a dona da voz. E deu de cara com uma garota. Tinha o cabelo vermelho e estava sentada ao lado no balcão. Ela sorria e dizia ser fã da banda, tinha o CD gravado em Canoa Quebrada, será que podia autografar?
Claro que sim, respondeu Luca, despedindo-se da lembrança de Isadora e pedindo uma caneta ao barman. A menina era simpática, ele reparou, e tinha um jeitinho delicioso de safada. Mas, caramba, devia ter uns dezesseis anos, como deixavam aquelas ninfetas entrar ali?
. Festa é o que nos resta E eu tô com pressa, beibe .
Ele tomou um longo gole, sentindo o líquido descer pela garganta, ah, a bendita ardência, a fronteira proibida da noite… Aquela era a entrada no nível seguinte da realidade, onde tudo podia acontecer.
– Gosta de uísque? – ele perguntou.
– Adoooro.
Luca deu mais um gole em seu uísque, puxou rapidamente a garota pela cintura e a beijou na boca, passando-lhe devagar a bebida de sua boca para a dela.
– Putaquipariu… – ela murmurou depois, ainda surpresa. – Foi o beijo mais embriagante da minha vida!
Uma hora depois, enquanto Ângela Ro-Ro cantava Mares da Espanha na sala do apartamento de Luca, a garota acendeu um baseado enquanto ele pela segunda vez abaixava o volume do som.
– Ah, cara, desencana! Festa é o que nos resta! – ela protestou, passando o cigarro para ele.
– Também acho. Mas tem um vizinho que não concorda comigo.
– Então canta um blues pra mim, vai…
– Pô, gatinha, já canto blues demais na banda.
– Então vou botar o CD pra gente ouvir!
Ele pensou em acender um incenso mas não encontrou a caixinha. Como conseguira perder se estava com ela um minuto antes? Abriu outra cerveja e se divertiu ouvindo a garota cantar as músicas da Bluz Neon, sabia todas de cor, até os comentários nos intervalos, incrível. A banda não tá precisando de uma vocalista ruiva?, ela perguntou. Ruiva, loira, morena…, ele respondeu, rindo. Onde diabos estava o incenso? Ela pôs para tocar novamente a primeira música e ele foi sentar no sofá. Mas errou o cálculo e caiu no chão, derramando a cerveja.
– Caramba… acho que a faxineira mudou o sofá de lugar.
Ele riu da própria piada e saiu cambaleando para pegar um pano de chão. Na volta escorregou na cerveja derramada e quase caiu de novo.
– Caramba, o que é isso, um complô?
Após enxugar o chão, sentou no sofá e fez sinal para a garota sentar ao seu lado. Quero ver de perto seu famoso umbigo blues, ela disse. Ele riu e suspendeu a camisa, mostrando o umbigo. Ela sorriu, passou a língua provocantemente entre os lábios e foi se ajoelhar entre suas pernas.
– Ei, psiu… Quantos anos você…
– Eu já disse, Luca.
Ela beijou seu umbigo e lhe fez cócegas com o piercing da língua. Depois puxou o zíper da calça.
– Disse mesmo? Então eu esqueci.
– Dezoito.
– Ah… claro… – Ele esticou o braço em busca da latinha de cerveja mas não encontrou. Definitivamente os objetos estavam de sacanagem com ele. – Que tal dezesseis?
– Tá bom, Juizado. Dezessete e meio.
A latinha estava no chão. Como fora parar lá? Aquele piercing na língua dela, era estranho… Mas era bom.
– Acho que não acredito.
Ajoelhada entre suas pernas, ela interrompeu os carinhos e ergueu o rosto, meio sorrindo, meio impaciente. Pôs o cabelo para trás da orelha e o encarou:
– Última oferta, Luca. Dezessete. Vai querer ou não?
– Fechado.
Ele tomou outro gole, largado no sofá. E sentiu-se relaxar… A sala era uma penumbra agradável e a garota estava novamente absorta em seus carinhos, entre suas pernas, o cabelo feito uma cortina vermelha à frente do rosto. É, pensando bem, não seria má ideia ter umas vocalistas na banda. Botariam anúncio no jornal, banda muito próxima do estrelato procura vocalistas de fino trato, tratar com Luca à noite… Afastou a cortina vermelha para o lado e surgiu o olhinho azulado dela, sorrindo para ele. Não lembrava que ela tinha olhos azuis… Não, mulher na banda não ia dar certo. Melhor deixar as meninas como estavam, na plateia. E por trás das cortinas. Por trás das cortinas… das cortinas…
Tchum! De repente deu-se conta. Onde estava? Que horas eram? Estava bêbado demais, que merda. Pela janela entrava um pouco da claridade da rua. À frente, umas luzinhas verdes… piscando… dizendo que ali havia um… aparelho de som…
Em casa! Claro, estava em casa. Na sala do seu apartamento, no sofá, claro. Luca suspirou, ufa, que alívio. Só um princípio de brancão, tudo bem, já passou. Muita birita, estômago vazio. E aquelas duas ali, ajoelhadas no chão, entre suas pernas…
Duas?! Ele esfregou os olhos, intrigado. Procurou lembrar… Uma era a ruivinha do bar, tiete da banda. Mas e a outra? Não fazia a menor ideia. A vizinha de baixo, talvez? Tentou fixar o olhar mas não a reconheceu. Talvez amiga da ruivinha. Quem abrira a porta para ela entrar?
Finalmente entendeu: estava tão louco que via tudo em duplicata. E desatou a rir. Sexo com duas mulheres era uma delícia, mas não exatamente daquela forma…
A garota suspendeu os carinhos e perguntou se ele estava mesmo a-fim.
– Só um instante, lírou beibi… – Ele ajeitou-se no sofá, rindo da própria chapação. – Teu nome… como é mesmo?
– Ah, não, Luca. Não digo mais.
– Bem… eu não queria te assustar, mas… tem outra gata aí do teu lado.
E voltou a rir. Aquilo era a coisa mais engraçada do mundo.
– É minha irmã gêmea. – Ela sorriu contrariada. – Você também pode ver?
– Heim?
– Ela morreu quando eu era pequena. Vez em quando aparece.
Luca parou de rir. Irmã gêmea? Morta? Aquilo era sério mesmo? Olhou mais uma vez para as duas mulheres ajoelhadas entre suas pernas e sentiu-se incomodado.
– É só não ligar que ela vai embora.
Ah, não. Transar com espírito já era rock´n´roll demais.
– Desculpa… – ele disse, afastando a cabeça dela de seu colo. Depois levantou-se e subiu a calça. – Hoje tá complicado.
Foi à cozinha e abriu a geladeira. Ainda havia uma cerveja, pelo menos isso. Tem dia que não é dia. Devia mesmo era ter ficado no bar com os caras.
Quando voltou à sala, elas olhavam a cidade, os corpos nus encostados à janela, displicentes, ambas na mesma posição. Por um instante admirou-os, tão belos e convidativos. Ainda pensou em reconsiderar a decisão… mas não. Pedofilia astral não era brincadeira.
– Posso dormir aqui, Luca?
– Ahn… Melhor eu deixar vocês em casa. Vamos.
Meia hora depois ele parou o carro em frente ao prédio delas.
– Não é por mal que minha irmã faz isso, Luca.
– Tudo bem.
– Não sabia que você era sensitivo.
– Eu?
– A gente se vê de novo?
– Se sua irmã deixar…
Ele esperou que elas entrassem no prédio e ligou o fusca. E saiu, vendo as primeiras luzes da sexta-feira surgindo por cima da cidade. E lamentou. Como sempre, a claridade intrometida do dia dissipando a magia da noite.
Às oito tinha que estar na gráfica. Dava para dormir uma horinha. Irmã gêmea do além… Melhor nem contar, ninguém ia acreditar mesmo.
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– LEVANTA, TIGRÃO! Três horas!
Uma voz feminina… vindo de longe…
Luca abriu os olhos devagar, reconhecendo o quarto. Aos poucos sentiu conectar-se àquela súbita realidade. Sábado… Ou seria sexta? Não, sábado mesmo, três da tarde… show à noite na praia do Cumbuco…
– Luz queimada, pia entupida! E esse espelho rachado? A gente fica um monstro se olhando nele! Por que você não pega o cachê de hoje e ajeita esse banheiro, heim?
– Fala mais baixo, Soninha, por favor…
Ele cobriu a cabeça com o travesseiro, protegendo-se daquela tempestade sonora. Que merda, devia ser proibido acordar um ser humano assim, principalmente se o ser humano tivesse ido dormir ao meio-dia…
– Viu minha outra bota por aí, Tigrão?
Levantou-se ainda grogue, uma sede assombrosa a lhe rasgar a garganta. Foi até a cozinha para beber água mas lembrou de Jim Morrison, acordar e pegar logo uma cerveja, porque o futuro é incerto e o fim estará sempre por perto…
Enquanto Soninha calçava suas botas pretas de salto, ele sentou na beira da cama, deu um bom gole na cerveja e pôs-se a admirá-la. Soninha… Bonita, gostosa, mas absolutamente destemperada, caso de polícia. Corpo musculoso de professora de ginástica, viciada em academia e anfetamina, dava aula até no domingo. Tinha também outro vício: sexo. Com muito álcool, escândalos e arranhões. De família rica, frequentava as colunas sociais, mas achava excitante caçar roqueiros cabeludos no submundo alternativo. Quando ele a via na plateia dos shows da banda, já sabia o roteiro da noite: tomariam todas, ela faria questão de pagar tudo e depois o levaria a um cinco-estrelas da orla onde ele rasgaria sua roupa, deixando-a apenas com as botas pretas, e fariam sexo feito dois bichos alucinados, no chão, na janela, na bancada da cozinha, e de manhã ela seguiria direto para a academia, sem dormir. Ou poderia ser o roteiro B: ela beberia demais e daria defeito, estragando a noite.
Na festa de aniversário do Balu, na noite anterior, ela aparecera usando um vestidinho curto e as famosas botas pretas, que sempre usava quando estava mal-intencionada. Ele mandava um papo mole com uma amiga do Ninon, estava até interessado na menina… mas, hummm, aquele olhar que ele já sabia, aquelas botas, como resistir?
Uma hora depois Balu abriu um uísque e serviu a todos. Depois botou para tocar sua coletânea Blues do Balu Volume 9 e apertou um natural, fazendo a festa engatar a quinta marcha. Às sete da manhã Iana, a namorada do Balu, teve de bater na porta do banheiro para avisar aos dois animadinhos que todo mundo já havia ido embora.
– Ah, qualé?! – Soninha argumentou lá de dentro. – Hoje é sexta!
– Nada disso – Iana discordou, paciente. – Já é sábado.
A porta abriu e surgiu Luca, a camisa desabotoada, o cabelo sem um fio no lugar.
– O amanhã só chega quando a gente acorda – ele filosofou, solene.
Luca serviu mais uma dose, bebeu metade e Soninha bebeu a outra. Então despediram-se e esticaram para o Roque Santeiro, um boteco no bairro do Mucuripe que tinha o caldo de carne e a cerveja ideais para finalizar as noites sem fim, ao som de Genival Santos, Diana e Odair José. Soninha ia bem, até o momento em que cismou que uma garota paquerava Luca e partiu para cima dela, derrubando-a no chão junto com as garrafas de cerveja. Aí não houve mais clima e tiveram que ir embora. Típico roteiro B.
– Aquela de ontem no banheiro da casa do Balu não valeu, viu, Tigrão? Você não conseguia nem ficar em pé.
Luca deu mais um gole na cerveja e continuou admirando-a. As coxas musculosas, a marca do biquíni minúsculo, os seios pequenos… Ela estava em pé, ao lado da cama, nua e deliciosa. Com as botas pretas.
– Vai se atrasar pra aula, professora…
– Dá tempo.
Instantes depois, enquanto era lentamente penetrada por Luca, ela esticou o braço, pegou o celular na bolsa, digitou, errou, digitou de novo e, de olhos fechados e falando pausadamente, explicou à recepcionista da academia que chamasse o professor substituto pois… acontecera um… um… só um momento… ai… um pequeno imprevisto… é, imprevisto… só um momento… hummm… e só poderia dar a aula das… ai… das cinco.
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LUCA PEGOU UMA CANETA e, enquanto os outros afinavam os instrumentos, sentou-se num canto do camarim e pôs-se a rabiscar num papel de guardanapo.
– Saiu do forno agora, Junior – ele disse. E cantarolou para o amigo escutar.
. No balcão há um lugar Pra quem não sabe aonde ir Festa é o que nos resta E eu tô com pressa, beibe Uma dose agora Preciso beber pra me dirigir .
– Gostei. Mas não te empolga que o repertório de hoje já tá fechado, viu, cidadão?
– Prometo.
Minutos depois Ninon bateu no bumbo da bateria e Luca entrou no palco. Dali de cima ele podia ver a plateia espalhada pela areia da praia, o mar do lado direito, a lua imponente no céu… Ele virou a dose de uísque e pegou o microfone:
– Boa noite.
– Boa noite! – responderam algumas garotas próximas ao palco.
– Festa…
– É o que nos resta! – elas completaram, animadas.
O show transcorreu normal. Mas no fim, após o tradicional Umbigo Blues, Luca tirou um guardanapo do bolso e anunciou, a voz rouca pelos excessos dos últimos dias:
– Essa se chama Uma Dose Agora. Ainda não tá ensaiada. Os caras vão me esganar lá no camarim mas, porra, a gente tá na praia, essa lua…
Ele pegou o violão, sentou no banquinho, dedilhou um pouco e parou. Deu a indicação para Ninon, na bateria, começar. Os outros balançaram a cabeça, resignados, e acompanharam. A música saiu péssima, claro. Mas havia um grupo de garotas animadas e barulhentas bem em frente ao palco e elas aplaudiram e gritaram tanto que felizmente ninguém atentou muito para a música.
Terminada a apresentação, Ranieri apareceu no camarim com uma das animadas, que disse ter adorado o show e que tinha umas amigas que queriam demais conhecer os caras da Bluz Neon.
– Os neons solteiros, né, minha filha?… – consertou Celina, puxando o namorado Ninon pelo braço. – A gente já vai pra pousada. E você também, Balu, porque é hora dos casados irem dormir.
Uma dúzia de cervejas depois lá estavam os neons solteiros com as novas amigas na areia da praia. A lua do Cumbuco, o vento nos coqueiros, o quebrar das ondas, todos falando ao mesmo tempo. Junior no violão faltando uma corda, Ranieri na latinha de cerveja amassada e Luca na quase voz. Mais músicas, mais cerveja. Alguém tem seda? Ah, Junior, toca aquela, vai. Fumar aqui não é sujeira? A gente vai ser multado por excesso de prazer. Arruma umas cortesias pro Papalégua pra gente, vai. Esta cerva é a minha? O umbigo mais lindo é o do Ranieri. Banho à noite no mar não faz mal. Não faz mal… faz mal…
Tchum! De repente Luca deu por si. Em volta, tudo escuro. Um calor dos diabos. Estava numa sauna. Não, não, numa cama. Mas onde? E sob seu corpo suado havia uma… uma mulher. Entrava e saía de dentro dela com violência e ela dizia coisas que ele não compreendia. Assustou-se. Simplesmente não sabia quem era a mulher.
Sem interromper os movimentos de vai e vem, ele tentou lembrar… mas só conseguiu recordar do show. O que acontecera depois não tinha nenhum registro. Olhou para o rosto sob seu corpo e nada viu, estava escuro demais. Atentou para o que ela dizia, mas não entendeu uma só palavra. Seria estrangeira? Ou uma extraterrestre?
Ainda estava muito bêbado. Fez um esforço para tentar lembrar alguma coisa, qualquer coisa… mas nada, não lhe acorria nenhuma imagem. Simplesmente não sabia com quem estava transando naquela cama. Que merda.
O suor escorria pela pele, colando seu corpo ao da mulher anônima. O gozo não vinha e já não tinha forças para continuar por mais tempo. Para completar, alguém pusera para tocar bem próximo uma axé music qualquer, aê, aê, ô, ô. Pensou em levantar e ligar o ventilador. Pensou em gritar para que abaixassem o volume daquela música insuportável. Não. Tudo que precisava mesmo era terminar logo com aquilo, voltar para a pousada e cair em sua cama. Apagar.
Fechou os olhos para se concentrar e esquecer do calor, da música, da mulher sem rosto. Mas logo abriu novamente, pois o quarto todo rodou. Não, vomitar agora não… .
(continua)
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Ricardo Kelmer – blogdokelmer.com
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O amor insano. O amor desafiador do tempo. O amor que descortina as mais absurdas possibilidades do ser. .
Dois casais, nos séculos 16 e 21, vivem duas ardentes e misteriosas histórias de amor, e suas vidas se cruzam através dos tempos em momentos decisivos. Ou será o mesmo casal? Nesta história, repleta de suspense e reviravoltas, Luca é um músico obcecado pelo controle da vida, e Isadora uma viajante taoista em busca de seu mestre e amante do século 16. A uni-los e desafiá-los, o amor que distorce a lógica do tempo e descortina as mais loucas possibilidades do ser.
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DO RESTAURANTE, enquanto tomava café, Luca observava o camping ao lado. A barraca azul estava lá, no mesmo lugar, a alguns metros da sua. Mas Isadora não estava. Moça interessante…, ele pensou. Interessante mas infelizmente maluca. Aquelas ideias de levar a vida sem planos… Então ela estava ali porque sonhara com um cara que não conhecia e que devia encontrá-lo numa praia do Nordeste? E o cara era ele? E aquela história de saltar no abismo? Não. Era muita doidice.
Após o café Luca pegou a trilha, rumando para leste, em direção ao mar. Quando chegou à encosta, o sol já ia alto no céu, a bola de fogo sobre o horizonte impondo-se lentamente dia adentro. Enquanto admirava a paisagem, ele não pôde evitar de se comparar a ela: a Natureza não fazia força alguma para ser o que era, ao passo que sua vida era o oposto…
De repente os gritos de uns garotos o despertaram de seus devaneios. Eles se divertiam no mar, surfando nas ondas com os próprios corpos. Luca ficou olhando para eles, admirado de suas habilidades, os corpos feito pranchas, deslizando firmes na água. Levantou e desceu a encosta, disposto a também se divertir com o mar. Quando chegou, percebeu que as ondas eram maiores que imaginava, mas entrou mesmo assim, escolhendo ficar um pouco distante dos garotos para não atrapalhar.
Na primeira onda que se ergueu à sua frente, faltou-lhe coragem e ele mergulhou para escapar, quase sendo arrastado pelo repuxo. Desistiu também na segunda, com medo. Na terceira, a mesma coisa. Começou a se achar ridículo.
Quando a onda seguinte surgiu, jurou para si mesmo que não desistiria e aguardou sua chegada. Ela veio e, quando chegou, ele deixou-se erguer. A onda ganhou mais força e de repente quebrou. No instante seguinte ele viu-se solto no ar e a imensa massa de água caindo por cima dele. Luca perdeu totalmente o controle do próprio corpo e, submerso, passou a girar e girar, feito um boneco desengonçado. Em certo momento bateu a cabeça na areia e ficou tão zonzo que sequer sabia para que lado estava o céu.
De repente, quando já estava esgotado e respirando água, tudo ficou silencioso e sem dor. Parecia não estar mais na água. Parecia estar fora do tempo. Então ela surgiu bem à sua frente… uma mulher de vestido branco… Era bonita, e olhava silenciosa e compreensiva para ele. Soube instantaneamente que a conhecia de muito tempo atrás, tanto tempo que seria inútil tentar lembrar. Ela lhe estendeu a mão e ele compreendeu que se a aceitasse, todo sofrimento se dissiparia como um sonho ruim do qual se desperta. Tudo que precisava era segurar sua mão, só isso…
Então sentiu agarrarem seus cabelos. Percebeu que o puxavam à superfície. Por um segundo pensou em protestar, em pedir para ficar ali embaixo, mas não teve forças. Foi levado pelos garotos para a areia, onde vomitou e aos poucos melhorou. Eles explicaram que ele não deveria mergulhar sozinho, que aquelas ondas eram muito perigosas. Luca agradeceu e ficou ali, sentado na areia, enquanto os garotos voltaram para o mar e continuaram desafiando com naturalidade as enormes ondas. Como conseguiam controlá-las?
Quando chegou ao camping foi que realmente se deu conta de que quase morrera, que merda. Estava vivo por um triz. Entrou na barraca e sentou-se, assustado, ainda envolvido pelas sensações. Lembrou da alucinação, a mulher de branco – por que ela lhe era tão familiar? E lembrou também que, por um rápido instante, teve em suas mãos a decisão do que aconteceria, que poderia tentar o derradeiro esforço para se salvar ou poderia aceitar a morte.
Não teve tempo de decidir. Mas… e se realmente tivesse tido chance de optar? Prosseguiria lutando, se debatendo e sofrendo até o último instante, ou se deixaria levar, tranquilamente, para longe do sofrimento, junto à mulher de branco?
Levantou, buscando afastar o incômodo que sentia. Não gostava daquelas coisas, a morte, o além… Melhor não contar para ninguém e esquecer o assunto. Então armou a espreguiçadeira e pegou o violão. Um pouco de música para afugentar o além.
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UMA LUA MINGUANTE subia no céu de Tibau do Sul junto com as primeiras estrelas. Em frente à barraca azul uma pequena fogueira crepitava, mantendo afastado o frio da noite. Sobre uma toalha, Isadora arrumava um prato com queijo.
– Faz séculos que não faço um piquenique – disse Luca, chegando com o vinho.
– Aproveita que está em pé e guarda este livro, por favor.
– I Ching, o livro das mutações… – ele disse, pegando o livro das mãos dela e pondo dentro da barraca. – Já ouvi falar.
– É o oráculo do Taoísmo – ela respondeu. – Funciona como um instrumento pra você se investigar psicologicamente, pra captar os movimentos internos e harmonizar com os do mundo.
– Muito místico pro meu gosto.
– Você se concentra numa questão, mexe as varetas ou as moedas, anota os resultados e no fim lê a mensagem. Mas o objetivo de todo taoísta é um dia não precisar mais de oráculo pra conseguir captar os movimentos.
– E pra quem não acredita, como eu, funciona?
– Sempre funciona. Mas talvez você não capte a essência da mensagem.
Luca abriu o vinho e serviu.
– Vamos brindar a quê? – ele perguntou.
– Aos movimentos que nos trouxeram até essa fogueira.
– Boa.
Tocaram os copos e beberam. E ele reparou como ela estava bonita sob a luz bruxuleante da fogueira.
– E a história que você disse que ia me contar?
Ela olhou séria para ele. Em seus olhos Luca pôde ver o reflexo inquieto do fogo, a dança colorida das labaredas… Nesse momento teve uma sensação estranha, um princípio de vertigem. Sentiu-se puxado para dentro de um outro estado de ser, mais leve, mais distante…
– Dois anos atrás comecei a ter um sonho recorrente – ela começou. – Era sempre o mesmo lugar, na Espanha, um povoado pequeno… Parecia fim da Idade Média, século dezesseis, por aí. No sonho tinha uma criança brincando, mas eu nunca via os olhos dela. Esse sonho se repetiu durante meses. Fiz hipnose com uma terapeuta e as imagens vieram mais fortes. Aí eu pude ver os olhos da menina. E me vi neles. E percebi que aquela criança era eu.
– Ora veja – comentou Luca, tentando não transparecer sua incredulidade em relação aqueles assuntos.
– Vi vários fatos da vida dessa menina passarem diante de mim, como num filme. Não só vi, eu vivi. Ou melhor, revivi, sentindo as sensações da menina. Não lembrei tudo, mas lembrei muita coisa dessa vida.
– Como era a menina?
– Ela se chamava Catarina. Era uma adolescente pobre quando se casou com um alemão e foi morar com ele na Alemanha. Ele era um homem rico e ela aprendeu a ser uma dama. Ela tinha tudo pra levar uma vida tranquila e confortável, mas um dia conheceu um missionário português e se apaixonou perdidamente… Enrique, o nome dele. Era jesuíta e conhecia pessoas importantes, viajava por muitos países, sabia outras línguas. E era meio bruxo.
– Como assim?
– Pertencia a uma ordem secreta, essas coisas. Usava os sonhos pra saber o que rolava na Corte, as tramas políticas da Igreja… Ele visitava Catarina nos sonhos e juntos viviam experiências em outros planos da realidade, uma coisa bem louca. Um dia ela fugiu com Enrique. Mas algo deu errado na fuga e ele desapareceu.
– Morreu?
– Não sei. Porque na verdade Catarina nunca soube. Mas é uma curiosidade que eu tenho. É provável que tenha sido preso ou algo assim. Catarina procurou por ele durante anos, de cidade em cidade, mas não encontrou. Nem nos sonhos ele apareceu mais.
– Deve ter arrumado outra.
– Não. Ele a amava demais.
– Esse negócio de amar demais nunca termina bem. Mas e depois?
– Ela… Bem, ela enlouqueceu.
– Enlouqueceu? De verdade?
Isadora demorou a responder. Luca percebeu que ela estava emocionada.
– Sim, ficou louca, de verdade. A falta de Enrique a consumiu até o fim da vida. E ela morreu assim, procurando por ele.
Durante algum tempo ninguém falou nada, e o silêncio que se formou era como uma sombra entre eles. Luca teve vontade de perguntar que interesse ela tinha em lhe contar aquela história, mas sentia que não devia fazê-lo, que era melhor ficar quieto. Em vez disso, perguntou:
– Você lembrou mesmo de tudo isso?
– É mais que lembrar, Luca. Eu vivi de novo.
– E você acredita mesmo que foi essa Catarina?
– Eu não acredito. Eu fui.
Isadora olhou para a fogueira. Apanhou algumas pedrinhas e atirou às chamas.
– E você, Luca? Essa história não lhe diz nada?
– Não acredito em reencarnação.
– E o bruxo português?
– O que é que tem ele?
Ela continuou jogando pedrinhas na fogueira. Luca abriu a boca para repetir a pergunta, mas outra ideia lhe veio.
– Peraí. Você não está achando que eu sou esse Enrique, né?
Ela não respondeu.
– Naquele seu sonho, eu disse isso, que fui Enrique?
– Não. Mas eu reconheci Enrique em você. – Ela virou o rosto, olhando calmamente em seus olhos.
Luca riu, constrangido.
– Foi depois desse sonho que decidi largar tudo. E vim atrás de você.
Ele simplesmente não sabia o que dizer.
– Só que tem algo errado… – ela falou, esforçando-se para sorrir. – Era pra você lembrar também.
Ele respirou fundo, tentando organizar as ideias. Então aquela mulher largara tudo para encontrar alguém de outro tempo, de outra vida, que ela agora procurava nessa vida, viajando pelas praias do Nordeste? E ela achava que ele era o tal alguém? Finalmente estava explicado o comportamento estranho dela, as insinuações… Mas aquilo era uma loucura, uma completa loucura. E era como uma névoa a envolvê-lo…
– Isadora, tenho uma sugestão – ele disse de repente. Precisava se afastar daquele assunto – Vamos ouvir música? Eu trouxe o violão.
Ela fez que sim com a cabeça. Ele levantou, avisou que primeiro iria ao banheiro e saiu, dirigindo-se ao restaurante. Quando retornou, Isadora não estava mais lá. Ele olhou para a barraca azul fechada e suspirou, desanimado.
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LUCA ABRIU UM OLHO, depois outro e finalmente os dois juntos. Ainda estava escuro e fazia um pouco de frio. Ajeitou-se sob o lençol, lembrando a noite anterior, as doidices de Isadora, sua tal vida na Espanha, Catarina, o bruxo português… A insanidade tinha olhos cor de mel.
Súbito, escutou seu nome. A voz de Isadora. Levantou-se e, enrolado no lençol, abriu a barraca. Agora já era dia e chovia fininho.
– Serviço de despertador pro senhor Luca de Luz Neon. Meio-dia.
Isadora sorria à sua frente. Estava ainda mais bela…
– Meio-dia? Caramba, dormi demais.
– Vem.
– Pra onde?
– Passear.
– Com essa chuva aí?
– Claro. Há quanto tempo você não brinca na chuva?
Ele esfregou os olhos, pensando na capacidade que ela tinha de dizer certas coisas como se fossem as mais simples e lógicas do mundo.
Minutos depois seguiam caminhando lado a lado pela estradinha de areia. A chuva caía leve, formando poças e espalhando pelo ar um frescor relaxante. Em pouco tempo estavam ensopados.
– Se eu chegar gripado na gráfica vai ser uma merda.
– Esqueça só por um momento que pode adoecer.
– E eu não comi nada ainda. Acho melhor…
Mas ela já saía correndo à sua frente. Luca apressou o passo, desajeitado, a água escorrendo pelo rosto. Isadora já havia sumido na curva. Ele começou a correr e um chinelo atolou na poça de lama.
– Isadora, me espera!
Então, de repente, ele lembrou que um dia… muito tempo atrás… uma noite… E parou de correr, tomado pela inquietante sensação de já ter vivido aquele momento antes, em algum tempo longínquo, quando? Um déjà-vu. Isadora sumindo na chuva, sumindo… os pingos nos olhos, um trovão ecoando… ele ali parado, ofegante, ela sumindo, ele gritando seu nome… Onde vivera aquela mesma cena, e quando, em que impossível tempo?
Continuou ali, parado sob a chuva, absorvido pela misteriosa sensação. Mas foi por pouco tempo, pois logo dominou-o um angustiante pressentimento de que se não corresse, aquela mulher sumiria de sua vida mais uma vez.
Mais uma vez?
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AINDA CAÍA UM RESTO DE CHUVA quando a noite desceu em Tibau do Sul. No restaurante da pousada, Luca e Isadora tomavam um caldo de peixe, ele saboreando cada pedaço daquele delicioso momento: o gosto do caldo, a chuva, a musiquinha na rádio… Luca sentia a cabeça flutuar leve e os pensamentos vagarem sem critérios. Pela primeira vez naquela viagem sentia-se verdadeiramente descontraído. Os problemas que o esperavam em Fortaleza agora pertenciam a uma distante realidade, e a realidade em que ele estava naquele momento era feita de coisas tão simples…
Ele olhou para Isadora à sua frente, entretida em seu prato, e admirou-se de como ela combinava com o momento, a chuva que caía lá fora, a simplicidade do lugar… Isadora parecia viver num outro patamar de apreensão das coisas, que ele não alcançava. Ela percebia a essência das coisas com naturalidade, enquanto ele precisava de muitíssimo esforço para… ser simples.
Que horas? Talvez algo entre seis e sete, ele calculou mentalmente. Ou oito e nove. Poderia perguntar, mas não, não queria saber do tempo, o tempo já não importava, estar com Isadora era como estar fora dele.
Ela o havia arrancado de seu sono e o levara para conhecer as delícias de uma tarde chuvosa, um velho prazer esquecido de infância. Correram pela estrada, tomaram cachaça e olharam a chuva debaixo de tetos de palha. Riram de velhas piadas e comeram milho assado. E agora estavam ali, tomando caldo de peixe. Um dia perfeito. Como todos os dias deveriam ser.
– Desculpa por ontem, Luca. Não queria que ficasse constrangido com aquela história que contei.
– Você realmente sonhou comigo? – ele perguntou, dividido entre a curiosidade e o receio de retomar aqueles assuntos.
– Podemos falar de outra coisa?
– Claro.
Ele sentiu-se aliviado. Melhor mesmo não falar daquilo. Havia algo ali que o incomodava bastante, algo que ele não sabia precisar.
– Então me fala sobre o Taoísmo, fiquei curioso. É uma religião antiga, né?
– Tem uns cinco mil anos. Há o lado religioso, mas prefiro o filosófico.
– E como é?
– Não vou te contar.
– Por quê?
– Você vai rir.
– Prometo que não rio.
– Ah, pensando bem, é pra rir mesmo.
– Não vou rir, eu juro.
– Filosoficamente falando, o Taoísmo é um modo intuitivo de entender a realidade. Um modo que o jeito ocidental, com toda sua lógica científica, não consegue entender. Dá um nó no pensamento.
– Como seria um modo intuitivo de entender a realidade?
– Captar os movimentos naturais da vida pra agir em harmonia com eles. É isso que o Taoísmo ensina.
– Então um taoísta é alguém ligado à Natureza?
– É alguém que está conectado com o Tao, ou seja, consigo mesmo e com a Natureza, com as verdades simples e naturais. O Tao é a unicidade de tudo que existe, aquilo que liga todas as coisas e liga também o eu ao todo. Se você se harmoniza com o Tao, fica mais simples viver. Mesmo vivendo no ritmo louco da cidade grande, é possível se manter ligado com a mente da Natureza.
– Mente da Natureza? Você andou fumando?
– Não – ela respondeu, rindo. – Deixa ver se consigo explicar. A Natureza é a vida, e a vida tem seus movimentos, suas estações. É essa conexão com o natural que guia o taoísta por entre todo o caos. Sabe quando a gente se apega demais a uma coisa? Isso é antinatural. Porque aquela coisa se transforma o tempo todo e a gente continua apegado a algo que não existe mais. O que não muda, apodrece. Esse dinamismo também é o Tao.
– O Tao seria um deus?
– O Tao não é uma entidade personalizada como os deuses das religiões. É algo impessoal, que não tem vontade nem tem moral. O Tao já é a própria ação da vida, o fluxo natural da realidade.
– Não sei se entendi.
– É porque não dá pra explicar o Tao. Só dá pra intuir.
– Aliás, sinceramente, nem sei o que tem pra entender nisso aí.
– Quem pergunta sobre o Tao não o imagina. E quem responde não o conhece.
– Estar em harmonia com as coisas… Isso me cheira a uma certa passividade, não?
– Pelo contrário. Captar o fluxo do Tao é um difícil trabalho interno, uma alquimia interior. Mas depois que consegue, você se ajusta às forças naturais da vida e se torna um com tudo que existe.
– E se eu quiser ir contra o Tao?
– Vai viver cansado.
Viver cansado… Luca escutou o eco daquelas incômodas palavras.
– Quem é uno com o Tao não precisa fazer nada. E, no entanto… nada deixa por fazer.
– Mas isso é contraditório.
– Eu não disse? Dá um nó no pensamento.
– Tao tem tradução?
– O ideograma chinês que corresponde ao Tao é feito de pé mais cabeça. O caminho, o sentido.
– Pra mim está mais pra “sem pé nem cabeça”… – ele falou e riu. – Ops, desculpa.
– Não faz mal, pode rir – ela disse, rindo também. – Se não houvesse gargalhadas, não seria o Tao.
Ele terminou de tomar o caldo e ficou olhando para ela, se deliciando com o que via: os olhos cor de mel, o cabelo molhado, a boca bem torneada, os seios se insinuando por baixo da camiseta… e maluca, deliciosamente maluca.
De repente ela ergueu o rosto e seu olhar interceptou o dele. Ele sentiu-se flagrado em seu desejo sexual.
– Pensando em quê, Luca de Luz Neon?
– Ahn… nada.
– Eu sei. Quer que eu diga?
Ele fez que sim com a cabeça. Ela tomou a última colher do caldo, limpou a boca e falou, naturalmente:
– Nos meus peitos.
Ele não acreditou no que escutou.
– E, se quer saber, eu estava a-do-ran-do…
Primeiro foi o olhar de idiota dele. Depois foram as mãos, apertando-se sobre a mesa. Depois as bocas, o beijo ávido, o inadiável encontro das línguas. Depois a conta paga com urgência, obrigado, pode ficar com o troco, o último gole apressado de cerveja, o caminho de volta para a barraca, correndo, debaixo de chuva…
Chegaram ofegantes e enlameados. Entraram na barraca dele e ajoelharam-se um de frente para o outro. Ela suspendeu a camiseta, lhe exibindo os seios, e sussurrou:
– Vem.
Ele se lançou sobre os seios daquela mulher com todas as mãos e bocas e línguas que possuía, como se fossem mangas maduras e suculentas e ele um miserável esfomeado. Ela agarrou sua cabeça e o puxou para si, enquanto arrancavam o que tivessem de roupa e rolavam, quase derrubando a barraca. Depois ela pôs-se por cima, prendeu seus braços e o cavalgou, subindo e descendo, subindo e descendo…
Luca fechou os olhos, em êxtase. Sentia-se envolvido pelas sensações de uma forma como nunca antes havia sentido. O olhar meio hipnótico de Isadora, a maciez da pele, o cheiro gostoso, o som musical de seus gemidos, o sabor irresistível de seu beijo… Tudo nela era bom demais, como podia ser tão bom? E tudo o envolvia de tal modo que pela primeira vez ele fazia sexo sem pensar exatamente no que fazia. Em vez de racionalizar, simplesmente fechou os olhos e deixou-se levar pelas sensações… a sensação de compartilhar seu corpo… a sensação de que algo o engolia… em sucções contínuas… ritmadas… o engolia…
De repente, a explosão. Num segundo seus pedaços foram lançados para todos os lados numa velocidade impensável, milhões de fragmentos expelidos para o Cosmos sem fim. Então, enfraquecido pelo esforço, sentiu que deixava de existir, lentamente, diminuindo, apagando, morrendo… Para sempre.
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PRIMEIRO UM OLHO. Depois o outro. Luca mexeu-se sob o lençol, lembrando de Isadora, o passeio na chuva, a transa na barraca… A transa mais louca e mais maravilhosa de toda sua vida.
Então olhou para o lado e não viu Isadora. Teve um mau pressentimento. Levantou rapidamente e saiu. E lá fora, sob a luz clara do dia, não viu a barraca azul, nem sinal dela. Ficou parado, sem saber o que concluir. Novamente sentiu a vertigem, uma sensação estranha de estar escorregando para dentro de um sonho… Por um instante foi tomado por um medo terrível de que Isadora jamais houvesse existido.
Pôs o óculos escuro, correu até o restaurante e lá perguntou pela moça da barraca azul. Ela já havia ido embora, respondeu um dos filhos de dona Zezé. Ele sentou-se, triste por não estar com Isadora, mas aliviado por constatar que ela realmente existia, que tudo acontecera de verdade. Pediu um café forte e foi sentar-se à entrada do restaurante. Enquanto tomava o café, olhou para o camping, para a barraca azul que não mais estava lá, e de repente a ausência de Isadora era um imenso e eterno vazio em sua alma. Que estranha sensação… Como era possível que algo que três dias antes sequer existia pudesse agora encher o seu ser de um vazio sem fim?
Quando chegou de volta à barraca foi que percebeu o papel dobrado sobre o lençol:
. Te encontrei. Agora não há mais retorno. Salte no abismo. .
Uma hora depois, após desarmar a barraca e pagar sua conta, ele caminhava pela estradinha de areia em direção à rua onde pegaria o ônibus que o levaria para Natal, onde tomaria outro ônibus para Fortaleza. Nesse instante, uma pequena cobra marrom surgiu à frente, cruzando lentamente a estradinha. Ele estancou e recuou um passo. Não gostava de cobras, elas lhe faziam lembrar a morte, a morte que quase o levara no mar de Tibau do Sul. A cobra também parou e por alguns segundos ficou ali, olhando para ele. E depois seguiu seu caminho, sumindo mato adentro. Luca se certificou que não havia perigo e prosseguiu, imaginando o pesadelo que seria despertar à noite com uma cobra dentro da barraca.
– Mas bem pior seria despertar dentro da cobra… – brincou.
No ônibus, ele leu o bilhete pela décima vez. Saltar no abismo. Que abismo?
.
(continua)
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Ricardo Kelmer – blogdokelmer.com
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O que pode acontecer a um homem após um ano sem sexo?
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Esta série foi publicada originalmente em capítulos semanais no antigo blog Kelmer Para Mulheres. Aqui você pode lê-la na íntegra, com os comentários.
Em 2008 Ricardo Kelmer publicou em seu blog, em capítulos semanais, a série Um Ano na Seca, um relato verídico de sua tragicômica experiência de abstinente sexual no Rio de Janeiro. Dosando humor e suspense, a história prendeu a atenção dos leitores por vários meses, principalmente das mulheres, que puderam conhecer certas particularidades do universo do desejo masculino que geralmente os homens preferem não revelar.
A versão livro de Um Ano na Seca foi lançada em nov2010 (bolso, 48 pag). E em 2013 inspirou uma música da banda Bardoefada (vídeo no fim da postagem).
EU JÁ FIQUEI UM ANO sem sexo. Verdade. Quer saber mesmo? Foi quando eu tinha 4 anos.
Ahahahah! Desculpe, leitorinha, não resisti à piada. Agora falando sério, já fiquei um ano no perigo sim, e eu já era quarentão, olha que coisa. Em 2004 eu havia me mudado pro Rio de Janeiro e, sem amigos com quem sair, sem namorada e sem dinheiro, tudo que eu fazia era ir pro trabalho e voltar pra casa. No começo não teve problema algum pois minha energia tava tão voltada pro trabalho e pra economizar grana que as ex-namoradas resolviam o problema. Comassim? Ora, era só, na hora do banho, lembrar delas…
Mas depois de seis meses a coisa começou a ficar feia e as ex já não resolviam, eu já havia homenageado todas elas, tava até repetindo.
Putz, mas será que você tá realmente interessada nesse papo de punheteiro véi safado? Bem, sejamos francos: se você frequenta este blog, é porque santa você não é, né? Então dá licença que eu vou continuar a história.
Seis meses de Rio de Janeiro. Seis meses sem dar nenhumazinha. Morando sozinho, vivia de casa pro trabalho e do trabalho pra casa, a energia totalmente voltada pra economizar o máximo de dinheiro possível. Sem amigos homens com quem sair, sem namorada, sem nem um rolinho sequer, o jeito era ficar em casa escrevendo e ouvindo música, bebendo sozinho. Vivia uma fase de repensar a vida e reavaliar valores, precisava mesmo de solidão.
No começo o tesão até que ficou comportado. Eu me resolvia com as ex-namoradas mesmo, homenageando-as durante o banho: apoiava um braço na parede, escolhia a ex da vez e mandava ver. A água quentinha escorrendo pelo corpo é uma diliça, mas o perigo dessa posição, não sei se você sabe, é que as pernas ficam bambas, a vista escurece e bufo!, a gente cai pro lado, se estatelando duro no chão. Um dia caí e bati a cabeça na privada, fiquei com um galo horrível na testa durante uma semana. Mas os acidentes também têm seu lado positivo. Esse me fez perceber, finalmente, que aquilo já tava passando dos limites. No outro dia tomei uma decisão: revesti a privada com esponja.
Um dia abateu-se sobre mim a desgraça: eu lá, sob o chuveiro, pronto pra mais uma homenagem quando percebi que… o estoque de ex havia se esgotado. Simplesmente não tinha mais nenhuma ex, todas já haviam passado por aquele chuveiro, até mesmo os casos, os rolos de um mês, de uma semana, de uma noite, as ficantes, todas, todas. Putz, e agora? Desesperado, vesti uma roupa e saí. Nunca fui de pagar por sexo mas tava decidido: só voltaria pra casa acompanhado.
Voltei com Daniele, uma morena linda, jeitinho meigo, uma bunda doce e irresistível. Ainda tentei barganhar o preço, mas o dono da banca foi irredutível. Paguei oito reais, pus a Sexy na mochila e voltei pra casa. Sou um cara exigente com mulher, até mesmo com mulher de papel, não gasto meus zóides com qualquer peladona não. Qualé? Tá pensando que achei os bichinhos no lixo?
Daniele me fez companhia durante algumas semanas. Como ela não gostava de água, namorávamos na cama mesmo, nada de chuveiro. Até que um dia…
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NÃO FOI NADA ENGRAÇADO ficar um ano inteiro sem sexo, mas se isso hoje diverte o respeitável público, então ótimo, vou encarar a coisa como, digamos assim, uma saudável reciclagem das desgraças da minha vida pregressa.
Pois bem. Durante algumas semanas eu e Daniele vivemos bons momentos, mas… havia um probleminha. Eu sempre queria Dani de quatro, ela ficava linda assim. Mas na hora H, quando eu tava chegando lá, a página virava e Dani passava pra outra posição, uma posição bem sem graça, que merda. Acabamos discutindo, eu querendo Dani safada de quatro e ela se querendo toda comportadinha numa poltrona.
Percebi que meus sentimentos já não eram os mesmos do início. Então fui até a janela e disse, sem olhar pra ela, mirando o fim de tarde lá fora: Beibe, preciso de um tempo. Ela ficou meio tristinha, mas entendeu na boa. É uma vantagem das mulheres de papel, elas sempre entendem quando o cara precisa de um tempo. Daniele acabou na quarta gaveta do guarda-roupa, junto com a caixinha do brau. Até hoje desconfio que foi ela quem fumou o precioso, um especialíssimo que eu tinha guardado pro carnaval. Mas tudo bem, foi bom enquanto durou. Meses depois eu me mudei de Botafogo e desde então não tenho notícia de Dani, acho que a coitada caiu da mudança. Sorte de quem pegou.
Com isso, acabei voltando às ex-namoradas debaixo do chuveiro. Nada contra, claro, mas acontece que naquela secura de seis meses eu já havia homenageado todas elas, não havia sobrado nem mesmo uma fulana que anos atrás me atacou numa festa, terminamos num hotelzinho vagabundo e, quando acordei de manhã, sozinho no quarto, a última coisa que eu lembrava era a gente saindo da festa e cadê que eu conseguia lembrar do nome da criatura? Nem do rosto eu lembrava mais. E até eu hoje não lembro. Imagine o estado do cidadão… Pois bem, até essa eu homenageei, lá debaixo do chuveiro, sim, pra você ver a consideração que eu tenho com minhas ex e até com as taradas de festa, viu?
Foi aí que um amigo me apresentou Sonja. Que não era de papel.
Ih, infelizmente acabou o espaço. Posso continuar semana que vem? Não? Ah, mocinha, não seja tão exigente comigo, entenda minha situação, eu tô precisando desabafar, aprendi isso com vocês, botar pra fora os sentimentos, né isso? Então, tô botando. Mas não dá pra botar tudo de uma vez. Se você estiver aqui na próxima semana, eu continuo. Você vem, beibe?
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EU HAVIA CONTADO pra um camarada sobre minha trágica situação e ele, compadecido, combinou que me apresentaria a uma ninfeta deveras generosa chamada Sonja. O nome dela é esse mesmo?, perguntei. Não, não era. Era nome de guerra. Ah, tá. Sonja, a guerreira. Mas do jeito que eu tava a perigo, ela é quem teria que se defender.
Marcamos pra uma quinta-feira, lá mesmo em meu apartamento em Botafogo. Na hora marcada meu amigo chegou, devidamente acompanhado da ninfeta. Ele nos apresentou, fazendo umas piadinhas que me deixaram meio sem jeito. E ela, pelo jeito, já devia estar acostumada. Sentei na poltrona e eles no sofá. Botei um Led Zeppelin pra gente escutar, mas acho que ela não curtiu muito, acho que gostava mais de hip hop. Servi domecq mas ela não bebeu, Sonja não bebia. Logo depois meu amigo foi embora, me deixando a sós com a ninfeta. Eu tava meio nervoso, mas ela tava na dela, tranquila, me olhando com aqueles olhos grandes e verdes que ela tinha.
Lá pelas tantas achei que já tava bom de lero-lero: peguei Sonja pela mão e levei pra sacada pra gente ver o Cristo iluminado. Enquanto ela olhava, eu não me aguentei mais nas calças e, bufo!, derrubei-a no chão, que nem um homem das cavernas alucinado. E comecei a soprar dentro dela. Nunca em toda a minha vida eu tinha feito aquilo, juro. Soprei durante meia hora, e no fim eu tava caído no chão, botando os bofes pra fora, parecia que havia corrido uma maratona. Em compensação, Sonja tava bem cheinha. Meu amigo tinha razão: ela era bem fornida. Peituda e bunduda do jeito que homem do sexo masculino gosta.
Meu amigo me garantira que ela tava bem limpinha, ele a havia lavado no dia anterior. Mas achei melhor garantir e dei um bom banho na Sonja, com detergente e água sanitária, até botei um rexona no sovaco dela. De volta à sacada, nos encostamos na grade e enquanto eu bolinava sua bunda, recitei uns poemas do Vinicius pra fazer um clima assim meio romântico, de tudo ao meu amor serei atento. Olhei pra Sonja e ela tava de boca aberta, os olhos arregalados, certamente enternecida com meu esforço por agradá-la. Ela não me disse, mas senti que meu amigo, com ela, não valorizava muito as preliminares. Homens…
Então os sete meses sem sexo gritaram dentro de mim e perguntei se ela queria ir pro meu quarto ou se preferia fazer ali mesmo. Você escolhe, Ricardinho… Acho que ela falou isso, não lembro bem. É que eu já tinha tomado metade do domecq e quando chego nesse ponto, dou pra ouvir coisas, ver gente morta, é um horror. Então eu escolhi o lugar, e escolhi ali mesmo, na sacada, sacomué, Sonja, sempre fui chegado em locais inusitados. Foi quando ela falou, maliciosa: Locais inusitados assim tipo o meu cu, né, fofo?
Nesse exato instante eu me apaixonei. Quem não se apaixonaria?
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SEMANA PASSADA EU PAREI na parte em que eu encoxava Sonja na sacada do meu palacete de Botafogo. E, enquanto recitava Vinicius, descobria-me apaixonado por uma boneca inflável, dessas bem fuleragem, até remendo ela tinha, acredita? Adivinha onde? Poizé. Meu amigo deve ter abusado muito da moça, coitada.
Aliás, homem na secura é um horror, você nem imagina do que somos capazes de fazer. E jovens, então, quando os hormônios são os nossos verdadeiros governantes e a cabeça de baixo sempre fala mais alto? Putz… Heim? Controle de qualidade? O que é isso?
No interior, até hoje o povo come jumenta, o povo homem, claro. Diz que é bem quentinho, aconchegante… E que ela nunca espera que o cara ligue no dia seguinte.
Por falar em jumenta… Corta agora pros meus saudosos vinte anos. A gente ia pra praia e na volta passava por um terreno onde sempre havia uma jumentinha amarrada, a Jupira. A Jupira tinha um bundããão… Pois a Jupira era apaixonada os quatro pneus e o estepe pelo meu amigo Perretis, é sério, era só a gente parar o carro que ela já se virava assim de ladinho e ficava toooda dengosa pra ele. E a Jupira ainda era fiel: um dia eu quis dar umazinha com ela e ela não quis não, só queria se fosse o Perretis. Putz, fiquei arrasado, quando um homem chega nesse ponto de nem jumenta aceitar, é mesmo a decadência total…
O Netonha, outro amigo fuleragem, na sua infância lá no Crateús era o terror das galinhas. Galinha de pena mesmo. Sim, é sempre bom explicar, porque em Crateús, sabe como é, né? Diz que na casa do Netonha não escapou uma galinha: ele chegava das festas do sábado e, meio truviscado da cabeça, ia pro terreiro atrás da casa e traçava todas. O melhor é que no domingo o almoço sempre era galinha, a família toda comia, até o padre ia pra esses almoços. Uia.
Um outro amigo, o Marquim, uma vez comeu um peixe. Verdade. Ou era uma peixa? Não sei. Só sei que o peixe morreu e ele ficou muito arrependido e deixou de comer peixe. Mas o Marquim não conta, ele era tarado, nem caule de bananeira o disgramado dispensava, diz que tem uma textura boa. E eu? Bem, como minha infância foi urbana, não tive sorte de ter essas namoradinhas do dadivoso reino animal. Mas devo admitir que lá em casa sempre teve umas poodles bem fofinhas… Mas não, cachorra por cachorra, melhor as sem pelo. Mas uma vez eu estuprei um rolo de papel higiênico, eu juro. Ué, qual é o problema? Nenhuma menina queria me dar! E aquele era o único buraco decente que tinha por perto…
E você, leitorinha querida, fica só rindo dessas histórias cavernosas, né? Fica aí só achando graça desse bizarro universo masculino, né? Mas aposto que você também já teve aqueles dias de desespero em que a bacurinha só falta pegar um autofalante e gritar: Uma caridade, pelo amor de Jesuscristim!!!
Taí, agora fiquei curioso. Mulher também sofre quando os hormônios sexuais botam a boca no trombone e, no entanto, não tem ninguém pra aliviar a tensão? Claro, né? Mas imagino que vocês não apelam pros jumentos, afinal animal por animal, já bastam os homens, né, fia? Mas pra alguma coisa vocês devem apelar. Quem quer contar primeiro? Ah, vamos lá, boneca, fica só entre nós, vai. Pensa que eu não sei que você agora tá rindo aí do outro lado do computador, é? Poizeu sei. Se tá rindo é porque tem o que contar. Conta! Conta! Conta!
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ONDE PAREI MESMO? Ah, tá, eu e Sonja na sacada do apartamento, oitavo andar, eu com meio litro de conhaque na cachola, irc! Bêbado que nem um gambá, sim, deploravelmente bêbado, mas a poucos segundos de finalmente acabar com a maldita seca que já durava sete meses. Pois bem. Após seu singelo consentimento, Sonja encostou-se na grade da sacada, de costas pra mim, aquele bundão espetaculoso, e eu abri a calça, abaixei a cueca e botei o Jeitoso pra fora. Poizé, o nome dele é Jeitoso, tinha esquecido de apresentar vocês. Também conhecido no submundo do crime desorganizado como Jeitosão 17. Então. Nem preciso dizer como ele tava, né? Parecia menino em dia de aniversário, uma animação só.
Abri as nádegas de Sonja e vi que seu cu era rosado, um tipo raro por essas bandas. Não sei se você sabe, leitorinha, mas na Tabela de Estética Anal o cu rosado só perde pro cu salmon, este é raríssimo, tem gente que morre sem conhecer um cu salmon. Pois bem, Sonja tinha um cu rosado, muito simpático e convidativo, com certeza meu amigo já se deliciara bastante por aquelas vias. Afastei-me pra trás e mandei um golão no conhaque, um brinde a mim por suportar com tamanha dignidade sete difíceis e eternos meses sem dar umazinha sequer.
Nesse momento, porém, soprou um vento repentino e Sonja, vupt, voou por sobre a grade da sacada. Desesperado, larguei o copo e corri pra segurar. Mas não deu tempo: Sonja havia caído, despencado do oitavo andar no meio da escuridão da noite. Putz. Fiquei ali parado por um tempo sem acreditar. Seu idiota incompetente!, gritou o Jeitoso, já murcho e muito puto, nem mulher inflável tu consegue segurar? Quando o sujeito não consegue nem manter uma relação com uma boneca inflável, ele precisa admitir que chegou ao fundo do poço.
Peguei o elevador e desci pro poço, quer dizer, pro térreo. Procurei lá embaixo na área lateral e não encontrei Sonja. Onde ela estaria? Olhei lá pra cima e entendi: ela caíra numa das sacadas abaixo da minha. E agora?
Voltei pro apartamento num dilema mortal. Não podia abandonar Sonja assim dessa maneira. E tudo que houve entre nós? E todo o futuro lindo que nos esperava? E seu cu rosado? Mas, por outro lado, cadê a coragem pra bater na porta do vizinho às duas da manhã? Oi, minha namorada caiu na sua sacada, você poderia pegar pra mim?
Não, minha dignidade jamais me permitiria descer tanto. Preferível comprar uma boneca nova pro meu amigo. Que merda… Desculpa, Sonja, eu não queria que tudo terminasse assim… A não ser… A não ser que eu desse uma de Homem-Aranha…
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TRUVISCADO DE DOMECQ como eu tava, considerei seriamente a hipótese de me pendurar na minha sacada e saltar pra sacada de baixo. O Resgate de Sonja – sexo, suspense, emoção… e uma perna quebrada. Felizmente um resquício de bom senso me fez desistir da aventura. Mas nem sempre tive esse tal bom senso, viu, isso é coisa da idade.
Restava-me bater na porta do vizinho. Às três da madrugada. Eu até poderia fazer isso, dada a minha lastimável condição de secura. Mas onde ficaria minha reputação de moço sério, trabalhador e respeitador dos bons costumes? Eu seria rebaixado à categoria de cruel estuprador de bonecas infláveis, que horror.
Voltei ao meu apê arrasado. E caí na cama à beira de um ataque de choro. Minha pobre Sonja, coitadinha, passaria o resto da noite no chão sujo de uma sacada, ao relento, nua e abandonada. Poderia pegar um resfriado, a bichinha. Adormeci exausto e deprimido. Putz, eu estivera a centímetros de dar fim àquela secura desgraçada que já durava sete meses… Mas o vento levou minha felicidade.
Tive pesadelos terríveis. Num deles Sonja me esnobava e preferia se suicidar a trepar comigo, e então se atirava da sacada. Irgh! Será que eu sou assim tão asqueroso? Só porque depois dos 40 comecei a ficar barrigudo, careca e banguelo? No outro pesadelo o vizinho do 702, logo o idiota do 702, enrabava minha Sonja na sacada e eu acordei suando de ciúmes, desesperado, ouvindo Sonja uivando de prazer… Que dor!
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ACORDEI NO DIA SEGUINTE numa ressaca horrorosa. A primeira coisa que fiz foi correr pra sacada e procurar por Sonja. Enquanto procurava, minha atenção foi atraída pro colégio que ficava ao lado do meu prédio. Era a hora do intervalo e os alunos jogavam futebol no campo de areia. E pareciam especialmente animados naquele dia, correndo e gritando bastante. Quando saquei o motivo, quase tive uma síncope cardíaca: a bola do jogo era nada mais nada menos que… minha querida Sonja, que subia e descia pelo ar, toda desmantelada, um braço já faltando, parecia um molambo voador.
Gritei pra eles pararem com aquela selvageria mas não me ouviram. Então desci e fui correndo até o colégio, expliquei o que acontecera e minutos depois um funcionário me trouxe o corpo de Sonja, seco e totalmente desfigurado, a cabeça decepada… Levei-a de volta pra casa, tentei encher e remontar, mas foi impossível, o estrago fora enorme. Teria que comprar outra boneca pro meu amigo. Então deitei Sonja na cama e, olhando ela ali deitadinha… de bundinha murcha pra cima… pensei que ela merecia uma última e sincera homenagem.
Em toda a minha vida de perigoso maníaco sexual eu nunca antes havia transado com uma boneca inflável. Muito menos com um cadáver inflável. Olha só aonde a minha secura havia me levado! Estuprar uma boneca inflável morta, toda murcha, sem braço e sem cabeça…
Mas o estrago fora ainda maior do que eu imaginava. Aqueles monstrinhos assassinos haviam enchido os buracos de Sonja com todo tipo de coisa. Só da bucetinha dela tirei uma borracha, duas tampas de caneta Bic, um mp3 quebrado, um boneco Power Rangers e um bagaço de maçã, que horror. E o cu, o belo cuzinho rosado de Sonja, haviam tampado com um chiclete. Que absurdo, as pessoas não têm mais sentimento! Como podem fazer isso com um ser humano inflável?
Não deu, amiga, simplesmente não deu. Não consegui comer Sonja. Por mais maníaco sexual que eu seja, tudo tem um limite, né? A secura continuaria. Eita fase de urubu danada…
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APÓS A TRISTE DESVENTURA com Sonja, dei um tempo em minhas desesperadas tentativas de acabar com a secura sexual, que já chegava aos oito meses, que horror. Achei que era melhor me aquietar e deixar que as coisas acontecessem de forma mais natural. O problema é que as coisas não estavam acontecendo nem naturalmente e nem antinaturalmente, a maré tava braba mesmo. Sozinho numa cidade estranha, sem amigos, sem namorada, sem dinheiro pra sair, o que me restava?
Então tive uma ideia genial: decidi montar um harém. Sim, o Kelmer Harém de Celebridades (KHC). Pra quê? Ô, minha filha, que pergunta boba… Pra dar uma variada em minhas punhetas, lógico. Sim, variar, afinal fazia oito meses que eu homenageava minhas ex-namoradas quase diariamente, nem elas aguentavam mais tanta homenagem. Pra você ter uma ideia, desde que começara a secura, só pra Aninha eu já tinha tocado 105 punhetas. Você sabe o que significa isso, leitorinha querida? Pois vou te dizer. Se uma ejaculada tem em média 100 milhões de zóides, então só pensando na bunda da Aninha foram 10 bilhões de zóides que jamais tiveram nem jamais terão sequer uma remotíssima chance de ver um óvulo rebolando à sua frente, coitados, ninguém merece.
Pois bem. Em poucos dias o melhor harém que jamais existiu na face da Terra tava todinho dentro do meu noutibuk, que era velhinho, mas que com a chegada das meninas rejuvenesceu cinco anos. Tinha de um tudo no harém: loira, morena, ruiva, negra, índia, japonesa, esquimó. Tinha odaliscas do presente e do passado, de Brigitte Bardot às Sheilas do Tchan. Tinha celebridades e anônimas, lobas e ninfetas, profissionais e amadoras, ai, as amadoras. Infelizmente minha musa Ana Paula Bandeirinha ainda não havia posado pra Playboy… Senão ela também estaria no harém. Aliás, ela teria um harém só pra ela.
– Ricardinho, harém de uma odalisca só não existe…
– Ahnnn… É verdade, Ana Paula. Mas você teria mesmo assim. Pra você não tem impedimento.
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MAS CALMA LÁ, LEITORINHA. Só porque era um harém, não vá pensando que era só ser bonitinha ou gostosinha que já tava dentro. Nananinanão. Punheteiro safado sem-vergonha também tem seus critérios, ora! Afinal punheta é coisa séria, é uma homenagem singela e sincera às mulheres que amamos. E por mais tarado que a gente seja, a gente também tem nossas objeções. Essas modelos magricelas e sem bunda, por exemplo. Comigo não têm vez, quem gosta de osso é arqueólogo. Então magricela não entrou nenhuma.
Por falar em bunda, numa segunda fase o Harém de Celebridades se especializou: criei o harém dos peitos e o harém das bundas, olha que chique. Claro que por causa da minha tara que você já conhece, o harém das bundas ficou beeeeem mais numeroso. E como era o harém que eu mais visitava, todas queriam estar nele. Mas me mantive incorruptível. Adriane Galisteu, por exemplo, tentou dar uma de penetra mas foi barrada na porta, é muita pretensão mesmo! Gisele Bundchen tentou entrar também, mas ficou só no harém dos peitos. Sim, Gisele, eu sei que os gringos admiram sua bunda, eu sei, mas no Brasil, a média pra passar é bem mais alta, viu, fia?
O KHC tava indo bem. O problema era que, com essa minha velha mania de justiça, eu insistia em revezar as meninas, uma homenagem pra cada uma, pra que elas não se sentissem preteridas, você sabe, rola muita inveja nesse meio. Mas, putz, eram centenas de odaliscas! Se eu sentisse saudade da Karina Bacchi ou da Mulher Samambaia, que, por sinal, constavam com todo o merecimento nos dois haréns, eu teria que esperar cinco anos pra poder vê-las de novo.
– Ah, não, Riquinha, assim não – Karina reclamou, é lógico. – Pode dar logo um jeito nessa situação.
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FOI ENTÃO QUE DESCOBRI algo revolucionário: era possível organizar as fotos num programinha de slide e botar no automático. Uaaaaau! Ficou uma maravilha. O KHC tornou-se dinâmico, e eu nem precisava mais ficar clicando, agora a outra mão tava liberada pra dar um gole no Domecq. Minhas odaliscas passaram a desfilar ordenadamente, uma após a outra, cinco segundos pra cada uma me seduzir com suas curvas, protuberâncias e malemolências…
– Oi, Luma. Eu apareço depois da Grazielli. Já chamaram ela?
‒ Calma, Sabrina, antes dela ainda tem eu. Ops, é a minha vez, tchau.
Algumas tinham mais fotos que outras, claro, e por isso se demoravam mais pros meus olhos. Porém, depois estavam livres o resto do dia pra fazer o que quisessem, passear no shopping, tomar chá com as amigas, fazer a escova… Estavam livres até pra me trair com quem quisessem. Desde que no outro dia estivessem de volta, lindas e dadivosas, tudo bem.
Ah, foram três meses de paz e tranquilidade com minhas meninas…
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UM DIA FUMEI UNZINHO. Você já transou fumada, leitorinha? Uau, é uma loucura… Comigo as sensações ficam tão amplificadas que eu todo viro um imenso caleidoscópio sensitivo, o tempo estica… Pois bem, fumei, deitei na cama, pus o noutibuk do ladinho e mandei ver. Foi tão bom, mas tão bom, mas tão bom, e o gozo tão intenso, tão intenso, e viajei pra tão longe, tão longe… que de repente só escutei o barulho: Pooou!!! Abri os olhos e vi que o noutibuk tinha caído no chão. Que merda.
Tantas mulheres lindas e gostosas de uma vezada só foi demais pro meu velho noutibuk de guerra. Dia seguinte mandei o coitado pra oficina, mas não teve jeito de recuperar. Resultado: perdi todas as minhas meninas. Três meses formando meu harém e, de repente, elas se vão numa só gozada. Ô gozada poderosa! Fiquei tão arrasado que não tive forças pra chamá-las de volta, não quis mais saber de Danielas, nem de Julianas, nem de qualquer mulher de pixels. Nem mulher de papel. Nem de plástico. Enchi o saco de punheta. Quer dizer, esvaziei o saco. Caramba, eu precisava de uma mulher de verdade, dessas que todo dia passavam por mim na rua. E não me percebiam. Mas naquela cidade estranha, sem amigos e sem dinheiro, como fazer?
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NO CAPÍTULO ANTERIOR, você lembra, eu tava arrasado por ter perdido meu Harém de Celebridades, tão cuidadosa e criteriosamente montado. E tava sem qualquer ânimo pra montá-lo de novo, apesar de toda a insistência das meninas. Até a Vera Fischer implorou, olhassó, a Verinha, ela que naquele tempo andava quietinha, uma santa. Até a Priscila Fantin, aiai, que nunca posou pelada, prometeu que posaria caso eu reativasse o superfamoso e hiperconcorrido Kelmer Harém de Celebridades.
– Puxa, Rica, tô arrasada… Você seria o único motivo pra eu virar uma peladona.
– Gosto muito de você, Priscila, mas não vai dar.
– Se você não me quiser, vou entrar pro convento!
Não reativei o KHC, eu simplesmente não aguentava mais mulher de pixels. Eu precisava agora é de uma mulher de verdade, de carne e osso, mais carne que osso, claro. Eu precisava dar umazinha, só umazinhazinha, já tava na secura havia 11 meses!
Foi quando apareceu a oportunidade de um trabalho inusitado: escrever um roteiro sobre prostituição na Vila Mimosa. Uau!
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ENTÃO FUI CONTRATADO pra escrever o roteiro de uma revistinha em quadrinhos pra uma ONG que trabalhava com prostitutas na Vila Mimosa, tradicional zona de prostituição do centro do Rio de Janeiro. O roteiro deveria abordar temas como saúde, prevenção, doenças sexualmente transmissíveis e coisital. Topei na hora, tava muito precisando de um dinheirinho na conta, não aguentava mais comer miojo.
Imagine um centro comercial popular, desses que existem nos centros das metrópoles, aquele movimento incessante, os corredores cheios de gente olhando vitrine e comprando, a barulheira, a confusão… Pois a Vila Mimosa é a mesma coisa, sendo que as lojas são uma centena de bares e boates com quartinhos e a mercadoria é sexo. E é 24h!!! Fiquei bobo de ver.
Na Vila Mimosa tem menina de 18 a 70 anos e boa parte delas vive do que a Vila lhes dá. Algumas têm emprego formal (diaristas, vendedoras, secretárias…) e batem ponto lá alguns dias por semana pra completar o orçamento. Uma pequena parte mantém os estudos, ainda bem. Há também as meninas que cursam faculdade. E há também mulheres de nível superior, acredite, cheguei a entrevistar uma professora de geografia e uma enfermeira. E há também muitas mulheres casadas, que são mães, e às vezes os maridos ou maridas sabem de tudo.
Mesmo sendo mais culta ou mais bonita, não importa: se a mulher quer trabalhar na Vila Mimosa, tem que se adequar ao esquema popular e de alta rotatividade. Então o preço médio era (em 2005) R$ 25 por meia hora, sendo que R$ 5 ela repassava ao dono do estabelecimento pelo uso do quartinho. Conheci algumas que faziam uma média de 8 a 10 programas nos dias bons.
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FIZ TRÊS VISITAS à Vila Mimosa pra entrevistar as meninas. Na segunda noite conheci Rose, uma morena de 22 anos, e ela me contou sua história, o noivado desfeito, o desemprego em Goiânia, o filho pra sustentar, a ida pro Rio… Ela era bonita, tinha certa classe e usava vestidinho e sandália, tudo muito mimoso. E tinha uma boa bunda. Na terceira vez conversamos mais e, como agradecimento, presenteei-a com um crédito de R$ 10 no vendedor ambulante de calcinhas, dava pra comprar duas. Ela adorou e me deu um singelo beijo no rosto.
Puta nunca foi minha especialidade, você sabe. Nada contra, mas é que gosto quando a mulher também me deseja, gosto de beijar na boca, servir bebidinha, botar música pra ela, recitar poeminha safado no ouvidinho, rir junto, admirá-la enquanto vou e volto dentro dela… Ou seja, sou um cara romântico mesmo, assumo. Safado, ok, mas romântico. Então meu pau não se entusiasmou com a Vila Mimosa. Porém…
Naquela noite, como já havia fechado todas as entrevistas, sentei numa mesa pra tomar uma e relaxar, curtir o visual das meninas, os modelitos, o delicioso teatro do sexo pago. E convidei Rose pra beber comigo. Ela explicou que tava trabalhando, claro, tinha que fazer dinheiro. Mas como havia me achado um cara legal…
Conversamos descontraidamente por uma hora. Ela se soltou e falou mais sobre sua vida, contou detalhes dos programas, suas preferências, que às vezes, com uns poucos homens, ela sentia prazer mas que, na verdade, pra ser bem sincera, gostava de foder mais com mulher.
Você sabe, né, leitorinha, eu gosto de mulheres bissexuais, várias de minhas namoradas eram bi, sinto uma espécie de simpatia gratuita, uma cumplicidade natural com elas. Foi Rose me falar isso e, pronto, o Jeitoso virou o incrível Hulk dentro de minha calça: Me solta, me soltaaa, me soltaaaaaa!!
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EU TOMAVA UMA CERVEJA na Vila Mimosa, conversando com a morena Rose, e ao ouvi-la contar sobre os programas que fazia e sobre suas transas com mulheres, o Jeitoso, coitado, que havia 11 meses não via uma xaninha na sua frente, simplesmente enlouqueceu e virou o incrível Hulk dentro da minha calça, parecia um bicho destruindo a jaula: Me solta, seu disgramado, eu quero saiiiiirrr!!!
– Cabô o doce…
– Não me atrapalha que eu tô concentrado.
É Tábata, minha barata voadora de estimação. Não pode me ver escrevendo sobre mulheres que fica logo enciumada, fica voando na frente da tela toda histérica. Uma barata com ciúmes, pode uma coisa dessa?
– Cabô o doce e eu tô com fomeeeee…
Hummm, dessa vez não é ciúme. O docim de amendoim acabou mesmo, o potinho que fica aqui do lado do computador tá vazio. Putz, vou ter que sair pra ir na bodega comprar mais, eu e Tábata não passamos sem essas barrinhas deliciosas.
Dá um tempo, leitolinha linda do meu colação. Volto já pra contar o fim da história. Vem, Tábata. Bota o agasalho que tá frio.
E ainda gosta de passear, pode?
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PRONTO, VOLTEI. Tábata, de barriga cheia, ronca quietinha dentro do meu tênis. Eu já disse pra ela não dormir lá, é perigoso, mas ela simplesmente é louca pelo meu chulé. Pode?
Continuando a história. Estávamos numa mesa, eu e Rose, no interior de um daqueles barzinhos com jeito de boate, o bar embaixo e os quartinhos em cima. Com a pressão insuportável do Jeitosão (quando ele tá assim, é pior que você na TPM, acredite), percebi que havia chegado a hora, os onze meses de secura terminariam naquela noite mesmo. Ufa! Ainda bem que o pesadelo não passaria de um ano. Já que não foi com namorada, nem com amiga caridosa, nem com boneca inflável, seria com puta mesmo. Nada contra puta, claro, tenho muito respeito e admiração pela profissão, acho até que já fui puta numa vida passada. Mas ter que pagar por sexo, logo eu, que até outro dia era o terror da Praia de Iracema, quem diria…
Falei pra Rose que queria fazer um programa com ela. Ela, parecendo surpresa, disse que não esperava pois eu dissera que nosso contato seria apenas em função das entrevistas. Você quer mesmo?, ela perguntou.
– Ele quer! Ele quer, sim!!! Nós queremos!!!!! – gritou o Jeitoso, que nem um louco.
– Quem falou isso? – Rose quis saber, olhando ao redor.
– Ahn… Fui eu, sou ventríloquo, sabia? – falei, antes que o de baixo se manifestasse novamente. – Mas vamos ao que interessa, né?
Ventríloquo de bilau, ainda tem essa. Pois bem. Enquanto Rose ia ao balcão e solicitava um quarto à dona do estabelecimento, aproveitei e pedi que Jeitoso tivesse modos, ele tava simplesmente indomável, que coisa, rapaz, essa não foi a educação que eu te dei, viu?
Que nada. Ele continuou lá, arrebentando a jaula.
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ENQUANTO SUBÍAMOS A ESCADINHA em espiral, eu olhava pra bunda de Rose bem à frente dos meus olhos como o centroavante que há vários jogos não marca e que agora vai bater o pênalti e olha pra bola, ela ali, só esperando ele chutar… É um momento mágico. Mesmo que não haja ninguém vendo o jogo, tudo para na hora do pênalti, sabia? Pois saiba, o Universo inteiro para, o tempo para, nada mais importa. Os astrônomos estão errados. Não houve um Big Bang, houve um Big Pênalti.
O ambiente do primeiro andar era de penumbra e havia um corredor com três quartinhos de cada lado. Entramos num deles. Antes, porém, olhei de novo pro fim do corredor pra me certificar de que o que eu via não era nenhuma alucinação. Não, não era. Ali, encostado à parede do fim do corredor, reluzia uma privada, com um cestinho ao lado lotado de papel. Uma privada! Sem porta, sem nada. Apenas uma privada no fim do corredor, que coisa mais surreal. E, pelo odor, que era bem real, alguém tinha comido uma panelada vencida e depositado lá. Argh… Como alguém conseguiu fazer cocô naquele local? E se eu chego e tem um cidadão cagando?
O quartinho era um cubículo de dois metros por um. Tinha um elevado de cimento bem estreito com um colchonete, uns cabides e só. Nem luz tinha. E as paredes eram apenas divisórias que sequer chegavam ao teto, o que nos permitia escutar tudo o que acontecia nos outros cubículos. Hummm. Confesso que nesse momento cogitei desistir…
Mas não, não. Eu já havia ido longe demais pra voltar. Vamos, Rica, respire fundo e vá em frente, garoto!
Respirar fundo. Eu até tentei. Mas aquela panelada estragada lá na privada não deixou. Teria que ficar vinte minutos sem respirar, será que eu conseguiria? Aliás, vinte não, dezoito, o tempo corria.
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TIREI A ROUPA RAPIDINHO. Rose também. Ué, não tem nem um lençolzinho?, perguntei. E ela explicou que não sabia, que não fazia programas naquela casa, fazia na outra em frente. Vesti a roupa novamente e desci a escada. No balcão, pedi um lençol à dona, uma senhora que, pelo jeito, tinha muitos quilômetros de lençóis rodados. Ela perguntou se a menina que tava comigo não trouxera o lençol dela. Não, ela não trouxe, respondi, procurando manter meu famoso equilíbrio zen. A senhora então falou: Não costumo fazer isso mas vou te emprestar o meu, tá, depois me devolve. E me entregou um lençol dobrado, aparentemente limpo.
Subi a escada evitando pensar naquelas palavras “não costumo”, “emprestar”, “me devolve”… Eu só tinha agora dezesseis minutos.
Cobri o colchonete com o lençol emprestado (ai…), tirei a roupa novamente e sentei. Rose sentou ao meu lado. Do quartinho ao lado alguém sussurrava, hum, ahmm, aaahrnmmff…
De repente lembrei do meu primeiro namoro, doze anos, foi meio daquele jeito, os dois sentadinhos lado a lado, quer namorar comigo?, aceito, então tá, amanhã a gente continua. Isso lá é hora de lembrar uma coisa dessa, homem! Afastei a lembrança inoportuna e tentei me concentrar, vamos lá, garoto. Quinze minutos. Comecei a acariciar o corpo de Rose… a cintura… as pernas… beijei seus seios… apalpei sua bunda… Quando olhei pro Jeitoso, não acreditei: ele simplesmente não se manifestava. Ué, cadê o incrível Hulk?
– Não priemos cânico, não priemos cânico – falei pra mim mesmo, fingindo um senso de humor que naquele momento eu tava muito longe de ter. Doze minutos. Pense rápido, garoto, pense rápido. Então perguntei a Rose se ela, bem, se ela poderia me fazer um boquete. Afinal um copo dágua e um boquete não se negam a ninguém, né?
– Sem camisinha não dá.
– Ah, claro, claro…
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PEGUEI A CALÇA e, depois de procurar em todos os bolsos, encontrei uma salvadora camisinha na carteira, ufa! Voltei e sentei ao lado de Rose, que aguardava com uma paciência profissional. Peguei a camisinha, posicionei o Jeitoso e… Quem disse que camisinha desenrola em pau murcho? Aiaiai… Dez minutos. Metade do tempo já tinha ido pelo ralo e eu nem de pau duro tava, que merda. Vamos ao plano B, é o jeito. Então comecei a me masturbar freneticamente, tentando não ligar pra onda de terror que me engolfava mais e mais a cada instante.
– Vamulá, sua cobra caolha, não me abandone logo agora…
Mas o Jeitoso continuou desanimado. Oito minutos. O foda da brochada é esse maldito terror que imediatamente nos envolve logo que sentimos cheiro de brochada no ar, essa imediata sensação de que não, não vamos conseguir. Tsc, tsc, minha amiga leitora, você não saberá nunca o que é isso, só nós sabemos. Mas eu conseguiria, sim, vamulá, pensamento positivo, neurolinguística, método Silva de controle mental, nunca desista de seus sonhos… Putz, mas com aquele fedor horrendo ali do lado tava realmente difícil.
– Rose, será que você não poderia abrir uma exceção e me chupar sem camisinha? Eu tenho essa cara de maluco, mas eu sou limpinho. E por ele só passou menina bacana, viu? Bem, quer dizer…
Não, eu não falei nada disso. Mas quase falei, de tão desesperado. Em vez disso pedi pra ela tocar uma pra mim, quem sabe a mão feminina, mais delicada… Rose, compreensiva, aceitou, ufa. Sete minutos. Agora vai, agora vai.
Fechei os olhos e convoquei todas as ex-namoradas e casos e rolos e rolitos possíveis, por favor, Beatriz, me acode, você também, Silvinha, e você, Karine, seis minutos, e você, Bibi, aquelazinha que a gente deu no meio do laranjal, lembra, vamos, Maristela, Renata, cinco minutos, Tânia, Karine, Karine já foi, não, a outra, Gil, Andréa, Jaque, Beatriz, Beatriz já foi, mas vai de novo, vai de novo, quem mais, Leka, Paulinha, quatro, Larissa, Milene, que Milene?, aquela da garagem do prédio, ah, sim, Valéria, três, Laurita, dois, Bebel, um…
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– VINTE MINUTOS! Vinte minutos!
A voz vinha de algum lugar próximo, uma voz abafada, meio metálica…
– Vinte minutos! Desocupandôôô!!!
Abri os olhos. A voz feminina vinha de um tubo de PVC que saía da parede. Era a dona lá embaixo nos avisando que o tempo acabara. Sistema de som engenhoso…
– Putamerda, seu desgraçado duma figa! Não era você quem tava todo enlouquecido vinte minutos atrás?!! Como que você me faz uma coisa dessa, seu traíra?!!!
Não, eu não falei isso, sou incapaz de gritar com ele, o Jeitosão tem muito crédito comigo, você nem imagina o quanto ele já me salvou. Só pensei, dentro da minha mente extenuada e entristecida. Aliás, se eu fosse ele, também teria sentido a pressão, coitado, o cubículo feio, o lençol emprestado, os vizinhos barulhentos, a privada surreal, a panelada vencida, o tempo acabando… Pô, paudagente também é gente.
Afastei a mão de Rose e levantei. Vesti a roupa e calcei o tênis, enquanto ela se vestia também. Procurei algo pra dizer, na verdade pra não ter que escutar os hummms e ahnrmfs que vinham dos outros cubículos, mas não achei nada que valesse a pena ser dito, dizer o quê? Descemos, devolvi o lençol (quem seria o próximo?), paguei pelo quarto e paguei Rose também. Ela ainda tentou se desculpar, mas eu não deixei e falei que tudo bem, a companhia dela tinha sido muito agradável. E nos despedimos.
Caminhei até a praça e esperei passar algum ônibus, tendo como companhia a plena convicção do ridículo de tudo aquilo. Um dia ainda escreverei sobre isso e darei boas risadas, era o que eu pensava, pra ocupar o pensamento na madrugada fria e solitária. Mas o pensamento sempre escorregava pra um único fato: em três semanas a secura completaria um ano. Um ano.
O ônibus chegou e parou no ponto. O motorista abriu a porta e ele entrou, o centroavante que no último minuto do jogo chuta o big pênalti pra fora.
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DEPOIS DESSA ENTENDI que devia me concentrar no trabalho de vez e esquecer esse negócio de buceta. Até que consegui. Em parte, claro, pois o bicho homem masculino nunca consegue esquecer de verdade do famoso pé-de-barriga rachado. Mas fiz direitim meu trabalho de roteirista e recebi meu dinheirim suado. Suado e broxado.
Aí aconteceu duma leitora me enviar um e-mail dizendo que iria pra um congresso no Rio e queria aproveitar e comprar uns livros meus diretamente comigo, aproveitar e me conhecer pessoalmente, que ela só conhecia pelos meus textos na internet, que por sinal gostava muito e coisital. Claro, claro, será uma honra, eu disse.
Macaco velho, fui logo no Orkut dela pra saber quem era a criatura. Marília o nome dela, era de Santos, solteira (oba), bebia (obaaa) e não fumava (obaaaaa). Era uma balzaca morena, razoavelmente bonita, parecia ser mulher carnuda, mas como as fotos eram todas bem comportadas, não deu pra ver bem as curvas da estrada de Santos.
Pô, Kelmérico, deixa de ser tarado véi seboso! A moça quer apenas comprar uns livros, só isso, é tudo apenas negócio. Você e sua mente suja…
Bem, na verdade eu mesmo não pensei bobagem, juro que pensei apenas na graninha. Quem pensou bobagem foi ele, o Jeitoso, como sempre, esse pedaço cilíndrico de carne pendurado que só pensa naquilo, é um horror. Coitado, mais de um ano sem frequentar periquitas e rabichos, a gente entende, a gente entende.
Então, no dia marcado ela me ligou. Tava num barzinho perto do hotel, não era longe de onde eu morava, será que eu podia ir lá? Claro, claro. Troquei de roupa, botei os livros na mochila e peguei o busão.
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FIZ LOGO AS CONTAS: se ela me comprar dois livros, já vai dar pra fazer o supermercado da semana, ô maravilha, não aguento mais comer miojo com xarope de groselha.
Paralelamente às minhas contas, o Jeitoso também fez as dele: um ano e dois meses sem encarar uma periquita, 14 meses sem molhar o biscoito, 54 semanas sem ensaboar a banana, 378 dias sem acoplar à nave mãe, 9.072 horas sem espetar o cassaco…
Se você, leitorinha querida, tivesse um pingolim aí pendurado entre suas pernocas, você saberia o tanto que esses seres podem ser chatos, insuportavelmente chatos, quando estão desesperados na secura. A gente vai à praia e tem que ficar sentado pra não passar por tarado véi seboso. A gente olha pra uma chave de fenda e o pingolim só vê a fenda, é um horror, um horror.
Pois bem. Peguei o busão e fui encontrar Marília no bar, perto do hotel onde ela tava hospedada, em Copacabana. Ela me acenou de uma mesa na calçada, de frente pro mar, um ótimo lugar. Tava bronzeada, certamente pegara um solzinho. E era mesmo carnuda como nas fotos, do jeito que eu aprecio, humm. Vestia jeans e uma camisa preta com um top preto. Infelizmente não deu pra ver a bunda quando ela levantou pra me cumprimentar com dois beijinhos, mas tudo bem, eu tiraria a dúvida assim que ela fosse ao banheiro. Na mesa havia uma caipirinha pela metade.
Sentei e ela perguntou se eu aceitava uma caipirinha, eu disse que sim. Ela fez sinal pro garçom trazer mais uma e aí danou-se a falar, disse que tinha chegado mais cedo pra ver o pôr do sol, que adorava ir ao Rio de Janeiro, que aquela já era a segunda caipirinha, que adorava caipirinha, que caipirinha era sua perdição, e que era uma honra conhecer pessoalmente o autor dos textos que tanto a faziam rir no computador do trabalho, e falou dos que mais gostava, quis saber de onde eu tirava tanta ideia, como era o processo de criação, e pediu pra ver os livros, que eu tirei da mochila e pus sobre a mesa, e ela olhou todos, achou a capa do Insanidade bonita…
Eu juro, leitorinha, juro que tentei prestar atenção a tudo que ela dizia. Mas não dava. Com aqueles peitos olhando pra mim, simplesmente não dava. Marília tinha peitos grandes e bonitos, até aí tudo bem. O problema é que metade deles tava pra fora do top, sem exagero. Acho que ela errou o número quando comprou. Ou na pressa de fazer a mala, se enganou e botou o top da filha de oito anos. Será que todas as minhas leitoras de Santos andam na rua assim, com os peitos pra fora?
Senti que o Jeitoso começava a se inquietar. Aproveitei que Marília pedia mais uma caipirinha pra ela e dei um tabefe no Jeitoso, plá!, te aquietaí, ô saidinho, não vai me estragar uma venda boa! Mas o perturbado não se aquietou, tive que cruzar a perna pro outro lado pra disfarçar. E diabo dessa mulher que não se levanta pra ir ao banheiro! Ô Marília, minha filha, você não mija não? Não, claro que não perguntei isso, imagina, também não sou tão sem noção assim, né? Que juízo você faz de mim!
Por falar em juízo, vem cá, leitorinha, me diz uma coisa com toda sinceridade… O que uma mulher pretende quando vai encontrar um cara pela primeira vez e deixa metade dos peitos pra fora da roupa, heim? Você, leitorinha, já fez isso? Conhece alguma mulher que faz isso? Você deve saber, afinal você é mulher, você tem peitos, quer dizer, eu suponho que tenha. Não é possível que uma mulher faça isso assim de graça, sem ter noção da confusão que vai causar, principalmente pra sujeitos sensíveis como eu. Putz, vocês são realmente tão cruéis assim, são? Me diga que não, por favor, senão vou perder pra sempre o resto de confiança que eu ainda tinha na raça feminina…
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VOLTANDO À MESA. Lá tava eu confuso, sem saber o que deduzir. Tentava me concentrar na conversa de qualquer maneira, até virei a cadeira e sentei assim meio de lado pra não ter que olhar praquele par de melões morenos caindo do caixote da Ceasa bem na minha frente… e eu há mais de um ano sem comer. O Jeitoso, inclusive, já havia levado mais dois tapas e de nada adiantou, ele também queria ver os peitos da santista, claro.
É, tava difícil. A ideia de que aquela morena fornida podia estar interessada em algo mais que simplesmente comprar meus livros me deixava num estado tal de excitação e dúvidas e fantasias e nervosismo e esperanças e insegurança e expectativas que, de repente, tive medo de perder o controle e, sei lá, fazer uma besteira grande, tipo saltar pra dentro daquele decote, me agarrar nos peitos da morena ali na frente de todo mundo e ficar gritando lá pendurado: Fome zero! Campanha da fraternidade!! Eu podia tá roubando, mas tô aqui pedindo só uma chupadinha!!!
Olhei as horas no celular. Ela imediatamente perguntou se eu tinha pressa, e eu ia dizer que mais ou menos, mas ela me interrompeu e disse que fecharíamos a conta, que ela fazia questão de pagar, e que se eu não me importasse, nós dois iríamos ao hotel dela pegar o dinheiro dos livros, que ela queria comprar todos. Todos? Sim, quero todos, mas o dinheiro tá no meu quarto, vamos lá comigo pegar? Ahn, no seu quarto? Sim, no meu quarto, vamos?
Todos os livros… Vamos comigo no meu quarto… Aquelas palavras esvoaçavam feito borboletas zonzas em minha cabeça. Eu precisava responder algo, e de preferência algo assim que não revelasse meu estado de absoluta debilidade mental.
Subir, quarto, mim Tarzan, iú Jane – foi o que consegui dizer. Acho que foi uma boa resposta, pois ela sorriu e levantou-se, apontando pro hotel na outra quadra.
Fiz rapidamente umas contas pra saber quanto dava o total dos livros. Putz, daria pro supermercado do mês inteiro, que maravilha. E o Jeitoso, claro, fazia as contas dele: decote + caipirinhas + convite pra subir ao quarto = ripa na chulipa!!! Calma, Jeitoso, a lógica das mulheres não é como a sua, eu tentei explicar. Mas é como eu disse antes, leitorinha: quando eles estão assim, não tem jeito que dê jeito, como cantava o Raimundo Soldado. E quando eles estão assim há catorze meses, ou a gente vai logo pra guerra ou então volta pra casa e toca duas seguidas pra poder dormir.
Quando atravessamos a rua, deixei ela sair um pouco antes e finalmente consegui olhar a bunda da moça. Foi bem rápido mas foi o suficiente. A santista era muuuito bem nutrida de glúteos. Aiaiai… Pobre de mim.
Entramos no elevador e ela apertou o 12. Eu havia posto a mochila à frente da cintura, você sabe, o Jeitoso a essa altura parecia uma garrafa de coca-cola fechada depois de dez minutos chacoalhando, tava a um milímetro de explodir. Aí no 2 a porta abriu, era o andar do restaurante, e um senhor entrou. Vestia terno e gravata, parecia que ia ou vinha de um jantar de negócios. Ele olhou pra Marília e, sério, perguntou se ela tava indo pro quarto. Ela respondeu que sim. Depois a porta abriu no 12 e eu e ela saímos. Antes da porta fechar, percebi que o senhor olhava fixamente pra ela, muito sério.
Caminhamos pelo corredor até a porta de seu quarto. Não resisti e perguntei quem era aquele homem do elevador. E ela respondeu: Meu marido. Gelei no mesmo instante. Como assim, marido?, pensei, tentando organizar as ideias. Mas no Orkut o seu estado civil está como solteira, né? – pensei em perguntar. Mas desisti.
Primeiro aqueles peitões em minha cara. Depois me convida pra subir ao seu quarto. E depois me revela que é casada – e o marido tá ali no hotel! Afinal, leitorinha, que tipo de seres são vocês, heim? Por que vocês fazem isso???
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ENTRAMOS NO QUARTO. Marília fechou a porta, acendeu a luz e disse que eu ficasse à vontade pois ela iria ao banheiro. O quarto era bacana, cama de casal, poltrona, abajur, cortina na janela, quadro bonito na parede, frigobar, controle de som e tevê na cama. Aproveitei pra olhar dentro do guarda-roupa: nada de roupas masculinas, que estranho. Será que o marido tava hospedado em outro quarto?
O Jeitoso tava como eu, confuso, mas perguntou se eu tinha levado camisinha, ele sempre pergunta, menino atento, foi bem ensinado. Sim, eu tinha. Aliás, nos últimos tempos camisinha comigo sempre perdia a validade, que horror.
Marília voltou do banheiro e sentou na cama. E pediu pra eu sentar também. Sentei. Ela pediu que eu lhe mostrasse os livros. Abri a mochila, tirei e pus sobre a cama. Enquanto ela selecionava um exemplar de cada, eu tentava não olhar pro decote dela, parecia até que os peitos haviam crescido depois da ida ao banheiro. Marília perguntou quanto era, eu disse que era tanto mas daria um desconto, mas ela disse que não aceitava o desconto, tirou o dinheiro da bolsa e me entregou. Agora eu quero uma dedicatória bem especial, primeiro neste aqui – e me estendeu o primeiro livro.
– Quer tomar algo pra se inspirar? Um uisquinho?
Um uisquinho? Hummm, o que realmente aquela mulher tinha em mente? Bem, seriam seis dedicatórias especiais, eu precisaria de inspiração mesmo. Aceitei. Ela então levantou, abriu o armário e tirou de lá… uma garrafa de Jack Daniel´s! Lacrada. Eu não acreditei quando vi. Acho que ela percebeu minha cara de idiota:
– Eu sabia que você ia gostar…
Putz. Minha bebida predileta. Ela certamente lera em meu site ou no Orkut. Será que ela comprara minha bebida predileta só pra que eu escrevesse umas dedicatórias nos livros dela? Ou havia algo mais? Será que ela havia bolado tudo aquilo, todos aqueles detalhes, o encontro no bar, o decotão assassino, o convite pra subir ao quarto, o Jack Daniel´s, tudo foi pra me seduzir? Ou aquele era o jeito dela mesmo, simpática e espontânea, e a minha mente pérfida, junto com o Jeitoso, claro, é que imaginava besteira? Mas… e o marido? Onde ele estaria naquele momento?
Tirei o lacre e devolvi a garrafa. Ela serviu dois copos, eu disse que queria sem gelo, ela disse que preferia com, pôs três pedras no dela e brindamos. Ao escritor, ela disse. Qual escritor? Você, seu bobo. Ah, claro… eu… a mim, claro… não, a mim e a você, à leitoa, quer dizer, à leitora do escritor.
Putz, leitoa é foda. Será possível que eu não consigo falar nada que preste nesses momentos? Pelo menos uma vez na vida eu bem que poderia fazer como aqueles caras do cinema, que mesmo nas situações mais inesperadas sempre dizem a frase perfeita que a mulher quer ouvir.
Brindamos e bebemos. Só o cheiro do Jack já me leva às nuvens, é sério. E o primeiro gole, hummm, o líquido descendo a garganta feito um fogo gostoso queimando por dentro, a saliva que, ato contínuo, inunda a boca, o calor no estômago… e um acorde de blues soando em algum lugar de minha alma, sempre, sempre toca um blues quando bebo Jack Daniel´s. Ah, leitorinha, beber esse uísque não é apenas beber um ótimo uísque, é beber junto a história do blues, é beber com Muddy, Buddy, Billie, Eric, Jim, Janis e todos os outros.
E tem outra coisa. Jack Daniel´s é um poderoso excitante pra mim. No sentido sexual, inclusive. Não sei bem o porquê, mas é uma bebida que me deixa com tesão, que coisa louca, né? E se Marília sabia que eu gostava tanto do Jack, devia saber também desse complemento. Aiai. Que mulher era aquela?
Sentei-me na poltrona pra escrever as dedicatórias. Marília perguntou se eu não preferia escrever com música e antes que eu pudesse responder, ela ligou o rádio e Tim Maia preencheu o quarto com seu vozeirão, acho que era Azul da Cor do Mar. Achei ótimo. Mas quem disse que consegui escrever alguma coisa? Travei total, não consegui me concentrar. Aquela situação, eu e Marília naquele quarto, o lance do marido dela…
– Acho que preciso de outra dose… – pedi, após entornar o resto da primeira. E precisava mesmo, juro, meu coração tava aos pulos. Ah, se eu pudesse decifrar o que ela tencionava com tudo aquilo… Ou ela não queria nada, queria apenas brincar comigo e na verdade tava se deliciando com meu sofrimento? Gente, isso não se faz com o cidadão trabalhador. O que vocês ganham com isso, meninas, heim? Será uma espécie de necessidade atávica de vingança sobre os homens? Putz, logo comigo que defendo tanto vocês, que sacanagem.
Marília pegou a garrafa e enquanto me servia novamente, comentou que gostava muito daquela música. Então tomei coragem pra fazer a pergunta.
– Marília… ahn… você… aquele senhor…
– Depois você escreve – ela disse, me interrompendo e puxando delicadamente a caneta da minha mão. – Vamos dançar?
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DANÇAR?, EU PERGUNTEI, talvez não tivesse ouvido muito bem. Sim, dançar, esta música é tão linda, ela respondeu, como se convidar pra dançar um escritor que tá no seu quarto de hotel autografando livros fosse assim a coisa mais normal, corriqueira e lógica do mundo.
Levantei da poltrona e no instante seguinte lá estávamos nós dois dançando ao som de Tim Maia, girando devagarinho no meio do quarto, coladinhos, rosto com rosto, o perfume dela… e os peitos a pressionar meu tórax, aqueles dois peitões impossíveis de não sentir… eu afastava o rosto um pouquinho e podia vê-los logo abaixo do equador do meu queixo, os dois montes da perdição, aquele abismo entre eles sussurrando meu nome, Kelmeeeeeeer… Kelmeeeeeeer…, sim, não sei se você sabe, leitorinha, mas há peitos que sussurram nossos nomes, é um mistério milenar, os Peitos Sussurrantes, ninguém explica. Poizé, eles sussurram, e aí lá estamos nós, Ulisses eternamente a resistir ao chamado das sereias… ou a se jogar de vez ao mar.
Pois Ulisses não resistiu. Livrou-se das cordas que o mantinham preso ao mastro e, tchibum!, joguei-me ao mar. Não deu pra resistir, seo delegado, me prenda, me jogue na masmorra, me leve à guilhotina, mas a certas coisas o homem peniano masculino simplesmente não consegue resistir, o senhor sabe, né? Não deu pra resistir, leitorinha: no instante seguinte meu rosto se encontrava entre os peitos de minha leitora, as mãos a arrancar o top, aquele par de peitos impossíveis saltando fora e minha boca absolutamente descontrolada, sem conseguir se decidir entre um e outro, entre o outro e o um, os dois ao mesmo tempo, os três se três houvesse.
Foi a poltrona que amparou nossa queda. Caímos sentados, eu na poltrona, Marília em meu colo, de frente pra mim, os peitos em minha boca. Eu todo era um par de mãos enlouquecidas e uma boca descontrolada, um andarilho esfomeado diante do par de mangas maduras e suculentas, eu era o Tesão em esTado bruTo. E Marília em meu colo, forçando minha cabeça contra suas mangas, o sumo delas já escorrendo da minha boca, eu gemendo, ela assanhando meu cabelo, cravando as unhas no couro cabeludo, ela também rendida ao descontrole do desejo urgente.
Então era isso mesmo que ela queria…, pensei, num raro momento em que meu pensamento perdido conseguiu unir duas ideias. Tá vendo, eu não disse, eu não disse?, mandou de lá o Jeitoso, a voz abafada pelo peso do corpo de Marília a esfregar-se sobre ele. É curioso… Paudagente só pensa em sexo mas, vendo as coisas do ângulo dele, o ângulo de baixo, tudo são bundas e bucetas, tocas pra entrar, reentrâncias a preencher. Não dá pra culpá-los por pensarem sempre assim. Ok, Jeitosão, você tava certo, nunca mais discutirei com você.
Então Marília levantou-se, deixando meu colo. Minhas mãos pareciam pregadas com velcro nos peitos dela, tão difícil foi soltá-los. De pé à minha frente, ela arrancou o que sobrava do top e libertou de vez seus peitos, libertas quae sera chupem. Não sei se você sabe, leitorinha, mas todos os peitos anseiam por serem libertados, e é por isso, arrááá!, é por isso que eles sussurram nossos nomes: eles clamam por seus libertadores. Os Peitos Sussurrantes, mistério resolvido.
Marília tirou o jeans, a calcinha e deitou-se na cama, todinha nua, e sussurrou: Vem, meu escritor tarado. Escritor tarado só podia ser eu, não havia mais nenhum escritor naquele quarto. Levantei da poltrona e cinco segundos depois já havia atirado longe roupa, meia e tênis e tava agora ao lado dela na cama. Foi nesse exato instante, admirando seu corpo nu ao meu lado, que o descontrole e a impaciência, de repente, cederam lugar a outra sensação, a velha sensação que me acomete quando chega o momento da união sexual e que me faz ser possuído por um misto de encantamento e reverência à Mulher, aquela súbita percepção do Sagrado que a figura feminina simboliza, a certeza de que outra vez serei instrumento da vontade da Deusa na reedição do casamento sagrado do feminino com o masculino.
Parece estranho falar disso agora, eu sei, mas é que o sexo pra mim é algo meio místico. E a mulher que tá comigo nunca é apenas uma mulher: ela é a Filha da Deusa. E por isso ela é também a própria Deusa. Que me escolheu, entre todos, pra ser seu cavaleiro no sagrado ritual da fertilidade e…
– Porra! Deixa de viadagem e me põe logo lá dentro! – berrou o Jeitoso, me interrompendo. O danado tava lá todo empertigado, parecia uma serpente naja pronta pro bote.
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DEITEI MARÍLIA NA CAMA e por algum tempo admirei emocionado seu corpo nu, o moreno da pele contrastando com o branco do lençol, as marquinhas do biquíni, tudo formando um quadro mais bonito do que qualquer pintor poderia pintar. Putz, como as mulheres ficam lindas neste momento em que todo o seu corpo é um chamado silencioso e ardente para…
– Que chamado silencioso o quê! – protestou o Jeitoso. – Me bota logo lá dentro senão vou te denunciar à Sociedade Protetora dos Animais!
Ignorei o escândalo do meu pinto. Aquele era um momento especialíssimo e não seria um pinto falante e mal-educado que o estragaria. Depois de um ano e dois meses, eu estaria novamente dentro de uma mulher, que coisa! Tanto tempo… A secura chegara ao fim, finalmente.
Delicadamente pousei um beijo sobre o pé daquela que naquele momento era a representante da Deusa, meu gesto simbolizando minha rendição e reverência à beleza e ao mistério daquela mulher.
– Não tem mistério nenhum, idiota! Tudo que tu tem de fazer é me…
Deixei o menino maluquinho falando sozinho e continuei o ritual. E minha língua começou sua bela jornada pelo corpo de Marília, avançando lentamente pela trilha sinuosa de suas pernas, deixando pra trás um rastro de saliva agradecida. Ela passou pelo joelho, pelas coxas, demorou-se um pouco no interior delas e finalmente chegou a seu destino, feito o andarilho sedento que alcança o oásis onde saciará sua sede na fonte da água mais pura e saborosa.
Toc, toc, toc!!!
Não, não foi minha língua que bateu na porta do oásis. Até porque oásis não tem porta, né? Foi alguém que bateu na porta do quarto. Putamerda, o marido!, pensaram as minhas células, todas arrepiadas. E elas mesmas responderam, resignadas: Agora fudeu.
Como que eu pude esquecer do marido da outra, como?!
O susto foi horrível. E o que aconteceu depois foi bem rápido, nem sei como aconteceu. Só sei que no segundo seguinte após as batidas na porta eu me encontrava atrás da poltrona, todo agachadinho, parecia um embrulho ridículo. Tenho certeza que não saltei da cama direto pra lá, nunca fui ginasta olímpico. Acho que o susto foi tão grande que meu corpo se desmaterializou e, pufff, reapareceu atrás da poltrona, só isso explica a velocidade.
Marília levantou calmamente, vestiu um roupão, abriu a porta e o maridão entrou, bufando de raiva, o próprio incrível Hulk. Olhou no armário, não viu ninguém lá dentro. Foi no banheiro e também não viu ninguém. Então voltou e empurrou a poltrona com o pé. E eu apareci lá atrás, nu e agachado, morto de lindo.
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– TU QUERIA COMER MINHA MULHER, ô cabeludo?
– Quem, eu?
– Com esse pinto murcho aí?
– Quem, ele?
– Minha mulher me falou muito bem de ti.
– Quem, ela?
– Tão bem que eu me apaixonei.
Ih, agora fudeu…
Não, isso não rolou. Rolou apenas em minha mente doentia de roteirista de sitcom enquanto eu me agachava atrás da poltrona que nem um guaxinim com dor de barriga e esperava meu triste fim. Roteirista tem esse vício, tá sempre retocando as cenas da vida.
Mas já que falamos de piada, tem aquela clássica em que o marido chega em casa e o amante da mulher se esconde atrás do aparelho de som, mas deixa o saco aparecendo, e aí o marido nota algo estranho no aparelho e a mulher diz que é porque mandou trocar o botão do volume, que agora o botão é penduradinho, novo dezáine, aí o marido quer testar e bota um disco da Maria Bethânia e aperta o saco do coitado achando que é o botão do volume, e o cara geme baixinho, segurando o grito, aí o marido diz que não tá ouvindo a música e, crau!, gira o saco do cara todinho, e aí o cara não aguenta e solta o berro: Aaaaaaaaaiiiiiiiiiiiii!!!!!!!!! E continua imediatamente, cantando: Minha Mãe, minha Mãe Menininhaaaaaaa…
– Já vai – gritou Marília, enquanto vestia calmamente um roupão. Ela fez sinal pro guaxinim com dor de barriga continuar atrás da poltrona e se dirigiu à porta. O Jeitoso, coitado, tava mais apavorado que eu – cinco segundos antes ele era o fodão do pedaço e agora o infeliz tava tão encolhido que parecia que tinha entrado dentro do saco. O pinto que virou tatu. Ah, não ria, leitorinha, não seja cruel. Paudagente também é gente.
Escutei a porta abrir e percebi que Marília falava alguma coisa que não compreendi, pois o som do rádio continuava ligado. Depois escutei som de passos entrando no quarto, passos de homem. Agachei-me ainda mais, a testa colada no chão, e preparei-me pra morrer naquela posição ridícula, de bunda pra cima. Tão novo, quarenta anos, na flor da idade. Tinha um futuro brilhante pela frente, venderia livro que nem Paulo Coelho (mas recusaria a Academia de Letras), casaria com a Priscila Fantin num ritual xamânico à beira-mar, tomaria demorados banhos de Jack Daniel´s em seu ofurô…
Pô, agora falando sério: tanta gente bacana aí pra morrer e morro eu! Por que não o Maluf ou o casal Garotinho?
Dizem que nesses momentos o filme da vida da gente passa diante dos olhos, né? Pra mim não passou filme nenhum. Tudo que vi, por baixo da poltrona, foi um par de sapatos pretos masculinos ao lado da cama. Depois eles deram meia-volta e saíram de meu campo de visão. E escutei a porta do quarto fechar.
– Pode sair daí, gatinho.
A voz de Marília, me chamando.
– Não, obrigado, tá bom aqui, miaaau…
Ela me puxou pelo braço e me mostrou a bandeja sobre a cama.
– Eu tinha pedido um lanchinho pra gente e esqueci, a recepção mandou deixar. Tá com fome?
Caramba, então não era o marido, era o garçom. Ufa! Bem, eu não tava com fome mas talvez fosse melhor mesmo dar um tempo, forrar o estômago. Aproveitar e perguntar sobre o marido, vai que da próxima vez é ele quem bate na porta. Meu coração ainda ribombava no peito, afinal segundos antes eu tava a centímetros da morte e agora tava diante de um sanduíche árabe delicioso e de uma bela morena peituda vestida num robe branco me servindo uma nova dose de Jack Daniel´s. Diadorim tem razão, viver é muito arriscoso.
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O LANCHE TAVA DELICIOSO, deu pra forrar bem o estômago, e o bendito Jack me fez relaxar. Mas só relaxei verdadeiramente depois que Marília me explicou tudo: ela e o marido viviam um casamento não muito ortodoxo, separados mas ainda morando na mesma casa, e como eram sócios num negócio, às vezes viajavam juntos e geralmente ficavam no mesmo hotel, em quartos separados. Eu não deveria temer nada, ela garantiu.
Putz. Gente civilizada é otre chose.
Depois ela serviu mais Jack pra gente e riu muito, lembrando do meu jeito apavorado atrás da poltrona. Ri também, né, já dava pra rir da desgraça. Aproveitei e contei a tal da piada do marido que chega em casa e o amante se disfarça de aparelho de som, o que provocou uma crise de risos em Marília de tal forma que ela não conseguia mais parar de rir, e eu ria da risada dela, e durante um tempão ficamos nós dois lá na cama, nus e abraçados, gargalhando que nem dois dementes, rindo até chegar às lagrimas. Ai, rir é muito bom, e rir a dois, assim, é um prazer quase sexual. Sexo risal.
Enquanto aos poucos se esgotava o estoque de riso e nossos corpos se acalmavam, a boca de Marília começou a deslizar por meu peito, pela barriga, o umbigo… até chegar ao Jeitoso, já pronto pro serviço. Ela o envolveu delicadamente com a mão, sentindo-o pulsar, e falou baixinho:
– Ai, Jesus, que pau fantástico…
– Você diz isso pra todos…
– Eu juro.
– Ele é só três centímetros acima da média nacional, já pesquisei na Wikipédia.
Fiquei olhando a outra lá toda meiga em sua paixão à primeira vista pelo meu pau. Tem mulher que se apaixona pelo paudagente, é tão mimoso isso, dá vontade de tirar uma foto dela abraçada com ele pra levar sempre na carteira. Mas cá pra nós, leitorinha, o Jeitoso não tem nada demais. É até meio torto pro lado direito e tem uma marquinha que os fetiches sadomasoquistas de uma doida um dia me deixaram. Em concurso de beleza de pau, que nem aquele da piada do corcunda, ele levaria uma chuva de ovo.
Mas reconheço no parceiro uma grande virtude: ele é estrategicamente anatômico, vai enlarguecendo assim discretamente, como se pra permitir que o orifício se acostume com o volume dele, e assim, quando você se dá conta, pufff, El Ludibriador já tá todo serelepe lá dentro. É um chato convencido insuportável – mas é realmente jeitoso, admito.
Poizentão. O Jeitosão teve que ralar pra caramba nessa noite. Um ano sem sexo, você sabe o que é isso? A sorte é que Marília é do tipo que gosta muito do leriado, senão ela não teria aguentado as cinco horas, sim, cinco horas, de nheconheco. Mas aguentou com louvor toda a sequência de boquete, meia-nove, frango-assado, torninho frontal, torninho costal, diladinho, poltrona, janela, pia do banheiro, cahorrinho, segura-peão, carrossel da Xuxa, garupa de rã e a clássica posição chinesa ventania no bambuzal. Uau! A morena teve três, quatro, cinco, seis orgasmos e eu sempre retendo o gozo, deixando pro final.
Que maravilha quando uma mulher se entrega ao sexo livremente, sem pudores ou medo de ser considerada isso ou aquilo. Sim, eu sei que isso também depende de quem tá com ela, do quanto o outro ou a outra a deixa à vontade. Mas há mulheres que naturalmente gostam do sexo pelo sexo em si, como os homens, e se isso pode assustar alguns deles, a mim me fascina e encanta. Juro que não temo as mulheres livres.
Quando avisei que iria gozar, ela parou e sugeriu uma nova posição. E assim fizemos. Sentei-me bem na beirinha da cama com as pernas abertas, pra fora da cama, e deitei as costas. Marília ajoelhou-se no chão, entre minhas pernas, e envolveu meu pau com seus peitões generosos. Uma espanhola!, pensei, adorando a ideia de ser masturbado pelos peitos dela.
Hummm… Foi a melhor espanhola que já recebi nas últimas sete encarnações, inclusive a que vivi na Andaluzia. E o mais louco é que enquanto subia e descia seus peitos em torno do meu pau, ela ainda o chupava! Perfeito, leitorinha, simplesmente perfeito, só você tendo um pau pra saber como é.
Tive um orgasmo inesquecível, longo, intenso e emocionante. Urrei e me sacudi que nem um bicho. E ejaculei tanto que Marília se atrapalhou e não conseguiu engolir tudo. Quando eu enfim ressuscitei, lambi-lhe nos peitos e no pescoço as sobras fugitivas do meu gozo e as dividi com ela em sua boca. E logo depois apagamos os dois, bêbados, exaustos e em paz, abraçados sobre a cama em desalinho, roupas e lençóis e travesseiros e livros e pratos e copos e talheres pra todo lado, o hotel fora bombardeado, tudo destruído, Dresden após a bomba Orgasmoton.
DESPERTEI SEI LÁ QUE HORAS, ainda bêbado e de pau duro, e quando vi Marília nua ao meu lado, dormindo de bunda pra cima, não resisti. Como é que resiste? Ai, Marilinha.
Abri-lhe as nádegas e admirei seu cu retraído-depilado, tom castanho-médio, um tipo de boa cotação no mercado, bom que se diga. E caí de língua. Aos poucos, sem pressa, ela começou a reagir às minhas lambidas. Passei gel no dedo e brinquei com seu cu, e aí sim ela começou a gemer. Depois dois dedos, depois três… e o resto foi com o jeitosão ludibriador de reentrâncias traseiras. E foi assim que ela acordou, sua bunda preenchida de mim, docemente estuprada em sonho real, Marilinha gemendo as palavras mágicas não para e mete mais, ô coisa boa encontrar uma mulher que tem prazer pela bunda. E foi assim, meio dormindo, meio acordada, que Marília gozou mais uma vez, agora junto comigo, coisa boa gozar junto, dois cometas cujas trajetórias se cruzam no infinito espaço sideral e explodem numa chama orgástica que por instantes aquece a eterna noite fria do Universo.
Quando despertei novamente, já amanhecia lá fora. Vesti-me rápido e peguei a mochila. A morena adormecida de Santos continuava lá, curtindo o céu dos guerreiros sexuais, sem imaginar o alcance do maravilhoso presente que ela me dera aquela noite e o tanto que eu lhe seria grato por todos os seculum seculorum. Deixei um beijo agradecido em seu generoso derrière e saí, me deliciando por saber que tava ali dentro o registro do meu prazer, hummm, diliça.
Minutos depois, enquanto esperava o ônibus na Nossa Senhora de Copacabana, não pude deixar de atentar pro significado de estar ali, numa rua com aquele nome. A Deusa Eterna, reencarnada em trajes cristãos, ganhara nome de avenida. Bela homenagem, sem dúvida. Mas melhor homenagem lhe fazem sempre os amantes, ofertando-lhes a união de seus corpos e a essência sagrada de seus gozos transcendentais, reverenciando a Deusa do Amor e se fazendo instrumentos pra mais uma reedição do sagrado casamento alquímico entre o Feminino e o Masculino. Pro bem do mundo. Pro bem da vida.
Se o chato do Jeitoso estivesse em condições, ele já estaria reclamando desse papo místico. Mas ele agora era um morto-vivo, tadinho, dormiria o dia todo, só acordando pra mijar. Ele merece. Paudagente também é gente.
O ônibus chegou, hora de ir pra casa. A secura chegara ao fim, que alívio. Um ano e dois meses, que coisa… Só pode ter sido praga de ex, eu, heim!
Durante o trajeto a paisagem que eu via eram as cenas dessa história ridícula, todas as tentativas frustradas de sexo, tantas trapalhadas. Quem sabe um dia eu não escreveria essa história? Mas quem leria algo tão bizarro, punhetas, brochadas, um cara que conversa com seu pau?
– Tem gosto pra tudo, abestado – rosnou o outro lá embaixo, voltando, por alguns segundos, de sua dormência.
E outra vez o menino maluquinho tinha razão, precisei admitir.
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COMENTÁRIOS .
01- Sobre seu ano de abstinência uma curiosidade: vc contou o tempo? como foi o primeiro encontro? Suely, Brasília-DF – 2008
02- Meu desejo de ruiva é que você termine a historinha de 1 ano de seca. kkk Sucesso, Kelmer. Rafaela, Campina Grande-PB – 2008
03- Fiquei curiosa pra saber como vc foi levando a secura depois do 6º mês. Conta, vai! Ah, não esquece de contar também como foi que vc saiu desse 1 ano de secura! A pobrezinha sobreviveu? (brincadeirinha…) Jéssica (de onde mesmo?)- 2008
04- muito me interessou a sua experiência de um aninho sem nada..pobrezinho.. pq eu, nossaaaa, meu namo já sabe quando fico irritada.. das duas uma ou é tpm ou é falta…conte aí mais de como vc saiu dessa, todas nós mujeres queremos saber!!! besos 😉 GG, Fortaleza-CE – 2008
05-Você tá é enrolando, não quer continuar sua saga para nós, sensíveis mulheres que somos, nos deleitarmos com sua seca quase nordestina. Continue, continue…Rafaela, Campina Grande-PB – 2008
06- Como é que pode? Fico uma semana esperando ansiosamente você postar e no final das contas você não termina a história..Isso não é coisa que se faça com suas pobres leitoras! hehe Ow Kelmer, continuuaaaa, por favor. Flávia, Fortaleza-CE – 2008
07- Dessa vez, vc se superou! Sua narrativa tá tão engraçada que eu fiquei rindo sozinha feito doida, na frente do micro. Mas esse suspense todo já tá me dando ansiedade. Conta logo o resto da saga, vaaaiii!!! Jessica (de onde mesmo?) – 2008
08- Oi meu querido…rapaz as meninas estão com toda razão..(vc faz muuuuuito suspense…)conta logooooo…vc não imagina o quanto nos deliciamos lendo suas histórias, reais ou não, e outra é tudo de bom vermos a opnião sincera de um homem, saber o que vcs pensam é tudo. Ahhh, quanto as risadas da Jéssica ela não está só (EU TAMBÉM.. HEHEHEH). PIOR, QUE SEMPRE LEIO NO TRABALHO… KKKKKK BJOOOOO. GG, Fortaleza-CE – 2008
09- Continua a história do 1 ano na seca q está ótima, tô imaginando quem seja a Sonja. Daniela, São Paulo-SP – 2008
10- Meu desejo pra 2008: saber o final da saga kelmérica de 1 ano na seca. Não faça assim, clemência!!! Prometo lhe indicar novos leitores. Mas, por favor, continue a saga da estiagem! Jessica – 2008
11- Ei, isso não vale! Ah, seu chantagista safado !!! Tô aqui, tremendo feito viciada (que de fato estou) nas tuas histórias, e vc me vem com essa, não vai terminar de contar sobre a tua abstinência… Isso não se faz, viu?! Hunf! Cristie – 2008
12- entresafra é fogo…continua e estoria meu escritor-favorito, vai.Christina, Rio de Janeiro-RJ – 2008
13- É. Eu não fazia idéia mesmo, fico sempre lhe subestimando e nunca acho que você vai se superar na continuação da saga de secura de 1 ano. E deve ser por isso mesmo que tomarei um remedinho pra cólicas daqui a pouquinho. Vai matar outro de rir, Kelmer, aliás, Ricardinho! (falei isso com a boca aberta e olhos arregalados, enternecidos…kkk) Rafaela, Campina Grande-PB – 2008
14- Vc sabe tudo… e a Sonja também… INCRIVEL…”catártico” Ô Ricardooooo Termina essa estória pelamordeDeus…rsrsr… Cristina Rodrigues, Santos-SP – 2008
15- hum.. já ficou assanhado lembrando da sonja e seu orifício dilicioso.. arráaaa Sou uma das leitoras que como foi mesmo que você disse .. ah.. as “bem comidas”.. meu marido faz a parte dele direitinho!! aiai Mas é claro que as vezes, ele está lá no seu dia de trabalho árduo e eu aqui em casa a pensar na vida…. ai já viu né.. não sei por causa de quê..??? começa a vim um fogo e olho para o relógio e penso: mãos pra que te quero.. e ai meu filho vai eu e o travesseiro, rolando de uma lado para outro… quer os detalhes né safado.. eu não.. só se você me explicar primeiro essa tal posição da ventania no bambuzal.. Pandora, Goiânia-GO – 2008
16- Hahahahaha! Diz que homem na secura é um horror…mulher mal comida então, sem comentários. O mau humor chega a ser quase palpável, ninguém merece! Ainda bem que meu namorado me mantem assim, muito, muito bem humorada. Lu Robles, São Paulo-SP – 2008
17- Fui seca na sua saga e vc não escreveu quase nada. rsrsrsrs Tá querendo matar a gente de curiosidade? Gosto dos seus textos com uma pitada de pimenta. rsrsrsrs. Alessandra Pereira, Brasília-DF – 2008
18- caramba, vc tem que continuar com os posts de ‘um ano na seca’, e quando acabar continue em ‘dois anos na seca’ e assim sucessivamente 😀 hahaha. Vamille – 2008
19- “Um Ano na Seca” me faz entender muuuiiito sobre o universo masculino. Rosa, Fortaleza-CE – 2008
20- Quando eu penso “Kelmer já esgotou toda inspiração que tinha, desse Um Ano de Seca não vai sair mais nada, já deu o que tinha que dar!”, lá vem tu com essa história de fazer um roteiro sobre prostituição na Vila Mimosa. Tá, já die meu braço a torcer. Agora continue, seu cabra. Rafaela, Campina Grande-PB – 2008
21- Desconfio que você tem um lado SADO… E olha que disso eu entendo, rsrsrs. Conte logo o final dessa história com a Rose. Mesmo usando minha imaginação, não é a mesma coisa. bjs. Clara Yasmin, Rio de Janeiro-RJ – 2008
22- Ai, Kelmer, e a Rose, hein? Marréóviu, marréclaro que eu quero ver esse final. Foi ou não? Beijos, querido! Cada vez mais fã, seu mimoso! Rosa, Fortaleza-CE – 2008
23- Como pode alguém fazer de uma situação ruím ,uma coisa engraçada,só vc mesmo,olha eu parecia uma louca rindo aqui no meu trabalho,kkkk,momentos taum engraçados,e que é dificíl naum te encaixar na foto,pq minha mente é fértil demais,por outro lado vc acaba passando para suas leitorinhas o homem romantico,carismatico e sensual que vc é,e fora outras cositas massss…..rsrsrs,deixa pra lá,dá vontade de ler td de novo.bjus e abraços. Lucia Lima, Fortaleza-CE – dez2010
24- Muito bem escrito e divertido. Adorei tudo, da Sonja à Marília. bjo. Renata Regina, São Paulo-SP – fev2011
25- Hoje li ‘um ano na seca’ e como me diverti! Espero me divertir mais sendo uma leitorinha VIP! Bjo! Gloria Guimarães, Fortaleza-CE – mar2011
26- Menino, hoje, quer dizer, ontem, tirei pra ler teu blog, e fui me envolvendo de um jeito que não consegi fazer outra coisa… São exatamente 3h25 e desde as 23h to aqui morrendo de rir das tuas loucuras, principalmente do Um ano na seca. Tu parece q tá dentro da cabeça da gente, ou que instalou um programa q percebe todas as nossas movimentações. Adorei a historia, voltarei sempre que sentir saudades de vc 😉 Grande beijo meu caro, obrigada por mais esse prazer literário… Nadine Araújo, Fortaleza-CE – out2011
27- A minha irmão está lendo o seu livro “Um ano na seca” e está adorando! Bjos saudosos! Juliana Melo, Fortaleza-CE – fev2013
27- Finalmente consegui terminar de ler. Chorei do começo ao fim (DE TANTO RIR!!!). O que é isso, meu filho? Eu tava ficando com tanta pena de você que tava quase reescrevendo o final da história pra te dar uma força. Mas confesso, foi bastante enriquecedor, aprendi sobre termos e objetos que não conhecia, kkkkkkkkkk. Só você mesmo pra escrever tanta maluquice! Adorei! Maria do Carmo Antunes, São Paulo-SP – jan2012
28- ah eu adoreiiiiiiiiii……=D. Laís, São Paulo-SP – jan2012
29- recomendo o livro UM ANO NA SECA..melhor e mais divetido dia dos namorados 🙂 Flávia Lemos, São Paulo-SP – jun2012
30- Olá Ricardo, Td bom?? Eu quero te agradecer pelo livro “Um ano na seca”, achei muito legal, chorei de rir…adorei! Mto obrigada mesmo! Logo mais quero adquirir o Vocês terráqueas [=D] Abraços. Tatiane Beltramini, Taboão da Serra-SP – ago2012
31- E aí meu xará? Antes de dormir li o “Um ano na seca” em um tapa e ri litros. Acabei que acordei inspiradão e escrevi uma música nova totalmente baseada no teu conto. Assim que eu gravar a música nova eu te mando. Abraço! Bardo, Santo Ângelo-RS – mar2013
32- Cara to lendo Um ano na seca! Rindo litros… Comecei a ler no ônibus e parei… o povo já tava curioso pra saber do que se tratava! KKKK. Kelmer, seus escritos sempre me divertindo muito! Jéssica Sousa, Fortaleza-CE – mar2013
33- Ricardo Kelmer, devorei o seu “Um ano na seca”! Ao mesmo tempo em que solidarizava pela situação de secura, bolava de rir com as situações descritas. Bom era eu lendo isso no trabalho, me abrindo de rir e o chefe olhando com cara de “valha, ela tá doida”! Leitura leve, satisfatória e bem, bem, gostosa, como a vida deve ser. 😀 Kaliza Holanda, Fortaleza-CE – mar2013
34- Só mesmo uma leitura pra gente abstrair todo esse trânsito infernal. Os delírios do Kelmer salvando a noite. 😉 Li quase de um fôlego só! Foi ótimo! Olha, não sei pra você, mas pra mim, foi maravilhoso. hahahahha. Jessika Thaís, Fortaleza-CE – mai2013
35- Infelizmente dei altas risadas da sua desgraça de um ano na seca hahahaha. Vika Mancini, Leme-SP – dez2014
O amor insano. O amor desafiador do tempo. O amor que descortina as mais absurdas possibilidades do ser.
Dois casais, nos séculos 16 e 21, vivem duas ardentes e misteriosas histórias de amor, e suas vidas se cruzam através dos tempos em momentos decisivos. Ou será o mesmo casal? Nesta história, repleta de suspense e reviravoltas, Luca é um músico obcecado pelo controle da vida, e Isadora uma viajante taoista em busca de seu mestre e amante do século 16. A uni-los e desafiá-los, o amor que distorce a lógica do tempo e descortina as mais loucas possibilidades do ser.
> Para adquirir: rkelmer@gmail.com – Instagram: @ricardo_kelmer
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LUCA DESPERTOU ASSUSTADO. Sonhara com um abismo, imenso e escuro, bem à sua frente, um abismo aterrorizante… Esfregou os olhos e soltou um longo bocejo enquanto esticava as pernas sob a poltrona da frente. Olhou pela janela do ônibus e viu a paisagem passando, a vegetação próxima, as casinhas simples à beira da estrada, uma serra mais adiante… Felizmente não havia abismos por ali, ele pensou, aliviado.
Mais um pouco e estaria em Pipa, a famosa praia no litoral sul do Rio Grande do Norte. Fazia seis meses, desde quando acertara a folga com a gráfica, que sonhava com aquela viagem. Agora tudo que faria pelos quatro dias seguintes, até domingo, seria descansar a cabeça e esquecer dos problemas em Fortaleza. Sozinho. Sem relógio, sem celular e sem internet.
Na verdade, levara o celular, sim. Com acesso à internet. Mas, como ele mesmo se prometera, era só para conferir se alguma garota havia deixado um recado urgente, nada mais. E também para ver se um amigo depositara em sua conta a grana que lhe devia. Ah, e também para acompanhar a venda de ingressos para o próximo show da Bluz Neon, a sua banda, isso era muito importante. Pequenos cuidados, só isso, para que a vida não saísse do controle.
Pelo reflexo da janela pôde ver seu rosto, o cabelo assanhado, a expressão sonolenta… Viu a cicatriz na face direita e lembrou do acidente, o passeio de jangada, o rosto batendo forte no mastro, ainda era adolescente. Tudo porque queria impressionar uma garota. Amar era mesmo um perigo.
No fim da tarde, poucos quilômetros antes de Pipa, o ônibus passou por uma cidadezinha e, do alto da encosta, Luca gostou do que viu. À sua esquerda, lá embaixo, se espalhava uma grande lagoa, que mais à frente se transformava em rio e corria suave para o mar. Além da lagoa, por sobre a copa das árvores, o sol se punha devagar, salpicando a água de reflexos que se misturavam aos botos que saltavam.
Encantado com a paisagem, Luca sentiu seu olhar capturado por aquela beleza poética, quase musical…
– Que cidade é esta? – perguntou à senhora da poltrona vizinha.
– Tibau do Sul. É uma antiga vila de pescadores.
Luca lembrou do que os amigos falavam sobre Pipa, as praias lindas, as pousadas, o agito dos barzinhos, gente do mundo todo. No entanto, aquela paisagem…
Levantou da poltrona, foi até a cabine do motorista e pediu que ele parasse o ônibus. Mudara de ideia. Ficaria em Tibau do Sul.
Mochila às costas e violão debaixo do braço, ele caminhou de volta pela estrada e, à entrada da cidade, seguiu em direção ao mar, até a beira da encosta, onde havia um barzinho de estilo rústico. Escolheu uma mesa sob a palhoça, pediu uma dose de cachaça e sentou, deliciando-se com a brisa marinha e o cheiro da maresia. Havia um barco ancorado e um bando de gaivotas brincava no céu. A luz do fim de tarde banhava a paisagem de uma atmosfera meio onírica, e de repente ele sentiu-se fora do tempo, tudo ao seu redor flutuando feito um pedaço de terra que se solta do continente da realidade…
Foi nesse momento, feito uma ânsia, que a canção quis sair. Não apenas queria, ela precisava sair. Rapidamente, ele puxou o violão e… a música não saiu. Tentou vários acordes, mas nenhum deles conseguiu expressar devidamente a alma daquele instante. Outra hora talvez, ele pensou, levemente frustrado, encostando o violão. E virou de um gole a bebida.
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JÁ ERA NOITE QUANDO Luca alcançou o camping, um pequeno espaço arborizado próximo ao rio que a dona do terreno, dona Zezé, uma senhora divorciada, alugava para campistas. Ao lado ficavam sua casa, uma pequena pousada e o restaurante, tudo muito simples. Como não estavam na alta estação e nem era feriado, a pousada estava vazia, e no camping havia apenas uma barraca azul e nenhuma outra mais.
– Embaixo daquela mangueira é um lugarzinho bom pra você ficar, faz muita sombra – sugeriu dona Zezé. – Mas antes não quer comer alguma coisa? Você tá muito magro.
– Eu venho depois, obrigado.
Em poucos minutos Luca armou a barraca e trocou de roupa. Poucos passos para o norte e estaria à beira da encosta, o rio alguns metros lá embaixo esperando-o para um banho. Melhor impossível. Mas o banho ficaria para o dia seguinte, estava muito cansado.
No restaurante ele comeu um sanduíche com refrigerante, conversou mais um pouco com dona Zezé e conheceu seus dois filhos adolescentes, que moravam com ela e a ajudavam a administrar o negócio. Depois voltou à barraca e deitou. O sono, porém, não veio rapidamente como ele queria. A simplicidade e a beleza daquele lugar, em vez de relaxá-lo, de repente lhe trouxeram muitos pensamentos…
Por que a vida não era mais fácil de ser vivida?, ele se indagou. Em vez disso, era preciso estar sempre atento para que a vida não fugisse do controle, sempre esperto para que a mão traiçoeira do destino não se metesse em suas chances de ser feliz. Por quê?
Um contínuo e angustiante esforço de se estabilizar e economizar dinheiro – era a isso que se resumira sua vida. Quando tinha dezoito anos e cursava a faculdade de Administração, imaginava que logo estaria numa situação tranquila, sem afobações financeiras. Mas o futuro aconteceu diferente. Após empregar-se numa gráfica, abandonou a faculdade e passou a se dedicar mais ao violão, um velho prazer da adolescência. Tinha agora vinte e oito anos e tudo continuava difícil e empacado.
Dois anos antes ainda morava com a mãe, dona Glória, e a irmã Celina, que namorava o baterista de sua banda. O pai morrera quando eles eram bem pequenos e a mãe não casara novamente. Agora o emprego de gerente na gráfica lhe garantia o aluguel da quitinete, onde morava sozinho. Meia dúzia de shows por mês ajudavam a manter a duras penas o velho fusca, a comprar comida, pagar as contas, tomar uns uísques e pronto, só isso. As despesas eram medidas e contadas e recontadas nos mínimos detalhes, um sufoco permanente. Dona Glória já desistira de aconselhar o filho a tentar concurso público e se casar. Ser gerente de gráfica, dizia ele, era o máximo de concessão que podia fazer. E quanto a casamento…
– Tô fora, mãe. O amor descontrola muito a vida da gente.
Sentia-se muito cansado. A sensação era de que, apesar de todos os esforços dos últimos anos, continuava andando em círculos, girando sobre o mesmo ponto, sempre girando, sempre…
Olhou para o violão deitado ao lado. Pelo menos havia a música. E a banda. Dois anos antes conhecera Junior Rível, que o convidou a cantar na banda que estava montando. Inseguro, hesitou em aceitar.
– Não tem o que pensar, cidadão – insistiu Junior. – Muito show, muito uísque. E muita mulher!
Argumento irresistível.
– Topado – respondeu Luca, apertando a mão do novo amigo. – Festa é o que nos resta nessa vida.
– Opa. Isso dá um blues.
Nascia assim a amizade entre Luca e Junior Rível. E nascia também a Bluz Neon. Festa é o que nos resta – era o lema da banda. Blues, rock e irreverência na noite de Fortaleza. Os cachês eram baixos e muitas vezes se apresentavam de graça, mas o prazer de tocar compensava tudo. E para Luca, a Bluz Neon era o refúgio perfeito, onde podia se esconder da claridade traiçoeira dos dias. À noite ele estava a salvo, tudo sob perfeito controle. A noite sim, era segura, com seus bares, uísques e amores sob controle. Era como um sonho bom. O único defeito era que no outro dia ele sempre tinha que acordar. .
Teus olhos se acendem nos neons
É o frisson de bar em bar
É preciso ser feliz, é urgente
Um romance caliente
Antes do dia nos lembrar
Que o sonho não resiste à luz solar
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NO DIA SEGUINTE Luca levantou tarde, sentindo-se ainda cansado. Demorara bastante a adormecer, envolto em seus mil pensamentos. Será que nem ali, naquele paraíso, conseguiria relaxar de verdade?
Fazia uma manhã de sol claro em Tibau do Sul. Luca pôs o óculos escuro, deixou a barraca e foi ao restaurante da pousada tomar café. Mais tarde, após um demorado banho de rio, ele voltou ao camping. Sentia-se mais disposto. Qual fora a última vez em que entrara num rio? Nem lembrava. Mas precisava fazer aquilo mais vezes.
Após trocar de roupa, dirigiu-se ao restaurante para almoçar. Foi nesse momento que ela surgiu.
– Oi…
Ele virou-se e viu uma garota. Era bonita e aparentava a mesma idade que ele. Usava short jeans, camiseta e sandália.
– Oi – ele respondeu, simpático.
– Sou sua vizinha de barraca. Isadora.
– Prazer. Luca.
– Luca… – ela repetiu, experimentando o nome em sua boca. – Luca…
Ela riu, mantendo nele o olhar. Está tão diferente…, pensou, reparando em seu corpo magro, o cabelo despenteado, a cicatriz na face…
– Está sozinho?
– Agora não estou mais.
– Que bom! Já almoçou?
– Não. Minha vizinha me daria a honra? – Ele brincou de fazer um galanteio, como se tirasse um chapéu da cabeça.
– Hummm… Como recusar?
No restaurante, ele sugeriu moqueca de peixe e ela aceitou. Luca percebeu que ela tinha belos olhos cor de mel. Percebeu também que ela o olhava de um modo estranho e sentiu-se incomodado. A cerveja chegou e ele sugeriu um brinde:
– Aos encontros.
– Encontros, não – ela corrigiu. – Reencontros.
Reencontros? Ele não entendeu, mas deixou para lá. E bebeu. Ela quis saber de onde ele era e ele respondeu que morava em Fortaleza.
– Fortaleza… Um dia vou conhecer. E o que você faz?
– Trabalho numa gráfica, mas meu negócio é música. Tenho uma banda, a Bluz Neon.
– O que vocês tocam?
– Blues, rock e o que der na telha futebol clube.
– Deve ser bem legal. Eu sou de São Paulo. Conhece?
– Não. Mas você não tem muito sotaque.
– É que morei em vários lugares quando era pequena. Peguei gosto por viagem. Me sinto cidadã do mundo, sabe?
– Não tem medo de viajar sozinha?
– Claro que não.
– Se precisar, tem uma lan house na entrada da cidade.
– Ah, não, nada de computador nessa viagem. Não trouxe nem o celular.
– Sério? Por quê?
– Digamos que eu… preciso me conectar mais comigo mesma.
– Sei – ele respondeu, sem ter certeza se realmente sabia. Como alguém podia viajar sem levar o celular? – E o que você faz em São Paulo?
– Trabalhava num banco. Mas pedi as contas pra poder fazer essa viagem. Faz um mês que viajo pelo litoral nordestino.
Bonita e interessante, Luca pensou, enquanto tomava um longo gole de cerveja. Mas por que o olhava daquele jeito estranho?
– Posso perguntar uma coisa, Isadora?
– Claro.
– Por que você está me olhando assim?
– Ahn… é que você… você me lembra alguém.
– Quem?
Ela girou o copo entre os dedos, nervosa.
– E você, não tem a impressão que também me conhece?
– Por quê? A gente se conhece?
Ela sorriu e novamente não respondeu. Luca achou melhor não insistir, talvez ele a fizesse lembrar de alguém que ela não queria lembrar, é, talvez fosse isso.
– Nossa moqueca chegou – ele avisou, mostrando o garoto que se aproximava com a bandeja.
Serviram-se e comeram. Luca pediu outra cerveja, animado. Segundo dia e um almoço com uma gata daquele naipe… Nada mal. Cervejinha, barracas vizinhas… Nada mal mesmo.
– Você por acaso já viveu na Espanha, Luca?
– Não. Por quê?
– Tem certeza?
– Claro. Mas por quê? Você morou lá?
E de novo ela não respondeu. Em vez disso, sorriu desconcertada e olhou para fora do restaurante. Ele continuava intrigado. Ela o confundia com outro, devia ser isso. Mas que era uma gracinha, ah, isso era.
– E daqui você vai pra onde, Isadora?
– Por aí. Sem planos.
– Sem planos? Caramba, você deve ser uma pessoa bem otimista.
– Claro. No final tudo sempre dá certo.
– Admiro essa sua confiança na vida.
– E por que eu iria desconfiar dela?
– Pelo simples fato de que se você não planejar e se precaver, as coisas saem do controle. Não acha?
Ela riu como se ele houvesse contado uma boa piada, e respondeu:
– Você sabe quando é que começamos a ter controle sobre as coisas?
– Não. Mas é o tipo da coisa que eu gostaria muitíssimo de saber.
– É quando abdicamos de ter controle sobre elas.
Luca pensou um pouco, buscando compreender. Mas desistiu.
– Não entendi.
– Ora… Se não há tentativa de controle, como as coisas vão sair do controle?
– Ah… – Luca riu, achando que era uma brincadeira. Mas logo percebeu que não era.
– Você está falando sério?
– Claro que sim.
Lógica perfeita…, ele pensou. Mas absurda demais para ser levada a sério. As suas coisas, por exemplo, de que modo se ajeitariam por si próprias? O trabalho, a banda, o aluguel do apartamento, a manutenção do carro… E os casos amorosos? Como tudo isso se resolveria por si só? Não, definitivamente não era possível. A vida era uma grande boiada e era preciso domá-la o tempo todo. O que Isadora propunha não passava de um mero romantismo. No entanto, tinha de admitir que, vindo dela, aqueles absurdos até que possuíam um certo charme…
Após o almoço pegaram um ônibus e seguiram para Pipa, onde passearam, conheceram as pousadas e as lojinhas e tomaram sorvete na pracinha. Isadora contou das praias que conheceu naqueles dias, o quanto se sentia em casa em todos os lugares e como se aproximava mais de si mesma assim, solta pelo mundo.
– E você, Luca? Gosta de viajar também?
– Gosto. Mas não assim como você.
– Tem medo de se perder?
– Acho que eu gosto mais da segurança da minha cidade. Lá eu sei me mover bem.
– Entendi. E essa cicatriz aí?
– Lembrancinha de um passeio de jangada. Fizemos um blues pra ela. Quer ouvir?
Ela respondeu que sim e ele cantou:
.
Amar é um perigo
Só eu sei o que eu passei
Nesse abismo deu vertigem
E a angústia não se desfez
Não quero a dor de mais um bis
Depois só resta a cicatriz
Só não me peça, beibe
Não me peça pra te amar .
– Você teve uma decepção amorosa muito forte? – ela quis saber.
– Tive. Mas já faz tempo.
– Até esses sofrimentos têm seu lado positivo.
– Claro que têm. Depois disso fiquei vacinado.
– Como assim? Não quer mais amar novamente?
– Prefiro não me arriscar. Amar é um perigo.
– É mesmo! – Ela riu. – O melhor perigo do mundo.
Luca riu também. Mas não concordava, é claro.
.
.
CHEGANDO AO CAMPING, de volta ao camping em Tibau do Sul, Luca perguntou se Isadora gostaria de beber algo, ele tinha um vinho na barraca.
– Preciso te dizer uma coisa, Luca.
– O quê?
– Eu sonhei com você.
– Comigo? Quando?
– Seis meses atrás.
– Mas a gente nem se conhecia…
– Era você.
– Sério? Era eu mesmo, assim como você me vê agora?
– Não, sua imagem não era muito nítida. Mas era você.
– Não entendo. Como pode uma coisa dessa?
– Mistérios da vida. E você?
– Eu o quê?
– Nunca sonhou comigo?
Eu adoraria dizer que sim, beibe… – ele quase respondeu.
– Não.
Isadora sorriu sem graça, desapontada.
– No sonho que eu tive, você me pedia pra gente se encontrar nessa praia.
– Você realmente está falando sério?
– Estou. Eu lembrei de tudo quando acordei, só não sabia qual era a praia. Mas sabia que ficava nessa região. E que havia um rio. Aí, na semana passada, quando cheguei em Tibau do Sul, senti que seria aqui que eu encontraria você.
O que significava aquilo?, pensou Luca, coçando a cicatriz no rosto, cada vez mais intrigado. Seria uma cantada? Se fosse, então era bem original.
– Você disse mais uma coisa no sonho.
– O quê?
– Que eu precisava te ajudar.
– Ajudar em quê?
– A saltar no abismo.
– Que abismo?!
– Não sei. Foi o que você disse. Então aqui estou.
– Juro que não sei de nenhum abismo – ele respondeu. E de repente lembrou… lembrou vagamente de um sonho… Sonhara com um abismo aqueles dias. Sim, um abismo… escuro… ameaçador…
Coincidência, ele pensou, livrando-se da lembrança incômoda. Apenas coincidência.
– Não sabe mesmo? – ela perguntou novamente.
– E mesmo que soubesse, quero distância de abismo. Não gosto deles.
Ele queimava os neurônios, procurando entender tudo aquilo… Ela devia estar brincando, devia ser isso, uma brincadeira. Ou então não batia bem da cabeça. Seria louca?
– Se você realmente veio de tão longe por causa de um sonho… Então o que aconteceria se eu não aparecesse?
– Bem… Na verdade eu não quis pensar muito nisso.
– Acho que devia ter pensado.
– E você devia ter lembrado de mim.
Ele percebeu uma certa irritação no tom da frase. Isadora olhava para o céu estrelado e torcia as mãos, impaciente.
– Desculpa, Luca, não quis ser grosseira – ela falou, voltando-se para ele. – É que eu… estou confusa. Eu achava que você… que você também lembraria.
– Foi só um sonho, uma coincidência.
– Não pode ter sido só isso – ela respondeu, quase interrompendo-o. E prosseguiu sussurrando, mais para si mesma que para ele: – Não pode…
Luca sentia-se meio perdido, sem saber o que deduzir de tudo aquilo. Como alguém podia sonhar com uma pessoa que não conhece e sair por aí em busca dela, sem qualquer garantia de encontrá-la? Isso era tão absurdo, tão inconcebível… Ela não podia estar falando sério. Mas também não parecia estar brincando. Só havia uma explicação: era louca. E com loucos não se podia argumentar.
– Escuta, por que a gente não esquece esse assunto e toma um vinho? Você gosta de…
– Você acredita em vidas passadas, Luca? – ela o interrompeu.
– Vidas passadas? Por quê?
– Acredita ou não?
Ele pensou rápido. Não acreditava, claro, impossível acreditar naquelas bobagens. Mas e se o sucesso da noite estivesse nas mãos de uma boa resposta?
– Depende.
– De quê?
– Depende do dia.
– Sei. E como estará seu dia amanhã?
– Amanhã… Acho que é um bom dia pra se acreditar em tudo.
– Ótimo. Porque tenho uma história bem louca pra te contar.
– Por que não conta hoje?
– Porque… – Ela pensou um pouco. – Porque eu é que não estou num bom dia pra acreditar em tudo.
Enquanto ele procurava algo para dizer, ela abriu a barraca e entrou.
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Sexo e chocolate. Para muita gente, as duas coisas têm tudo a ver. Para Celina, era bem mais que isso…
A TORTA DE CHOCOLATE
. Foi em sua festa de aniversário de dez anos. Celina havia distribuído os pedaços da torta de chocolate entre os parentes e amigos e agora comia feliz o seu pedaço. Ela sentiu a torta se desmanchando na boca, o doce meio amargo do chocolate, a saliva se misturando à torta, envolvendo, dissolvendo…
Muitas outras vezes sentira aquela mesma sensação maravilhosa, aquele mesmo deixar-se flutuar pelos céus do sabor, o prazer incomparável… Mas dessa vez foi diferente. Houve uma outra sensação, que surgiu como uma onda suave, nascendo em algum lugar indefinido do corpo e avançando por todos os lados ao mesmo tempo, uma onda trazendo outra atrás dela, várias ondas que se espalham e vão se espalhando, invadindo, preenchendo, assustando, enquanto o coração se acelera, a respiração fica ofegante…
Foi ali mesmo na sala, em pé ao lado da mesa e em frente a todo mundo, ali mesmo, saboreando o último pedaço da torta de chocolate, que Celina teve o primeiro orgasmo de sua vida.
O que começou naquele dia, aos dez anos, prosseguiu naturalmente, fazendo Celina experimentar orgasmos sempre que comia uma saborosa torta de chocolate. Nesse instante, a experiência se repetia e ela se sentia misturar ao próprio pedaço de torta que comia, o chocolate irresistível, a saliva tomando sua boca inteira, o coração a bater forte, aquele calor interior, a vista escurecendo, as pernas fraquejando…
Foram muitas tortas maravilhosas, incontáveis. Algumas, porém, se tornaram inesquecíveis. Aquela do aniversário, por exemplo, era a mais cara da padaria do seo Nuno, tanto que o pai só comprava em datas especiais. Mas às vezes ele cedia à insistência da filha e chegava do trabalho trazendo a surpresa mais que aguardada, que serviria de sobremesa para os jantares seguintes. O primeiro pedaço Celina comia na mesa, junto com o pai e a mãe, mas sempre de forma contida. Era o segundo pedaço o especial, esse sim, que ela comia de madrugada, os pais já dormindo. A menina Celina caminhava silenciosamente até a geladeira, de camisola e pantufas de coelhinho, pegava um grande pedaço e se trancava com ele no quarto, e lá, deitadinha na cama, afastava as bonecas de pano e, esquecida do mundo e de si mesma, entre doces murmúrios de languidez, deliciava-se entre seus múltiplos orgasmos de chocolate.
Depois, na adolescência, Celina conheceu outras tortas, como a do novo colégio, que tinha pedaços de morango, era uma delícia, mas que precisava comer trancada num boxe do banheiro para poder gozar sossegada. Mais tarde, conheceu a do café do Cine Gazeta, uma torta divina, com uva e leite condensado, que por semanas seguidas lhe proporcionou públicos orgasmos após a sessão de arte, ela sentadinha na mesa do canto, ao lado dos pôsteres dos filmes, sozinha, as coxas roçando uma na outra por baixo da mesa, os olhinhos revirados por trás do óculos escuro.
Um dia, conversando com uma amiga da faculdade de publicidade, contou que sentia prazer quando transava, sim, mas que não se comparava ao prazer que lhe davam suas tortas queridas. Aquilo era normal? Teria ela algum distúrbio sexual? A amiga riu muito e lhe sugeriu ir a uma sex shop.
Dias depois, Celina chegou em casa com uma caixinha comprida de papelão, embrulhada para presente, que guardou no congelador da geladeira. À noite, após tomar banho, trancou-se no quarto e pôs uma musiquinha suave para tocar. Depois penteou-se vagarosamente diante do espelho e tirou a roupa. Ajoelhada sobre a cama, abriu a caixinha e desembrulhou do papel alumínio um pau todo de chocolate, maciço, ainda gelado, vinte centímetros de comprimento, cinco de espessura.
Durante algum tempo ela não conseguiu deixar de olhar para o objeto marrom em sua mão. Era lindo, perfeito, imponente… e absolutamente irresistível. Deu-lhe uma leve lambida com a ponta da língua e o gosto do chocolate fez seu corpo inteiro se arrepiar. Depois lambeu a partir da base, a língua percorrendo devagarinho toda a extensão do objeto, até chegar à cabeça, que pôs inteira na boca, detonando uma explosão de saliva.
Então deitou-se e abriu as pernas. E segundos depois o pau de chocolate estava todo dentro de sua buceta, indo e vindo, derretendo-se, misturando-se aos seus fluidos… E quando o gozo chegou, ela retirou o pau dentro de si e levou à boca, e comeu com sofreguidão, enquanto novas ondas de prazer surgiam dentro dela, uma após outra, e outra de novo, e quando tudo terminou, Celina só teve forças para virar de lado e adormecer, vencida pelos tantos orgasmos, o corpo, o cabelo, o lençol, tudo lambuzado de chocolate.
Um pau de chocolate era delicioso. Mas não era uma torta de chocolate. Pena que não existiam paus de torta de chocolate, lamentava-se Celina.
Um dia, veio-lhe a revelação. Foi enquanto comia um pedaço de torta na confeitaria. No momento em que sentia a torta se desmanchando na boca, ela pensou em como se sentiria a torta naquele exatíssimo instante. Como seria ser cortada, estripada, dilacerada e depois devorada, sem compaixão, inteiramente devorada, até o último pedaço, devorada até que nada mais restasse?
A partir daí, por várias vezes julgou ter chegado bem perto da resposta, da sensação exata, quase pôde sentir o que a torta sentia, quase… Mas no último instante algo sempre lhe escapava, como um gosto que se perde na boca e não mais se encontra.
Até que um dia teve a ideia. Uma ideia perfeita. Mas que necessitava de um plano igualmente perfeito. E ela começou a arquitetar seu plano, passo a passo, com muita paciência.
Primeiro, entrou numa comunidade virtual de adoradores de torta de chocolate. Conheceu lá muitas outras pessoas que, como ela, sabiam exatamente o que vinha a ser esse louco arrebatamento provocado por um pedaço de torta de chocolate se desfazendo na boca. Ali na comunidade, as experiências eram todas compartilhadas, e Celina aprendeu novas receitas e soube de outros lugares onde poderia degustar uma boa torta.
Como a associação entre chocolate e prazer sexual era um tema recorrente nas conversas, foi fácil para ela pesquisar sem revelar sua estranha condição e chegar à conclusão da qual já desconfiava: somente ela era capaz de ter orgasmos apenas comendo um pedaço de torta. Celina adorou saber disso. Decididamente, era uma mulher muito especial.
Mas não era essa constatação o objetivo principal do plano.
Meses depois, participou do encontro da comunidade, num piquenique realizado no parque da cidade. Lá, conheceu pessoalmente vários membros do grupo, fez amizades e, é claro, provou de todas as tortas levadas pelos novos amigos, todas deliciosas, sim, e em vários momentos Celina precisou de boa dose de autocontrole para não gozar ali mesmo, sentada na grama do parque, entre uma dúzia de pessoas que acabara de conhecer. Preferiu manter seu segredo.
O dia marcado para a execução da parte final do plano foi um sábado, seis meses após seu ingresso na comunidade. Uma estratégica espera de seis meses.
Os convidados chegaram em seu apartamento no fim da tarde e Celina os recebeu com alegre hospitalidade. Eram três homens, os três que ela escolhera, com cuidado e paciência, após tê-los conhecido pessoalmente nos encontros da comunidade. Os três mais interessantes.
Ela serviu suco e refrigerante e avisou que a torta que ela mesmo preparara seria servida após o filme. Dito isso, ligou o DVD e começaram a ver um documentário sobre… tortas de chocolate, claro, que mostrava a história da iguaria, suas variadas versões, as receitas, os clubes de amantes de tortas de chocolate e até os torneios que eram realizados para eleger as melhores tortas do mundo.
Quando o filme terminou, Celina podia escutar o som da saliva estalando na boca dos convidados: como ela calculara, já estavam todos famintos. Um deles perguntou sobre a torta e ela pediu um pouco mais de paciência, pois queria mostrar um outro filme, este sobre o preparo da torta vencedora do último concurso realizado. E assim, por mais uma hora, os convidados de Celina assistiram a um bombardeio de cenas de torta de chocolate, e a cada imagem ela podia escutar os suspiros de absoluto encanto dos três homens.
Quando terminou, ela acendeu a luz da sala e viu no rosto de todos eles o mais puro e genuíno olhar da fome. Celina sorriu por dentro: estavam no ponto.
Então pediu que ficassem ali na sala, que num minuto ela os chamaria para finalmente comer. E eles obedeceram, esfregando as mãos, lambendo os lábios, salivando…
Quando a voz de Celina os chamou, os três homens se dirigiram à cozinha, mas quando lá chegaram, nada viram. Onde estava a torta? E Celina, para onde fora?
Aqui! – era a voz dela, e vinha do quarto. Eles riram da brincadeira da amiga e foram para lá. E quando chegaram, viram algo incrível. A luz do quarto estava apagada, e do banheiro vinha uma fraca luz que envolvia de penumbra o ambiente. E na cama, sobre o lençol branco, repousava… uma imensa torta de chocolate, de três níveis, uma de chocolate preto, outra de chocolate branco e outra de brigadeiro com uvas vermelhas e chantilly.
Durante algum tempo, eles ali ficaram, em pé à entrada do quarto, olhando para o inacreditável objeto disposto sobre a cama. Não havia qualquer dúvida: era a torta mais linda, mais inconcebivelmente perfeita que jamais veriam em toda a vida. Foi quando, de repente, a silhueta de alguém surgiu no vão da porta do banheiro. Era Celina. Nua. Inteiramente nua.
Ela manteve-se lá por um longo minuto, enquanto passeava a mão pelo próprio corpo, acariciando-se languidamente. Depois saiu caminhando, passou bem perto dos três homens e deu a volta na cama, parando do outro lado. E eles continuaram do mesmo jeito, imóveis, sem sequer piscar o olho.
Celina subiu na cama e, de pé, posicionou-se de costas para eles, as mãos na cintura. Depois pôs um pé de cada lado da torta e ficou assim, de pé e de costas, as pernas abertas, a torta entre elas. Os três homens olhavam pasmados, sem acreditar e sem conseguir desviar os olhos da cena. Celina então pôs uma mão em cada joelho, dobrou as pernas e foi descendo… descendo lentamente… a bunda se aproximando da torta, se aproximando… a brancura de sua bunda contrastando com o marrom do chocolate… descendo devagarinho…
Então ela parou, sua bunda como que suspensa no ar, pouco acima da torta. Durante aqueles intermináveis segundos, a bunda de Celina, aberta logo acima da torta, era uma imagem tão absurda que nenhum dos três conseguiu dizer qualquer palavra, como se estivessem aguardando tão somente que a realidade voltasse ao normal e no instante seguinte finalmente entendessem que tudo não passara de uma alucinação coletiva.
Subitamente, Celina deixou-se cair. E a realidade de sua bunda despencando sobre a torta, afundando por entre o chocolate, enterrando-se como uma grande cereja no alto do bolo, era real demais para ser suportada. Os três homens então avançaram, enquanto a bunda de Celina prosseguia deslizando sobre a torta, mexendo-se em movimentos circulares, o chocolate grudando-se à sua pele, espalhando-se pelas nádegas, depois pela cintura, as pernas, os braços, os seios…
Instantes depois, Celina sentia seis mãos que mais pareciam doze a deslizar sobre seu corpo, e ela se sentiu apalpada, agarrada e puxada de um lado para outro como se cada mão quisesse ficar com um pedaço, e depois foram as bocas a experimentá-la, e ela se sentiu lambida, mordida e comida, três bocas fartando-se de seu corpochocolate, e depois, na mistura dos corpos lambuzados, ela sentiu-se preenchida ao mesmo tempo por três carnudos e pulsantes paus achocolatados que, feito colheres enlouquecidas, chafurdaram em seu interior, indo e voltando, entrando e saindo, enchendo-a e esvaziando-a, mais rápido, com força, mais rápido ainda, com mais força, até que o gozo chegou, intenso e avassalador, e no derradeiro pensamento que teve antes de desfalecer de tanto prazer, Celina sorriu em paz, pois finalmente não apenas entendera o que sentia uma torta de chocolate: ela agora era a própria torta, uma grande e bela torta de chocolate, devorada viva por três homens famintos e enlouquecidos. .
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COMENTÁRIOS
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01- Ola, Kelmer Amei o conto, nao tem como dizer, uma DELiCIA,com certeza me estimulou a ler outros e por que não ,lhe conhecer melhor. Abraços. Valesca – ago2008
02- Amo este conto com sabor chocolate!!!!!!! Chris, Rio de Janeiro-RJ – ago2008
03- Ao ler A TORTA DE CHOCOLATE… Meus deuses, pensei: Kelmer, vc é um tarado!! Em seguida: Acho que tb sou uma tarada!! risos Não, falando sério, me diz de onde vc tirou inspiração para escrever este conto??? Fiquei super… ahhnn, super, sabe?! rss… Outra coisa, por favor, imploro: me diz onde fica esta Fantástica Fábrica de Chocolates??!!! rss. Ilde Nascimento, São Luís-MA – abr2009
04- me gusta! Wanessa Bentovski, Fortaleza-CE – dez2011
05- Este fez-me transpirar… 😛 Susana X Mota, Leiria-Portugal – dez2011
07- Uma combinação esplêndida… :9. Nadine Araújo,Fortaleza-CE – dez2011
08- Torta de chocolate? Humm, adoro!!! ( a torta e o conto). Maria do Carmo Antunes,São Paulo-SP- dez2011
09- Eu vou de chocolate, realmente me excita a ideia. Quem sabe um dia eu não me entrego a gula e a luxúria, meus pecados favoritos?!? Amanda Lima, Fortaleza-CE – mar2013
11- adoreiiiiiiiiiiiii o conto do bolo de chocolate. minha vontade foi correr pra cozinha, fazzer um e chamar uns amigos pra provar. Bruna Barros, Campina Grande-PB – mai2014
O amor insano. O amor desafiador do tempo. O amor que descortina as mais absurdas possibilidades do ser.
Dois casais, nos séculos 16 e 21, vivem duas ardentes e misteriosas histórias de amor, e suas vidas se cruzam através dos tempos em momentos decisivos. Ou será o mesmo casal? Nesta história, repleta de suspense e reviravoltas, Luca é um músico obcecado pelo controle da vida, e Isadora uma viajante taoista em busca de seu mestre e amante do século 16. A uni-los e desafiá-los, o amor que distorce a lógica do tempo e descortina as mais loucas possibilidades do ser.
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ELE A ABRAÇOU e assim se deixou ficar, juntinho a ela, inteiramente envolvido pela sensação de já ter vivido aquilo antes… Fechou os olhos e tentou lembrar quando vivera aquela mesma situação, mas tudo que lhe veio foi a sensação de estar girando, girando… Era como se estivesse num círculo, girando, sempre passando por aquele mesmo lugar… girando num círculo, sempre passando pelo mesmo ponto, sempre…
Abriu os olhos assustado, voltando a si. Sentia-se levemente tonto. Olhou ao redor, certificando-se que continuava ali, no cais de Barcelona, naquela manhã enevoada. Ela ainda estava abraçada a ele, no meio da pressa dos funcionários do cais. Quanto tempo se passara? Alguns segundos? Séculos?
– O que foi? – ela perguntou.
– Não sei, uma tontura…
– Há dias que estás estranho.
– Preciso ir agora.
– Tens certeza que não posso mesmo ir?
– Já falamos sobre isso, Catarina.
– E se…
– Já disse que voltarei. Em um mês ajeitarei as coisas em Lisboa e voltarei. E iremos juntos para o Brasil. Não foi o que combinamos?
– Estou com medo, Enrique… – Ela o abraçou novamente, mais forte.
– Já estão a subir as velas – ele respondeu, sentindo o vento soprar. Desfez o abraço e saiu caminhando em direção ao navio, o passo rápido, sem olhar para trás.
Minutos depois o navio começou a afastar-se e, da amurada, ele a viu acenando, sozinha no cais, no meio da névoa. E de repente foi como se ela repetisse um gesto muito antigo, feito muito tempo atrás, um aceno triste que lhe cortava a alma. Quando haviam se despedido assim?
Preciso de um trago, ele pensou, sentindo a alma pesada. E se dirigiu à cabine.
Ele não queria pensar nisso, mas sabia: era só o início de uma longa e difícil viagem.
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cap 5 – cap 6 – cap 7 – cap 8
cap 9 – cap 10 – cap 11 – cap 12
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Algumas destas séries são contos divididos em capítulos, que depois foram unidos numa mesma postagem. Outras são contos envolvendo o mesmo personagem ou os mesmos personagens, publicados separadamente. Outras são postagens independentes. Tem erotismo, humor, absurdo… Escolha a sua.
A mais bela e safada história de amor jamais contada. Diametral e Ninfa Jessi exercitam seu poliamor em aventuras deliciosas e picantes. Os bastidores das histórias estão disponíveis para Leitores Vips.
O sonho de Agenor é que todas as mulheres do mundo o desejem. Para isso ele está disposto a fazer um pacto com o diabo. Mas há um velho ditado que diz: cuidado com o que deseja pois você pode conseguir… OBS.: A série foi transformada numa postagem única.
Aqui a ficção e a realidade se encontram no infinito. Coisas tão estranhas e insólitas, tão absurdas, que não podem ser verdade. Ou são?
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Sexy e Indeciso
Quatro amigos e suas aventuras e desventuras em busca da mulher ideal. Mas será que ela existe mesmo? Não poderia haver várias mulheres ideais simultâneas? É verdade que elas mudaram e nós continuamos no tempo das cavernas? Por que elas dizem que homem é tudo igual e, no entanto, elas escolhem tanto? Essas e outras questões temperadas com muito humor, cerveja, rodas de pôquer e futebol na tevê. O conteúdo total da série, incluindo os detalhes mais picantes, estarão disponíveis para Leitores Vips. EM BREVE.
Errikelmer e sua secretária, uma barata alcoólatra e ninfômana chamada Tábata, formam uma primorosa dupla no submundo das investigações sexuais. Os bastidores das histórias estão disponíveis para Leitores Vips.
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A força da tempestade, o poder do desejo. Ela deveria resistir, mas…
A GOTA DÁGUA
. Razão. Você a evoca, angustiada. E a razão surge, gritando em cada sinal vermelho: pare de ser louca! Mas aí o sinal esverdeia e você precisa seguir em frente na tarde cinza, entre os automóveis e a chuva que não cessa. Ainda bem. Não fosse o sinal verde, talvez agora você ainda estivesse ali, pensativa, o carro parado no cruzamento. O cruzamento alagado da ruazinha da razão com a imensa avenida da loucura… e do desejo.
As pessoas na rua correm para se proteger da chuva, todas certas de seu caminho, seguem rápidas e decididas. Você, não. Você segue devagar, e o seu medo de prosseguir reza para o próximo sinal estar fechado. Pararia ali mesmo no meio da rua, não fossem os carros atrás. Tudo em seu ser se contradiz, uma célula quer ir, outra morre de medo. Sim e não. Verde e vermelho. Em seu peito o coração bate no compasso da urgência, não, em suas veias o sangue se desencontra, sim. No rádio, música nenhuma entende seu estado de ânimo. E essa chuva a deixar tudo ainda mais confuso… Sim e não. Ai, que vontade imensa de gritar… Você respira fundo. E acelera.
Francamente falando, você sabe muito bem que limites existem para serem quebrados, não é? E os seus há muito que lhe desafiam. Sim. Para ser exato, desde que ele surgiu, de repente, não mais que de repente. Ele e seu olhar inquietante, o jeito diferente… Você já não sabe se ele é louco ou se louca fica você toda vez que o vê. Tem algo nele que dá um calor, não é? Você nunca sentiu antes, não sabe explicar. Não. É algo meio insano, que lhe faz inventar mentiras e largar o trabalho no meio da tarde. Algo que lhe faz soltar o cabelo, deixar o sutiã na bolsa e sair no meio dessa chuva louca. Ai, e essa chuva… Sua vida era tão certa e hoje tudo é tão imprevisível. Mas ao mesmo tempo você tem raiva dele, por invadir assim seu espaço, virando seus dias de cabeça para baixo, ele não tinha o direito, não tinha. Não. Sim, ele tinha.
Ahnn… mas e a ética, como fica? Afinal, você tem namorado. E você o ama. Bem, na verdade talvez não o ame como achava que amava. Sim, pois se amasse não desejaria esse homem assim. Ou não? Ou o amor nada tem a ver com o desejo? Se os homens são capazes, por que você não seria também? Uma mulher pode entregar-se a um homem, uma vez só, e voltar para outro, como se nada tivesse acontecido? Como uma chuva que vem de repente e depois já passou? Sim, pode, você mesma responde, surpresa com a própria determinação. Pode voltar, sim, mas não como se nada houvesse acontecido, pois sempre terá acontecido, sempre… – você completa, olhando seu sorriso estranho no retrovisor. Você lembra da última briga, um dia antes, e então seu pé pisa mais fundo no acelerador, sim. E a chuva aumenta. Sim. Não. Não se trata de vingança, nada disso. É só a velocidade do desejo. Não. Na verdade, é mais que isso. É uma necessidade. Sim. Você tem de encontrá-lo. Você precisa. Sim. É a única coisa que importa agora.
Em frente ao prédio dele, dentro do carro, você inventa mil coisas para se dar mais um tempo para pensar. Olha a chuva lá fora, ajeita o espelho, sente o ar abafado dentro do carro, é como estar numa gruta úmida… Então, finalmente pega o celular. E liga. E deixa chamar uma vez. E desliga. Agora só tem de aguardar alguns segundos, só isso. Mas não são alguns segundos – são séculos! Séculos inteiros de dúvida e angústia, onde razão e desejo vêm se chocar em sua alma feito as gotas da chuva que batem no vidro, uma gota sussurrando sim e a outra gota gritando não, sim e não, não e sim…
Lógico que não! Súbito, você se dá conta do absurdo. Claro que não. O que está fazendo? Esperando por um homem que mal conhece? Para quê? O que lhe dirá? Que largou o trabalho no meio dessa tempestade só para lhe desejar boa tarde? O que ele vai pensar? Vai pensar que é louca, claro. De repente, tudo fica límpido como um dia de sol. Não, não vale a pena se arriscar tanto por algo que não tem chance de dar certo, não, alguém que você não sabe quem realmente é, não, alguém que semana que vem irá embora, alguém que…
A porta se abre, porém. E ele entra depressa, sentando no banco ao seu lado. Todo molhado, rindo, parece um menino travesso. E você dá de cara com aqueles olhos, aquele sorriso… Meu Deus, você pensa, me ajude, por favor me ajude… Mas seu deus não pode ajudar, não com essa chuva toda. Não. Ele então se aproxima, estende a mão e delicadamente toca seu rosto. Não é mais um menino travesso, é um homem, essa mão é de homem, esse cheiro é de homem, você sabe, o seu corpo sabe. Então tudo que não podia acontecer, acontece: uma gota dágua escorre… da mão dele… para dentro… de seu decote. Sim. Você a sente deslizar… pelo contorno do seio… devagar… cada pelinho acusando… a passagem da gota. Não. Enquanto a gota prossegue em seu íntimo percurso, você fecha os olhos, um arrepio na alma inteira. Sim. Você quer morrer só para não ter que decidir. Você se controla para não abrir a porta e sair correndo, uma louca gritando na tempestade. Você quase explodindo, esticada entre o sim e o não, o não e o sim… Não. Não, você não abre a porta. Nem grita. Nem poderia. Porque os lábios dele, molhados e quentes, tocam os seus, e toda dúvida se desmancha em sua boca. E da vida previsível faz-se a aventura. Não mais que de repente.
Ciganas, lolitas, santas, prostitutas, espiãs, sacerdotisas pagãs, entidades do além, mulheres selvagens – em todas as personagens, o reflexo do olhar masculino fascinado, amedrontado, seduzido… Em cada história, o brilho numinoso dos arquétipos femininos que fazem da mulher um ícone eterno de beleza, sensualidade, mistério… e inspiração.
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COMENTÁRIOS .
01- tenho certeza que tu é uma lésbica encarnado num corpo de homem rss ta xou bjs. Jéssica Gianbarba, Fortaleza-CE – jun2006
02- Rica, Li A Gota D’agua e lembrei de Chico Buarque, mesmo porque ele tem uma musica com esse titulo. Voce expoe a alma feminina nesse conto.E paixao e uma coisa tao boa, lendo deu ate vontade de sentir de novo. Muita verdade, muito dentro da alma da mulher. O publico jovem, entre os 20 e 30 anos, vai adorar. Mulheres. Adorei a mistura de sentidos com a chegada da tempestade, como se a natureza fosse um espelho do que estava acontecendo. Achei a ultima frase do conto muito lugar comum, muito ja dita. Acho que o desfecho merecia algo a mais… nao sei. Mas eu sempre bato nessa tecla com voce, ne? O final… Fabiana Vasconcelos, Boston-EUA – jun2006
03- A mulher do conto sabe que vai levar pra sempre a certeza de que viver e MARAVILHOSO! Fabiana Vasconcelos, Boston-EUA – jun2006
04- É isso, adorei. A gente não lê, devora! E só quem já passou por uma paixão como essa sabe o que é: a vertigem, a vontade, a angústia e o prazer, inesquecíveis. Tem uma frase que resume bem essa história; “Porque não viver intensamente, se a vida é uma aventura da qual não sairemos vivos?” Bjks. Sandra Ribella, Limeira-SP – jun2006
05- Magnífica a composição com Vinícius e seu “soneto de separação”! E muito bom o modo como ilustras a dúvida, a inquietação, a angústia, a luta do desejo contra a ética num cenário de chuva e trânsito – o cenário perfeito: estivesse sol e o encontro fosse num qualquer lugar idílico e todos os sentimentos negativos se esbateriam com a luz e a paz, e a banda sonora seria com o “soneto de fidelidade”. As cricunstâncias mudam tudo mesmo… 🙂 Susana Mota, Leiria-Portugal – jun2006
06- Gota D’água: Belo texto de amor proibido… toma cuidado para ele não ser motivo de cornos te ameaçarem! Jayme Akstein, Rio de Janeiro-RJ – jun2006
07- Olha,concordo com a leitora que acredita que vc é uma lésbica reencarnada no corpo de um homem! Logo que comecei a ler me veio, imediatamente,um frio no estômago.Pois passei por situação muito,mas muito parecida mesmo com esta que vc escreveu…Mas acho que não conseguiria descrever com tanta precisão os conflitos daquele instante. Belíssima descrição de detalhes,muito poético,angustiante e,ao mesmo tempo, excitante. Obrigada despertar em mim lembraças tão gostosas! Mereces um beijo por isso Ricardo! Sidiany Colares, Fortaleza-CE – jul2006
08- Oi Rica! Adorei o teu texto! Estou começando a escrever agora.^^ Mas é bem isso mesmo, as mulheres tem isso mesmo do desejo e a razão, mas é devido a postura da sociedade sabe, essa coisa de ceder é vista como falta de caráter, é como colocar tudo a perder, conheço pessoas que cederam e pagaram caro sabe, não tem nada mais hípócrita do que isso. As pessoas se esquecem que não são “posses” e sim seres que anseiam por felicidade, e isso não é relativo. Graziele Lice, Bauru-SP – jul2006
09- Gostei muito do conto Gota d´água, psicologicamente bem moderno, você é talentoso mesmo. Não te conhecia e é um prazer ler teus contos. Miriam, Criciúma-SC – jul2006
10- Olá Ricardo, Vim lhe agradecer pelo texto. É lindo, e sabe? tem algumas partes que parece que sou eu…rs Tenha uma semana iluminada. Abraço. Márcia Milani, São Carlos-SP – jul2006
11- cara Fantástico corri as palavras, parágrafos e me deparei não mais com um texto…mais com um carrossel de imagens instigantes,lépidas e visceralmente vivas!!!!! Foi hipnótico, senti a alma da personagem….sensação estranha e deliciosa! Valeu!!! Marcelo Amoreira, Fortaleza-CE – jul2006
13- Nooooosssa! Ricardo! Lindo! Perfeito! Impressionante como você tem o poder de adentrar na alma feminina e dizer exatamente o que pensamos, o que queremos, o que desejamos! Não fosse pela parte que ela tem namorado, eu diria que sou eu, essa mulher aí! Já aconteceu comigo, é é bom , muito bom, deixar a razão voar pelos ares e a loucura tomar conta! Beijos, muitos beijos para você! A cada dia eu tenho mais vontade de te conhecer pessoalmente! Obrigada mesmo! Cláudia Martins, Montes Claros-MG – jul2006
14- Não mais que de repente, vc me surpeendeu com o que acabei de ler… bjo. Márcia Cristina Menezes, São Paulo-SP – jul2006
16- Oi Ricardo, nem sei se lembra mais de mim, depois que virou estrela(hehehe), mas quero lhe parabenizar pelos textos e pelas fotos sensuais que vc tirou de vc mesmo. Parabens pelo seu trabalho e sua coragem. Sucesso!! Beijos. Eloah Gonçalves, Fortaleza-CE – jul2006
17- muito bom ! Suely Andrade, Brasília-DF – jul2006
18- Gostei bastante do “A gta D’agua…a duvida cristã…o arrependimento antes do feito…asede por sexo devido a rotina com o oficial… Sim! Acho totalmente possivel, votar para o namorado depois de ter passado nos braços de outro… Nádia Rosa de Castilho, São Francisco do Sul-SC – jul2006
19- Adorei! Você sempre me provoca dois sentimentos: o primeiro é de inveja, porque gostaria de escrever como você escreve; o segundo é de prazer, o prazer de ler você, o prazer de saber que você vai escrever de novo e eu vou ler novamente. Nem conheço você muito bem pessoalmente, mas dentro da minha mente você é um velho conhecido. Obrigada por me mandar este texto. Vou repassa-lo para minha irmã lá na Califórnia. Bjs. Virgínia Lígia Freitas, Fortaleza-CE – jul2006
20- Adorei, porque já vivi uma situação de dúvida assim parecida. Incrível como você sendo homem, consegue captar as sensações femininas! Você escreve muito bem, parabéns! Elisa Pimazoni, São José do Rio Preto-SP – jul2006
21- RK, vc sempre surpreende, quanto mais num domingo a noite! Como disse Clarisse Lispector ” É por isso que nos dá uma dor no coração sempre que lemos aquelas linhas escritas pela mão de um mestre e a reconhecemos como nossas, como os tenros brotos que esmagamos porque nos faltava fé para acreditar em nosso próprio critério de verdade e beleza.” Ana Sherida Alexandrino de Oliveira, Fortaleza-CE – jul2006
22- wwwooowwww adorei !!!!!!!! gostei tanto que depois de ler voltei a ler interpretando , como e quando voce passou a conhecer a alma feminina assim ???? beijos. Walkiria Fonseca, Nova York-EUA – jul2006
23- se eu pudesse….. agora seria uma gota d’agua…. percorrendo o seu corpo…. como sempre!!! voce surpreendente… ardentemente…. louco!!! beijos…e beijos. Rita de Cássia, São Paulo-SP – jul2006
24- Bom dia Rk, gosto muito quando no final dos seus contos e artigos você menciona esse filme. Sem dúvida foi o filme mais lindo e sensível sobre o Planeta Terra que assistí. Uma viagem cheia de beleza e luz! Rk, sobre esse conto da figura que ama um homem e senti desejo por outro, é super natural, até porque a libido é uma coisa que faz parte da nossa natureza. Não vejo nenhum problema em viver os dois sentimentos, ainda mais se eles forem fortes e vedadeiros! Se cuida tá? Com carinho e paz. Lua, Fortaleza-CE – jul2006
26- Meu querido amigo Como sempre divino na suas estórias. Vc tem uma maneira de expor que nos faz penetrar no conto e vivenciá-lo na sua íntegra. É muito gostoso. Adorei Bjinhos. Mariucha Madureira, Brasília-DF – jul2006
30- Muito bom Kelmer. Dá pra ficar sem fôlego. Abraço. Ronald de Paula, Fortaleza-CE – ago2006
31- E aí mais uma vez vc consegue tocar o mais secreto medo e desejo de nuestra alma feminina. Sua terceira linguagem está bem afinada com nosso tempo. Resta fechar com mais inteireza. Lindo. Dijé Sales, Fortaleza-CE – ago2006
32- Não tem pecado, não tem culpa, não tem razão. Sim, tem razão. A razão induz ao pecado e a culpa. A leitura do texto induz à mínima reflexão… sentir-se úmida à sensação da chuva ou do desejo. Marlyzinha, São Paulo-SP – ago2006
33- Sobre “A gota d’água”…só te digo…vai sacar de mulher assim lá longe!!! Como é que a gente faz pros caras terem essa percepção que vc tem?? Queria um assim pra mim!!! Só me faz achar que vc tem uma alma hermafrodita… Bjs e bom final de semana!! Elaine Maria, Fortaleza-CE – ago2006
34- achei muito realistico, pois eu sou esse tipo de pessoa que ja traiu , mas viveu a cada vez esse dilema infernal de estar fazendo algo que para a minha criação conservadora era incrivelmente errado. mas por outro lado a minha minha mente altamente moderna queria fazer com urgencia. entendí toda a angustia do personagem tão bem, que cheguei a senti-la. sinceramente me deixou até triste. mas a intenção era essa né ? tocar na alma… Michelle Diamanti, Taranto-Itália – ago2006
35- Parabéns! pela tranquilidade empática a quql encontramos com tanto fluidez no texto. Marta Peixoto, Fortaleza-CE – set2006
36- Cara tu é demais, bá recebi por email de uma amiga o texto “A gota d’agua”, tu passaste exatamente o que uma mulher sente. Adriana da Silva de Souza, Porto Alegre-RS – set2006
37- criatividade junto com o talento e forma perfeita de juntar as palavras nesta cadência maravilhosa nos transporta para aventuras como a da gota d’água, mas sua experiência de vida deve ter uma contribuição significativa para tanta beleza. A beleza do seu trabalho faz com faz que meu íntimo busque transformar em um só a criatura e o criador! Este é o pecado capital dos fãs. certamente eu e mais trocentas mulheres teremos total identificação com este texto, pois a dúvida crucial deste sim e deste não já nos perseguiu em outros momentos de vida. bjs. Diva, Macapá – set2006
38- Crônica maravilhosa!!! Estória envolvente!!! A aventura que toda mulher deve sonhar, em seu íntimo, viver…Ler suas crônicas são ótimas!!! Beijos. Cynthia, São Paulo-SP – nov2006
39- Fala Kelmer! Blz? Confesso que ontem foi a primeira vez que li seus artigos, textos, desabafos, difícil definir… hummm…memórias sonâmbulas que fogem na madrugada gélida antes de serem acordadas pela realidade sem graça. Bom, li pela primeira vez ontem e hoje virei fã. E por que não virei fã ontem mesmo, quando devorei todos os textos com os olhos dilatados? Explico: ontem à noite encontrei alguns amigos no cubículo etílico que costumamos freqüentar. Mais do que uma simples reunião de temas cotidianos, debatemos a fragilidade do momento e oferecemos um trago de nossos traumas a quem estivesse disposto a encarar. Foi quando percebi que os textos que li esmagavam meu raciocínio, açoitavam minha defesa, guiavam minha cega convicção. Enquanto meus colegas de faculdade tropeçavam nos próprios cadarços e confessavam, friamente, “…o que ela quer? Um namorado ou uma padre, porra?” pensei quieto: “Putz! Preciso mandar um e-mail pro cara do O POVO! Aquele texto sobre a “razão” não quer ser dissolvido facilmente dos meus neurônios.” É isso, Kelmer! Mirando meus próprios rabiscos, como um faminto em meio a uma coxa de frango mal devorada, busquei os meus significados. A conclusão veio barulhenta: “Felipe, escreva menos e leia mais!” Abraço! Felipe Valério, Fortaleza-CE – nov2006
40- Meu Deus! Fantástico……..Ele se colocou bem no lugar de uma mulher tomada pelo desejo! Ficou linda a metáfora com o carro e a chuva!O desejo x razão…O molhado,a velocidade…E o desejo ensandecido a tudo guiando! A razão que vá foder tb! Mary Mundo, Orkut, Comunidade Mulheres Repensando Conceitos – jul2006
41- Difícil um homem saber como uma mulher se sente né? Porque é assim mesmo…quer,não quer,vai,não vai,deve,não deve… Até que chega a hora fatídica e não tem mais prá onde fugir.. Achei que a gente merecia um pouco de aventura. Morgana Cyber, Orkut, Comunidade Mulheres Repensando Conceitos – jul2006
42- adoro todos os textos do Ricardo,ele é mesmo um excelente escritor e um cara bem maluco. Já entrou no orkut dele? no álbum tem umas coisas bem interessantes.Me mato de rir com ele. Celinha, Orkut, Comunidade Mulheres Repensando Conceitos – jul2006
43- linnnndoooooooo…….. fiquei encantada… delioso ler a maneira como as emoções vão se digladiando… realmente beeemmm mulher!!! rsrsrs. Andréa, Orkut, Comunidade Mulheres Repensando Conceitos – jul2006
44- Me fez lembrar o trecho de uma música… …deixa chover, deixa a chuva molhar, dentro do peito tem um fogo ardendo que nunca vai se apagar… Clau, Orkut, Comunidade Mulheres Repensando Conceitos – ago2006
45- De onde tu tira essas coisas, quem te contou que assim… ai, Deus! Eu tenho medo de me ver sendo descoberta desse jeito… Isso com certeza ja aconteceu com alguma mulher, ou acontecerá ou acontece! Comigo acontece.. rs E essa parte é bem a minha cara: Tudo em seu ser se contradiz, uma célula quer ir, outra morre de medo. Sim e não. Verde e vermelho. Esse seu conto passa a ser o meu preferido. =) Beijos. PS: Voce me assusta…rsrs. Priscila Peres, Fortaleza-CE – abr2008
46- srsrsrsrsrs…vc é divino…dabolicamente divino…é redundante mas vou dizer …amo seus textos…sua fonte de inspiração deve ser louvada sempre…bjs meu escritor preferido… Laisa, Belém-PA – abr2010
47- Muito bom “A gota d’agua”, me descreveu. Me senti nua! Incrível teu conhecimento sobre a alma feminina. Coisa rara. Parabéns. Nina, Cricúma-SC – mai2010
48- No limite da Alma / A louca tempestade do desejo que verte / e desnuda a razão no momento da gota dágua / e o aroma vem, abarcando o sinal vermelho / com gosto de cereja ,,, Adorei o cinestésico fluído da gota !!! Márcia Costa, São Paulo-SP – mai2010
49- Tá bom que é meu preferido! Acho que já sei de cor algumas passagens. O texto mais sincero e honesto que já vi. E é cada situação que me vem… Beijo, encanto de criatura! Emília, Fortaleza-CE – mai2010
50- Querido amigo, Não pude me conter e estou aqui pra dizer que você descreve exatamente a minha alma que é super femenina. Estou vivendo uma paixão ou uma loucura de paixão e é exatamente como vc descreve com tanta riqueza de emoção. Esse amor que me queima a alma, que me deixa feliz por cada momento e quem foge e se esconde dentro da alma dele tão conflituosa me deixa cada vez mais cheia de desejo por ele…meus limites não tem limites e estou vivendo essa louca emoção e não sei pra onde vai…só não consigo ter raiva dele e me sinto como se estivesse responsavel por ele e tem mais tenho certeza que é uma missão , alias de outras vidas e me sinto tão impotente diante desse louco amor. A mistura de ternura e tesaõ me deixa sem razão…vou pela vida caminhado e deixando a vida seguir nosos caminhos…tenho uma alma apaixonada pela vida e pelas emoções… Maria, Fortaleza-CE – mai2010
51- Parabéns cara pelo conto. Muito bem escrito. Zé Netto, Fortaleza-CE – mai2010
52- Francamente falando você sabe das coisas. E eu uma menina assustada. Parabéns pelo texto. Christiane Oliveira, João Pessoa-PB – mai2010
53- já conhecia esse teu texto, que aliás é fantástico! beijos. Nina, São Paulo-SP – mai2010
54- Definitivamente gosto da sua forma de escrever! Acabei de ler tambem A gota dàgua… e estou sem palavras!!! Poxaaaa Kelmer muito bom!! Tambem gosto do Cerejas ao meio-dia. Aluska, Campina Grande-PB – mai2010
55- A gota d’agua me lembrou de uma certa tarde, ha mais ou menos uns 8 anos! Me ví ali,como se alguem descrevesse o que eu vivi. Selma, São Paulo-SP – mar2011
56- Você percebe um ponto interno de corrupção. Um sinal vermelho. “Não avançar” diz o aviso. É melhor cair fora e você sabe disso. É o momento certo de dizer não. Virar as costas e dizer não. Você detecta sua fonte de atração pelo proibido. E vai, está indo, está desobedecendo seu bom senso e se deixando levar. Maldita curiosidade! “E por que não fazer a escolha errada?” pergunto à mim mesma. “Você é uma idiota. Completamente louca e idiota” me respondo. Deve constar na minha ficha técnica: pessoa obsessiva Você não se importa. A lâmpada acende, pisca. Soa o alarme. Você ouve a sirene,sabe que ultrapassar significa perigo, que é um território minado. Mas você deixa detonar. (Trecho de Filmes Proibidos, romance de Bruna Lombardi)
57- Uau “os limites existem para serem quebrados…” minha cara isso…amei. Paula Medeiros de Castro, São Paulo-SP – nov2011
58- Muuuuuito bom! Simone Marini, São Paulo-SP – nov2011
59- É de abrir o apetite para uma abordagem da Semiótica das Paixões… A hesitação (e a excitação) da personagem configura um estado de espera (Greimas), ou seja, o ponto zero do imprevisível percurso narrativo, o ponto, enfim, em que a paixão se instala. A manipulação recebeu um investimento discursivo dos mais oportunos, o que se exterioriza no emprego da segunda pessoa (“você” no gênero feminino). Tudo resulta numa diabólica manipilação da consciência em seu satânico papel de acusador (pois assim está na Bíblia). A gota d’água abrirá um novo estado passional. Qual? Não é preciso dizer, pois isso já seria outro ponto no conto que o leitor já construiu na sua imaginosa paráfrase mental. Valeu! Um abraço. Leite Jr., Fortaleza-CE – nov2011
60- “A gota d’Água” (pq ficar entre o sim e o não pode tirar o fôlego, mesmo! esse conto é marcante!) Jocastra Holanda, Fortaleza-CE – jun2012
61- O texto que indico, o meu favorito de Ricardo Kelmer é “A gota d’água”, adoro a forma como escreveu esse texto! escrevi um conto inspirado em “A gota dágua” e em experiências de uma montagem de um espetáculo. Samantha Pimentel, Campina Grande-PB – jun2012
62- o que gosto de verdade e sempre releio é “A Gota D’água”. Rosa Emília, Fortaleza-CE – jun2012
63- quem te disse q agente deixa o sutiã na bolsa? rss. Shirlene Holanda, São Paulo-SP – jan2014
64- Adoro esse texto. Samara Do Vale, Fortaleza-CE – jan2014
65- Vc entende de alguma forma o universo feminino. E muitas coisas q li parece q vc fala sobre mim. Nao é pretensão é simplesmente pq sou mulher. Carolina De Figueiredo, Içara-SC – mai2016
66- Nunca pensei que existisse um homem que entendesse tanto a alma feminina! Encantada. Ceci, São Paulo-SP – jul2016
As fogueiras estão acesas, a filha da Deusa está pronta. O casamento sagrado vai começar
AS FOGUEIRAS DE BELTANE
. Já conheço este vento. Sei o que ele traz. Fecho os olhos, ainda ansiosa. Respiro profundamente, tentando espantar o medo… Todo ano é sempre a primeira vez.
Uma pequena serpente se aproxima, trazendo sua bênção. A Lua descansa por trás de uma nuvem. Toda a floresta está em respeitoso silêncio. Ouço apenas o murmúrio do fogo à minha frente e acompanho a dança suave das labaredas. E ao redor, mais afastadas, vejo brilharem as outras fogueiras. Não estou só.
Logo escuto o som de sua chegada, os cascos de seu cavalo pelo chão da floresta. Um arrepio me percorre o corpo sob o vestido, como um prenúncio do que virá… Estou pronta para o ritual.
Imponente, enfim ele surge entre os carvalhos, o porte altivo de cavaleiro. Aproxima-se em passo lento. Não vejo seu rosto, mas sei que está compenetrado, pois é um iniciado e sabe a importância do que fará.
A Lua então comparece, deitando seu manto prateado sobre a relva, e sua presença me fortalece. Ele desce do cavalo e caminha em minha direção, o passo pesado de homem, a espada cruzada sobre suas costas.
Nesse momento, o vento lhe dá as boas vindas e o fogo crepita seu nome. Ele para diante de mim. É mais jovem do que eu esperava. E é tão belo… Ele põe-se de joelho, reverente. Toco sua fronte e através de mim a Grande Mãe abençoa o cavaleiro, permitindo que ele participe dos mistérios dessa noite. Eu vim, filha da Deusa…, ele pronuncia as palavras do ritual. Mas percebo que está nervoso, talvez seja sua primeira vez. Então ergo meu cavaleiro e falo docemente para seus olhos: Desde o início dos tempos eu te esperei…
As labaredas crescem quando nos damos as mãos e saudamos a Deusa, agradecendo a dádiva de sermos instrumentos de sua vontade. Ofereço-lhe morangos e cerejas e entoamos baixinho a cantiga que fala da Terra fecunda. Em nossos corpos se celebrará mais uma estação, o mistério da vida que se renova.
Chamo-o para perto do fogo. Ponho-me de pé à sua frente. Ele faz cair meu vestido, que desliza suave sobre meu corpo até o chão. Nua e entregue, sinto a presença divina e fecho os olhos para recebê-la. E mais uma vez o mistério se renova: sou a própria Deusa, sem deixar de ser sua serva. E sei que é assim que agora ele me vê, a mistura inexplicável, mãe e filha num só corpo.
As mãos do cavaleiro me tocam os cabelos como se pedissem licença. Depois emolduram meu rosto e assim ficam, como se me quisessem guardar no quadro da memória. Sinto sua boca em meus seios, eu árvore generosa, carregada de frutos maduros para sua fome. Sou posta no chão por seus braços fortes, eu cálice e oferenda, deitada no altar da relva macia. Vem, meu cavaleiro…
Muitos são os mistérios que habitam a alma feminina, tantos quanto as estrelas do firmamento. E poucos os homens que ousam percorrê-los. Porque instintivamente sabem que se perderão. Mas meu cavaleiro já consagrou sua vida à Deusa e é ela quem lhe permite conhecê-la mais de perto, sentir seu aroma, tocar-lhe a fenda que protege a gruta da vida e da morte, afastar as cortinas do santuário e unir-se a ela em carne e espírito…
Percebo que ele vacila, extasiado, atingido em cheio pela imagem do mistério. Então, pela autoridade a mim atribuída, puxo-o com força e meu grito acende de vez a fogueira dentro do meu corpo. O cavaleiro me abraça e me envolve e nossos suores e salivas se misturam e já não sei mais o que é ele e o que sou eu. É a alquimia sagrada que transmuta a matéria, que faz de um mais um, três.
Ele percorre meu interior como a ávida planta que fuça a terra. E eu, terra fértil, recebo sua raiz e me deixo preencher. Ele serpenteia por dentro do meu corpo como o alegre rio que dança sobre a terra. E eu, terra sedenta, recebo sua água e me deixo inundar.
Luas, muitas luas… Estrelas, milhões delas luzindo pelo meu ser… Assim em cima como embaixo… Sou a noiva do casamento sagrado entre a Terra e o Céu…
Lentamente, o corpo do cavaleiro se separa do meu. Ele me dá um último beijo e adormece abraçado a mim, criança bela e pura. Ao amanhecer, ele irá e eu recolherei o orvalho das flores, saudando a primavera e agradecendo pela boa colheita que teremos.
O fogo ainda queima, protegendo nossos corpos do frio da madrugada. Abençoada e feliz, agradeço à Deusa a honra de servi-la. E me uno ao belo cavaleiro no descanso sagrado dos filhos da Terra.
A mulher selvagem– Ela anda enjaulada, é verdade. Mas continua viva na alma das mulheres
As quarenta raposas – Um silêncio vindo de fora do tempo caiu sobre sua figura altiva e naquele eterno segundo ela foi o anjo vingador: belo, justo e implacável.
A mulher livre e eu – A liberdade dessa mulher reluz no seu jeito de ser o que é – e ela é o que todas as outras dizem ou buscam ser, mas só dizem e buscam, enquanto ela tranquilamente… é
Em busca da mulher selvagem – Era por ela que eu sempre me apaixonava, essa mulher que era quem ela mesma desejava ser e não a mulher que a família, religião e sociedade impunham que ela fosse
Amor em liberdade – O que você ama no outro? A pessoa em si? Ou o fato dela ser sua propriedade? E como pode saber que ela é só sua?
Medo de mulher– A mulher é um imenso mistério, que o homem jamais alcançará
Alma una – Eu faço amor com a Terra / Sou a amante eterna / Do fogo, da água e do ar / Sou irmã de tudo que vive / Ninfa que brinca com a vida / Alma una com tudo que há
Quem tem medo do desejo feminino? (1) – A maternidade, a castidade e a mansidão de Nossa Senhora como bom exemplo, e a força, a independência e a liberdade sexual da puta como exemplo contrário, a ser jamais seguido.
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LIVROS
Mulheres que correm com os lobos– Mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem (Clarissa Pinkola Estés – Editora Rocco, 1994)
A prostituta sagrada – A face eterna do feminino (Nancy Qualls-Corbert – Editora Paulus, 1990)
O feminino e o sagrado– Mulheres na jornada do herói (Beatriz Del Picchia e Cristina Balieiro – Editora Ágora, 2010)
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CLIPE “ALMA UNA”
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COMENTÁRIOS .
01- Ola Ricardo Lindo texto…de suave expressão mas com forte alma da realidade! Sandra A. Dehn, Cuiabá-MS – fev2006
02- Ricardo: Depois de ler o conto do mês ( acho que é mais que crônica este ), achar que um homem ,que escreve como vc, sobre os mais íntimos sentimentos femininos é gay é brincadeira! Bjs. Guinha Lima, Rio de Janeiro-RJ – fev2006
03- Maravilhoso!!!!! Não sei explicar o motivo, mas fiquei arrepiada ao ler esse conto, li duas vezes e tive a mesma sensação, não se é pq foge do convencional ou pq é um mundo desconhecido… Lua Morena, Brasília-DF – fev2006
04- Olá Rick, Lndo!!! muito bom! parabéns. Gênea Garcia, Porto Alegre-RS – fev2006
05- Ôi, que coisa linda! Baixou Chico Buarque foi? Muito lindo. nem parece ter sido escrito por um homem… bjs, Íris Medeiros, Campina Grande-PB – fev2006
06- Ricardo, parabéns! Texto perfeito. Vc captou com aguda sensibilidade o momento do Encontro Sagrado. Tou pasma! É isso mesmo! Simone Abreu, Rio de Janeiro-RJ – fev2006
07- Essa estoria tem poder de encantamento !!! E’dessas que da vontade de filmar … Eu queria ser a personagem principal ( hum ! ) Nao sobra nada parecido com isso pra atriz aqui? Andrea Paola, Rio de Janeiro-RJ – fev2006
08- Esse texto tem alguma coisa a ver com As Brumas de Avalon?? parece uma cena do filme, só que com mais detalhes de uma passagem do mesmo… Bjs. Rosângela, São Paulo-SP – fev2006
09- beleza, tava com uma grande inspiração. muito bonita. José Everton de Castro Junior, Brasília-DF – fev2006
10- Vim para dizer que fiquei extremamente apaixonada pelo seu conto AS FOGUEIRAS DE BELTANE… é apaixonante.. fiquei completamente envolvida por ele… Faço faculdade de Historia e a parte dela que mais amo é a Historia Antiga e Medieval.. minhas Pós-Graduações serão nessas áreas.. E como seu conto tem cavaleiros.. Florestas.. e sem contar o fato da “Deusa”, é maravilhoso!!!!!! Caso tenha mais contos, historias ou livro nesse assunto, por favor, não exite em me mandar.. rsrs Estou ficando super fã do seu trabalho e ainda desejo um dia poder te conhecer. Karyne Goulart, Nova Iguaçu-RJ – fev2006
11- Olá… obrigada pela Crônica… foi p mim (rssssssss)??? bjos e é + q linda!!! Rose Gasparetto, São Paulo-SP – fev2006
12- Que qué isso, meu amigo… Arriégua, maxu… Nan.. Chega me deu foi um calor… rsrs. Jéssica Giambarba, Fortaleza-CE – fev2006
13- Fiquei extasiada pelo texto. É muito bonito e especial. Parabéns!!!! Obrigada por me premiar com textos seus. Bjinhos. Mariucha Madureira, Brasília-DF – fev2006
14- Esse seu conto está mesmo lindo! mt mágico, etéreo mesmo. Edilene Barroso, Campinas-SP – mar2006
15- O texto mais lindo que li de uns tempos para cá. Não sei quanto, pode ser um mês ou 10 anos. Muito obrigado. Pedro Camargo, Rio de Janeiro-RJ – mar2006
16- Ler sua inspiração é poder viajar e transceder para uma terceira dimensão,A sua musa inspiradora é no mínimo abençoada pa ra poder gerar tamanha criatividade.Grato sou a existência da internet que me possibilitou chegar até vc e grata te sou por me permitir compartilhar com o fruto do teu ser, através de tuas palavras escritas. Diva, Macapá-AP – mar/2006
17- Oi Ricardo.Cara, tinha que te adicionar depois do conto que li na comunidade”AS Brumas de Avalon”.O que posso dizer?Simplesmente lindo, perfeita descrição da sexualidade como sagrada.Tudo que vc escreve é tão bom assim?rs…Sou psicóloga junguiana, e acho que podemos ter assunto para bons papos.Abraços. Daniela Bernardes, São Paulo-SP – mar2006
18- Acabei de ler “As fogueiras de Beltane” li ,re-li.. perdi a conta de quantas vezes voltei a ler.. igual acontece com “Mulher Selvagem”.É mágico…lindo! Entro no conto.. e sonho 😉 Sei que é pretensão, mas me vejo nos textos…rs (todas nós nos vemos não é?) Bjs. Joana d`Arc, São Bernardo do Campo-SP – mar2006
19- Olá Ricardo, tudo bem? conheci seu trabalho hoje, e me encantei com sua leveza e inteiro envolvimento com a alma feminina e os assuntos da alma, de modo geral. não sei lhe explicar o motivo, mas ao ler seu conto As Fogueiras de Beltane, me invadiu uma “inspiração” em reescrevê-la, se me permites? Como o cavaleiro, narrando esse encontro…
O FOGO DE BELENOS (trecho)
Que o fogo nos aqueça, que o fruto sagrado brote, que a força da vida cresça
Sou o Deus cornudo, meu falo aguça tua terra preparando-a para o plantio, te invado!
Deleite, puro… ó Deusa
Sinto jorrar a luz do meu ser, no chão verde em ti sou o consorte viril, fálico
Exausto, ergo-me lentamente e despeço-me de seus lábios macios e tenros.
O ciclo se fecha, para o recomeço, é a roda da vida!
Que venha a colheita!!!
Assim seja!!! Angélica Gonçalves, São Paulo-SP – mai2006
20- Olá Ricardo, gostei muito do seu conto “AS fogueiras de Beltane!” Muito bom mesmo! Eu me interessei em ler seu conto por ter uma amiga pagã e ela muitas vezes me explica como eram os rituais. Além disso, já li algumas coisas a respeito. Bom, e foi uma surpresa saber que além do conteúdo interessante, você (o narrador) encarna o espírito feminino de uma forma única. Adorei suas figuras de linguagem, principalmente para descrever “certas” cenas. Um grande abraço! Raquel Souza, Poços de Caldas-MG – out2006
21- nossa que fantástico adorei….. hummmm.. sinto-me vivendo este momento…como uma dança cósmica…o conto me inspira a continuar….o intimo é difícil de explicar..somente um artista sabe expor com clareza… Elaine Simione, São Paulo-SP – mai2007
22- Se você ainda tem muito a aprender não sei, mas está na estrada certa. Impressionante a tua sensibilidade com relação ao sagrado feminino. Digo com certeza que consegue sentir mais até que muitas mulheres que eu conheço. Interessante pro teu livro falar sobre o resgate do sagrado feminino, da harmonia da mulher com suas fases e faces, com seus ciclos e luas. Mas, me diga, e você, quem levaria para as fogueiras de Beltane? Um abraço! Fabiane Ponte, Curitiba-PR – set2007
23- Adoro esse texto! Maria do Carmo Antunes, São Paulo-SP – set2011
25- Adoro esse conto. Alana Alencar Goodwitch, João Pessoa-PB – out2011
26- Juliana Silva Acho que ele é Wiccano *–* Juliana Silva, Salvador-BA – jan2014
27- ah, Ricardo. Eu amo o seu trabalho!!! Sempre que esbarro em um texto desse porte, vou verificar o autor e vejo teu nominho lá. Já não é de hoje!!! Thalita Leal, Osasco-SP – jun2020
Que mundo idiota. Pra poder viver o amor, a gente tem que fugir de casa
AMOR EM FUGA
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Noite. Quarto de hotel barato. O ambiente está na penumbra. Ouve-se ao longe o som de carros e caminhões passando. No rádio toca baixinho um blues qualquer. Uma garota sai do banheiro envolta na toalha. Ensaia uma tentativa de strip-tease mas desiste, começando a rir. Outra garota, deitada na cama sob o lençol, ri também, mas um clarão vindo da rua ilumina o quarto por um segundo e ela fica preocupada. Ela levanta. Está nua. Caminha até a janela, afasta um pouco a cortina e olha lá fora. A outra garota a abraça por trás.
LÍVIA: Relaxa, Giovanna. Vai dar tudo certo.
GIOVANNA: Tá saindo direto na tevê, o país inteiro sabe que duas menores fugiram de São Paulo.
LÍVIA: Mas ninguém virá procurar a gente em Curitibanos.
GIOVANNA: É, né?
LÍVIA: Vem…
Lívia puxa Giovanna pelo braço e as duas caem abraçadas na cama, os rostos bem próximos um do outro. Giovanna está em êxtase, ainda não acredita no que está acontecendo, em tudo que viveram nos últimos cinco dias, a fuga, as caronas… Estar ali com Lívia parece um sonho. Um sonho que começou com um clarão, aquela ideia repentina no meio de uma das tantas aulas chatas do colégio, o convite escrito num bilhetinho de papel: Vamos fugir?
Giovanna toca o rosto de Lívia, fecha seus olhos com os dedos, só para vê-los abrirem novamente, como se para se assegurar, pelos olhos da namorada, que aquilo tudo é real sim, mais real que qualquer outra coisa em sua vida.
GIOVANNA: Queria que você soubesse que com você eu vou até o fim do mundo.
Lívia sorri e aperta a mão de Giovanna.
GIOVANNA: Mas e se encontrarem a gente? Vamos dizer o quê?
LÍVIA: Ah, a gente diz que tava insatisfeita em São Paulo, que queria respirar um pouco, essas coisas.
GIOVANNA: Todo mundo vai desconfiar.
LÍVIA: Fica fria. Amanhã a gente segue pra Argentina. Lá ninguém vai encher o saco e eu vou te fazer a mulher mais feliz do mundo.
Elas se beijam suavemente.
GIOVANNA: Que mundo idiota. Pra poder viver o amor, a gente tem que fugir de casa.
Lívia deita a cabeça e puxa a toalha, desnudando totalmente seu corpo para os olhos da companheira.
LÍVIA: Tua casa agora sou eu, meu amor.
Giovanna sorri, degustando o som doce daquelas palavras. Ela afasta uma mecha de cabelo do rosto de Lívia e olha seu corpo, admirando os detalhes, e passeia a mão pela curva dos seios, pela cintura, o umbigo…
LÍVIA: Vem…
Giovanna afasta as pernas de Lívia e seu rosto pousa devagar sobre o sexo depilado. Lívia geme baixinho, pega um travesseiro e morde a ponta, abafando os gemidos. Outro clarão vem da janela e ilumina rapidamente os dois corpos, belos e nus, duas almas sem roupa, sem máscaras, sem disfarces.
(Falarei bem baixinho agora, para elas não ouvirem. Em alguns minutos a polícia chegará ao hotel, alguém baterá na porta e elas serão levadas de volta a São Paulo. Voltarão para a mesma vida limitada de sempre, o velho cotidiano de mentiras e dissimulações. Mas agora será diferente. Agora elas sabem o gosto de ser livre. Não para sair de casa e se mandar por aí, pegando carona em caminhão, isso é o de menos. Agora elas conhecem a mais suprema das liberdades: poder ser o que se é.)
Vocês têm mais alguns minutos, meninas, aproveitem. A eternidade é feita de clarões.
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Ricardo Kelmer 2008 – blogdokelmer.com
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Linda, culta e escrava sexual. Quem pode competir com uma mulher dessa?
Entramos no elevador e subimos pro terceiro andar. A porta abriu e saímos os três. Seguimos pelo corredor e paramos diante de uma porta, que a garota abriu. Entramos numa antessala que tinha mais duas portas. Em frente a uma delas havia um sofá.
– A professora Graziela chegará em um minuto. Vocês poderão, primeiramente, observá-la pela fechadura. Depois a porta abrirá automaticamente e poderão entrar. Antes de deixá-los, gostaria de ratificar que o Clube Fantasia só trabalha com profissionais discretos e altamente qualificados. Aqui a professora Graziela é uma escrava sexual, que realiza a fantasia de seus clientes, mas não conversa com eles nem troca informações pessoais.
A garota saiu pela segunda porta e nos deixou a sós.
– Graziela. Não tinha um nominho melhor, não?
– Denise, você disse que ia entrar no clima – resmungou Rui, já sentado no sofá. É, eu tinha dito. Mas estava difícil.
Graziela. A professora de literatura medieval. A famosa Graziela Herrera. Trinta e um. Um ano mais que eu. Espanhola de Madri, tradutora de diversos livros sobre trovadorismo e sobre o mito do Graal, os cavaleiros da Távola Redonda. Uma mulher superculta. Mas uma super-safada, que mantinha uma vida secreta como escrava sexual naquele clube. Uma Belle de Jour acadêmica. Após analisarmos todas as opções que o clube oferecia, decidimos: seria com ela. Meu querido marido realizaria sua fantasia de transar com uma mulher na frente de sua própria.
Homens, homens.
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Este é um trecho do conto A Professora de Literatura do Meu Marido, do livro Vocês Terráqueas. O texto integral faz parte dos Arquivos Secretos do Blog do Kelmer, cujo acesso é exclusivo aos Leitores Vips (basta digitar a senha do ano da postagem).
A entrega – Memórias eróticas (Toni Bentley, editora Objetiva) – A ex-bailarina filosofa sobre sua profunda experiência de amor e salvação pela submissão no sexo anal
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COMENTÁRIOS .
01- Li ontem “professora de literatura” e adorei. Irlane Alves, Fortaleza-CE – dez2010
02- Esse conto é sensacional! Li na íntegra no livro “Vocês Terráqueas”! Particularmente um dos que mais gosto do livro! Recomendo! Ildeanne Silveira, São Luís-MA – ago2011
03- O texto do Ricardo Kelmer que indico e que acho simplesmente foda é A professora de literatura do meu marido. O enfoque feminino é uma grande sacada! E que professora em? Marcos Moraes, Campina Grande – jun2012
Escritor, ateu, socialista, antifascista. Amante da arte, devoto do feminino, ébrio de blues. Fortaleza Esporte Clube. Fortaleza-CE.
Em meio a problemas no casamento, Téssio é transportado para o passado e lá encontra a si mesmo e a sua mulher Ariane, aos vinte anos de idade. Envolvidos numa conflituosa relação a três, eles precisarão lidar com novos e antigos sentimentos enquanto Téssio tenta retornar à sua vida oficial.
VIAJANDO NA MAIONESE ASTRAL
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PENSÃO DAS CRÔNICAS DADIVOSAS
Nesta seleção de textos, escritos entre 2007 e 2017, Ricardo Kelmer exercita seu ofício de cronista das coisas do mundo, ora com seu humor debochado, ora com sobriedade e apreensão, para comentar arte, literatura, comportamento, sexo, política, religião, ateísmo, futebol, gatos e, como não poderia deixar de ser, o feminino, essa grande paixão do autor, presente em boa parte desta obra.
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Estreia do Safadim Pop Show, em parceria com o músico Uchôa Negro
O IRRESISTÍVEL CHARME DA INSANIDADE
Romance. Dois casais, nos séculos 16 e 21, vivem duas ardentes e misteriosas histórias de amor, e suas vidas se cruzam através dos tempos em momentos decisivos. Ou será o mesmo casal?
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GUIA DE SOBREVIVÊNCIA PARA O FIM DOS TEMPOS
Contos. O que fazer quando de repente o inexplicável invade nossa realidade e velhas verdades se tornam inúteis? Para onde ir quando o mundo acaba?
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Os pais que decidem fumar um com o filho, ETs preocupados com a maconha terráquea, a loja que vende as mais loucas ideias… RK reuniu em dez contos alguns dos aspectos mais engraçados e pitorescos do universo dos usuários de maconha, a planta mais polêmica do planeta. Inclui glossário de termos e expressões canábicos. O Ministério da Saúde adverte: o consumo exagerado deste livro após o almoço dá um bode desgraçado…