20jul2014
Acho que Deus deveria controlar melhor as fronteiras do Além. Tá muito esculhambado
O MÉDIUM, O MARIDO, O MORTO E A AMANTE
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Acabo de saber da última do Ageral, o bloco do Agora Esculhambou Geral. Veja só. Uma mulher é acusada de mandar matar o amante. O advogado usa como defesa uma carta psicografada num centro espírita, ditada pelo próprio amante morto, que, do além, inocenta a amante do crime. Se a carta foi determinante, eu não sei, mas o júri inocentou a mulher.
Se a moda pega nos tribunais, já pensou? Teremos agora, além dos advogados e testemunhas, a ilustre figura do médium de defesa. E nada impede que haja também o médium de ataque. Já que é assim, proponho, pra equilibrar o time, a escalação do médium-volante. E, logicamente, vale gol espírita.
Suponhamos que você é o morto de um crime envolvido em mistério, e que você, de onde quer que esteja, pode usar um médium pra ditar uma carta. Você obviamente aproveitaria pra esclarecer as circunstâncias do seu assassinato e apontaria o criminoso, né? Pois o infeliz do amante morto, que deuzutenha, não fez isso. Chamava-se Ercy e era tabelião. E a mensagem era endereçada… ao marido de sua amante Iara. Vixe! Exatamente, Iara era casada. Mas vamos a um trecho da dita cuja: “O que mais me peza no coração é ver a Iara acusada deste feito por mentes ardilosas como as dos meus algozes. Por isso tenho estado trizte e oro diariamente em favor de nossa amiga para que a verdade prevaleça e a paz retorne aos nossos corações”.
Vamos por partes. Pesa com Z? Triste com Z? Hummm, tem algo estranho aqui. Que diabo de tabelião é esse que não sabe escrever? Ou a gente desaprende a gramática depois que desencarna? Ou o tabelião foi pro inferno e o calor de lá atrapalha a concentração? Talvez o tabelião, uma vez do lado de lá, tenha virado o Zorro do Além, ferrenho defensor das ex-amantes dezamparadas.
Tudo bem, você acha que eu tô debochando de coisa séria. Mas, gente, essa história é muito cabeluda. O pior é que infelizmente tem mais. No fim da carta, o tabelião assina: Erci. Ops! Mas o nome dele não é Ercy, com Y? Socorro, manhêêê, a gente desaprende o próprio nome depois que morre!
Tá, vamos ter mais boa vontade com o caso. Vai que o médium lá do centro comeu uma coxinha estragada e por isso psicografou a carta apressado. Conclusão natural, ou sobrenatural: a culpa dos erros gramaticais é do médium. Entendi. O médium matava as aulas de português pra receber espírito.
Mas ainda tenho dúvidas. E se o morto estiver mentindo? Vai que Iara é realmente culpada e o morto-tabelião tá tentando salvar a pele da ex-amante. Ué, por que isso não pode acontecer? Faz anos que ele morreu, passou a raiva, já perdoou a amante assassina. Cá pra nós: na verdade ele ainda a ama e, lá onde está, escreve sonetos apaixonados e sente falta daquelas noites em que bebericavam licor de jenipapo escutando Vicente Celestino e coisital… Sei lá por que Vicente Celestino. Coisa de tabelião. Pois bem, os mortos não podem mentir? Ou depois que morre, a gente, além de analfabeto, vira santo?
Acho que Deus deveria controlar melhor as fronteiras do Além. Tá muito esculhambado. O Ageral se infiltrou no mundo pós-morte ‒ onde isso vai parar? Daqui a pouco entrarão lá com celulares. Minha proposta: morto só pode se comunicar com vivo após se cadastrar no Procecom (Programa Celeste de Comunicação), ter ficha limpa e pagar a taxa no Banco do Brasil. E não custa nada incluir também no programa um cursinho básico de gramática.
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Ricardo Kelmer 2006 – blogdokelmer.com
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01- Muito engraçado… Com certeza tem um “zombeteiro” perto de vc, kkkkkk!!!! E o tabelião de pijama, huahuahuahua!!! So vc mesmo p me fazer rir tanto. Lua Morena, Brasília-DF – jun2006
02- amei, trocar advogados por médiuns, acho q ficará mais barato, mais emocionante e menos chato !!!!!kkkkkkkkkkkkk tomara q nenhuma advogada leia isso!!!! hehehe !!!! Marysol Rosso, Cocal-SC – jun2006
03- achei tipo assim: de muito bom gosto, inteligente, charmoso. gostei . Rosa Red, Jardins-MS – jun2006
04- Adorei o texto, com humor maravilhoso, bem conduzido. Merece entrar entrar num livro de crônicas. Jayme Akstein, Rio de Janeiro-RJ – jun2006
05- Enfim , gostei muito . Voltando àquele papo de “ discurso polifônico”, essa tua sugestão de “ controlar melhor as fronteiras do Além ”, de cadastro no “Procecom ( Programa Celeste de Comunicação )”, de exigir o sujeito (a) ter “ ficha limpa e pagar a taxa no Banco do Brasil”, me lembrou também daquele aparente improviso do Vinicius de Morais ao final de Samba da Benção – lembra? “A vida é pra valer / E não se engane não , tem uma só / Duas mesmo que é bom / Ninguém vai me dizer que tem / Sem provar muito bem provado / Com certidão passada em cartório do céu / E assinado embaixo : Deus / E com firma reconhecida!” Marcelo Pinto, Rio de Janeiro-RJ – jun2006
06- hoje entrei em seu site e li : o médium,o morto, o marido e a amante (desculpa se não for exatamente esse nome…hehe) pois é, e estou lhe escrevendo para contar que achei muito engraçado…adorei…seu trabalho é otimo…sempre dou uma espiadinha em seu site…Beijinhos. Fernanda Dias Castro, Ponta Grossa-PR – ago2006
07 – rsrsrs estive lá no seu site. a história do médium-volante é muto boa rsrsrs depois degustarei mais. aquele abraço. p.s. gostei do seu jeito de escrever. Aroeira, Belo Horizonte-MG – dez2006
08- Olha aí Glauber Filho, isso não dá um bom roteiro? Eduardo Freire, Fortaleza-CE – jul2014