Ricardo Kelmer 2009
Na verdade os fumantes, com sua deselegância, acabaram criando uma severa lei contra eles próprios. Não deixa de ser irônico
Jurei a mim mesmo que no primeiro minuto do dia 7 de agosto de 2009 eu publicaria uma crônica sobre uma das leis mais gritantemente óbvias que podem existir. Promessa cumprida.
A lei número 13.541/09, sancionada pelo governador José Serra, proíbe a partir de 07.08.09, em todo o Estado de São Paulo, fumar em locais fechados de uso coletivo, públicos ou privados. A fiscalização, que ficará a cargo dos agentes sanitários, não será feita sobre os fumantes mas sobre os estabelecimentos, que, caso não mantenham o ambiente totalmente livre de tabaco, serão multados e poderão ser fechados.
Várias experiências em outros países inspiraram a lei paulista e elas mostram que a sociedade lucra com a medida. Os donos de bares, boates e restaurantes estão naturalmente apreensivos com a possível queda de faturamento e ela certamente ocorrerá mas será pequena e por pouco tempo, o que desmentirá os terroristas da fumaça, que pregam o risco de demissões em massa.
A classe dos fumantes se adaptará à lei, saindo pra fumar, passando a fumar menos ou até mesmo aproveitando o embalo pra largar o vício. Os funcionários não mais serão obrigados a trabalhar respirando o ar poluído dos estabelecimentos. E os estabelecimentos poderão ter problemas com fumantes fissurados mas isso fará parte das raras exceções pois nem esses desejarão que seja fechado o lugar que frequentam.
Inegavelmente, a turma dos não-fumantes tá muito feliz: a lei lhes soa como uma espécie de justiça tardia. Assim como fumar é uma opção, não fumar deveria também ser. Mas infelizmente nunca foi pois os não-fumantes sempre foram obrigados a fumar por causa de fumantes que acham que seu vício deve afetar não só a eles mas também a quem estiver por perto, o que, convenhamos, é um comportamento no mínimo deselegante, pra não dizer estúpido. Na verdade os fumantes, com sua deselegância, acabaram criando uma severa lei contra eles próprios. Não deixa de ser irônico.
Tenho ouvido queixas curiosas dos fumantes em relação à lei. Um amigo vegetariano, justificando sua discordância, me disse que a presença de pessoas comendo carne o incomodava bastante mas que isso não justificaria uma lei que as proibisse de comer carne. Uma outra, inconformadíssima, lembrou que os fumantes não podem pagar por terem sido ludibriados pela indústria do fumo, que os enganou ao vender cigarro com clima de status e glamur. Ainda teve outra que jogou uma praga: o governador terá de pagar o tratamento dos que, no inverno, vão se resfriar por terem de sair à rua pra fumar. São queixas que, de tão descabidas, nem merecem resposta.
A indústria tabagista? É claro que odeia a lei e já tentou derrubá-la várias vezes, patrocinando ações movidas por associações de bares, restaurantes e hotéis. Felizmente a lei continua de pé e pelo andar da fumaça, cada vez mais países a adotarão, fortalecendo a tendência mundial de se investir em qualidade de vida ainda que isso signifique contrariar fortes interesses comerciais.
Recordo agora, particularmente falando, de que, por conta dos ambientes poluídos de cigarro, precisei abandonar meus bares preferidos. Agora poderei voltar a eles, ô maravilha, e beber com os amigos sem o incômodo dos olhos irritados, da tontura e da dor de cabeça que a fumaça me traz. Assim como eu, muita gente se sentirá mais à vontade pra sair e isso trará novos clientes à noite da cidade. E todo mundo ficará aliviado por não ter mais de chegar em casa com pele, roupa e cabelo fedendo a cigarro.
Decerto nem todo não-fumante sofre como eu por causa do cigarro alheio. Eu sou desses que precisa beber pra anestesiar olfato e paladar e, assim, poder beijar com prazer uma mulher que fuma. Outro dia o suor da moça fedia tanto a nicotina, mas tanto, que bati o recorde mundial de sexo sem respirar. O que a gente não faz… Mas como eu dizia, nem todo não-fumante sofre como eu – mas todos eles a partir de agora não sofrerão mais os males do fumo passivo, o que lhes trará mais saúde, com exceção, é claro, dos que vivem com fumantes pois a lei não se aplica ao ambiente particular das residências. Bem, cada um sabe onde o pulmão lhe aperta.
Em breve as novas gerações comentarão com assombro de um tempo em que as pessoas discutiam a obviedade da proibição de se fumar em ambientes públicos. Tempo estranho. Que já vai tarde.
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Ricardo Kelmer – blogdokelmer.wordpress.com
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Saiba mais:
> Lei contra o tabagismo no mundo (ago2009)
> Lei antifumo tem 88% de aprovação em SP (Folha OnLine, 16.08.2009)
> Lei antifumo em outras cidades brasileiras (UOL, 19.08.09)
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Também ZEN assino embaixo !!!
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