09set2010
A primeira vítima da promiscuidade entre poder e religião é justamente o maior dos sustentáculos da democracia: a liberdade
RELIGIÃO NO PODER É FOGO
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Sim, faz parte da democracia que o pensamento religioso tenha representantes na vida política do país. Porém, os cidadãos verdadeiramente democratas devem sempre estar atentos para impedir que a religião ultrapasse seus limites de atuação, pois a primeira vítima da promiscuidade entre poder e religião é justamente o maior dos pilares da democracia: a liberdade. Há vários exemplos históricos das catástrofes que podem ocorrer quando a religião veste o manto do poder político. Mas fiquemos apenas num exemplo: a Santa Inquisição.
Também conhecida por Santo Ofício, a Inquisição é uma instituição católica criada no século 12 para, inicialmente, combater as heresias, ou seja, as demais versões do Cristianismo. A novidade católica inspiraria também a futura igreja protestante, que em alguns países executou na fogueira seus próprios hereges, inclusive católicos. Com o tempo, outras motivações ideológicas, sociais e econômicas se misturaram ao caráter inicial da Inquisição e suas atividades variaram bastante de acordo com o país e a época, mas de modo geral seu objetivo era combater tudo que representasse ameaça à supremacia católica.
A coisa funcionava assim: ao julgar necessário, a Santa Sé enviava seus representantes e instalava os tribunais que, após o julgamento, eram desfeitos. Para que a Igreja não sujasse de sangue suas santas mãos, os tribunais apenas torturavam, extraíam confissões e julgavam, e no fim os condenados eram entregues às autoridades locais para que fossem punidos. O total de execuções é incerto e as estatísticas variam de dezenas de milhares a milhões de mortos em seis séculos de perseguições.
Para ser um réu, bastava uma simples denúncia anônima da vizinha invejosa, o que fazia as chantagens e os subornos correrem à solta, enriquecendo inquisidores e denunciantes e criando na sociedade um permanente clima de terror e paranoia coletiva. Os condenados, se tivessem sorte, sofriam apenas umas torturas educacionais ou tinham tomados seus bens e propriedades. Entretanto, se não confessassem exatamente os pecados que os inquisidores queriam ouvir, a pena era a morte. Havia métodos mortais bem engenhosos e criativos, mas o mais famoso era queimar vivo o condenado numa fogueira, sempre em público para servir de exemplo ao povo. Quando descobriram que alguns morriam por asfixia antes de serem queimados, passaram a embeber enxofre na roupa dos condenados. Mas era tudo por amor a Deus.
Há poucos estudos sobre a Inquisição no Brasil, mas aqui ela também esteve presente, embora de forma menos intensa, condenando a maior parte dos réus por prática de judaísmo – e confiscando todos os seus bens, claro, pois não pense você que sai barato manter em funcionamento o escritório terreno do Reino de Deus. Nos séculos 18 e 19 os tribunais foram gradualmente extintos na Europa, e a Espanha foi o último país a fechar o seu, em 1834. A Inquisição, porém, se mantém viva na Igreja Católica até hoje, com o nome mais agradável de Congregação para a Doutrina da Fé.
Felizmente os tempos são outros e a Igreja já não tem o poder de torturar e queimar vivos aqueles que não seguem os dogmas de sua cartilha – é a liberdade vencendo a ditadura da fé. Alguém pode dizer que a Inquisição está longe demais no tempo e que o exemplo é exagerado. Ainda que fosse distante, e mesmo que soasse exagerado, é preciso que a sociedade continue sempre atenta para que religião e poder não se misturem. Com fogo não se brinca.
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Ricardo Kelmer 2010 – blogdokelmer.com
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DICAS DE LEITURA
A caça às bruxas na Europa moderna – Brian P. Levack (Campus, 1988) – O estranho e terrível fenômeno da caça às bruxas é uma mancha de vergonha não só para a Igreja Católica como também para toda a cultura ocidental. Neste livro, o autor analisa as razões que levaram os tribunais eclesiásticos a julgar e matar milhares de pessoas pela suposta prática de magia maléfica e adoração ao Diabo. Por que tal fenômeno teve lugar justamente nessa época específica da História? Quem eram os acusados e seus acusadores? E por que motivo os julgamentos chegaram ao fim?
A caminho da fogueira – Michael Kunze (Campus, 1989) – Este é o impressionante relato de todo o processo de julgamento e condenação de uma família inteira de camponeses alemães do século XVII. O autor nos põe no interior de toda a trama e, com competência, nos leva a conhecer os meandros escuros dos processos inquisitórios da Idade Média.
Inquisição: prisioneiros do Brasil (Séculos XVI a XIX) – Anita Novinsky (Perspectiva, 2009) – A autora pesquisou arquivos em Portugal e, através da análise dos processos que a Inquisição moveu sobre mais de mil brasileiros, nos oferece um painel sobre a realidade das atividades do Tribunal do Santo Ofício no Brasil entre os séculos 16 e 19.
Perseguição religiosa – A história dos que morreram e mataram porque acreditavam em Deus – Revista publicada pela Mythos Editora.
Métodos de tortura da Inquisição (imagens fortes)
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DICAS DE FILMES
Arquivos Secretos da Inquisição – Documentário. Produção: Canadá, 2006. Direção: Lauren Drewery. Foi exibido em formato de minissérie no canal The History Channel. Baseado em documentos inéditos e pesquisas que revelam inúmeros segredos do Vaticano, a minissérie tem intervenções de especialistas e retrata passagens obscuras da Santa Inquisição católica.
Sombras de Goya – Longa-metragem de ficção histórica. Produção: EUA/Espanha, 2006. Direção: Milos Forman. Conta a história do grande pintor espanhol Francisco Goya dentro do contexto da Inquisição Espanhola do século 18.
As bruxas de Salem – Longa-metragem de ficção histórica. Produção: EUA, 1996. Diretor: Nicholas Hytner. Apesar de não ser sobre a Inquisição, este filme mostra como o fanatismo religioso pode facilmente promover uma histeria coletiva e levar a condenações injustas. O filme conta a história de um episódio real ocorrido no povoado estadunidense de Salem, Massachusetts, em 1692, que foi o último caso de condenação por bruxaria nos Estados Unidos. O filme é baseado em uma peça teatral, escrita em 1953 por Arthur Miller, que também fez a adaptação pro cinema.
Giordano Bruno – Longa-metragem de ficção histórica. Produção: Itália/França, 1973. Direção: Giuliano Montaldo. O processo e a execução do astrônomo, matemático e filósofo italiano Giordano Bruno (1548-1600), queimado na fogueira pela Inquisição por causa de suas teorias contrárias aos dogmas da Igreja Católica.
O nome da Rosa – Longa-metragem de ficção. Produção: França/Itália/Alemanha, 1986. Direção: Jean-Jacques Annaud. Baseado no romance homônimo de Umberto Eco. Num mosteiro beneditino italiano do sec. 14, que guarda uma imensa e preciosa biblioteca, estranhas mortes começam a ocorrer, levando a Igreja a investigar. Nesse cenário instala-se a luta entre os valores da Santa Inquisição, representados pelo Inquisidor Geral Bernardo Gui, e a nova mentalidade renascentista, com sua postura humanista, representada pelo monge franciscano intelectual William de Baskerville.
Para baixar estes filmes: filmesepicos.com
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LEIA NESTE BLOG
O mundo é uma mentira – Este filme mostra o quanto a história é manipulada pelas elites religiosas e econômicas, que “criam” os fatos e nos fazem todos acreditarmos neles, lutarmos por eles, matarmos por eles
Bem vindo ao clube dos excomungados – Para a Igreja o pecado de estuprar ou assassinar alguém é menor que o de praticar um aborto
Memórias de um excomungado – Eu jamais havia cogitado a ideia de que era possível não ter religião ou não acreditar em Deus
A menina, a exorcista e a cantora – Primeiro a menina é usada como laboratório de novas técnicas de exorcismo. Agora é usada como objeto de promoção de igreja evangélica. ATENÇÃO: CONTÉM COMENTÁRIOS VIRULENTOS DE FANÁTICOS RELIGIOSOS
Religião certa e sexualidade errada – Com exceção daquelas mais ligadas à Natureza, as religiões atuais foram criadas por homens e refletem a mentalidade patriarcal dominadora
Religião no esporte é gol contra – Se nada for feito, a religião invadirá os campos e quadras e o esporte virará uma cruzada entre os jogadores e seus deuses. ATENÇÃO: CONTÉM COMENTÁRIOS VIRULENTOS DE FANÁTICOS RELIGIOSOS
Santa Luana, livrai-nos dos fanáticos – Crer que o ser supremo do Universo está do meu lado e castigará quem discorda de mim e que o meu deus é real e os outros são mentira – isso não é fanatismo? ATENÇÃO: CONTÉM COMENTÁRIOS VIRULENTOS DE FANÁTICOS RELIGIOSOS
Meu futuro de popistar cristão – Meus shows seriam superanimados, sempre acompanhados de meu time de ruivinhas cristãs de minissaia, as Noviças Viçosas
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Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)
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01- Isso eh muito antigo nem existe mais, tem q se atualizar e parar de perseguir a igreja catolica ! Michele SJ, Fortaleza-CE – set2014
02- A crença no estado não seria outra espécie de religião? Antonio Carlos Bola Harres, Rio de Janeiro-RJ – set2014
03- Apropriado texto. Francisco Coelho, Rio de Janeiro-RJ – set2014
04- Meu amigo, estamos em 2014, fazer uma analogia entre o mundo de hoje e o de 600 anos atrás está fora de questão. A religião foi uma maneira encontrada pelos Homens para se aproximarem de seus Deuses. O problema são os homens e não as religiões e Deus não faz mal algum a seus filhos. Claudio Salazar, Fortaleza-CE – set2014
05- Você já ouviu sobre maçonaria? CasaVistamar Ilha Grande, Angra-RJ – set2014
06- concordo em partes, o problema não é a pessoa religiosa gerir um país, e sim o tamanho do preconceito que esta sendo propagado pelos mesmos, onde uma pessoa é julgada simplesmente por não participar de um culto, celebração ou reunião, vindo mais de protestantes que são os que mais se reprimem e impõe suas “verdades” absolutas. Nelis Ferreira, Caucaia-CE – set2014
Onde baixar estes filmes:
O Fato é que estado é estado e igreja é igreja. O governo deve ter leis baseadas na realidade dos indivíduos, já a igreja tem questões pessoais de fé, você acredita, segue ou não, a escolha deve ser de cada um. Quem pode dizer que está fazendo a vontade de DEUS?Quem é o dono da verdade?A igreja tem um significado sentimental para boa parte das pessoas, até aí tudo bem, mas no momento em que interfere na liberdade individual, desreipeitando o espaço de cada um, já teve seus limites rompidos.Ótimo texto!
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> A vontade de Deus… Se Deus tem vontade, então ele ainda é um deus incompleto e limitado. Se existe evolução pra um deus, deve ser exatamente livrar-se de sua própria vontade. Vontade pressupõe o tempo presente, em que se tem a vontade, e também o tempo futuro, em que a vontade será satisfeita. Se um deus tem vontade, ele necessariamente está preso ao tempo linear, passado > presente > futuro, feito de causas e consequências. Um deus mais evoluído não precisaria ter vontade de que algo existisse ou acontecesse – tudo já seria como ele imagina ser.
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As religiões, de uma maneira geral e segundo a visão de Ken Wilber,mantêm a humanidade num nível de percepção e somente quando elas avançarem em um nível acima as pessoas poderão expandir a percepção. De certa forma elas detém o “controle” e quando continuarem indicando o caminho para a grande maioria estaremos andando às cegas. Desenvolver o próprio caminho é possível e necessário, independente de religião. Ser espiritual é ir além dos condicionamentos. Namastê!
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> Sábias palavras, Mirian. Religião é controle. Isso diz tudo.
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