02fev2017
A sensação que fica é a de que eles, os personagens, na verdade agiam o tempo todo não exatamente em nome de suas íntimas motivações, mas pensando no espectador
A CRIADA E A GRANDE ARTE DE NARRAR
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Na Coreia do Sul dos anos 1930, um casal de trapaceiros tenta se apoderar da fortuna de uma bela e jovem herdeira e envolve-se numa teia de sentimentos e intrigas onde ninguém merece confiança. Este é o enredo de A Criada (Ah-ga-ssi/The Handmaiden), o novo filme do diretor sul-coreano Park Chan-wook, que escreveu o roteiro com Chung Seo-kyung. Eu vi e adorei, fiquei encantado com todos os aspectos do filme. Equilibrando drama romântico, suspense, erotismo, perversão e alguma violência, com estética visual deslumbrante, é um filme completo, magnífico mesmo. A metalinguagem é a cereja do bolo, inserindo o espectador na trama e fazendo da obra toda uma grande celebração da arte de narrar.
Em princípio, a história parece banal, mas o diferencial são os personagens bem construídos e a apresentação da trama sob a ótica dos personagens, que faz o espectador desconfiar de todos e ficar até o fim sem certeza do que irá acontecer. As duas atrizes principais têm atuações soberbas, mas, para mim, Kim Min-hee, que interpreta a jovem herdeira japonesa, faz um trabalho esplêndido, pois seu personagem é complexo e enigmático, e a sutileza de seu comportamento, através de olhares, gestos e palavras que nada expressam mas na verdade dizem tudo, é o nervo da trama, o exatíssimo ponto onde a história precisa se equilibrar e, vista por outro ângulo, se desequilibrar.
A Criada é baseado no romance Fingersmith (Na Ponta dos Dedos, editora Record), da escritora britânica Sarah Waters, que foi adaptado para a tevê e exibido no Brasil pelo canal GNT com o título Falsas Aparências. Vi a adaptação televisiva, que é mais fiel ao original de Sarah Waters, e gostei, mas a versão cinematográfica é estupenda. Park Chan-wook e Chung Seo-kyung reescreveram a história, dando-lhe um saboroso temperinho de humor sacana, além de um caprichoso olhar sobre os sentimentos e as passagens eróticas. O roteiro enriqueceu os personagens e fez a história ainda mais interessante e surpreendente, e a direção primorosa, ao fazer uso da metalinguagem, inclui mais um participante na trama, o próprio espectador, que torna-se cúmplice dos personagens, e é justamente essa cumplicidade que o faz deliciar-se com a meticulosidade de suas atitudes. Ao fim, a sensação que fica é a de que eles, os personagens, na verdade agiam o tempo todo não exatamente por suas íntimas motivações, mas pensando no espectador. Durante a subida dos créditos do filme, só faltou surgirem os personagens, tantos os vencedores como os derrotados, todos eles a aplaudir a grande vitoriosa: a arte de narrar.
O livro de Sarah Waters e suas adaptações para a tevê e o cinema são exemplos de como uma história bem contada é a base de tudo. Conduzir o leitor ou o espectador pelos caminhos da trama, envolvê-lo sutilmente, seduzi-lo com aparentes insignificâncias, brincar sadicamente com suas expectativas, surpreendê-lo com reviravoltas, fazê-lo sentir-se ludibriado a ponto de quase desistir, para logo depois tomar novamente sua mão e reconduzi-lo pelos novos caminhos da história… Ah, isso é uma delícia. Um brinde aos grandes contadores de histórias!
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Ricardo Kelmer 2017 – blogdokelmer.com
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The Handmaiden (Ah-ga-ssi)
Coreia do Sul, 2016, 144 min, 18 anos
Direção: Park Chan-wook
Roteiro: Park Chan-wook e Chung Seo-kyung
Baseado no romance Fingersmith, de Sarah Waters
Elenco: Kim Min-hee, Kim Tae-ri, Ha Jung-woo, Cho Jin-Woong
Fotografia: Chug Chung-hoon
Montagem: Kim Jae-Bum
Música: Jo Yeong-wook
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CURIOSIDADES
01- O título original em sul-coreano é Ah-ga-ssi, que significa “A Dama”, referindo-se a Hideko, a jovem herdeira japonesa, enquanto o título inglês é “The Handmaiden” mudando a referência para a criada Sook-hee (Kim Tae-ri). Ao meu ver, o título original faz mais justiça à história, já que a jovem herdeira é a personagem central do filme, o ponto nevrálgico da trama.
02- Tanto o japonês como o coreano foram falados no filme. Antes de filmar, todos os atores tiveram professores japoneses para estudar o roteiro. Após a exibição em Cannes, a atriz sul-coreana Kim Min-hee, que interpreta a herdeira Hideko, foi aplaudida por jornalistas japoneses por sua proficiência no japonês.
Treiler do filme
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01- belíssimo nas cenas de contação da protagonistas ..as referências literárias..a forma de ir e voltar do próprio roteiro..estou dando um tempinho p revê-lo.bjbjbj. Shirlene Holanda, São Paulo-SP – fev2017
02- Vou ver !!! Adriana Alves, São Paulo-SP – fev2017
03- Estou louca pra assistir!! Taís Krugmann, Corumbá-MS – fev2017