Sonhos urbanos

27/04/2009

27abr2009

RK201411SonhosUrbanos-625f2X.

SONHOS URBANOS
Ricardo Kelmer
.

O sonho nasce na esquina
Sob a sina do sobreviver
O nome do sonho é desafio
Ele tem frio e quer comer

O sonho cresce no concreto
É discreto e ninguém vê
O nome do sonho é paciência
É ardência, é tesão, é viver

Sonhos urbanos
Escreve-se com dor neon
Leva cano mas não perde o tom
Sonhos urbanos
Suba no palco e diga sim
Mas não baixe o pano antes do fim

O sonho vive no futuro
No escuro do que vai haver
Ele só quer seu direito
Só um jeito de acontecer

O sonho morre de madrugada
Na estrada que não pôde ser
Mas de manhã acorda com fome
Porque seu nome é renascer

.

Ricardo Kelmer 2005 – blogdokelmer.com

.

sonhosurbanoslogo7bEsta é a letra da música Sonhos Urbanos, que compus com Flávia Cavaca pro seriado Sonhos Urbanos, que começou a ser produzido e gravado no Rio de Janeiro em 2005 mas não chegou a ser exibido. Quem sabe em São Paulo os Sonhos Urbanos se tornem realidade… 

> Clique pra baixar e escutar
> Mais músicas kelméricas

.

.

Seja Leitor Vip e ganhe:

Acesso aos Arquivos Secretos
Descontos, promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer(arroba)gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer. (saiba mais)

.

.

Comentarios01 COMENTÁRIOS


Crimes de paixão

15/11/2008

15nov2008

CrimesDePaixao-02

.

GuiaDeSobrevivenciaCAPA-1bDetetive investiga estranhos crimes envolvendo personagens típicos da boêmia Praia de Iracema e descobre que alguém pretende matar a noite.

Terror, mistério, erotismo

.

> Este conto integra o livro Guia de Sobrevivência para o Fim dos Tempos

> O livro Crimes de Paixão, contendo somente este conto, pode ser adquirido em PDF (direto com o autor) e também na Amazon (kindle).

.

CRIMES DE PAIXÃO

.

Todos os frequentadores do Quais Bar pararam surpresos quando chegaram no sábado e descobriram que o Olimar não aparecera para trabalhar. Afinal de contas, além de se tratar do garçom mais folclórico do boemíssimo bairro da Praia de Iracema, ele era conhecido por Penalidade, alcunha que lhe botaram os clientes por ter faltado ao trabalho uma única vez em vinte anos de profissão – justamente por ter, no dia, defendido de forma magistral uma penalidade máxima na final da Liga de Futebol do Quintino Cunha. A comemoração foi tamanha que à noite não teve condições de trabalhar. Olimar, o Penalidade.

E agora o homem faltava pela segunda vez. Era um acontecimento quase tão histórico quanto o da primeira. Gente se gabava de ter estado no bar na noite em que o Penalidade faltara. Roger Gaciano Jr., o renomado jornalista e frequentador da praia, procurando alguém para ilustrar sua matéria sobre a boemia do bairro, entrevistou quem? O garçom Penalidade, claro. E a entrevista até hoje está lá na parede do bar, plastificada para todo mundo ler.

– O Olimar não veio trabalhar?! Será que defendeu outro pênalti?

– Proponho realizarmos uma assembleia pra mudar seu nome pra Dupla Penalidade…

Especulações correram soltas por toda a noite. Apostas foram abertas, um mês de birita grátis para quem acertasse o motivo da segunda falta do Olimar. Tão carismático o homem que até mesmo sua ausência era uma festa.

Porém, no domingo à noitinha, quando a mulher do Olimar chegou ao bar perguntando pelo marido, começou-se a desconfiar de algo mais sério. Dona Cândida, aflita, menino novo no braço, dizia que ele saíra sábado à tarde e desde então não teve mais notícia. Carlitos, dono do Quais Bar, sensibilizado com a aflição da mulher, propôs organizarem uma comissão para ir atrás de notícia do seu melhor garçom. Dona Cândida não se preocupasse, fosse para casa, ele mandaria um táxi deixá-la e logo estaria tudo bem, o Olimar ia aparecer.

O mistério continuou até segunda pela manhã quando o corpo do garçom Penalidade deu à praia da Barra, já em decomposição. O laudo apontaria afogamento. Ele não sabia nadar, portanto jamais se arriscaria no mar. E o mais esquisito é que estava de roupa – teria caído do píer? Dinheiro e documentos no bolso. No corpo, marca nenhuma de violência. O que poderia ter acontecido?

Penalidade foi enterrado no fim da tarde. Consternação geral. Quase todos os seus clientes se fizeram presentes, inclusive os ocasionais e até mesmo os que lhe deviam e ultimamente evitavam aparecer. A viúva recebeu ofertas de auxílio e pôde constatar como era querido o finado. Um turbilhão de flores acompanhou a descida do caixão e alguém puxou um violão para cantar “Beira-Mar”, de Ednardo, música favorita do Olimar.

No meio do chororô ninguém escutou o Jeová, vulgo Profeta, de dentro de seu casacão preto que havia muito não via sabão, dizer com seu jeito grave e o olhar fixo no caixão que descia:

– Lá se vai o segundo mártir.

Ou se alguém escutou, fez que não ouviu. Já não era fácil aguentar o Profeta nos bares com seus discursos sobre profecias apocalípticas, imagine em enterro.

– Mas o fim não se fez. Ainda restam três…

Apesar de muitos evitarem tocar no assunto, por uma lua inteira não se falou de outra coisa nas mesas dos bares da Praia de Iracema. Os mais inconformados fizeram abstinência etílica de três dias in memoriam. Outros beberam sem parar durante três dias.

Entretanto, ninguém, ninguém se deteve a relacionar a morte do garçom Penalidade com outra ocorrida três meses antes no Le Bombom, um motelzinho humilde frequentado pelas putinhas e travecas de fim de noite. A vítima fora seo Neném, dono do estabelecimento, gentil e pacato senhor de idade. Foi encontrado morto num dos quartos, estirado na cama. Estava nu e com a boca entupida com papel de bombons finos, coisa mais desumana.
.

.

CrimesDePaixao-02O detetive Eládio Vieira, como gosta de ser chamado (porém conhecido no submundo do crime por Eládio Ratoeira), trinta e nove de idade e quarenta de baralho, que sempre se gabou de ser um detetive de nível, acordou naquela manhã numa ressaca federal. Não dormira mais que duas horas. Tomou um banho rápido e pegou um táxi para a favela Verdes Mares. Daquela vez exageraram: o pôquer terminara às seis da manhã. E ainda pagou o equivalente a um mês de trabalho ao filho-duma-égua sortudo do Mardônio.

O detetive Eládio Ratoeira (ele que nos desculpe, mas certos apelidos já fazem parte da pessoa) nunca trabalhava nas manhãs de quarta-feira. Naqueles anos todos nenhum caso foi tão importante que justificasse sua falta ao velho pôquer das terças nem ao sagrado sono da manhã seguinte. Porém, ele conhecia dona Iza, a cigarreira, era seu cliente fazia tempo. E não teve como não se sentir abalado quando soube pelo telefone de sua morte naquela madrugada.

Quando terminou de fazer suas perguntas a vizinhos, parentes e amigos da vítima, o detetive Ratoeira rumou para seu escritório, no centro da cidade. Sentado em sua mesa com vista para a Catedral, comparou as informações que tinha e montou sua reconstituição. Dona Iza chega em casa, um pequeno barraco de madeira na favela Verdes Mares, aproximadamente às quatro da manhã. Vem da Praia de Iracema, onde trabalha como vendedora ambulante de balas e cigarros. Meia hora depois o marido sai para a fábrica, deixando mulher e filho no barraco. As primeiras chamas são avistadas logo depois por três homens que jogam sinuca num bar distante cinquenta metros. Socorrem o menino que dormia e retiram o corpo de dona Iza, já carbonizado, que jaz no chão da cozinha.

Ninguém da favela viu nada suspeito, nenhum fato estranho. Apesar de tudo indicar acidente, Ratoeira coçava a nuca sem entender por qual motivo a vítima não conseguira sair do pequeno barraco a tempo.

À noite, foi à Praia de Iracema. Escutou garçons, taxistas e vendedores ambulantes – todos unânimes em afirmar que se tratava de pessoa querida, simpática e generosa, não cultivava inimizade. Às onze, fechou o caderninho e encerrou as atividades. Mas antes de ir para casa deu uma passadinha no Quais Bar, o bar do finado garçom Penalidade, só para molhar o bico numa cachacinha. Reconstituiu as conversas da noite, uma a uma. A mulher não devia a ninguém, não gostava de confusão, era fiel ao marido. Nem crime passional, nem latrocínio e nem vingança. Restava acidente.

Ratoeira coçou a nuca com a ponta do polegar. Alguma coisa lhe dizia que tinha cachorro naquele mato. E sua intuição nunca lhe pregava peças. Por isso lhe botaram o Ratoeira no nome. Por mais que se esforçasse, não conseguira tirar o apelido. Apelido ridículo, dizia ele, Ratoeira é para investigador de polícia, corrupto e camisa manchada de suor. Ele não, ele tinha nível. Trabalhava de detetive porque sempre gostara de investigar, mas era formado em Engenharia. Dava aulas em cursinho pré-vestibular mas seu negócio era desvendar casos. Era tão bom no que fazia que muitas vezes a própria polícia lhe solicitava auxílio. Aliás, foram eles que lhe botaram o ingrato apelido: Eládio Vieira é nome de professor, diziam. Então ficou Ratoeira. Até algumas madames, sempre preocupadas com as saidinhas dos maridos, conheciam-no pelo apelido: Dessa vez eu tenho certeza que ele está me traindo, seo Ratoeira…

Então tomou um gole e olhou para o mar iluminado da Praia de Iracema, descansando a vista. Os vendedores disso e daquilo, os carrinhos de pipoca e as luzes fortes dos postes faziam aquela parte do bairro parecer um parque. Como o bairro pudera mudar tanto em tão pouco tempo? Alguns anos antes, os bares eram meia dúzia e conviviam pacificamente com os moradores. Agora, eram mais de cem, e de pouco adiantavam os esforços da associação de moradores para garantir mais tranquilidade e respeito às famílias que ainda insistiam em morar ali.

De uns moradores, em depoimentos que recolhera, escutou repetidas queixas quanto ao inferno em que se transformara a vida no bairro. Alguns chegaram a dizer que a morte da vendedora podia ter sido fruto da luta por pontos de venda, já não duvidavam de mais nada, os bares haviam trazido muitas pessoas de fora, e com elas, a violência.

Ratoeira já fora assíduo frequentador do bairro e conhecia sua história. Sabia que procedia a queixa dos moradores. Mas sabia também que a vocação boêmia do bairro vinha de longe e que a proliferação dos bares era difícil de ser controlada por envolver muitos aspectos, entre eles a geração de empregos e o turismo cada vez mais forte.

Ele praticamente deixara de frequentar o bairro depois da massificação. Antes, podia-se caminhar pelas ruas à noite, tranquilamente. Podia-se namorar olhando o mar sem medo de assalto, e os frequentadores conheciam-se uns aos outros e mantinham certa cordialidade para com os moradores. Era comum encontrar uma roda de violão na calçada. A boemia continha em si uma boa dose de poesia e amizade.

Mas agora, não. Em lugar de músicos, artistas, poetas e intelectuais, a Praia de Iracema via desfilar por suas ruas bandos barulhentos de mauricinhos e patricinhas, jovens obcecados pela potência do som de seus carros e a etiqueta de suas roupas. Com eles, vieram assaltos, roubos de carro, brigas nos bares, mortes. Traficantes de drogas e jovens brigões de academia também descobriram o filão. Então vieram os turistas, ávidos por consumo. Depois chegaram as prostitutas, por que não haveria um pedaço também para elas? A Praia de Iracema é de todos! – alardeava o slogan da campanha turística.

O detetive voltou para sua quitinete com muitos pensamentos e uma pulga atrás da orelha. Embora se esforçasse para não levá-lo a sério, não conseguia esquecer do Profeta, o maluco que encontrara no Quais Bar aquela noite. Conhecia-o de vista dali dos bares. Era o mesmo bêbado cabeludo de vinte anos atrás, o mesmo casacão fedorento, a mania de rimar as frases, não mudara nada. Ele sentara-se à sua mesa sem pedir licença:

– Sua intuição está certa, seo detetive. O que aconteceu com dona Iza não foi acidente. Mas não adianta um culpado perseguir, pois a profecia vai se cumprir.

Na hora, não atinou para o fato, mas depois sim: como é que ele podia saber a respeito de sua intuição se não falara dela para ninguém? Era só o que me faltava, pensou intrigado, um maluco lendo meus pensamentos. Bem, concluiu, virando-se na cama para dormir, até mesmo os malucos acertam uma de vez em quando…

Dias depois, o laudo do IML saiu com uma conclusão curiosa: não havia indícios de fumaça nos pulmões da vítima. Isso significava que ela morrera antes de começar o incêndio. Mas não concluía sobre a causa. Para isso seria preciso mais alguns dias.

Ratoeira coçou a nuca com o polegar: quer dizer então que dona Iza já estava morta? Teria sido queda ou algo assim? Ou alguém a matara?
.

.

CrimesDePaixao-02‒ Ô Garçom, duas cachaças, por favor.

– A minha é dupla.

– Muito bem, seo Jeová. O que o senhor sabe a respeito da morte de dona Iza?

Jeová, vulgo Profeta, de dentro de seu velho e endurecido casacão preto, olhou para o homem à sua frente com um misto de simpatia e desdém.

– O que eu sei é o que está escrito, seo detetive…

Naquela noite, uma semana após a morte de dona Iza, Eládio Ratoeira reencontrara o Profeta pelas ruas da Praia de Iracema e o convidou a tomar um aperitivo, por sua conta. Talvez o maluco tivesse algo de interessante a contar, ele que vivia dia e noite a realidade do bairro. O diabo era ter de aguentar o fedor daquele casaco…

O garçom chegou com as bebidas. O Profeta tomou a sua cachaça de dois goles e então pôs-se a falar da noite, da magia da praia e dos segredos dos bares. Contou histórias do bairro, lendas dos antigos moradores da área, personagens que já não existiam mais. Eládio Ratoeira escutava com atenção, surpreso com a própria paciência. O Profeta andava por ali desde o início da ocupação da praia pelos bares, ele e seu casaco, o cabelo sujo, os dentes estragados e todas as suas histórias esquisitas. Diziam que fora fotógrafo de jornal. Diziam que tivera uma banda de rock nos anos 1970, Punk Froid ou algo assim. Diziam que endoidara por causa de mulher. Não havia quem não o conhecesse, quem já não lhe tivesse pago uma dose de cana.

– Não duvide da realidade, seo detetive. Isso é importante pra sua profissão. Por exemplo, se eu disser que tem alguém sentado nesta mesa com a gente, alguém que veio com o senhor, o senhor duvidaria, né?

Eládio Ratoeira olhou automaticamente para o lado. Quando deu-se conta, irritou-se consigo mesmo e entendeu que já escutara demais, meia hora ouvindo maluquices, onde andava com a cabeça? Então respirou fundo e, botando um pouco de autoridade na voz, falou que já estava tarde e que se o outro não tivesse nada de mais concreto para dizer, então fosse desculpando que ele tinha trabalho amanhã cedo. E pediu a conta.

O Profeta sorriu um sorriso curto de resignação.

– Vou falar na língua que o senhor conhece, seo detetive. Me diga uma coisa. Se o senhor não sabe que eu tenho nas mãos uma quadra de damas, então essa quadra não existe pro senhor, não é mesmo? Não existe porque o senhor não sabe que eu tenho, não é isso? Pois ela existe sim, independente do senhor saber.

O detetive Eládio Ratoeira, quarenta anos de baralho, encarou o Profeta e sentiu um calafrio lhe percorrer a espinha. O maluco sabia que ele jogava pôquer? Então lia mesmo pensamentos?

Por alguns segundos, manteve o olhar fixo nos olhos do homem, procurando alguma pista que indicasse qualquer coisa… Mas a expressão do outro não mudou, permaneceu impassível, o olhar manso e desarmado, tipo do sujeito incapaz de mal algum.

De repente, um gato preto entrou pela porta do bar e aproximou-se da mesa, miando para o Profeta. Ele o pegou nos braços e pôs no colo, acariciando-lhe o pelo.

– O senhor está investigando somente o caso de dona Iza, não é? Pois vou ampliar um pouco mais seu horizonte. É só porque simpatizei com a sua honestidade.

Eládio Ratoeira esperou. Dos braços do Profeta, o gato preto o observava com seus olhos amarelos.

– Olhe, a morte de dona Iza tem dois precedentes. Um é seo Neném, dono do motel, que morreu cinco meses atrás. O outro é o garçom Penalidade, morto faz dois meses. Eu sei que o senhor sabe, eu sei. Mas ainda não ligou os fatos. Os três eram personagens conhecidos na praia, faziam parte da paisagem. Atente pra ironia, homem: o dono do motel, que vendia sexo, morreu na cama. O garçom, que vendia bebida, morreu afogado. E a cigarreira morreu queimada.

– Morreu antes de ser queimada – interrompeu Ratoeira, dando-se conta, um segundo depois, que revelava um segredo de trabalho.

– É o simbolismo que vale. A noite está morrendo por meio de seus personagens. A profecia é desumana, mas é real.

– Que profecia?

– O senhor conhece. Um dia, a noite da Praia de Iracema vai morrer.

Eládio Ratoeira perdeu de vez a paciência. Pagou a conta e levantou-se.

– Pelo que me consta, seo Profeta, e talvez não conste ao senhor, é que foi uma mulher loira, bonita e aparentando vinte e poucos anos, trajando vestido preto, que foi vista na companhia de seo Neném poucos minutos antes dele ser encontrado morto. Nada de símbolo. Foi assassinato e vou provar.

– Então, homem? Pra que melhor simbolismo? Uma loira bonita e cruel, vestida de preto… A cool girl will kill you in a darkened room… O senhor conhece essa música?

Pronto, o maluco sabe inglês, pensou Ratoeira, coçando a nuca.

– O senhor está tão obcecado em descobrir o assassino que não consegue ver o óbvio.

Ratoeira caminhou para a calçada e, enquanto acenava para o táxi, pôde ouvir o Profeta lá na mesa, ainda com o gato preto nos braços:

– Toinho, Tereza, Tarzan… Quem é o próximo de amanhã?
.

.

CrimesDePaixao-02Durante os dias que seguiram, o detetive Eládio Ratoeira aguardou com expectativa o segundo laudo sobre a morte de dona Iza. Finalmente, obteve uma informação: os legistas não conseguiam descobrir a causa mortis. Simplesmente, não sabiam.

A segunda conversa com o Profeta repercutia insistente em sua cabeça. Aquela história da profecia sobre a morte da Praia de Iracema era antiga, mas era apenas mais uma das histórias malucas sobre o bairro. O povo ficava fumando maconha nos becos e inventando aquelas coisas. A verdade verdadeira era que seo Neném morrera de ataque cardíaco e a mulher loira fora realmente vista na noite do crime por duas testemunhas. O garçom Olimar morrera afogado e não havia suspeitos. O caso de dona Iza é que era o mais misterioso. As mortes, porém, não tinham ligação entre si, como supunha o Profeta.

De qualquer modo, os casos do garçom e do dono do motel não eram da sua conta. O garçom certamente caíra sozinho do píer, embriagado. E a loira suspeita de matar seo Neném estava sendo procurada pela polícia. Seu problema era a cigarreira, descobrir por que ela não conseguira escapar do incêndio.

Eládio Ratoeira ligou o chuveiro e meteu-se debaixo da água fria. O que precisava era de um bom banho e de uma mesinha de pôquer divertida. Quadra de damas… Quem sabe não seria uma dica para a mesa daquela noite? Bem que podia ser. Descontar o que o Mardônio lhe ganhara da última vez.

Após o banho, vestiu-se rapidamente e foi encontrar o resto do pessoal no Papagaio, o único bar que aceitava receber aquela mesa de pôquer, uma mesa no depósito do primeiro andar, é verdade, mas aceitava. Mesa de cinco, uma garrafa de conhaque, pratinho de amendoim. Do lado de suas fichas, uma foto da Danusa pelada, secretária do escritório vizinho ao seu, era para dar sorte, patuá antigo, ela até já casara. O cacife vale vinte, primeira pausa à meia-noite, mexeu no patuá do outro vale uma advertência, o prêmio é um, dois e quatro cacifes, vamos jogar que o jogo é jogado e tomem cuidado que hoje eu tô invocado…

Ratoeira tentava se concentrar no jogo, mas não podia aparecer uma dama na mesa que logo lembrava da conversa do outro. Como o maluco podia saber que ele jogava pôquer? Será que era por isso que o chamavam de Profeta, tinha o dom de adivinhar coisas?

As três cartas da mesa começaram a ser abertas. Uma dama de espadas surgiu. Precisava se concentrar no jogo.

Toinho, Tereza, Tarzan…  Mas até o Tarzan estava metido naquela história? Ratoeira achou engraçado e riu. Precisava se concentrar, estava muito disperso.

A segunda carta da mesa: dama de paus.

Toinho, Tereza, Tarzan… Todos começavam com T. Será que o maluco queria dizer que o nome do próximo a morrer começava com T?

Então, a dama de copas apareceu na mesa. Trinca de damas! Uma exclamação geral percorreu a mesa. Todos se entreolharam, sorrindo maliciosos. Quem tivesse a dama de ouro faria a quadra. Se alguém tinha, sorriu para disfarçar a felicidade. E quem não tinha, sorriu para esconder o medo.

Ratoeira sentia o coração pulando dentro do peito. Ergueu o olhar e, do outro lado da mesa, deu de cara com os olhos desconfiados do Mardônio por trás da fumaça do baseado. Voltou às suas cartas. Ou se concentrava ou então o demônio do Mardônio lhe adivinharia o jogo.

Já havia visto a primeira de suas duas cartas. Era um dois de paus. A outra estava por trás. Faria um pequeno suspense para si próprio. Então, num impulso, dobrou a aposta, ainda sem saber qual era sua segunda carta, uma jogada no escuro. Claro que era arriscado. Não costumava fazer aquilo, mas era o tipo da coisa que podia funcionar como um bom golpe psicológico nos outros jogadores. Tomou um gole do conhaque. Tinha de aparentar calma.

Então Mardônio pôs várias fichas sobre a mesa, dobrando a aposta mais uma vez. E tornou a encará-lo. Os outros jogadores desistiram e sobraram eles dois. Ratoeira, ainda sem ver a segunda carta, pagou a aposta. Alguém assobiou, surpreso.

Ratoeira tentou manter-se tranquilo. A coisa estava ficando séria. Respirou longamente e decidiu finalmente ver a segunda carta. Seu próximo lance dependia dela. Se fosse a dama de ouros, iria com a aposta até o fim do mundo. Tinha que ser a dama. Tinha que ser a quadra. A quadra do Profeta.

Ratoeira deslizou os dedos lentamente, fazendo a pressão exata para que a carta de trás não surgisse de todo. Fazia suspense para os outros e para si próprio. Podia sentir que Mardônio o observava atentamente, pronto para interpretar qualquer mínimo gesto seu. Os outros não ousavam falar nada. Era a maior aposta da noite.

Ratoeira deslizou os dedos mais um pouco. Descobrindo o lado inferior esquerdo, percebeu pelo desenho que a carta era uma figura, não era um número. O coração disparou. Tinha uma trinca de damas já certa e agora aquela carta podia ser a outra dama que faltava. Ou era um rei ou um valete ou uma dama. Tinha de ser a dama de ouros.

Continuando o suspense, descobriu um pouco da parte superior esquerda e a letra começou a aparecer, em cor vermelha, aos poucos, devagarinho, a cor vermelha…

Ratoeira, quarenta anos de baralho, não acreditou no que viu. Por alguns segundos, não conseguiu pensar em qualquer coisa. Depois, imaginou que alguém aprontara alguma brincadeira idiota para cima dele. Mas ninguém ria. Estavam todos sérios aguardando sua decisão.

Ratoeira engoliu seco. Em sua mão estava uma carta que não era rei, nem valete e nem dama. Em sua mão estava um macabro esqueleto sobre um cavalo, empunhando uma foice. E a letra, no canto superior da carta, era um T. Um T vermelho como sangue.
.

.

CrimesDePaixao-02Tânia Mara parou em frente ao espelho do banheiro e enxugou os longos cabelos negros. Passou uma escova e jogou-os para trás. E parou para se olhar. Sua experiência como loira durara apenas seis meses, não foi muito proveitosa, poucos aprovaram. Até mesmo Rian, seu gato, estranhou a mudança. Ficava olhando para ela com seus olhos amarelos, olhando como se não reconhecesse aquela mulher loira. Agora seus cabelos eram negros novamente, a cor do seu gato e das roupas que usava, e era confortável reencontrar a velha imagem.

Vivia um bom momento. Os shows estavam acontecendo. Os rapazes da nova banda eram músicos competentes, e juntos faziam um bom trabalho. A noite aos poucos tomava conhecimento de Tânia Mara. Ah, a vida devia ser sempre assim, ela falou para a imagem no espelho, cantar blues e viver as emoções. De preferência, bem fortes, meu bem.

Deu uma última olhada no corpo nu refletido, o corpo que assumidamente usava como arma, nos palcos e na vida. Pôs duas gotas de perfume nas mãos e passou na nuca e no colo. Apalpou os seios. Olhou-os de perfil. E vestiu uma camiseta preta, que lhe desceu até metade das coxas. No espelho, viu seu rosto ao lado do de Jim Morrison, refletido do pôster da parede de trás. Antes de deixar o banheiro e dirigir-se ao quarto, beijou-o na boca pelo espelho.

– Você não me engana, cara. Sei que está vivo. Um dia a gente se encontra.

No toca-disco da sala, era ele, o Rei Lagarto, quem cantava: If you give this man a ride, sweet family will die… Killer on the road… Tânia Mara fechou os olhos, escutou a música e respirou fundo. Mordeu o lábio. Eu resisto a tudo, meu bem, menos às tentações… No quarto, pegou a garrafa de Jack Daniel´s na mesinha de cabeceira e foi para a sala. Parou na porta, segurando a garrafa e olhando para o homem sentado no chão encostado no sofá. O relógio da parede lhe dizia que demorara vinte minutos no banho. Vinte minutos para o que ele terá é pouco…, ela pensou, sorrindo.

– Tim-tim… – ela brindou, após servir os copos.

– A você. Desumana Tânia.

– A mim.

Enquanto Jim cantava a mortal carona na estrada, Tânia Mara bebeu um pouco do uísque e olhou para o homem à sua frente. Conhecera-o por ocasião de um show, uma semana antes. Logo que chegou ao bar seus olhares se cruzaram de um modo estranho, e durante o show pôde perceber como ele a olhava com desejo. Cantou o tempo todo excitada, sentindo a calcinha molhada. E fez seu melhor show. Quando saiu do camarim passou pela mesa para chamar sua atenção. A isca funcionou: ele a convidou para um drinque e ela aceitou. Ele elogiou sua voz e as músicas, principalmente “Desumano blues”. Ela gostou do jeito dele, misterioso. Além do mais, ele falou: Você tem o jeito da noite… E isso ficou em sua cabeça, não esqueceu. O jeito da noite.

Rian surgiu de repente, vindo da cozinha, e foi enroscar-se em suas pernas. Ela pôs o gato preto em seus braços.

– Escapou, né, safado? Vem, vamos voltar. Hoje você não pode ficar comigo, entenda…

Ela saiu em direção à cozinha e voltou logo depois.

– Quem é você, Tânia?

– Uma garotinha sortuda sob os holofotes da noite.

– Ou só mais um anjo perdido na noite da cidade?

Ela imitou uma garotinha tímida e desprotegida, brincando com os dedos. Então foi até a estante botar novamente o disco para tocar. Podia sentir o olhar dele em suas costas, deslizando pelos seus contornos. Ele agora vai levantar e vir até aqui…

– Também gosta de Jim Morrison? – perguntou ela, pousando a agulha novamente na última música.

– Gosto mais de Tânia Mara.

A voz dele bem atrás, podia senti-la em seu pescoço.

– Por que você diz que eu tenho o jeito da noite?

– Porque a noite é desumana.

Desumana…, pensou ela, saboreando o que escutara.

– Nada que eu possa evitar, meu bem…

– Você tem futuro, Tânia Mara.

– Eu sei.

– Comigo.

– Com você? Essa parte do roteiro não recebi.

– Se quiser, posso levá-la daqui, exibir sua voz pelo mundo, vivermos uma tórrida paixão. No fim, morreremos de amor em Paris. Na banheira de um quarto de hotel.

– Tentador… Mas os lagartos não morrem em Paris, querido.

Primeiro, foi o braço dele em sua cintura, puxando-a com força. Em seguida, foi a sua boca invadindo a dele, as línguas sem cerimônia. Depois as mãos, a camiseta subindo, rasgando, as mãos em suas costas, em seu pescoço, nos seios, seu corpo nu nos braços dele, no meio da sala. Depois foi o sofá, depois as roupas dele, a urgência, o suor. Depois as estrelas, as estrelas… E os teclados gotejantes de um blues morrendo aos poucos, sob a chuva. Depois, o silêncio. Desumano silêncio.

Meu bem, esta cidade ensurdece
E você esquece do que eu tenho pra dizer
Meu bem, a noite é desumana
Fumando e bebendo sozinha em meu apê…

(Tânia Mara – Desumano Blues)
.

.

CrimesDePaixao-02Foi o tenente Trindade, amigo informante na polícia, quem avisou Eládio Ratoeira. Imediatamente, ele pegou um táxi e conseguiu chegar ao apartamento da vítima antes da imprensa, quando a polícia ainda recolhia material e fazia as fotos. Ratoeira conferiu o estrago com os próprios olhos. Viu o corpo nu da cantora, belo e ensanguentado, estirado de bruços no tapete, as pernas abertas, o pescoço rasgado. A polícia já havia recolhido alguns objetos para análise pericial, entre eles dois copos e um disco de vinil partido ao meio com restos de sangue.

– Conhece, Ratoeira? – perguntou o tenente Trindade, mostrando o disco partido.

– “L. A. Woman”. Um crime quebrar um vinil desse.

Ratoeira caminhou pelos aposentos. No mural do quarto viu fotos, bilhetinhos, cartazes de show… De repente, um gato preto surgiu correndo e foi meter-se debaixo do guarda-roupa. Pela ração na cozinha, Ratoeira deduziu que morava com a moça. Tentou pegá-lo, mas o gato saltou e em dois tempos estava no parapeito da janela, olhando para ele. Por um instante, passou-lhe pela cabeça que o bichano podia estar tentando dizer algo, gatos são meio bruxos. Fixou o olhar nos olhos do animal e perguntou:

– Quem foi? Eu sei que você sabe.

O gato, imóvel no parapeito, continuou olhando para ele. E miou.

– Então é este seu método, Ratoeira… Interrogação felina.

Ele virou-se e viu o tenente, parado na porta.

– A vizinha disse que o nome dele é Rian. Em francês quer dizer…

– Nada.

– Exatamente. Ou seja: ele não sabe nada.

Enquanto o tenente Trindade ria, Ratoeira pegou o gato nos braços e o acariciou.

– Não se deve duvidar da realidade… Né, Rian?
.

.

CrimesDePaixao-02Eládio Ratoeira sentou no sofá da sala de sua quitinete. Ligou a tevê, mas não prestou atenção. Seu pensamento estava na Praia de Iracema…

Tânia Mara, o nome da moça. Bonita. Vinte e três anos, cantora de blues. Tinha uma banda e os frequentadores dos bares a conheciam. Estava na cidade havia um ano, morava sozinha. Fizera um show na noite de terça e depois não foi mais vista. Quem descobriu o corpo foi o gaitista da banda, dois dias depois. Como ela não havia comparecido ao ensaio nem atendia ao telefone, ele fora até seu apartamento. A porta não estava trancada e ele entrou, encontrando o corpo estendido no tapete.

Tânia Mara… O T da charada, pensou Ratoeira. Cantora da noite. Morreu com o pescoço rasgado por um disco. Indícios de luta corporal, ela certamente resistiu. Mas o assassino era mais forte e a derrubou. Virou-a de costas no tapete da sala, deitando sobre ela. Tapou-lhe a boca com um lenço para que não gritasse. Quebrou o disco ao meio e rasgou-lhe o pescoço. Enquanto a hemorragia a enfraquecia, ele a sodomizou ao som de “Riders on the Storm”…

– Miaaauuu…

Ratoeira despertou com o miado do gato aos seus pés.

– Tá com fome, Rian?

Levantou-se e pôs mais ração no pratinho. Depois, ainda com a cena do crime em sua mente, pegou caneta e papel. E escreveu o nome de todas as vítimas. Primeiro, o dono do motel, que morreu na cama. Três meses depois, o garçom, que morreu afogado. Dois meses depois, a cigarreira, que morreu queimada. Um mês depois, a cantora, morta com o pescoço rasgado por um disco. Nenhum latrocínio. Nem crime passional, nem vingança. Em seis meses, quatro crimes sem sentido. Mas simbolicamente coerentes, como dizia o Profeta. Ratoeira coçava a nuca, pensando se a polícia estaria a par daquela suposta relação entre os crimes. Coincidência ou não, ele já não conseguia deixar de relacioná-los.

Mas como o Profeta sabia que a próxima vítima começaria pela letra T? Ou teria sido apenas um palpite? Ratoeira escreveu o nome das vítimas no papel. Neném, Penalidade, Iza e Tânia, em sequência cronológica. N, P, I e T. Não formavam nada lógico à primeira vista. Tentou algumas combinações, mas nada lhe chamou a atenção. Então percebeu que os dois primeiros eram apelidos. O nome verdadeiro do seo Neném era Nilton, a mesma inicial. Mas o nome do garçom era Olimar.

Substituiu a letra P de Penalidade pela letra O de Olimar. Tinha agora N, O, I e T.

Um relâmpago cruzou o interior de sua mente. Um arrepio percorreu-lhe o corpo de cima a baixo. Ratoeira ficou olhando para o papel, sem acreditar.

A profecia.
.

.

CrimesDePaixao-02– Eu sabia que você viria. Quer sentar?

Jeová, o profeta da praia, ele e seu casacão preto e imundo.

– Uma dose de cana pro Profeta – pediu Ratoeira ao garçom.

– Tripla – acrescentou Jeová, grave como sempre. – A moça merece.

– Como você sabia que seria ela?

– Tudo que sei é o que está escrito.

– E o que está escrito?

– Que chegou o fim dos tempos.

– Que mais?

– Que a noite desta praia está condenada.

– Condenada por quem?

O garçom chegou com a bebida. Eládio Ratoeira observou o Profeta erguer o copo cheio de cachaça à altura do nariz, fechar os olhos e cheirar. Ia repetir a pergunta quando o outro abriu os olhos.

– As pessoas dizem que eu sou louco. O que o senhor acha?

– Não acho nada. Quem está tentando matar a noite?

– A noite está morrendo… – prosseguiu o Profeta, entre um e outro gole. – Mas a morte sempre vem, seo detetive. Ninguém sai vivo daqui. A noite dessa praia morre quando abrem um novo bar, por mais estranho que pareça. A noite morre quando esses boyzinhos vêm desfilar suas grifes por aqui, quando as barraquinhas na rua vendem bebida aos menores, quando os próprios garçons fornecem cocaína aos clientes e os taxistas e donos de motéis fazem vista grossa pros turistas e suas menininhas de doze anos.

Ratoeira escutava, seus olhos nos olhos vermelhos do Profeta.

– A noite morre toda vez que alguém é assaltado na esquina escura, quando um carro é roubado, quando brigam os garotões valentes de academia. A noite morre quando a mãe se exaspera ao ouvir o choro do bebê que não consegue dormir por causa do som alto do bar vizinho. A noite morre nas músicas dos carros, nas churrascarias que trazem gente de bairros distantes e que não entende a brisa da praia. A noite morre porque esse é o destino de todos. E a culpa não é de ninguém. Por isso não adianta o senhor procurar o culpado.

– O que fazer então?

– Os dias estranhos nos alcançaram, seo detetive. Seguiram nosso rastro e destruíram nossas alegrias mais simples. Nada a fazer.

– Tem de haver um assassino.

– A Praia de Iracema é de todos… – O Profeta sorriu tristemente, olhando o mar pela janela do bar: – Todos têm direito a uma cota de seu linchamento.

– E você, não tem pena dela? Ou das vítimas?

– Lamento pelos filhos da praia, que tentam perpetuar o que já é passado. Esses amam a noite e morrem com ela. Muitos nem nasceram aqui, mas são feitos da mesma maresia. É ruim se apegar demais ao que vai morrer. Koi-guera.

Ratoeira escutou com atenção. Dessa vez as palavras do Profeta, por mais loucas que fossem, pareciam ter alguma coerência. Ou será que sempre tiveram e ninguém nunca percebera?

– Quem será o próximo?

– O senhor ainda não desconfia?

– A letra E é de Eládio?

– O que o senhor acha?

– Faria sentido. O assassino matou o sexo, a diversão, a droga e a música. Não falta mais nada. Matar quem quer desmascará-lo seria o último passo. O grand finale.

O Profeta escutava, sério.

– Quem matou a cantora foi um homem, eu sei que foi, o mesmo que esteve com ela depois do show, bebendo no bar. Se vários foram os assassinos, então eles estão obedecendo à sequência “noite” nas mortes. Ele ou eles trabalham pra quem?

– O senhor não entende. Quem matou os quatro foram os mesmos que matam a Praia de Iracema, a cada noite, a cada violência. E eles não têm consciência disso, matam por ignorância. Pensando bem, talvez seja melhor acabar de vez com sua agonia. Matar antes que ela morra. Matar por amor – acrescentou o Profeta, bebendo o resto da cachaça e levantando-se da mesa.

– O que vai acontecer quando morrer a letra E?

– Cumpre-se a profecia.

– Como assim?

– Pensei que o senhor já tivesse entendido… É a parte mais óbvia da história, seo detetive.

Sempre que pensava na profecia, Ratoeira sentia-se meio ridículo. Mas já não podia evitar.

– A noite morre… – repetiu o Profeta, saindo em direção à porta. – Nada lhe ocorre?

Enquanto pensava nas palavras do Profeta, Ratoeira puxou a carteira para pagar a conta. Foi quando percebeu que o copo de cachaça do Profeta continuava cheio, do jeito que chegara. Mas ele não havia bebido tudo?
.

.

CrimesDePaixao-02Eládio Ratoeira entrou em casa, foi direto ao quarto e deitou-se, os olhos pesando de tanto sono. Precisava de uma noite bem dormida.

Mas… algo estranho estava acontecendo…

Acendeu o abajur e viu Rian, deitado na cama, olhando para ele. Então percebeu que Rian na verdade era uma gata. E estava parindo, exatamente naquele momento, estava tendo gatinhos em sua cama, vários gatinhos saindo sem parar, vários, muitos…

Ratoeira abriu os olhos. A luz do quarto estava acesa. Passou a mão no rosto suado, compreendendo que sonhara. Se as coisas continuassem daquele jeito terminaria precisando de um tratamento. No pôquer do mês anterior vira uma carta com a figura da morte, um esqueleto montado num cavalo, a letra T, que loucura. Terminou jogando as cartas na mesa, indignado com o que pensava ser uma brincadeira idiota dos amigos. Teve que pedir para sair, tão abalado que ficou com a visão da carta. Depois viu o copo cheio de cachaça do Profeta quando, na verdade, vira-o bebendo tudo bem à sua frente. E agora tinha pesadelo com uma gata parindo em sua própria cama.

Tomou um banho frio e depois pegou um pedaço de pizza na geladeira. Comeu sem esquentar. A tevê exibia o clipe da Intocáveis Putz Band tocando o “Manifesto das bem-aventuranças”, todos vestidos feito monges, capuzes, o clima sombrio… Ratoeira desligou, irritado. Aquelas mortes estavam inspirando até mesmo as bandas da cidade.

Olhou para Rian, dormindo no sofá. Estaria sentindo falta da antiga dona? Lembrou do sonho, a gata parindo. O que podia significar? Parto… nascimento… algo importante que virá… Mas o quê? Quando?
.

.

CrimesDePaixao-02“No dia 28 de dezembro completam-se nove meses da primeira morte.”

Eládio Ratoeira olhou para a frase que escrevera, pensando em quanto aquilo era estranho. Deixaria um depoimento escrito a respeito de tudo que sabia sobre as mortes, caso algo viesse a acontecer com ele. Na carta, admitia que podia muito bem estar fantasiando mas não podia desprezar o simbolismo de que falava o Profeta.

Podia muito bem dar o caso de dona Iza por encerrado: os legistas finalmente admitiram que havia sim vestígios de fumaça nos pulmões da vítima e, portanto, ela morrera asfixiada, fora um acidente. Mas isso lhe parecera algum tipo de armação, talvez os legistas realmente não tivessem descoberto a causa da morte. E como se tratava de gente pobre e não havia nenhum interesse maior no caso, inventaram tal conclusão.

As outras mortes continuavam sem culpados. A polícia concluíra que o garçom realmente se afogara. Quanto a seo Neném, nenhuma pista sobre a tal loira de preto. Nem sobre o assassino da cantora.

Mas as estranhas mortes viraram assunto indispensável, e frequentavam as mesas da Praia de Iracema todo tipo de suposições, desde as que acusavam ser tudo obra para desviar a atenção das eleições às que denunciavam maquiavélicos planos de empresários dispostos a substituir os bares por hotéis de luxo.

E havia os que reiteravam o que dizia o Profeta: faltava apenas uma morte para que a profecia se cumprisse e a noite da Praia de Iracema morresse de vez. Por isso era preciso aproveitar o que ainda restava, as noites estavam no fim. Bandas compunham músicas sobre as mortes. Nas mesas, os poetas vendiam cordéis de terror. Nas ruas, as camisetas circulavam com os dizeres “Esta pode ser a última noite. Aproveite. Comigo.” Bares pegavam carona na onda e faziam promoções. “ApocaLIP-se!” – assim convocava seus clientes o Lip Bar. Alguns mais supersticiosos vendiam barato seus pontos para evitar prejuízo maior: se não haverá noite, quem irá aos bares?

A noite, porém, ainda estava viva. E naquele 28 de dezembro, exatos nove meses após a morte de seo Neném, Ellen Star faria na Boate Circus a sexta apresentação de seu macabro espetáculo transformista “Mate-me que eu já te matei”, que tratava exatamente de todas aquelas mortes. E era lá que Eládio Ratoeira estaria.

“Nove meses que tudo começou. Sinto que hoje o mistério será decifrado. Tenho que estar lá. Se estou fantasiando, nada acontecerá, e os crimes seguirão sem solução. Mas se estou certo, então alguém morrerá. E talvez eu descubra quem é o assassino.”
.

.

CrimesDePaixao-02Era quase meia-noite quando Eládio Ratoeira chegou à boate Circus e sentou-se numa mesa mais ao fundo. Pediu uma cachaça e foi ao banheiro. Aproveitou para observar o ambiente, balcão, cozinha, corredores. A boate não era grande, cabiam ali umas vinte mesas. No canto havia um pequeno palco. Em caso de confusão, a porta principal seria estreita demais para evacuação rápida.

Todas as mesas estavam cheias quando as luzes se apagaram.

– Estão todos aí? – uma voz cavernosa ecoou pela boate. – O espetáculo vai começar.

A cortina se abriu para o primeiro ato. Uma voz feminina cantando ao som de um piano. Você me olha desse jeito… Pensa que eu não sei que você quer me comprar… O cenário de um quarto de motel. Um homem deitado na cama. Uma mulher loira num vestido negro com uma generosa fenda lateral, exibindo suas belas pernas. Mas eu não estou à venda, meu bem… A mulher caminhando devagar até a cama. Ratoeira ajeitou-se na cadeira, impressionado com a beleza da atriz. O que está à venda é seu sonho de ter o que você pode pagar…

Ellen Star foi a loira amante do dono do motel que morria de ataque cardíaco durante um orgasmo. Depois, foi o garçom que se encontrou no píer com o amante de sua mulher, que o empurrou ao mar. Ratoeira demorou a acreditar que Ellen também era o ator que interpretava o garçom. Como alguém podia ser tão convincente como mulher e também como homem?

Em todas as cenas Ellen dublava músicas especialmente escolhidas. Na terceira, ela era um garoto que tentou roubar dinheiro do barraco da cigarreira e causou o incêndio que a vitimou.

– Ellen é ela ou ele? – perguntou Ratoeira ao garçom.

– É um mistério. Mais uma cachaça?

A cena da cantora começou com Ellen Star dublando “Little girl blue”, um blues muito triste na voz de Janis Joplin, e Ratoeira pôde observar como as pessoas estavam bastante absortas no espetáculo, algumas visivelmente emocionadas. Havia no ar um clima de comoção, mas também de suspense. No momento em que a cantora chegava em casa radiante de felicidade por ter feito o melhor show de sua vida, Ratoeira escutou um miado. Procurou no palco, mas não viu gato algum. Então escutou novamente, dessa vez mais forte, e viu as cabeças se virando, todos procurando saber de onde vinha o som.

Vinha do lado da entrada. Ratoeira virou-se, e na penumbra percebeu um homem em pé, encostado na parede, de frente para o palco, vestido num sobretudo preto. Olhando melhor, percebeu que seu rosto estava pintado, lembrando o de um gato. Faria parte do show? No palco, a cantora rasgava com um disco de vinil a própria garganta, morrendo feliz e realizada. Quando Ratoeira olhou novamente, o homem havia sumido.

Ratoeira coçou a nuca, cada vez mais nervoso. Algo o inquietava. Havia algum mau presságio no ar, ele podia senti-lo.

A quinta cena começara e Ellen Star representava uma travesti batendo seu ponto na esquina, sob a luz fraca de um poste. Saia branca curtíssima, meias pretas, salto alto, o cabelo ruivo chanel revelando o pescoço fino. Os olhos sombreados e os lábios vermelhos. Os carros passavam e ela, insinuante, fazia trejeitos e jogava piadinhas aos motoristas. Tocava um envolvente bolero chamado “Lupiscínica”, de onde vinha a frase-título do espetáculo.

Vamos adiar essa briga, amor…

De repente, um automóvel parou mais à frente. Ellen sorriu. A luz traseira acendeu-se e o carro voltou de ré. Ellen ajeitou a saia e assumiu posição de espera.

Na madrugada, sonolento, de bolero em bolero…

O carro parou ao lado e o vidro fumê baixou, surgindo os rostos de uma garota e de um garoto. A travesti aproximou-se pelo lado da garota, debruçou-se na janela e sorriu, os seios como se numa bandeja.

A tua boca guarda segredos de mim…

– Boa noite, jovens.

– Oi – respondeu a garota.

– Ontem vocês passaram por aqui, não passaram?

– Você é boa observadora.

– Sou boa também em outras coisas…

E hoje sinto ciúmes até da tua falta…

– Você é homem ou mulher?

– Sou o que você e ele quiserem, meu bem.

– Quanto custa desvendar o mistério?

– Pra vocês faço por cem.

Mas não vou mais matar ninguém por tua causa…

– Você é muito bonita.

– E vocês são uma gracinha.

– Bonito, teu peito…

– Quer pegar? – perguntou a travesti, levando a mão da garota até seu seio. – Concorrência desumana, né, querida?

– Outra noite a gente vem com mais calma – disse o garoto.

– Mas não demora, viu? Posso não estar aqui.

– Vai mudar de ponto?

– Eu sou a noite, meu bem. A noite sempre chega ao fim.

Mate-me que eu já te matei…

Um homem. Vestido num sobretudo preto. Rosto pintado como um gato. Surgiu de algum lugar da escuridão da rua. Tão silencioso que de repente ele já estava lá, na calçada. Aproximou-se.

No momento em que a travesti virou-se, ele desferiu-lhe um violento soco no rosto. Ela caiu no chão, sobre o meio-fio, quase no asfalto.

Assustada, Ellen passou a mão no canto da boca e percebeu que sangrava. O homem continuava em pé. O automóvel arrancara. E o bolero havia terminado. Ele meteu a mão sob a roupa e puxou um revólver.

Ratoeira sentiu o coração gelar. O único som era o dos automóveis passando pela avenida. Ratoeira viu Ellen Star levantar-se e encarar com altivez o sujeito à sua frente. Foi ela quem gritou, a mão sobre os lábios feridos:

– Você tinha que estragar tudo, né?

Quando o homem empunhou a arma e apontou para ela, Ratoeira não ousou piscar os olhos. Estava petrificado, a respiração presa, toda a sua atenção concentrada nos dois, a travesti que encarava o homem e o homem que atiraria na travesti.

O tempo parecia ter parado. Ratoeira não mexia um único músculo. Alguma coisa iria acontecer no próximo instante e ele não fazia ideia do que seria.

Um pensamento lhe veio rápido à mente: e aqueles carros passando, aqueles prédios todos ao redor? Ninguém via nada? Ninguém para gritar, impedir um crime? Aquelas janelas todas, centenas, milhares de janelas… A noite da cidade tinha tantos olhos e, no entanto, ninguém via nada…

Ellen Star moveu-se rapidamente e de dentro da bolsa sacou um revólver, apontando-o com as duas mãos para o homem. A arma disparou. Um grande estrondo, o eco permanecendo no ar por longos segundos, a fumaça subindo do cano…

Ratoeira viu Ellen afastar-se para trás, cambalear sobre os saltos altos, perder o equilíbrio e chocar-se contra o poste feito um triste boneco desengonçado. Depois escorregou para o chão e ficou lá, inerte, enquanto os faróis seguiam indiferentes pela avenida. E as janelas nada viam.

O homem do sobretudo, ainda segurando o revólver, avançou. Ele agachou-se sobre o corpo de Ellen, passou a mão levemente por seu rosto e falou baixinho:

– Meu amor…

Então ergueu-se e saiu caminhando devagar pela calçada. E atravessou a avenida, num passo tranquilo, sem olhar para os lados. Um carro freou bruscamente para não atropelá-lo e quase provocou um acidente com outros carros. Na confusão, os passantes perceberam o corpo na calçada e se ajuntaram ao redor.

Eládio Ratoeira também foi para lá, abrindo caminho entre a multidão. Dirigiu-se até o corpo caído. Viu o sangue espalhado pela roupa, escorrendo para o chão. Suspendeu a cabeça de Ellen enquanto ela abria os olhos devagar. No meio de sua expressão serena surgiu um doce sorriso:

– Aquela cartomante me paga…

– Como? – indagou Ratoeira.

– Ela me garantiu que… ai…. eu morreria em Paris…

– Aguente mais um pouco, Ellen.

– É o fim, meu belo amigo. O fim das doces mentiras… das noites em que tentamos morrer…

– Não fale. O socorro está chegando.

– Você… ai, como dói… faz parte deste teatro ridículo?

– Ahnn… sim… – ele respondeu, sem saber o que dizia.

– Acho que minha participação termina aqui… Você gostou?

Ratoeira virou-se para as pessoas ao redor, elas e seus rostos impassíveis.

– Quem é ele, Ellen? Um cliente seu?

– Ele não tem culpa…

Ratoeira percebeu que ela respirava com cada vez mais dificuldade.

– Por que ele atirou em você?

– A profecia. Tem que ser cumprida.

Ratoeira desgrudou o cabelo ensanguentado da boca de Ellen e, olhando para aquele rosto bonito, lembrou-se do que ela dissera ao casal do carro: Eu sou a noite…

– O que vai acontecer agora?

– Acabou a peça, meu bem. As luzes se acendem.

Então ela fechou os olhos. E sua cabeça tombou para o lado no momento em que as luzes se acendiam. Ratoeira olhou para o corpo imóvel em seus braços, o belo corpo de Ellen. Percebeu que um seio estava de fora, um seio bonito. Olhou para as pernas. Lentamente estendeu o braço e tocou o sexo de Ellen, apalpando-o…

– Essa técnica eu não conhecia, Ratoeira.

Ele virou-se rápido, retirando a mão. Reconheceu o tenente Trindade, em pé, a viatura parada atrás. Pousou a cabeça de Ellen no chão e ficou de pé, a roupa encharcada de sangue.

Ratoeira olhou o relógio: uma da manhã. Foi então que percebeu que a claridade não vinha dos faróis de carro algum. Nem vinha dos prédios ao redor. Estava clara a noite da Praia de Iracema. Estranhamente clara.

Desumanamente clara, diria o outro.

.

Ricardo Kelmer 1994 – blogdokelmer.com

.

.

TRILHA SONORA DESTA HISTÓRIA

Flor púrpura (Ricardo Kelmer e Joaquim Ernesto) – Um tango para cortar os pulsos da angústia

Beira-mar (Ednardo) – E um gosto de você que foi ficando… e a noite enfim findando… igual a todas as demais

Riders on the storm (The Doors) – Pegue uma carona na tempestade desse som

Quanto você paga (Ricardo Kelmer e Toinho Martan) – Você me olha desse jeito… Pensa que eu não sei que você quer me comprar?

Little girl blue (R. Rodgers e L. Hart) – Querida, você não vê que está na hora?

Lupiscínica (Augusto Pontes e Petrúcio Maia) – Bolerão maravilhoso, na inesquecível interpretação de Teti e Ednardo

The end (The Doors) – É o fim, meu belo amigo. O fim das doces mentiras… das noites em que tentamos morrer…

.

GuiaDeSobrevivenciaCAPA-1bEste conto integra o livro
Guia de Sobrevivência para o Fim dos Tempos

O que fazer quando de repente o inexplicável invade nossa realidade e velhas verdades se tornam inúteis? Para onde ir quando o mundo acaba? Nos nove contos que formam este livro, onde o mistério e o sobrenatural estão sempre presentes, as pessoas são surpreendidas por acontecimentos que abalam sua compreensão da realidade e de si mesmas e deflagram crises tão intensas que viram uma questão de sobrevivência. Um livro sobre apocalipses coletivos e pessoais. > Mais

.

.

.

Seja Leitor Vip e ganhe:

– Acesso aos Arquivos Secretos
– Descontos, promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)

.

.

Comentarios01COMENTÁRIOS

.
01- Massa. Jose Leite Netto, Fortaleza-CE – mai2015

02- Muito bom,li só o trecho mas já gostei . Vou ler tudo qndo meu computador sarar. Samuel Araujo, Vilhena-RO – mai2015

03- Eita! crimes passionais sempre são comoventes, afinal são motivados (na maioria das vezes) pelo amor que adoeceu… E como há amores doentes perambulando pelas curvas da nossa velha Iracema! Valeu pela indicação de leitura amigo! Lílian Martins, Fortaleza-CE – mai2015


A gota dágua

14/07/2008

14jul2008

A força da tempestade, o poder do desejo. Ela deveria resistir, mas…

A GOTA DÁGUA

.
Razão. Você a evoca, angustiada. E a razão surge, gritando em cada sinal vermelho: pare de ser louca! Mas aí o sinal esverdeia e você precisa seguir em frente na tarde cinza, entre os automóveis e a chuva que não cessa. Ainda bem. Não fosse o sinal verde, talvez agora você ainda estivesse ali, pensativa, o carro parado no cruzamento. O cruzamento alagado da ruazinha da razão com a imensa avenida da loucura… e do desejo.

As pessoas na rua correm para se proteger da chuva, todas certas de seu caminho, seguem rápidas e decididas. Você, não. Você segue devagar, e o seu medo de prosseguir reza para o próximo sinal estar fechado. Pararia ali mesmo no meio da rua, não fossem os carros atrás. Tudo em seu ser se contradiz, uma célula quer ir, outra morre de medo. Sim e não. Verde e vermelho. Em seu peito o coração bate no compasso da urgência, não, em suas veias o sangue se desencontra, sim. No rádio, música nenhuma entende seu estado de ânimo. E essa chuva a deixar tudo ainda mais confuso… Sim e não. Ai, que vontade imensa de gritar… Você respira fundo. E acelera.

Francamente falando, você sabe muito bem que limites existem para serem quebrados, não é? E os seus há muito que lhe desafiam. Sim. Para ser exato, desde que ele surgiu, de repente, não mais que de repente. Ele e seu olhar inquietante, o jeito diferente… Você já não sabe se ele é louco ou se louca fica você toda vez que o vê. Tem algo nele que dá um calor, não é? Você nunca sentiu antes, não sabe explicar. Não. É algo meio insano, que lhe faz inventar mentiras e largar o trabalho no meio da tarde. Algo que lhe faz soltar o cabelo, deixar o sutiã na bolsa e sair no meio dessa chuva louca. Ai, e essa chuva… Sua vida era tão certa e hoje tudo é tão imprevisível. Mas ao mesmo tempo você tem raiva dele, por invadir assim seu espaço, virando seus dias de cabeça para baixo, ele não tinha o direito, não tinha. Não. Sim, ele tinha.

Ahnn… mas e a ética, como fica? Afinal, você tem namorado. E você o ama. Bem, na verdade talvez não o ame como achava que amava. Sim, pois se amasse não desejaria esse homem assim. Ou não? Ou o amor nada tem a ver com o desejo? Se os homens são capazes, por que você não seria também? Uma mulher pode entregar-se a um homem, uma vez só, e voltar para outro, como se nada tivesse acontecido? Como uma chuva que vem de repente e depois já passou? Sim, pode, você mesma responde, surpresa com a própria determinação. Pode voltar, sim, mas não como se nada houvesse acontecido, pois sempre terá acontecido, sempre… – você completa, olhando seu sorriso estranho no retrovisor. Você lembra da última briga, um dia antes, e então seu pé pisa mais fundo no acelerador, sim. E a chuva aumenta. Sim. Não. Não se trata de vingança, nada disso. É só a velocidade do desejo. Não. Na verdade, é mais que isso. É uma necessidade. Sim. Você tem de encontrá-lo. Você precisa. Sim. É a única coisa que importa agora.

Em frente ao prédio dele, dentro do carro, você inventa mil coisas para se dar mais um tempo para pensar. Olha a chuva lá fora, ajeita o espelho, sente o ar abafado dentro do carro, é como estar numa gruta úmida… Então, finalmente pega o celular. E liga. E deixa chamar uma vez. E desliga. Agora só tem de aguardar alguns segundos, só isso. Mas não são alguns segundos – são séculos! Séculos inteiros de dúvida e angústia, onde razão e desejo vêm se chocar em sua alma feito as gotas da chuva que batem no vidro, uma gota sussurrando sim e a outra gota gritando não, sim e não, não e sim…

Lógico que não! Súbito, você se dá conta do absurdo. Claro que não. O que está fazendo? Esperando por um homem que mal conhece? Para quê? O que lhe dirá? Que largou o trabalho no meio dessa tempestade só para lhe desejar boa tarde? O que ele vai pensar? Vai pensar que é louca, claro. De repente, tudo fica límpido como um dia de sol. Não, não vale a pena se arriscar tanto por algo que não tem chance de dar certo, não, alguém que você não sabe quem realmente é, não, alguém que semana que vem irá embora, alguém que…

A porta se abre, porém. E ele entra depressa, sentando no banco ao seu lado. Todo molhado, rindo, parece um menino travesso. E você dá de cara com aqueles olhos, aquele sorriso… Meu Deus, você pensa, me ajude, por favor me ajude… Mas seu deus não pode ajudar, não com essa chuva toda. Não. Ele então se aproxima, estende a mão e delicadamente toca seu rosto. Não é mais um menino travesso, é um homem, essa mão é de homem, esse cheiro é de homem, você sabe, o seu corpo sabe. Então tudo que não podia acontecer, acontece: uma gota dágua escorre… da mão dele… para dentro… de seu decote. Sim. Você a sente deslizar… pelo contorno do seio… devagar… cada pelinho acusando… a passagem da gota. Não. Enquanto a gota prossegue em seu íntimo percurso, você fecha os olhos, um arrepio na alma inteira. Sim. Você quer morrer só para não ter que decidir. Você se controla para não abrir a porta e sair correndo, uma louca gritando na tempestade. Você quase explodindo, esticada entre o sim e o não, o não e o sim… Não. Não, você não abre a porta. Nem grita. Nem poderia. Porque os lábios dele, molhados e quentes, tocam os seus, e toda dúvida se desmancha em sua boca. E da vida previsível faz-se a aventura. Não mais que de repente.

.
Ricardo Kelmer 2006 – blogdokelmer.com

.

vtcapa21x308-01Este conto integra o livro
Vocês Terráqueas – Seduções e perdições do feminino

Ricardo Kelmer

Ciganas, lolitas, santas, prostitutas, espiãs, sacerdotisas pagãs, entidades do além, mulheres selvagens – em todas as personagens, o reflexo do olhar masculino fascinado, amedrontado, seduzido… Em cada história, o brilho numinoso dos arquétipos femininos que fazem da mulher um ícone eterno de beleza, sensualidade, mistério… e inspiração.

.

.

LEIA NESTE BLOG

A entrega – Memórias eróticas – A ex-bailarina filosofa sobre sua profunda história de amor e salvação por meio da submissão no sexo anal

Quem tem medo do desejo feminino? – Você consegue imaginar Nossa Senhora tendo desejos sexuais? Alguma vez na vida você a imaginou fodendo?

O íncubo – Demônios que invadem o sono das mulheres para copular com elas

Lolita, Lolita – Ela é uma garotinha encantadora. E eu poderia ser seu pai. Mas não sou…

O desejo da deusa – Ela, ele, o desejo e um deus repressor

A torta de chocolate – Sexo e chocolate. Para muita gente as duas coisas têm tudo a ver. Para Celina era bem mais que isso…

.

.

elalivro10Seja Leitor Vip e ganhe:

– Acesso aos Arquivos Secretos
– Descontos, promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)

.

.

Comentarios01 COMENTÁRIOS
.

01- tenho certeza que tu é uma lésbica encarnado num corpo de homem rss ta xou bjs. Jéssica Gianbarba, Fortaleza-CE – jun2006

02- Rica, Li A Gota D’agua e lembrei de Chico Buarque, mesmo porque ele tem uma musica com esse titulo. Voce expoe a alma feminina nesse conto.E paixao e uma coisa tao boa, lendo deu ate vontade de sentir de novo. Muita verdade, muito dentro da alma da mulher. O publico jovem, entre os 20 e 30 anos, vai adorar. Mulheres. Adorei a mistura de sentidos com a chegada da tempestade, como se a natureza fosse um espelho do que estava acontecendo. Achei a ultima frase do conto muito lugar comum, muito ja dita. Acho que o desfecho merecia algo a mais… nao sei. Mas eu sempre bato nessa tecla com voce, ne? O final… Fabiana Vasconcelos, Boston-EUA – jun2006

03- A mulher do conto sabe que vai levar pra sempre a certeza de que viver e MARAVILHOSO! Fabiana Vasconcelos, Boston-EUA – jun2006

04- É isso, adorei. A gente não lê, devora! E só quem já passou por uma paixão como essa sabe o que é: a vertigem, a vontade, a angústia e o prazer, inesquecíveis. Tem uma frase que resume bem essa história; “Porque não viver intensamente, se a vida é uma aventura da qual não sairemos vivos?” Bjks. Sandra Ribella, Limeira-SP – jun2006

05- Magnífica a composição com Vinícius e seu “soneto de separação”! E muito bom o modo como ilustras a dúvida, a inquietação, a angústia, a luta do desejo contra a ética num cenário de chuva e trânsito – o cenário perfeito: estivesse sol e o encontro fosse num qualquer lugar idílico e todos os sentimentos negativos se esbateriam com a luz e a paz, e a banda sonora seria com o “soneto de fidelidade”. As cricunstâncias mudam tudo mesmo… 🙂 Susana Mota, Leiria-Portugal – jun2006

06- Gota D’água: Belo texto de amor proibido… toma cuidado para ele não ser motivo de cornos te ameaçarem! Jayme Akstein, Rio de Janeiro-RJ – jun2006

07- Olha,concordo com a leitora que acredita que vc é uma lésbica reencarnada no corpo de um homem! Logo que comecei a ler me veio, imediatamente,um frio no estômago.Pois passei por situação muito,mas muito parecida mesmo com esta que vc escreveu…Mas acho que não conseguiria descrever com tanta precisão os conflitos daquele instante. Belíssima descrição de detalhes,muito poético,angustiante e,ao mesmo tempo, excitante. Obrigada despertar em mim lembraças tão gostosas! Mereces um beijo por isso Ricardo! Sidiany Colares, Fortaleza-CE – jul2006

08- Oi Rica! Adorei o teu texto! Estou começando a escrever agora.^^ Mas é bem isso mesmo, as mulheres tem isso mesmo do desejo e a razão, mas é devido a postura da sociedade sabe, essa coisa de ceder é vista como falta de caráter, é como colocar tudo a perder, conheço pessoas que cederam e pagaram caro sabe, não tem nada mais hípócrita do que isso. As pessoas se esquecem que não são “posses” e sim seres que anseiam por felicidade, e isso não é relativo. Graziele Lice, Bauru-SP – jul2006

09- Gostei muito do conto Gota d´água, psicologicamente bem moderno, você é talentoso mesmo. Não te conhecia e é um prazer ler teus contos. Miriam, Criciúma-SC – jul2006

10- Olá Ricardo, Vim lhe agradecer pelo texto. É lindo, e sabe? tem algumas partes que parece que sou eu…rs Tenha uma semana iluminada. Abraço. Márcia Milani, São Carlos-SP – jul2006

11- cara Fantástico corri as palavras, parágrafos e me deparei não mais com um texto…mais com um carrossel de imagens instigantes,lépidas e visceralmente vivas!!!!! Foi hipnótico, senti a alma da personagem….sensação estranha e deliciosa! Valeu!!! Marcelo Amoreira, Fortaleza-CE – jul2006

12- lindo, lindo, lindo. Glaucia Costa, Fortaleza-CE – jul2006

13- Nooooosssa! Ricardo! Lindo! Perfeito! Impressionante como você tem o poder de adentrar na alma feminina e dizer exatamente o que pensamos, o que queremos, o que desejamos! Não fosse pela parte que ela tem namorado, eu diria que sou eu, essa mulher aí! Já aconteceu comigo, é é bom , muito bom, deixar a razão voar pelos ares e a loucura tomar conta! Beijos, muitos beijos para você! A cada dia eu tenho mais vontade de te conhecer pessoalmente! Obrigada mesmo! Cláudia Martins, Montes Claros-MG – jul2006

14- Não mais que de repente, vc me surpeendeu com o que acabei de ler… bjo. Márcia Cristina Menezes, São Paulo-SP – jul2006

15- Per-fei-to…parabéns… Valéria Pinheiro, Fortaleza-CE – jul2006

16- Oi Ricardo, nem sei se lembra mais de mim, depois que virou estrela(hehehe), mas quero lhe parabenizar pelos textos e pelas fotos sensuais que vc tirou de vc mesmo. Parabens pelo seu trabalho e sua coragem. Sucesso!! Beijos. Eloah Gonçalves, Fortaleza-CE – jul2006

17- muito bom ! Suely Andrade, Brasília-DF – jul2006

18- Gostei bastante do “A gta D’agua…a duvida cristã…o arrependimento antes do feito…asede por sexo devido a rotina com o oficial… Sim! Acho totalmente possivel, votar para o namorado depois de ter passado nos braços de outro… Nádia Rosa de Castilho, São Francisco do Sul-SC – jul2006

19- Adorei! Você sempre me provoca dois sentimentos: o primeiro é de inveja, porque gostaria de escrever como você escreve; o segundo é de prazer, o prazer de ler você, o prazer de saber que você vai escrever de novo e eu vou ler novamente. Nem conheço você muito bem pessoalmente, mas dentro da minha mente você é um velho conhecido. Obrigada por me mandar este texto. Vou repassa-lo para minha irmã lá na Califórnia. Bjs. Virgínia Lígia Freitas, Fortaleza-CE – jul2006

20- Adorei, porque já vivi uma situação de dúvida assim parecida. Incrível como você sendo homem, consegue captar as sensações femininas! Você escreve muito bem, parabéns! Elisa Pimazoni, São José do Rio Preto-SP – jul2006

21- RK, vc sempre surpreende, quanto mais num domingo a noite! Como disse Clarisse Lispector ” É por isso que nos dá uma dor no coração sempre que lemos aquelas linhas escritas pela mão de um mestre e a reconhecemos como nossas, como os tenros brotos que esmagamos porque nos faltava fé para acreditar em nosso próprio critério de verdade e beleza.” Ana Sherida Alexandrino de Oliveira, Fortaleza-CE – jul2006

22- wwwooowwww adorei !!!!!!!! gostei tanto que depois de ler voltei a ler interpretando , como e quando voce passou a conhecer a alma feminina assim ???? beijos. Walkiria Fonseca, Nova York-EUA – jul2006

23- se eu pudesse….. agora seria uma gota d’agua…. percorrendo o seu corpo…. como sempre!!! voce surpreendente… ardentemente…. louco!!! beijos…e beijos. Rita de Cássia, São Paulo-SP – jul2006

24- Bom dia Rk, gosto muito quando no final dos seus contos e artigos você menciona esse filme. Sem dúvida foi o filme mais lindo e sensível sobre o Planeta Terra que assistí. Uma viagem cheia de beleza e luz! Rk, sobre esse conto da figura que ama um homem e senti desejo por outro, é super natural, até porque a libido é uma coisa que faz parte da nossa natureza. Não vejo nenhum problema em viver os dois sentimentos, ainda mais se eles forem fortes e vedadeiros! Se cuida tá? Com carinho e paz. Lua, Fortaleza-CE – jul2006

25- Arrasou…Eita…perdi até arespiração …rsrsrsrsr Saudades..Beijos. Viviane Avelar, Fortaleza-CE – jul2006

26- Meu querido amigo Como sempre divino na suas estórias. Vc tem uma maneira de expor que nos faz penetrar no conto e vivenciá-lo na sua íntegra. É muito gostoso. Adorei Bjinhos. Mariucha Madureira, Brasília-DF – jul2006

27- demais amei..perfeito. Teca Baima, Fortaleza-CE – jul2006

28- Muito bacana o texto. Parabens! Um abraco. Sorys Mello, Rio de Janeiro-RJ – jul2006

29- Lindo, lindo, lindo A Gota Dágua!!! Parabéns! Gilvanilde Oliveira Falcão, Fortaleza-CE – jul2006

30- Muito bom Kelmer. Dá pra ficar sem fôlego. Abraço. Ronald de Paula, Fortaleza-CE – ago2006

31- E aí mais uma vez vc consegue tocar o mais secreto medo e desejo de nuestra alma feminina. Sua terceira linguagem está bem afinada com nosso tempo. Resta fechar com mais inteireza. Lindo. Dijé Sales, Fortaleza-CE – ago2006

32- Não tem pecado, não tem culpa, não tem razão. Sim, tem razão. A razão induz ao pecado e a culpa. A leitura do texto induz à mínima reflexão… sentir-se úmida à sensação da chuva ou do desejo. Marlyzinha, São Paulo-SP – ago2006

33- Sobre “A gota d’água”…só te digo…vai sacar de mulher assim lá longe!!! Como é que a gente faz pros caras terem essa percepção que vc tem?? Queria um assim pra mim!!! Só me faz achar que vc tem uma alma hermafrodita… Bjs e bom final de semana!! Elaine Maria, Fortaleza-CE – ago2006

34- achei muito realistico, pois eu sou esse tipo de pessoa que ja traiu , mas viveu a cada vez esse dilema infernal de estar fazendo algo que para a minha criação conservadora era incrivelmente errado. mas por outro lado a minha minha mente altamente moderna queria fazer com urgencia. entendí toda a angustia do personagem tão bem, que cheguei a senti-la. sinceramente me deixou até triste. mas a intenção era essa né ? tocar na alma… Michelle Diamanti, Taranto-Itália – ago2006

35- Parabéns! pela tranquilidade empática a quql encontramos com tanto fluidez no texto. Marta Peixoto, Fortaleza-CE – set2006

36- Cara tu é demais, bá recebi por email de uma amiga o texto “A gota d’agua”, tu passaste exatamente o que uma mulher sente. Adriana da Silva de Souza, Porto Alegre-RS – set2006

37- criatividade junto com o talento e forma perfeita de juntar as palavras nesta cadência maravilhosa nos transporta para aventuras como a da gota d’água, mas sua experiência de vida deve ter uma contribuição significativa para tanta beleza. A beleza do seu trabalho faz com faz que meu íntimo busque transformar em um só a criatura e o criador! Este é o pecado capital dos fãs. certamente eu e mais trocentas mulheres teremos total identificação com este texto, pois a dúvida crucial deste sim e deste não já nos perseguiu em outros momentos de vida. bjs. Diva, Macapá – set2006

38- Crônica maravilhosa!!! Estória envolvente!!! A aventura que toda mulher deve sonhar, em seu íntimo, viver…Ler suas crônicas são ótimas!!! Beijos. Cynthia, São Paulo-SP – nov2006

39- Fala Kelmer! Blz? Confesso que ontem foi a primeira vez que li seus artigos, textos, desabafos, difícil definir… hummm…memórias sonâmbulas que fogem na madrugada gélida antes de serem acordadas pela realidade sem graça. Bom, li pela primeira vez ontem e hoje virei fã. E por que não virei fã ontem mesmo, quando devorei todos os textos com os olhos dilatados? Explico: ontem à noite encontrei alguns amigos no cubículo etílico que costumamos freqüentar. Mais do que uma simples reunião de temas cotidianos, debatemos a fragilidade do momento e oferecemos um trago de nossos traumas a quem estivesse disposto a encarar. Foi quando percebi que os textos que li esmagavam meu raciocínio, açoitavam minha defesa, guiavam minha cega convicção. Enquanto meus colegas de faculdade tropeçavam nos próprios cadarços e confessavam, friamente, “…o que ela quer? Um namorado ou uma padre, porra?” pensei quieto: “Putz! Preciso mandar um e-mail pro cara do O POVO! Aquele texto sobre a “razão” não quer ser dissolvido facilmente dos meus neurônios.” É isso, Kelmer! Mirando meus próprios rabiscos, como um faminto em meio a uma coxa de frango mal devorada, busquei os meus significados. A conclusão veio barulhenta: “Felipe, escreva menos e leia mais!” Abraço! Felipe Valério, Fortaleza-CE – nov2006

40- Meu Deus! Fantástico……..Ele se colocou bem no lugar de uma mulher tomada pelo desejo! Ficou linda a metáfora com o carro e a chuva!O desejo x razão…O molhado,a velocidade…E o desejo ensandecido a tudo guiando! A razão que vá foder tb! Mary Mundo, Orkut, Comunidade Mulheres Repensando Conceitos – jul2006

41- Difícil um homem saber como uma mulher se sente né? Porque é assim mesmo…quer,não quer,vai,não vai,deve,não deve… Até que chega a hora fatídica e não tem mais prá onde fugir.. Achei que a gente merecia um pouco de aventura. Morgana Cyber, Orkut, Comunidade Mulheres Repensando Conceitos – jul2006

42- adoro todos os textos do Ricardo,ele é mesmo um excelente escritor e um cara bem maluco. Já entrou no orkut dele? no álbum tem umas coisas bem interessantes.Me mato de rir com ele. Celinha, Orkut, Comunidade Mulheres Repensando Conceitos – jul2006

43- linnnndoooooooo…….. fiquei encantada… delioso ler a maneira como as emoções vão se digladiando… realmente beeemmm mulher!!! rsrsrs. Andréa, Orkut, Comunidade Mulheres Repensando Conceitos – jul2006

44- Me fez lembrar o trecho de uma música… …deixa chover, deixa a chuva molhar, dentro do peito tem um fogo ardendo que nunca vai se apagar… Clau, Orkut, Comunidade Mulheres Repensando Conceitos – ago2006

45- De onde tu tira essas coisas, quem te contou que assim… ai, Deus! Eu tenho medo de me ver sendo descoberta desse jeito… Isso com certeza ja aconteceu com alguma mulher, ou acontecerá ou acontece! Comigo acontece.. rs E essa parte é bem a minha cara: Tudo em seu ser se contradiz, uma célula quer ir, outra morre de medo. Sim e não. Verde e vermelho. Esse seu conto passa a ser o meu preferido. =) Beijos. PS: Voce me assusta…rsrs. Priscila Peres, Fortaleza-CE – abr2008

46- srsrsrsrsrs…vc é divino…dabolicamente divino…é redundante mas vou dizer …amo seus textos…sua fonte de inspiração deve ser louvada sempre…bjs meu escritor preferido… Laisa, Belém-PA – abr2010

47- Muito bom “A gota d’agua”, me descreveu. Me senti nua! Incrível teu conhecimento sobre a alma feminina. Coisa rara. Parabéns. Nina, Cricúma-SC – mai2010

48- No limite da Alma / A louca tempestade do desejo que verte / e desnuda a razão no momento da gota dágua / e o aroma vem, abarcando o sinal vermelho / com gosto de cereja ,,, Adorei o cinestésico fluído da gota !!! Márcia Costa, São Paulo-SP – mai2010

49- Tá bom que é meu preferido! Acho que já sei de cor algumas passagens. O texto mais sincero e honesto que já vi. E é cada situação que me vem… Beijo, encanto de criatura! Emília, Fortaleza-CE – mai2010

50- Querido amigo, Não pude me conter e estou aqui pra dizer que você descreve exatamente a minha alma que é super femenina. Estou vivendo uma paixão ou uma loucura de paixão e é exatamente como vc descreve com tanta riqueza de emoção. Esse amor que me queima a alma, que me deixa feliz por cada momento e quem foge e se esconde dentro da alma dele tão conflituosa me deixa cada vez mais cheia de desejo por ele…meus limites não tem limites e estou vivendo essa louca emoção e não sei pra onde vai…só não consigo ter raiva dele e me sinto como se estivesse responsavel por ele e tem mais tenho certeza que é uma missão , alias de outras vidas e me sinto tão impotente diante desse louco amor. A mistura de ternura e tesaõ me deixa sem razão…vou pela vida caminhado e deixando a vida seguir nosos caminhos…tenho uma alma apaixonada pela vida e pelas emoções… Maria, Fortaleza-CE – mai2010

51- Parabéns cara pelo conto. Muito bem escrito. Zé Netto, Fortaleza-CE – mai2010

52- Francamente falando você sabe das coisas. E eu uma menina assustada. Parabéns pelo texto. Christiane Oliveira, João Pessoa-PB – mai2010

53- já conhecia esse teu texto, que aliás é fantástico! beijos. Nina, São Paulo-SP – mai2010

54- Definitivamente gosto da sua forma de escrever! Acabei de ler tambem A gota dàgua… e estou sem palavras!!! Poxaaaa Kelmer muito bom!! Tambem gosto do Cerejas ao meio-dia. Aluska, Campina Grande-PB – mai2010

55- A gota d’agua me lembrou de uma certa tarde, ha mais ou menos uns 8 anos! Me ví ali,como se alguem descrevesse o que eu vivi. Selma, São Paulo-SP – mar2011

56- Você percebe um ponto interno de corrupção. Um sinal vermelho. “Não avançar” diz o aviso. É melhor cair fora e você sabe disso. É o momento certo de dizer não. Virar as costas e dizer não. Você detecta sua fonte de atração pelo proibido. E vai, está indo, está desobedecendo seu bom senso e se deixando levar. Maldita curiosidade! “E por que não fazer a escolha errada?” pergunto à mim mesma. “Você é uma idiota. Completamente louca e idiota” me respondo. Deve constar na minha ficha técnica: pessoa obsessiva Você não se importa. A lâmpada acende, pisca. Soa o alarme. Você ouve a sirene,sabe que ultrapassar significa perigo, que é um território minado. Mas você deixa detonar.  (Trecho de Filmes Proibidos, romance de Bruna Lombardi)

57- Uau “os limites existem para serem quebrados…” minha cara isso…amei. Paula Medeiros de Castro, São Paulo-SP – nov2011

58- Muuuuuito bom! Simone Marini, São Paulo-SP – nov2011

59- É de abrir o apetite para uma abordagem da Semiótica das Paixões… A hesitação (e a excitação) da personagem configura um estado de espera (Greimas), ou seja, o ponto zero do imprevisível percurso narrativo, o ponto, enfim, em que a paixão se instala. A manipulação recebeu um investimento discursivo dos mais oportunos, o que se exterioriza no emprego da segunda pessoa (“você” no gênero feminino). Tudo resulta numa diabólica manipilação da consciência em seu satânico papel de acusador (pois assim está na Bíblia). A gota d’água abrirá um novo estado passional. Qual? Não é preciso dizer, pois isso já seria outro ponto no conto que o leitor já construiu na sua imaginosa paráfrase mental. Valeu! Um abraço. Leite Jr., Fortaleza-CE – nov2011

60- “A gota d’Água” (pq ficar entre o sim e o não pode tirar o fôlego, mesmo! esse conto é marcante!) Jocastra Holanda, Fortaleza-CE – jun2012

61- O texto que indico, o meu favorito de Ricardo Kelmer é “A gota d’água”, adoro a forma como escreveu esse texto! escrevi um conto inspirado em “A gota dágua” e em experiências de uma montagem de um espetáculo. Samantha Pimentel, Campina Grande-PB – jun2012

62- o que gosto de verdade e sempre releio é “A Gota D’água”. Rosa Emília, Fortaleza-CE – jun2012

63- quem te disse q agente deixa o sutiã na bolsa? rss. Shirlene Holanda, São Paulo-SP – jan2014

64- Adoro esse texto. Samara Do Vale, Fortaleza-CE – jan2014

65- Vc entende de alguma forma o universo feminino. E muitas coisas q li parece q vc fala sobre mim. Nao é pretensão é simplesmente pq sou mulher. Carolina De Figueiredo, Içara-SC – mai2016

66- Nunca pensei que existisse um homem que entendesse tanto a alma feminina! Encantada. Ceci, São Paulo-SP – jul2016

AGotaDagua-02b