12set2014
Faltou bom senso e respeito aos criadores dos anúncios. Faltou noção das coisas. Faltou tudo
A PIOR CAMPANHA ANTIMACONHA DO MUNDO
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Tem estupidez que é tão estúpida que se torna divertida. É o caso da campanha contra a legalização da maconha, promovida por um certo movimento Brasil sem Drogas. Os anúncios criados para a campanha abordam a questão das drogas de uma forma tão absurda que é impossível, para alguém de bom senso, levar a coisa a sério. Ou seja, o movimento criou uma campanha para ridicularizar a si próprio. E, pelo imediato efeito que provocou nas redes sociais, com piadas, paródias e galhofas de todo tipo, é uma séria candidata a entrar para o rol das piores campanhas de todos os tempos, um clássico do “como não se deve fazer”.
Os anúncios partem do princípio de que, uma vez legalizada a maconha, médicos, pilotos, professores e motoristas passarão automaticamente a trabalhar sob efeito da erva. É uma premissa tão estúpida que não deveria merecer respostas sérias. Exatamente por isso a campanha imediatamente tornou-se alvo de piadas e chacotas saborosas. Se a campanha buscava iniciar uma discussão séria, a falta de noção dos anúncios dificulta essa possibilidade.
Analisando friamente os anúncios e tentando entender a lógica da campanha, rumamos inevitavelmente para duas possibilidades: ou os organizadores são altamente desqualificados para uma discussão legítima e profunda sobre o tema (ignorância moralista) ou eles tinham o propósito preestabelecido de confundir a opinião pública (desonestidade intelectual), apelando para uma mensagem alarmista e gerando ainda mais desinformação em torno de um tema delicado e polêmico.
Além de ser ridicularizado até por quem é contra a legalização, o movimento Brasil sem Drogas talvez precise arcar com o dissabor de processos judiciais, pois alguns profissionais se sentiram ofendidos pela campanha. De fato, os anúncios são muito grosseiros e desrespeitosos ao propor a ideia de que pilotos de avião, médicos, professores e motoristas são irresponsáveis a ponto de porem vidas em risco apenas pelo prazer de fumar um baseado. Faltou bom senso e respeito aos criadores dos anúncios. Faltou noção das coisas. Faltou tudo.
E o que leva uma agência de publicidade a participar de tamanha idiotice? A WCOM participou por realmente crer nas ideias da campanha? Ou foi só por dinheiro mesmo? Ou então, e isso às vezes acontece até numa sociedade onde a maconha é proibida, os caras mandaram ver num fumo estragado e criaram esses anúncios bizarros? Se foi isso, então pelo menos que aprendam a lição e da próxima vez procurem um fornecedor melhor.
Indo além do ridículo da campanha, vale a pena insistir num ponto sério da questão: a atual política antidrogas já deu o que tinha que dar. A cada dia, mais médicos, cientistas, estudiosos e líderes políticos alertam para o fato de que o proibicionismo não resolveu o problema, o consumo e a violência só aumentam e a cada dia que passa as drogas estão cada vez mais baratas, potentes e acessíveis. Sejamos francos: a humanidade quer e sempre quis experimentar estados especiais de consciência, o que nos leva a deduzir que se trata de um anseio natural da espécie. Reprimir tal anseio não parece funcionar, e deixar o mercado na mão de bandidos também não.
No Brasil, há um projeto de lei de autoria do deputado federal Jean Wyllys que deverá ser votado em breve. Deixo que o próprio deputado o explique: “Legalizar e regulamentar a maconha e acabar com a guerra às drogas não é somente uma questão de liberdades individuais. É, também, uma questão de segurança pública e de direitos humanos. Por isso, meu projeto de lei 7270/2014 faz muito mais do que regulamentar a maconha: ele propõe uma série de mudanças radicais na política de drogas do Brasil. A legalização da maconha é um primeiro passo que, além de garantir as liberdades individuais dos usuários, será uma ferramenta fundamental para reduzir a violência, deixar de encher nossas prisões com a juventude mais pobre das periferias e acabar com uma guerra que já matou gente demais.”
Voltando ao ridículo dos anúncios… Pois bem, não resisti e criei minhas próprias versões:
Para quem não está familiarizado com o tema, essas receitas malucas (bolacha cream cracker com feijão gelado, miojo com doce de leite…) são típicas da larica, aquela fome que costuma acometer os humanos após fumar um baseado. Além de nos fazer rir bastante, a campanha também ajudou a divulgar excelentes receitas lariquentas.
Os anúncios da campanha são ridículos e agridem a inteligência das pessoas, é verdade. Mas talvez eles estejam apenas refletindo o desespero dos proibicionistas, que veem as políticas de legalização e regulação avançarem nos países democráticos. No Brasil, os debates ainda carregam o destempero das paixões, mas felizmente caminhamos para um amadurecimento da discussão, o que ficou claramente provado nesse caso da campanha do Brasil sem Drogas. Quando boa parte da sociedade reage imediatamente e com tal força a uma tentativa de convencer a opinião pública com argumentos absolutamente estúpidos, isso é um bom sinal.
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Ricardo Kelmer 2014 – blogdokelmer.com
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MAIS VERSÕES DOS ANÚNCIOS (selecionados nas redes sociais)
– Você entraria num avião cujo piloto se envolve com bandidos para poder fumar um baseado? Se a maconha for legalizada, isso não mais ocorrerá.
– Você teria coragem de delegar proteção da biodiversidade a quem pensa que essa diversidade foi criada num passe de mágica 6 mil anos atrás?
– Você teria coragem de entrar num avião pilotado por uma mulher que abortou? Se o aborto for legalizado, isso será normal.
– Você teria coragem de entrar num avião se Marina Silva fosse sua vice?
– Você teria coragem de ser operado por um médico que acabou de fazer uma oração?
– Você teria coragem de ser operado por um médico que dá um pulo vai pra frente e de peixinho vai pra trás?
– Você teria coragem de entrar em um avião cujo piloto é um feto num jarrinho? Se legalizarem o aborto isso será normal.
– Você entraria num avião cujo piloto não consegue se sentar para pilotar? Se o casamento gay for legalizado, isso será normal.
– Você entraria num avião cujo piloto é gato, porém escreve derrepente tudo junto?
– Você entraria num avião cujo piloto já pilotou helicóptero da família Perella?
– Você confiaria sua campanha a uma agência que faz um cartaz usando oito fontes diferentes?
SAIBA MAIS
Projeto de lei 7270/2014 – Conheça o projeto do Deputado Jean Wyllys
O guru do movimento – O movimento Brasil Sem Drogas cita bastante as ideias do ativista antidrogas Kevin Sabet, que luta contra a legalização da maconha no EUA. Conheça as contestações às suas ideias: aqui e aqui
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LEIA NESTE BLOG
Sociedade hipócrita, adolescentes drogados – Inês continuará se drogando e mentindo. Porque os pais e a sociedade mentem para ela
O dia em que morri no Rock in Rio – O primeiro baseado a gente não esquece
Quem tem a droga, tem o poder – Quem ganha e quem perde com a proibição das drogas?
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DICA DE LIVRO
Baseado Nisso
Liberando o bom humor da maconha
Contos + glossário – Ilustrações: Hemetério
Os pais que decidem fumar um com o filho, ETs preocupados com a maconha terráquea, a loja que vende as mais loucas ideias… RK reuniu em dez contos alguns dos aspectos mais engraçados e pitorescos do universo dos usuários de maconha, a planta mais polêmica do planeta. Inclui glossário de termos e expressões canábicos. O Ministério da Saúde adverte: o consumo exagerado deste livro após o almoço dá um bode desgraçado…
> Saiba mais,
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DICA DE VÍDEO
What if cannabis cured cancer – Este documentário de 2010, dirigido por Leo Richmond e com narração de Peter Coyote, mostra as numerosas possibilidades terapêuticas da maconha, principalmente na cura do câncer. Mostra também que sua proibição foi motivada e mantida até hoje por interesses capitalistas da indústria farmacêutica. Versão legendada em português (Maconha, a cura do câncer).
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– Acesso aos Arquivos Secretos
– Descontos, promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)
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