23set2014
Um dia, porém, alguém desconfia. E entende que os que olham para fora, sonham, e os que olham para dentro, despertam. E aí a pergunta é inevitável
A PERGUNTA
.
Quando você estiver lendo esta crônica, eu talvez já esteja morto, meu corpo estirado no chão da sala e o vizinho desconfiando do mau cheiro. Ou talvez eu tenha sumido de repente, sem explicação, e neste exato instante estou sendo torturado numa sala sombria. Tudo é possível. Tudo pode acontecer agora que… descobri a verdade.
Ultimamente, eu vinha desconfiando. Porém, de um tempo para cá tudo ficou óbvio: a Inteligna existe. Parece papo de maluco, teorias da conspiração… Mas não é. A Inteligna existe sim. A Inteligência Maligna. E está cada vez mais poderosa. Ops! Acabo de escutar algo… Tem alguém aqui no apartamento… Eles chegaram! Nãããão! Aaaaaaahhhhhh!!!…
Eu exagerei, admito. Foi só um pouco de drama para chamar sua atenção. Mas a Inteligna existe. E sabe muita coisa. Sabe muito sobre você, por exemplo, pelas pistas que deixa por onde passa: seu cartão de crédito, o movimento da conta, navegação na internet, telefonemas… Sem falar nas câmeras de vigilância. Acha que exagero de novo, né? Ou que fumei daquele da lata. Eu entendo, é mesmo difícil conceber que somos monitorados por uma inteligência maquiavélica e invisível, que nos mantém sempre ocupados para que não façamos a pergunta.
Mas, que pergunta? Não posso dizer aqui… é perigoso. Mas posso dizer o motivo de não a fazermos: nós somos escravos. Escravos de uma realidade que nos cerca e cega o tempo todo com ideias e valores que fazem com que nos comportemos feito uma boiada. Numa boiada, todos seguem o movimento geral, ninguém se detém para pensar por que tem mesmo que seguir por aqui e não por ali. Se pensasse, perceberia coisas estranhas. Perceberia que, apesar da publicidade insistir no contrário, um celular novo não traz felicidade. Nem possuir o carro do ano. Nem ter vinte bolsas no armário, nem usar roupas de grife, nem frequentar o lugar da moda, nem ter o corpo igual ao daquela modelo.
Sutilmente, repetindo dia após dia, a Inteligna faz você se convencer que precisa de tudo isso para se autorrealizar. Então você compra isso e mais aquilo e se sente vivo, e brinda à sua felicidade, tim-tim! Mas aí o que você comprou saiu de moda. Aí lançam um modelo melhor e você ainda nem terminou de pagar o anterior. E aí você se endivida ainda mais. E não consegue alcançar a tal realização. Claro. A Inteligna não vende realização, vende ilusão. Se vendesse autorrealização, diria para você buscar onde ela sempre esteve: em você mesmo. Diria para você parar um pouco e deixar a boiada seguir sem você. Somente assim você se daria conta que não é apenas uma estatística de consumo, e se perceberia uma pessoa única. Então você diria oi para si mesmo e se faria a pergunta fatal.
O diabo é que isso nunca lhe ensinaram. Não se fala disso nos comerciais da novela, pois a Inteligna ocupa todos os espaços. Sim, uns livros falam disso, é verdade. Mas como encontrá-los?
Um dia, porém, alguém desconfia. E entende que os que olham para fora, sonham, e os que olham para dentro, despertam. E aí a pergunta é inevitável. A Inteligna sabe que os que fazem a pergunta automaticamente se desconectam da realidade criada por ela, feita de modismos, consumos, boiadas e ilusões. E o pior: esses que despertam acabam influenciando outros…
E qual é a pergunta que a Inteligna tanto teme? ‒ você já deve estar impaciente. Não posso dizer aqui, entenda. Melhor deixar a Inteligna na dúvida sobre se eu realmente sei ou não. Mas eu a escrevi neste texto, apenas está codificada. Se você já começou a virar o olhar para si mesmo, saberá encontrá-la.
Um boi que escapole da boiada é a verdadeira revolução. Porque o trabalho de trazê-lo de volta é maior que o de manter a boiada junta. Então seria melhor uma boiada inteira fugindo ‒ você pode concluir. Não. Porque ainda seria uma boiada. A única revolução possível é a individual. E começa com a pergunta que não querem que você faça.
.
Ricardo Kelmer 2006 – blogdokelmer.com
.
Esta crônica integra o livro Blues da Vida Crônica
.
.
LEIA NESTE BLOG
Jung – a jornada do autodescobrimento – Vídeo com um resumo da vida e das ideias de Carl Jung, o psicólogo e pensador suíço criador da teoria do inconsciente coletivo
Mulheres na jornada do herói – É ainda mais interessante ver o relato das mulheres pois elas sempre foram, mais que os homens, historicamente reprimidas na busca pela essência mais legítima de suas vidas
A ilha – Uma fábula sobre o autoconhecimento
Seguir a boiada ou as próprias convicções? – Aos poucos podemos, cada um de nós, começar a agir de acordo com as nossas próprias verdades, aquelas que nos fazem sentir mais vivos, úteis e autênticos
A Matrix em cada um de nós – Em busca da realização mais íntima (tornar-se o Predestinado), o ego deve empreender uma longa jornada de autoconhecimento onde não faltarão medos e conflitos para fazê-lo desistir
Pequeno incidente em Hukat – Integrante do Projeto Sapiens de Monitoramento Planetário descobre irregularidades comprometendo a evolução da espécie humana e se envolve em rebelião contra Deus, o psicomputador.
.
DICA DE LIVRO
Matrix e o Despertar do Herói
A jornada mítica de autorrealização em Matrix e em nossas vidas
Usando a mitologia e a psicologia do inconsciente numa linguagem descontraída, Kelmer nos revela a estrutura mitológica do enredo do filme Matrix, mostrando-o como uma reedição moderna do antigo mito da jornada do herói, e o compara ao processo individual de autorrealização, do qual fazem parte as crises do despertar, o autoconhecer-se, os conflitos internos, as autossabotagens, a experiência do amor, a morte e o renascer.
.
.
– Acesso aos Arquivos Secretos
– Descontos, promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)
.
.
01- Myitoooooooooo fodaaa esse texto Primo!!!! A inteligna está em tudo ao nosso redor, nos mantendo dentro do pasto cercado com grades e arames e concreto. A única forma de escapar é por um caminho que inicialmente é escuro, cheio de dúvidas. . O Caminho para Dentro. Rafa Moreira, Fortaleza-CE – jan2015
02- bacana, Kelmer!!! Tô de olho….rs. Teo Lorent, São Paulo-SP – jan2015
03- Sensacional como sempre. Jayme Akstein, Sidney-Austrália- jan2015
04- #Dalata. Alberto Perdigão, Fortaleza-CE – jan2015
05- Identificação total. Que texto foda! ! ! Grande Ricardo! Alexsander Lepletier, Rio de Janeiro-RJ – jan2015
06- Quando encontramos a pergunta ja sabemos a resposta. Muito bom, Ricardo! Ana Claudia Domene Ortiz, Albuquerque-EUA – jan2015
07- cara, eu te curto demais….vc escreve coisas que eu penso! Mayara Nirley, Aracaju-SE – fev2015
08- Muito bom e bastante reflexivo! Fiquei um tempão subindo e descendo… lendo nas entre-linhas… Jean Nascimento, Aracaju-SE – fev2015