03dez2011
Programas sensacionalistas, ligações rastreadas, câmeras por todo canto… A vidalheia parece ser mesmo irresistível
O CHARME DA VIDALHEIA
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Você entra no elevador, aperta o botão, a porta se fecha. Dá aquela olhadinha no espelho, arruma o cabelo, tira uma melequinha… Só então percebe o aviso na parede: Sorria, você está sendo filmado. Você automaticamente se recompõe e faz uma cara assim de natural. Mas quanto mais tenta, mais fica com cara de ridículo. Como ficar natural num elevador sendo filmado?
Se por um lado, as pessoas não gostam de ser observadas no elevador, por outro lado elas adoram aqueles programas de lavar roupa suja em público. A mulher que traiu o marido com a cunhada e o entregador de pizza que engravidou três irmãs… São ilustres desconhecidos, mas a gente não resiste e assiste a baixaria. Talvez o interesse pela vida alheia seja mesmo algo inerente à espécie. Quem nunca teve vontade de ler um diário secreto? Você não? Ah, você é uma pessoa séria, desculpe.
E aquelas câmeras transmitindo pela internet, 24 horas por dia, imagens do cotidiano de uma fulana qualquer lá no interior da Letônia? Não tem nada demais: é a pessoa lendo, passando daqui para lá, arrumando a gaveta… Mas o que não falta é gente para ficar olhando.
Uma vez uma amiga me revelou algo que não acreditei: é possível rastrear ligações telefônicas usando um simples celular. Você digita a sequência tal e capta as ligações daquela marca de celular num raio de tantos quilômetros. Fiquei passado. Quer dizer que nem uma traiçãozinha ao telefone se pode mais? Minha amiga me passou o celular para eu comprovar, mas eu recusei. Toma, experimenta, é o maior barato – ela insistiu.
– Não, obrigado – respondi convicto. – Isso não é ético.
Minhas convicções duraram vinte segundos. Pensando bem, vou dar só uma experimentadinha… Peguei o aparelho, digitei o código, esperei um pouco e… Putz, era mesmo verdade! Fui captando as ligações como no dial de um rádio. Subitamente, todas aquelas pessoas estavam ali, à minha disposição, conversando, sem imaginar que eram ouvidas. Se o tema não interessava, era só procurar outra conversa. Assuntos familiares, negócios, confidências – tinha de um tudo!
Simplesmente não consegui largar o celular, eu, o cruel auscultador de intimidades. O coração batia forte enquanto as conversas se sucediam. Lembrei de quando era adolescente e brechava as amigas de minha irmã tomando banho lá em casa, fascinado, o coração saindo pela boca. Pois lá estava eu de novo brechando os outros, tomado de um estranho frenesi. Dr. Jekyl, o senhor está com uma cara estranha…
Eu queria escutar tudo. Sim, eu sabia que praticava algo nada ético, claro que sabia. Mas foi impossível resistir àquele voyeurismo auditivo.
– Ei, já chega! Essa ligação vai sair cara…
Era minha amiga atrapalhando a festa, que chata. Mas aquela estranha luxúria já havia me fisgado e afastei-a com o braço: Eu pago, eu pago!
Programas sensacionalistas, ligações rastreadas, câmeras por todo canto… A vidalheia parece ser mesmo irresistível. E o tal código do celular, você não quer saber qual é? Claro que não, você é uma pessoa séria, não tem interesse nenhum na vida dos outros. Né?
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Ricardo Kelmer 2001 – blogdokelmer.com
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> Esta crônica integra o livro A Arte Zen de Tanger Caranguejos
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