26jun2010
Depois de muitas calças aprendi que a maior das liberdades é esta, é sermos quem verdadeiramente somos
LIBERDADE É NÃO ESTAR NA MODA
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Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada… Começava assim a musiquinha. Uma turma de jovens cabeludos e felizes esperando o trem na plataforma. Jeans desbotados, mochilas e o frescor da liberdade em seus semblantes. Era um filminho comercial do jeans US Top, de 1975, que fez muito sucesso, tanto o filme como o jeans. Fez tanto sucesso que a frase virou bordão e até hoje a geração daquela época se emociona quando canta a musiquinha.
Era o governo do general Geisel. As correntes da repressão da ditadura militar já se afrouxavam e o Brasil, ufa, começava a respirar ares mais democráticos. A palavra liberdade estava na moda. Liberdade de pensar e de falar. Liberdade de votar. E, é claro, de vestir. O comercial foi uma grande sacação, a musiquinha ganhou prêmio e muita gente vestia jeans US Top porque isso era um símbolo de liberdade.
Eu? Putz, eu era mais um menino louco para ter um US Top. E assistia ao comercial sonhando em embarcar no trem com aquela patota divertida. Mas não era um jeans dos mais baratos, e só pude ter o meu anos depois, quando até o termo liberdade já havia desbotado. Com o andamento da abertura política, a liberdade perdera o apelo publicitário que antes possuía e os comerciais passaram a seduzir o público com outra ideia: a de que ser feliz é ter muito, cada vez mais. E assim estamos até hoje, que beleza, tendo tudo que não precisamos para ser feliz.
E a liberdade, que foi feito dela? Minha velha US Top da adolescência que me perdoe, mas liberdade não é e nunca foi uma calça velha, azul e desbotada, que você pode usar do jeito que quiser, não usa quem não quer. Para começo de história, eu não usava não porque não quisesse, mas porque simplesmente não podia. Então, pela lógica da publicidade, eu não poderia ser livre, pois não tinha grana para pagar por um jeans. Se alguém precisa estar na moda para ser livre, que liberdade é essa?
Infinitas noções de liberdade existem, eu sei. Para um adolescente, é voltar da balada à hora que quiser. Para outra pessoa, é ganhar seu próprio dinheiro. Para um presidiário, ser livre é tão somente não estar numa cela. Tudo isso é liberdade, sim, mas depois de muitas calças aprendi que a maior das liberdades é esta, é sermos quem verdadeiramente somos – e não quem a sociedade ou a moda quer que sejamos. E que a pior prisão que existe é justamente a ignorância de si próprio, que nos faz escravos dos quereres alheios.
Somente a essência do que somos pode nos libertar, e seguir a moda jamais nos conduzirá a essa essência, apenas nos levará junto com outros, feito uma boiada, durante o tempo que durar a moda, quando então teremos que seguir outra moda e assim por diante. Quem realmente somos nós por trás dos modismos que adotamos? O que há de permanente em nós por trás do transitório da fachada? A moda não poderá responder a essas perguntas, e nem mesmo você, enquanto a estiver seguindo. Aliás, a moda nem quer que você pense nisso. Ela quer apenas que você a siga – e pode pagar em até dez vezes.
Liberdade é sermos quem realmente somos em nossa essência mais legítima. É uma velha ideia, azul e desbotada. Mas que nunca vai estar na moda. Ainda bem.
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Ricardo Kelmer 2010 – blogdokelmer.com
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> Como o jingle foi criado – Depoimento do autor no blog Pedra do Sol
SOBRE O JINGLE
No site do Prêmio Colunistas há uma referência ao comercial da US Top. Diz lá que ele ganhou Prata na categoria Fonograma, em 1976 (comerciais exibidos em 1975). Veja:
Agência: J. W. Thompson
Cliente: SPASA – U.S. Top
Título do Jingle: Liberdade
Criação: Joaquim Gustavo Pereira Leite e Helga Miethke
Música: Sérgio Mineiro e Beto Rushel
Letra: Joaquim Gustavo P. Leite, Zé Pedro e Sérgio Mineiro
Produtora: Prova
Arranjo: Hareton Salvanini
Duração: 45″
Texto: “Liberdade é uma calça velha / Azul e desbotada / Que você pode usar / Do jeito que quiser / Não usa quem não quer / US Top / Desbota e perde o vinco / Denin Índigo Blue / US Top / Seu jeito de viver / Não usa quem não quer / US Top / Desbota e perde o vinco.”
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Vídeo da US Top (1975)
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– Acesso aos Arquivos Secretos
– Descontos, promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)
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01- O assunto é antigo, porém a essência é dinâmica. Gosto como vc faz deslizar os assuntos. Sobre a dificuldade da homeostase fica por conta da subjetividade de cada um, pois só assim poderemos compreender o seu limiar diante dos impulsos. bjs. Marta Dourado, Fortaleza-CE – jun2010
02- Olá Kelmim, gostei da crônica! Leia este: Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada:publicidade, cultura de consumo e comportamento político no Brasil (1954-1964) Vale a pena, muito bom! Bjs. Jéssica Giambarba, Fortaleza-CE – jun2010
03- Boa crônica Ricardo, como sempre. um beijo. Danielle Alves, Fortaleza-CE – jun2010
04- Que show!!!!!!!como sempre. beijinho. Mônica Fuck, Fortaleza-CE – jun2010
05- Amei a sua crônica. Leve, prazerosa de se ler, supimpa! Sobretudo porque fala de um anseio que tive, tenho e terei sempre a liberdade, tão necessária para o nosso crescimento individual e em grupo, à nossa individuação, a nossa Felicidade rs. Fato é que sempre tive isso como prioridade para meus dias mas, com os ensinamentos dados pelas entidades de Umbanda, começo a senti-la em mim, e isso é muito legal. Você me emocionou também ao lembrar da US TOP, HUM! Foi muito bom lembrar desse período, adolescência, juventude e lembrar da minha essencia naquela época, rs que vejo que não mudou. Tive algumas calças US TOP e acredite, havia esquecido completamente disso. Abraços. Maria Amelia, Campina Grande-PB – jun2010
06- Meu amigo Ricardo Kelmer escreve cada vez melhor. Esse cearense cidadão do mundo, agora radicado em São Paulo, é assim: capaz de dizer as coisas mais essenciais usando as palavras mais simples. Isso se chama talento. Leia mais: luispellegrini.com.br. Luis Pellegrini, São Paulo-SP – jun2010
07- Ah como eu queria aquela calca US Top azul e novinha em folha pra eu desbota-la ao longo dos anos…, tambem fui ter a minha anos mais tarde e tambem ja nao tava mais nem ai pra ela, mas a propaganda eu lembro, assim como lembro a da coca-cola na contra=capa da revista POP que minha irma mais velha fazia assinatura e eu adorava ler e querer morar em Itatui cidade da musica… mas seguir moda mesmo nao sigo ate hoje e sinto muitissimo por tantas pessoas escravas da moda e dos crediarios em 12x. Ana Lucia Castelo, Nova York-EUA – jul2010
08- Mandou ver, grande Ricardo Kelmer! Marcelo Gavini, São Paulo-SP – abr2011
09- Compartilho sempre dos seus pensamentos….bjsss Kelmer!!!!!! Ana Luiza Cappellano, Jundiaí-SP – ago2011
10- Liberdade é não estar na moda!! Ricardo Kelmer, adoro seu texto! Luiza Ellery, Fortaleza-CE – set2012
11- Eu não faço parte de nenhuma moda. Séfora Tavares, Belém-PA – nov2013
lia a coluna no “opovo” mas nunca tive a intenção de saber quem era o kelmer. no cabaré, descobri ser uma pessoa muito gentil e quase de bem. obrigada pelo apoio moral na volta pra casa… o percurso do acervo ao carro foi 87% menos perigoso esse final de semana.
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> RK Serviços de Apoio Moral no Fim de Noite. 87% de aprovação. Mais que isso, nem aquele seu amigo gay.
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valeu, grande kelmer. disse tudo, resta quem leia e traga para si essa sabia lição. nossos inimigos, imagens em massa, nos forçam a nao sermos além de parte de uma massa maior ainda. a luta é diária e é preciso estar atento e em sintonia consigo para vencer tanto apelo externo. vale sempre a pena ser dito o que vc disse aqui. vamos ao unico encontro possivel de verdadeira felicidade, ao encontro interior. abs
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> Podiscrer, meu cumpade. Autossintonia. Interessante esse termo.
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Caro Kelmer, eu vivo espantado com a questão da (falta de) liberdade no “eternamente em berço esplêndido”. Sem ranços esquerdóides, pois a cada dia me reencontro com a parte melhor da minha adolescência e todas as partes da futura velhice biológica, e afastado das tais campanhas eleitorais 2010, sei que saímos da ditadura política e entramos na ditadura econômica. É esta velhanova senhora que agride nossos todos sentidos libertários. Ganhando muita grana com prostitut@s não respeitos@s, a velhanova ditadura só me mete um medo: da gente, antes que chegue 2020, virar os homens-livros personagens de Fahrenheit 451. Concordo contigo, com uma velha idéia, azul e desbotada, e somos tão novos quanto antes.
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> Falou e disse, Aranha. Sejamos sempre novamente libertários.
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Liberdade pode até ser uma calça velha e desbotada quando essa é a minha escolha e não quando sou instruída a seguir as tendências.
Hoje, por exemplo, sai pela manhã tão “light” que minha roupa era uma calça velha e desbotada, até meio puidinha na bainha.
abraços.
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> Humm, deve ter ficado um charme.
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Liberdade é o preço que pagamos por sermos apenas nós mesmos. Precinho salgado que a sociedade cobra distribuindo tabefes aos que ousam SER. É uma busca infinita, seo Kelmer, mas gloriosa. “Libertas quæ sera tamen”
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> Libertas que serás livre também.
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O desejo de ser livre e se enxergar ‘ensimesmado’. Esse Kelmer abrindo nossos olhos e desejos… 😉
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> Ábrite, Chris.
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OLá Ricardo, pois eu tenho um blog (com uma mão na frente e outra atrás – são memórias não tão distantes de uma professora de Yoga) Mas o que quero te dizer é que gostei muito do texto sobre a liberdade e tomei a liberdade (já que somos livres)e fiz a inserção do último parágrafo num dos meus ecritos no bolg – é o mais recente – eu coloquei em capítulos – é o vigésimo terceiro.e, também a foto, pois foi através dela que conheci o seu blog. namastê! Mirian
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> Uau, fico muito honrado com isso, Mirian! Obrigado. Agora diz aí o endereço do blog pra gente conhecer, né?
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desculpa querido http://miriantpaguiar.blogspot.com/2010/09/outro-papo-de-doido-ou-o-doido-de-papo.html
Shanti OM!
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