O herói e a princesa

26mar2010

Para Ayrton Senna, herói do Reino da Terra

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O HERÓI E A PRINCESA

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Seu destino, estava escrito, seria ser um herói, nada menos que isso. Estava escrito: ser o melhor dos guerreiros, herói de todos os reinos.

Mesmo assim ele teve que lutar como todos os outros, enfrentar sua própria guerra. Teve de viver, dentro de si mesmo e por toda a vida, o mais difícil dos desafios: a autossuperação. Teve de várias vezes visitar a beira do abismo e caminhar sobre o fio que separa os mundos, morrer e renascer e morrer de novo e novamente renascer, até que finalmente estivesse preparado para cumprir o destino que lhe fora reservado. Sim, o destino fora marcado em sua alma, mas ele sabia que teria de suar e sangrar bastante para realizá-lo.

Poderia ter recusado? Não. Recusasse e o peso de tal abdicação lhe seria tão insuportável que o único remédio seria a morte. Por isso a morte espreitava sua vida, a linda princesa de seus sonhos, ela e seu vestido branco. E ele logo aprendeu a não se assustar à toa. Por isso é que, aos que os deuses marcam o destino, nada resta senão cumpri-lo.

E ele o cumpriu com a nobreza dos grandes cavaleiros. Tomou para si a bandeira da superação e a fixou no alto de sua lança. E a conduziu velozmente pelos reinos da Terra, erguendo-a bem alto para que nós todos, guerreiros de todos os reinos, nunca esquecêssemos que, da mesma forma que ele, também podemos vencer nossos limites pessoais. O grande inimigo não é do outro reino. Não, ele mora dentro de nós e se esconde por trás do medo de falhar. Ele falhou, muitas vezes, você lembra, mas cada falha logo se transformou em aprendizado, e adiante era mais uma arma poderosa com que ele abatia o inimigo.

Um dia, ela surgiu especialmente bonita, ela e seu vestido branco, a princesa de seus sonhos. Surgiu à sua frente, bem à beira do abismo, sorridente e compreensiva. Ele não sentiu medo. Por um segundo, ainda pensou em voltar, despedir-se, dizer algo para a família, os amigos, a namorada. Mas não. Tudo já havia sido dito, sua própria vida o dissera.

– Esta noite sonhei contigo – ele falou, um pouco triste, mas tranquilo. – Estavas tão linda que tive a certeza que virias me buscar.

Ela então tomou sua mão e juntos caminharam pela última vez pelo fio do abismo, ele admirando o vento nos cabelos dela, o porte digno que tanto inspirara sua vida. Mais adiante, onde o caminho faz uma curva para a esquerda, ele sumiu. Dizem que se transformou em vento e que nas manhãs de domingo visita os reinos da Terra para soprar em nossa lembrança.

Comigo ficou sua bandeira, que muitas vezes me é tão pesada que penso em desistir, que não sou digno, que definitivamente não nasci para herói. Mas então lembro dele, lembro dos momentos em que parava e ficava em silêncio, buscando em sua própria mente o caminho mágico da vitória, e então ergo a bandeira novamente, por ele, por mim, por nós todos, heróis de nossas próprias guerras.

As crianças ouvem histórias dele, admiram-se de seus feitos e em seus olhos parece rebrilhar o aço de sua lança. Pedem para contar de novo de como ele venceu quando era impossível. Mas ele não sabia que era impossível, explico, por isso que foi lá e venceu. Elas escutam com seus olhinhos brilhando e depois as ponho para dormir. Cubro-as bem porque faz frio, elas que são o futuro e que mais tarde lutarão por nós. E depois vou deitar, cansado de minha luta, a bandeira que carrego encostada à parede, esperando pela nova batalha de amanhã. Vou deitar e sonhar com uma linda princesa, a princesa que a mim um dia também virá buscar, quando chegar a minha hora.

Quando ela surgir, espero ir-me da mesma forma que ele foi: com a dignidade e o orgulho dos que cumpriram seu destino.

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Ricardo Kelmer 1999  – blogdokelmer.com

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> Este texto integra o livro A Arte Zen de Tanger Caranguejos

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LEIA TAMBÉM

Um mito a 300 km por hora – O arquétipo da jornada do herói na trajetória de Ayrton Senna
É inquietante pensar assim, mas tudo soa como uma… predestinação. Quando lembramos que Ayrton era um dos que mais lutavam pela segurança dos pilotos, que ele morreu numa cidade de nome Ímola, no dia do trabalhador e ao vivo para o mundo inteiro, tudo isso reveste sua morte de um significado mitológico de sacrifício, uma autoimolação

Instituto Ayrton Senna – Impulsionados pelo desejo do tricampeão de Fórmula 1 Ayrton Senna, sua missão é levar educação de qualidade para as redes públicas de ensino no Brasil. Atua em parceria com gestores públicos, educadores, pesquisadores e outras organizações para construir soluções concretas para os problemas da educação básica

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em italiano

L´EROE E LA PRINCIPESSA

Ricardo Kelmer

Per Ayrton Senna, eroe del Regno della Terra

Il suo destino era scritto, sarebbe stato un eroe, niente meno che questo. Era scritto: essere il migliore dei guerrieri, eroe di tutti i regni. Anche così dovette lottare con tutti gli altri, affrontare la sua propria guerra. Dovette vivere, dentro se stesso e per tutta la vita, la più difficile delle battaglie: l’autoseparazione. Dovette varie volte arrivare sull’orlo dell’abisso e camminare sul filo che separa i mondi, morire e rinascere e morire di nuovo e un’altra volta rinascere fino che finalmente fosse preparato per compiere il destino che gli fu riservato. Il destino era marcato nella sua anima ma lui sapeva che avrebbe dovuto sudare e sanguinare abbastanza per realizzarlo.

Avrebbe potuto rifiutare? No. Se lo avesse rifiutato il peso di tale abdicazione gli sarebbe stato tanto insopportabile che l’unico rimedio sarebbe stata la morte. Per questo la morte scrutava la sua vita, la bella principessa dei suoi sogni, lei e il suo vestito bianco. E lui presto apprese a non spaventarsi a caso. Per questo a coloro che gli dei marcano il destino, non resta altro che compierlo.

E lui lo ha compiuto con la nobiltà dei grandi cavalieri. Ha preso per sé la bandiera dell’auto superazione e l’ha fissata nell’alto della sua lancia. E l’ha condotta velocemente per i regni della terra, ergendola ben in alto perchè tutti noi, guerrieri di tutti i regni, mai dimenticassimo che, nello stesso suo modo, potessimo vincere anche noi i nostri limiti personali. Il grande nemico non è dell’altro regno. No, lui vive dentro di noi e si nasconde dietro alla paura di fallire. Lui ha fallito, molte volte, tu ti ricordi, ma ogni fallimento si trasformò presto in apprendistato e in futuro era una arma poderosa in più con la quale lui abbatteva il nemico.

Un giorno lei sorse particolarmente bella, lei e il suo vestito bianco, la principessa dei suoi sogni. Apparse davanti a lui, proprio all’orlo dell’abisso sorridente e comprensiva. Lui non sentì paura. Per un secondo pensò anche di tornare, disperdersi, dire qualcosa agli amici, all’innamorata. Ma no. Tutto era già stato detto, la sua stessa vita l’aveva detto.

– Questa notte ho sognato con te – disse, un pò triste ma tranquillo. – Eri tanto bella che avevo la certezza che saresti venuta a cercarmi.

Lei intanto prese la sua mano e assieme camminarono per l’ultima volta per il filo del precipizio, e ammirando il vento nei capelli di lei, il comportamento degno che tanto ispirava la sua vita. Ma davanti, dove il cammino fa una curva a sinistra, lui uscì. Dicono che si trasformò in vento e che nelle mattine della domenica visita i regni della terra per soffiare in nostro ricordo. Con me è rimasta la sua bandiera, che molte volte mi è così pesante che penso di desistere, che non sono degno, che definitivamente non sono nato per essere eroe. Ma allora mi ricordo di lui, mi ricordo dei momenti in cui si fermava e restava in silenzio, cercando nella sua stessa mente il cammino magico della vittoria, e allora la ergo nuovamente, per lui, per me, per noi tutti, eroi delle nostre stesse guerre.

I bambini ascoltano le sue storie, si stupiscono delle sue vicende e nei loro occhi sembra brillare l’acciaio della sua lancia. Chiedono per raccontare di nuovo di come abbia vinto quando era impossibile. Ma lui non sapeva che era impossibile, spiego, per questo che è stato là e ha vinto. Loro ascoltano con i loro occhietti brillanti e dopo li metto a dormire. Li copro bene perché fa freddo, loro che sono il futuro e che più tardi lotteranno per noi. E dopo vado a riposare, stanco della mia lotta, la bandiera che carico accostata alla parete, aspettando per la nuova battaglia di domani. Andrò a sdraiarmi e a sognare di una bella principessa, la principessa che verrà anche a me a cercare un giorno, quando arriverà la mia ora.

Quando lei apparirà, spero di andarmene allo stesso modo in cui è andato lui: con la dignità e l’orgoglio di chi ha compiuto il suo destino.
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Traduzione: Isabella (Fã-Clube Ayrton Senna Stella – Itália)

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VÍDEOS

AYRTON SENNA TRIBUTE

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THE RIGHT TO WIN
documentário legendado

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MAIS TEXTOS

 

AYRTON SENNA E O PODER DO MITO
Ricardo Kelmer 2014

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Algumas pessoas não se conformam que Ayrton Senna seja considerado um herói, e falam que ele ganhava muito dinheiro, levava vida boa e coisa e tal. Alegam que herói é o trabalhador anônimo, que sua para ganhar salário mínimo, heróis são os bombeiros e professores. É um raciocínio equivocado.

Cada um entende o termo herói ao seu próprio modo. Porém, numa visão mitológica, Ayrton Senna encarna perfeitamente o termo, sim, pois sua vida é um ótimo exemplo do mito da “jornada do herói”. O herói é um arquétipo, presente na psique da espécie humana, e a jornada do herói é o mito da autorrealização, que todos vivemos em nossas vidas, com mais ou menos intensidade. Mitologicamente falando, qualquer um, anônimo ou famoso, que se realize profundamente em sua vida é um herói, pois para alcançar esse ponto é necessário uma longa e difícil jornada, feita de provações, sofrimento e superação – e nem todos conseguem levá-la até o fim.

Porém, quando a autorrealização do indivíduo influencia positivamente a vida de muitos outros, entramos num nível mais abrangente do mito, onde a vida do herói torna-se a vida de todos. Nesse nível, até mesmo a morte do herói traz grandes benefícios à sociedade. Ayrton Senna exemplifica bem esse nível mais abrangente. Além de tudo que sua vida pode inspirar (coragem, talento, sacrifício, superação…), sua morte oferece dois ótimos e indiscutíveis legados: as medidas de seguranças implantadas na Fórmula 1 (após o GP de San Marino de 1994, nenhum outro piloto morreu numa corrida) e o Instituto Ayrton Senna, um sonho do piloto brasileiro que sua morte, ironicamente, ajudou a tornar realidade, e hoje é uma referência mundial no trato com a infância carente.

Pode-se não gostar de Ayrton Senna, claro, afinal ele também tinha seus defeitos, e ninguém agrada a todos. Mas a força do mito está acima dos gostares: quando um arquétipo se manifesta fortemente através da vida de alguém, como o fez com Ayrton, o mito relacionado ao arquétipo é contado e recontado, e é impossível ficar alheio ao seu poder.

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Comentarios01COMENTÁRIOS
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01- Caro Ricardo, Recebi sua crônica através da Cinthya França, e fiquei extremamente emocionada com ela. Sua crônica em homenagem ao Ayrton é belíssima e profunda, sem dúvida uma das melhores e mais belas coisas escritas sobre o Ayrton e o seu significado. Gostaria aliás de consultá-lo sobre a possibilidade de publicá-la em nosso site, pois será um verdadeiro presente para os fãs do Ayrton, principalmente no ano em que estamos homenageando o Ayrton e resgatando os seus valores. Você nos daria sua autorização? Também gostaria que você nos enviasse o seu endereço de correspondência, pois pretendo enviar-lhe uma lembrança do Ayrton. Fico no aguardo de seu retorno. Saudações cordiais. Viviane Senna, Instituto Ayrton Senna, São Paulo-SP – abr2004

02- você foi lá na Fanor, deu uma palestra sobre mito, por sinal, só fui entender melhor quando li o texto da princesa e do Airton Senna, pois tinha a idéia de que mito era tipo uma explicação para aquilo que não sabia, do mesmo jeito que usamos a palavra coisa quando não achamos a palavra certa… Dá para entender? Um exemplo: ah… chove porque (ops…??!!!) os deuses estão chorando!! Mas depois que li, vi a jornada do herói, poxa vi o quanto a palestra foi boa e que perdi muita coisa, poderia ter deixado de ser besta e ter tirado essa dúvida na hora, mas fiquei com vergonha (tudo bem, aprendi a lição). Bom… quando terminei de ler, fiquei assim, chocada, maravilhada, então entrei no site e passei a ler outros e estou adorando!! Sua escrita, sua forma de escrever, muito bacana, me atrai muito, parece que está do meu lado contando, muito bacana isso!! Bom… ganhou uma fã. Quando vim para cá novamente, tenta sempre passar lá na Fanor, ou me avise, pode ser?? Obrigada!!! Kelly Cristina, Fortaleza-CE – jul2007

03- O herói e a princesa… simplesmente, lindo! Cinthya França Oliveira, Fortaleza-CE – ago2011

04- O lado sensível dos machos: adoooro! Márcia Matos, Fortaleza-CE – ago2011

05- Valeu, Kelmer. Ayrton Senna is alive! Francisco Fontenele Veras Neto, Lourinhã-Portugal – mai2012

06- Kelmer; ele é o “Arquétipo das pistas”! Gid Trigueiro, São Paulo-SP – abr2014

07- Lindo , que saudades eternas!!! Luciana Helena Miranda – mai2015

08- Amo! Maria Eliane Cândido de Almeida, Triunfo-PE – mai2015

09- Ídolo Saudades eterna. Gercino Silva, Jaraguá-SC – mai2015

10- Inesquecível, exemplo de dignidade!!! Lê Alessandra – mai2015

11- Simplesmente lindo.Ayrton para sempre em nossos coraçoes. Lucia Silva – mai2015

12- O Mito! Fantástico !! Reylle Fernandes, Manaus-AM – mai2015

13- Ele era tudo.nossa alegria nos domingos….saudades eternas. Norma Valladão – mai2015

14- para mim a Fórmula 1 morreu com Ayrton. Susana X Mota, Leiria-Portugal – mai2015

15- Emocionante parabens. Silvia Dos Santos, Caxias do Sul-RS – mai2015

16- Muito emocionante! Lindo. Rosana Mittanck, Itapema-SC – mai2015

17- Que lindo. Marcos Arraji Brasilians Brasil, São Paulo-SP – mai2015

4 Responses to O herói e a princesa

  1. Rosa disse:

    É…Você sempre surpreendendo da melhor forma. Lirismo total. Numa época de orfandade de heróis, nada mais justo do que a lembrança de alguém que fez a diferença nesse mundo véi sem portêra. Lindo texto…Lindo!

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  2. martha barreira disse:

    ADOREI O TEXTO DO SENNA, AMANHÃ TEM JOGO DO LEÃO, BORA…BJOS MARTINHA

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