Amor em liberdade

06nov2008

Os modelos tradicionais de relacionamento associam o amor à posse do outro e, por isso, ser livre ou deixar o outro livre é algo que soa logo como brincadeira, descompromisso, desrespeito…

AMOR EM LIBERDADE

.
Tânia tem 47 anos, é pedagoga e recentemente separou-se do marido, com quem teve um filho. É uma mulher ligada à espiritualidade, gosta de ler sobre filosofia e psicologia e desde a separação vem mudando sua compreensão das relações humanas. Tânia não mais crê no tradicional modelo de relacionamentos que a sociedade impõe a homens e mulheres e busca encontrar alguém que entenda algo que para ela é fundamental: amar não significa querer a posse do outro.

Raissa tem 22 anos, é estudante de publicidade. Solteira e bonita, ela adora sair à noite para beber, dançar e se divertir com os amigos. Gosta de homens e também de mulheres. Apesar de não faltar pretendente, Raissa atualmente está solteira. Para ela, namoro é bom, sim, mas só se a outra pessoa não quiser prendê-la com ideias limitadas sobre sexualidade e relacionamentos. Ela quer alguém que a aceite como ela é: livre para viver e amar, sem enquadramentos comportamentais e ciúmes doentios. Se não for assim, prefere seguir solteira.

Duas mulheres, duas gerações, experiências diferentes de vida. Ambas, porém, estão insatisfeitas com as opções que a sociedade lhes oferece quando o assunto é relacionamento. Ambas querem liberdade para serem o que são e viverem o amor como acham que devem vivê-lo. Mas não tem sido fácil encontrar outras pessoas como elas. Onde estarão?

Tânia, nossa pedagoga, rompeu com o velho modelão quando entendeu que exigir fidelidade do outro pode até ser prova de amor, mas de amor possessivo, que não ama o outro mas a sua posse e controle. Ela sabe que fidelidade é uma invenção cultural e como não quer mais alimentar hipocrisia em suas relações, não mais exigirá fidelidade sexual de seu homem – ela apenas não quer saber caso aconteça e que ele tenha cuidado com doenças. Ela deseja um homem que seja atraído pela liberdade que ela oferece à relação, no entanto os homens que encontra não conseguem lidar bem com a ideia de uma relação franca e honesta assim. Eles parecem preferir o velho modelo, em que um engana o outro e ambos fingem não perceber. Tânia quer compromisso, sim, mas sem mentiras veladas. O amor e a liberdade não são excludentes – ela diz, do alto da sabedoria de sua maturidade.

Nossa publicitária, apesar da pouca idade, parece também já ter intuído que o amor com liberdade deve ser o verdadeiro guia de seus relacionamentos. Mas Raissa sabe também que sua liberdade pessoal assusta muita gente. Ela não disfarça a irritação quando fala das pessoas “tão normais”, essa gente que aceita para si os moldes de relações impostos, sem sequer considerar que tais moldes podem jamais lhes servir. Raissa quer se doar ao amor mas não quer se dar a regras que não foram feitas para ela. Ela quer voar a dois pelos céus do amor e não dividir a dois a prisão do amor. Ela quer amar mas não quer aprisionar o amor por medo de perdê-lo. Para Raissa, entre amor que controla e amor que liberta, ela prefere o segundo, mesmo com seus riscos. Mas o primeiro tem os seus riscos também, porra! – ela exclama, do alto de seu jeito rebelde.

Tânia e Raissa não se conhecem mas fazem parte da mesma tribo, o das pessoas que não aceitam velhos modelos de relacionamento baseados na propriedade e procuram viver de acordo com seu próprio entendimento de amor. Elas estão fartas de preconceitos e hipocrisias que levam as pessoas a mentir para quem amam e para si mesmas, a viver relacionamentos falsos, a prender e se prender em regras estúpidas e a deixar de viver a vida verdadeira em troca de aprovação social. Pessoas como Tânia e Raissa também desejam compromisso – mas com o outro e não com a posse do outro. Não tem sido fácil para elas encontrar parceiros mas, aos poucos, como sempre ocorre, os revolucionários acabam se atraindo.

Não é fácil mudar velhos conceitos. Porque as pessoas sempre esquecem que a verdade em que creem não é necessariamente verdade para todos. Os modelos tradicionais de relacionamento associam o amor à posse do outro e, por isso, ser livre ou deixar o outro livre é algo que soa logo como brincadeira, descompromisso, desrespeito… Esse velho modelo não entende que um casal é feito de duas individualidades, que casais podem ser harmoniosos e felizes vivendo separados e que as pessoas podem ter outras relações e continuar se amando. Esse modelo só aceita o amor se no pacote vier junto posse e exclusividade. Até mesmo mulheres que desejam relacionamentos mais verdadeiros sentem dificuldade em considerar outros modelos de viver o amor. Elas deveriam parar um pouquinho e pensar: como podemos viver relações verdadeiras se queremos antes ser donos do outro?

É esse velho e intransigente modelo que não serve para pessoas como Tânia e Raissa, que querem amar e ser amadas, como qualquer um de nós, mas querem ser amadas por serem livres e querem amar pessoas livres. Os outros, que vivam eles o seu amor de posse, esse que exige antes de tudo possuir o outro. O que elas querem é outro amor, aquele que exige antes de tudo… amar.
.

Ricardo Kelmer 2008 – blogdokelmer.com

.

.

Mais sobre liberdade e o feminino selvagem:

AMulherSelvagem-11aA mulher selvagem – Ela anda enjaulada, é verdade. Mas continua viva na alma das mulheres

A mulher livre e eu – É esta a mulher que dança pela vida comigo, duas individualidades que se harmonizam mas não se anulam em estúpidas noções de controle: amamos o outro e não a posse do outro

Em busca da mulher selvagem – Era por ela que eu sempre me apaixonava, essa mulher que era quem ela mesma desejava ser e não a mulher que a família, religião e sociedade impunham que ela fosse

As fogueiras de Beltane – As fogueiras estão acesas, a filha da Deusa está pronta. O casamento sagrado vai começar

Medo de mulher – A mulher é um imenso mistério, que o homem jamais alcançará

Alma una – Eu faço amor com a Terra / Sou a amante eterna / Do fogo, da água e do ar / Sou irmã de tudo que vive / Ninfa que brinca com a vida / Alma una com tudo que há

Quem tem medo do desejo feminino? (1) – A maternidade, a castidade e a mansidão de Nossa Senhora como bom exemplo, e a força, a independência e a liberdade sexual da puta como exemplo contrário, a ser jamais seguido

.
LIVROS

Vocês Terráqueas – Seduções e perdições do feminino – Livro de contos e crônicas sobre a mulher

Mulheres que Correm com os Lobos – Mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem (Clarissa Pinkola Estés –  Editora Rocco, 1994)

A Prostituta Sagrada – A face eterna do feminino (Nancy Qualls-Corbert – Editora Paulus, 1990)

As Brumas de Avalon (Marion Zimmer Bradley – Editora Imago, 1979)

.
ENTREVISTA

Regina Navarro Lins (revista TPM, set2012) – A psicanalista e sexóloga fala sobre relacionamentos, sexo e liberdade

.

.

Seja Leitor Vip e ganhe:

Acesso aos Arquivos Secretos
Descontos, promoções e sorteios exclusivos
Basta enviar e-mail pra rkelmer@gmail.com com seu nome e cidade e dizendo como conheceu o Blog do Kelmer (saiba mais)

.

.

Comentarios01COMENTÁRIOS
.

01 – Queridíssimo Ricardo, você parece que lê a alma das pessoas! Obrigada, muito obrigada pelo trecho do seu texto sobre Raísa (“AMOR EM LIBERDADE”), que você postou em meu scrapbook. Falou direto ao meu coração. Obrigada mesmo, foi um presentão de aniversário! Beijos, que você continue sempre tão abençoado. Branduir, Rio de Janeiro-RJ – dez2008

Os modelos tradicionais de relacionamento associam o amor à posse do outro e, por isso, ser livre ou deixar o outro livre é algo que soa logo como brincadeira, descompromisso, promiscuidade…

20 Responses to Amor em liberdade

  1. Chris disse:

    As pessoas querem liberdade hoje, pois estão por demais individualistas. Mas há que endurecer sem perder a ternura jamais. Se há paixão, tem que haver parceria e respeito. Adorei o texto. Bjo

    Curtir

    • ricardokelmer disse:

      > Não entendo a liberdade como fruto do individualismo, Chris. Podemos constituir relações profundas, amar, casar e ainda assim mantermos nossa liberdade. Infelizmente a grande maioria ama a posse do outro e não o outro em si.

      Curtir

  2. suely andrade disse:

    é isso, posso dizer que vivo um amor em liberdade. Posso dizer também: como é dificil as vezes ser coerente rs,rs,rs… viva o escorpiano que topou o desafio! seguimos, eu com 46 e ele com 52, afinal juntos 98!!!!

    Curtir

  3. Raissa Santiago disse:

    Vasculhando aqui seu blog,achei essa crônica bem real.Sou Raissa ja ate escrevi p/ vc Kelmer.E essa Raisa ai da cronica é bem parecida comigo memsa,porém retirando a parte de gostar de “mulheres”nada contra ate pq uma de minhas melhores amigas é lésbica e não tenho nenhum preconceito em relação a ela. è bem verdade q eu assim como Raísa preciso de um amor q me de liberdade e nao me prenda,primeiro so uma sagitariana arretada,vou fazer meus 22 aninhos e quero mais é curtir a vida mais também queria arranjar alguem de verdade,alguem q sga meus impulsos e vontades por inteiro.Gosto de dançar,de curtir e namorar,mas adoro escrever e a maioria dos homens não deixam q as mulheres sejam cabeças,pq eles sempre querem ser os maiorais!

    Curtir

    • ricardokelmer disse:

      > Minha sugestão? Continue sendo cada vez mais essa sagitariana arretada, amante da liberdade, que curte a vida escrevendo e dançando, e vc atrairá os homens que gostam de mulheres assim. 🙂

      Curtir

  4. marcia disse:

    Como Tânia e eu existem tantas outras descortinando
    seus conflitos existenciais ,,, Ufa !!! depois de
    um longo casamento hoje a comunhão é mesmo com
    o que há de melhor em mim … esse é o laço que eu
    enlaço ,,,, rssss

    Curtir

  5. ricardokelmer disse:

    > Uma mulher em comunhão com ela própria, ô diliça. Comunguemos, irmãs, comunguemos.

    Curtir

  6. Raabe disse:

    Poxa, essa Raissa me foi tão familiar! hehehehehee
    E cada vez mais amar e amar, na certeza de que a melhor maneira de sentir algo assim é não formatar essa emoção, essa sensação! Formatar as coisas faz mal!
    Faz bem quebrar conceitos e evitar construi-los…sentir o momento presente, a vibraçaõ presente. A VIDA! =D

    Curtir

  7. Carlos Lessa disse:

    Parabéns pelo seu texto, Ricardo! Sem qualquer sombra de dúvida, já deve ter ajudado muitas mulheres (e homens também, porque não? já que serviu para que eu refletisse sobre essas questões) que vivem esse dilema.

    Que querem ser “descontruídas”, mas tem medo do que a sociedade vai achar.

    ABraços!

    Curtir

    • ricardokelmer disse:

      > Poizé, Carlos. Assim como as pessoas são treinadas pra acreditar em Deus ou ter uma religião, elas também são condicionadas a entender o amor como sinônimo de posse e controle. Desconstrução – você tá certo. Desconstruir essas verdades é desconstruir a si mesmo.

      Curtir

  8. kIKA disse:

    Qdo eu quero alguem, não quero ve-lo desfilar com outras. Quero admirá-lo como homem e até saber que ele pode ter outras, mas qdo está comigo, ele é meu homem. Não é posse. è zelo, carinho, cuidado, medo de perder, tesão. Vc gosta de dividir sua escova de dentes….poisé.

    Curtir

    • ricardokelmer disse:

      Uma escova de dente é um objeto íntimo de uso pessoal. Pode-se dividi-lo ou não com alguém. Uma pessoa, porém, não é um objeto nem algo que se possua pra poder dividi-lo com outra pessoa. A analogia com “dividir uma escova de dente” já traz embutida a ideia de posse, aquela velha noção de que podemos possuir uma pessoa, fazê-la apenas nossa, pro nosso uso exclusivo. Essa noção de posse tá na base da imensa maioria dos relacionamentos. Não é de se admirar que sejam possessivos, neuróticos e cheios de cíumes e mentiras.

      Curtir

  9. Elaine disse:

    Sem comentários. Perfeito!!

    Curtir

  10. susana mota disse:

    alguém falou em desconstruir…?
    Gatos. Aos 37 anos descobri os gatos, e pareceu-me que poderia aprender algo que necessitava: desconstruir sem destruir. Conhecer e amar seres de uma espécie diferente, que jamais será totalmente domesticada, vergada às nossas vontades e caprichos, tem sido uma verdadeira terapia para controlar e moldar a minha mania de controlar e possuir. Com os gatos, a única forma de prender, é não prender. Respeitar a sua Natureza livre, aceitar que, se eles quiserem, podem ir embora. Porque será tão difícil aplicar o mesmo conceito a humanos? Ó gente complicada…! Querem fidelidade? arranjem um cão, ora… 😛

    Curtir

  11. erika disse:

    Oi. Por acaso entrei aqui por um outro texto e acabei lendo esse…engraçado, às vezes o desejo de ser livre e deixar o outro livre é muito grande, mas acabamos voltando pra atitude da posse incontrolável…parece que o caminho é mesmo esse o de entender que não temos posse de ninguém mas desfazer essas amarras que vem de berço….é tão difícil! De qualquer maneira, obrigada pelo texto inspirador…!

    Curtir

Deixe um comentário